A Bíblia inicia com o tema
da criação. Ao narrar a criação do homem vemos que Deus forma uma imagem do
barro da terra e insufla nela o folêgo de vida. Aquela imagem inerte torna-se
uma alma vivente.
Essa existência do homem não
é totalmente explicada, quanto à sua natureza, nessa etapa da Bíblia, mas pelo
que podemos constatar em toda a revelação sabemos que o homem uma vez criado
não deixa mais de existir completamente.
A morte é revelada logo no
princípio, e torna-se realidade com a queda. A morte põe fim à existência
terrena, mas não é dito do que ocorre com o homem criado por Deus após esse
momento. A matéria da terra e a força comunicada por Deus foram as duas partes
constitutivas do homem. Na morte há a separação entre a matéria e o espírito
que foi soprado para dentro daquela imagem de barro. Tanto matéria como
espírito são impessoais até esse ponto da criação, servindo como fundamento da
criação do novo ser. Uma vez criado, saindo o espírito do homem (que é o fôlego
de vida de Deus), o barro (seu corpo) é desintegrado e volta ao pó. Mas não há
nessa parte do Gênesis 2,7 informação sobre o destino do homem após a morte.
A doutrina cristã católica
ensina que o homem é constituído de corpo e alma. Esses dois elementos passam a
existir na concepção dentro do ventre materno, e a separação de ambos somente
ocorre na morte. O homem possui uma única natureza, sendo o corpo e a alma
unidos. Para existir o homem, e a natureza humana, deve haver o corpo e a alma.
Com isso, como na morte há a separação dessas duas partes da natureza única, o
homem deixa de existir, mas permanece uma parte sua imortal, que é a alma. Essa
lhe representa e garante a permanência da sua existência. A alma do homem não
morre. O corpo do homem volta ao pó da terra. Por isso falamos de corpo
referindo-se ao cadáver, enquanto que da alma de uma pessoa quando nos
referimos à sua parte espiritual depois da morte, e não à pessoa inteira, pois
a mesma não está mais completa.
Diante disso, é preciso
identificar mais exatamente as diferentes explicações que são consideradas na
presente exposição. Dessas há, basicamente, o dualismo e o holismo conforme
segue:
Holismo:
para muitos, o homem na morte não mais existe, pois sendo o corpo e a alma
apenas os aspectos visíveis e invisíveis do homem, deixa de existir o corpo
assim também como cessa a existência da alma. Na ressurreição deveria haver uma
nova criação.
Dualismo: o
dualismo de muitas religiões explica que há duas partes no ser humano, ligadas,
mas independentes. O corpo seria a matéria, que pode ser decomposta, mas o
espírito eterno antecederia, assim, ao corpo, sendo aprisionado por um tempo
nele, e depois liberto para uma vida eternamente incorpórea. Essa é a doutrina
pagã, encontrada na filosofia platônica, e em muitas religiões.
Esses dois sistemas diferem
do pensamento puramente bíblico, como já possível perceber.
Certa vez, debatendo com um
defensor da mortalidade da alma, e do holismo acima referido, fiz uma reflexão
a respeito do holismo e do dualismo, como apresentei suscintamente acima, e
concluí algo dessa forma: existem dois holismos e um dualismo. Assim apresentei
por identificar na doutrina cristã, nessa etapa, um ponto de contato mais
marcante com o holismo, e para ressaltar essa ligação.
Esclarecendo, devemos pensar
que todos os sistemas concordam que há corpo e alma, mas não são concordes
sobre a natureza dessas duas partes (ou elementos, ou conceitos, ou aspectos) e
na relação entre ambas.
No holismo a alma é apenas a
energia vital do corpo, impessoal, e o corpo é o material vivificado por essa
força. Quando a força é desligada a matéria deixa de funcionar e não há mais nada
após isso.
No dualismo descrito acima o
corpo e a alma são dois elementos independentes e opostos entre si, de forma
que o espírito almeja desfazer-se do corpo para libertação e vida eterna sem
ele. É o paganismo filosófico grego.
