quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A Imortalidade da Alma no Antigo Testamento


A Bíblia inicia com o tema da criação. Ao narrar a criação do homem vemos que Deus forma uma imagem do barro da terra e insufla nela o folêgo de vida. Aquela imagem inerte torna-se uma alma vivente.
Essa existência do homem não é totalmente explicada, quanto à sua natureza, nessa etapa da Bíblia, mas pelo que podemos constatar em toda a revelação sabemos que o homem uma vez criado não deixa mais de existir completamente.
A morte é revelada logo no princípio, e torna-se realidade com a queda. A morte põe fim à existência terrena, mas não é dito do que ocorre com o homem criado por Deus após esse momento. A matéria da terra e a força comunicada por Deus foram as duas partes constitutivas do homem. Na morte há a separação entre a matéria e o espírito que foi soprado para dentro daquela imagem de barro. Tanto matéria como espírito são impessoais até esse ponto da criação, servindo como fundamento da criação do novo ser. Uma vez criado, saindo o espírito do homem (que é o fôlego de vida de Deus), o barro (seu corpo) é desintegrado e volta ao pó. Mas não há nessa parte do Gênesis 2,7 informação sobre o destino do homem após a morte.
A doutrina cristã católica ensina que o homem é constituído de corpo e alma. Esses dois elementos passam a existir na concepção dentro do ventre materno, e a separação de ambos somente ocorre na morte. O homem possui uma única natureza, sendo o corpo e a alma unidos. Para existir o homem, e a natureza humana, deve haver o corpo e a alma. Com isso, como na morte há a separação dessas duas partes da natureza única, o homem deixa de existir, mas permanece uma parte sua imortal, que é a alma. Essa lhe representa e garante a permanência da sua existência. A alma do homem não morre. O corpo do homem volta ao pó da terra. Por isso falamos de corpo referindo-se ao cadáver, enquanto que da alma de uma pessoa quando nos referimos à sua parte espiritual depois da morte, e não à pessoa inteira, pois a mesma não está mais completa.
Diante disso, é preciso identificar mais exatamente as diferentes explicações que são consideradas na presente exposição. Dessas há, basicamente, o dualismo e o holismo conforme segue:
Holismo: para muitos, o homem na morte não mais existe, pois sendo o corpo e a alma apenas os aspectos visíveis e invisíveis do homem, deixa de existir o corpo assim também como cessa a existência da alma. Na ressurreição deveria haver uma nova criação.
Dualismo: o dualismo de muitas religiões explica que há duas partes no ser humano, ligadas, mas independentes. O corpo seria a matéria, que pode ser decomposta, mas o espírito eterno antecederia, assim, ao corpo, sendo aprisionado por um tempo nele, e depois liberto para uma vida eternamente incorpórea. Essa é a doutrina pagã, encontrada na filosofia platônica, e em muitas religiões.
Esses dois sistemas diferem do pensamento puramente bíblico, como já possível perceber.
Certa vez, debatendo com um defensor da mortalidade da alma, e do holismo acima referido, fiz uma reflexão a respeito do holismo e do dualismo, como apresentei suscintamente acima, e concluí algo dessa forma: existem dois holismos e um dualismo. Assim apresentei por identificar na doutrina cristã, nessa etapa, um ponto de contato mais marcante com o holismo, e para ressaltar essa ligação.
Esclarecendo, devemos pensar que todos os sistemas concordam que há corpo e alma, mas não são concordes sobre a natureza dessas duas partes (ou elementos, ou conceitos, ou aspectos) e na relação entre ambas.
No holismo a alma é apenas a energia vital do corpo, impessoal, e o corpo é o material vivificado por essa força. Quando a força é desligada a matéria deixa de funcionar e não há mais nada após isso.
No dualismo descrito acima o corpo e a alma são dois elementos independentes e opostos entre si, de forma que o espírito almeja desfazer-se do corpo para libertação e vida eterna sem ele. É o paganismo filosófico grego.