Mas, nenhuma dessas vertentes
traduz o pensamento cristão. De fato, a doutrina cristã católica, que ensina a
imortalidade de alma, e que, portanto, pode haver separação da alma e do corpo e
que a alma continua em existência consciente. Essa doutrina não é a mesma que
aquela do dualismo.
Para o cristão, o homem tem
uma natureza que é composta de corpo e alma, sendo ambos necessários um para o
outro, complementos um do outro. Isso lembra o holismo, que enfatiza a unidade
corpo-alma, e difere do dualismo que vê as duas partes como totalmente
diferentes e de existências contrárias.
Por isso, pensei na posição
católica como um holismo, não aquele já descrito. É de fato, por um lado, um
holismo porque ensina a unidade corpo-alma como uma única natureza, e por outro
é um tipo de dualismo, pois concorda em que as duas partes podem ser separadas
na morte. Mas, sendo a base da natureza humana a unidade corpo-alma, preferi
usar o holismo para explicar a posição católica nesse debate com um membro da
Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Assim escrevi: “Há, pelo que parece, três ramos: dois holistas e um
dualista. O holismo católico, o holismo adventista e o dualismo dos gregos”.
Foi o que usei como termo para enfatizar o particular que havia notado ao
estudar as três orientações que citei.
E continuei:
“De fato, penso que a doutrina católica seja, de certa forma, holista e
não dualista. Quando se crê que há uma alma que permanece quando da morte, não
necessariamente há um dualismo. No dualismo a alma é eterna, perfeita, anterior
ao corpo. O corpo é uma "prisão", sendo considerado negativo. Assim,
a alma ter de se "libertar" do corpo e, assim, ir morar no
"céu" eternamente, quando chegar à perfeição.
Na doutrina católica
a alma passa a existir no momento inicial da existência da pessoa, juntamente
com o corpo, sendo que a natureza humana é alma-corpo. Sendo assim, não há
humanidade sem corpo ou sem alma. Na morte a alma não poderá ficar para sempre
assim, já que não é a pessoa, mas um "núcleo", "sede da
personalidade", que por ser espiritual permaneceu quando ocorreu a morte.
Dessa forma, a ressurreição é necessária. Não há duas essências corpo e alma,
como no dualismo, mas uma só essência ou natureza, corpo-alma.”[1]
Essa explicação está
em conformidade com a doutrina católica. É praticamente o mesmo que foi
colocado pelo papa emérito Bento XVI, quando ainda cardeal. Ele escreveu:
“Em contraposição ao
conceito dualista da imortalidade expresso no esquema grego de corpo-alma, a
fórmula bíblica da imortalidade pela ressurreição tende a transmitir um
conceito humano-total e dialógico da imortalidade: o essencial do homem, a
pessoa, permanece; o que amadureceu nessa existência terrena, de
espiritualidade corpórea e de corporeidade espiritualizada, continua existindo
de outro modo. Continua porque vive na lembrança de Deus. O elemento co-humano
faz parte desse futuro, por ser o próprio homem quem há de viver, não uma alma
isolada; por isto o futuro de cada um só será completo quando se tiver
consumado o futuro da humanidade.” (Introdução ao Cristianismo, Preleções sobre
o Símbolo dos Apóstolos, Herder, São Paulo, 1970, site obrascatolicas)
Ele contrapõe os sistemas
holista e dualista. O primeiro é o sistema bíblico e o segundo o grego. Como
cremos na ressurreição, não há lugar para uma alma feliz para sempre sem o
corpo. Por isso, o Catecismo Romano assevera que e “contrário
à natureza que as almas ficassem eternamente separadas de seus corpos.”
E, como ensina essa citação de Santo Ambrósio: “não
pode haver mortos na companhia do Senhor”. (Catecismo Romano, por Frei
Leopoldo Pires Martins, O. F. M., Editora Vozes Limitada, Petrópolis, RJ,
Brasil, 1951 – imprimatur 1950, site
obrascatolicas.)” Temos assim que a Igreja Católica ensina a imortalidade da
alma e a ressurreição da carne como duas verdades indissociáveis.
Gledson Meireles.
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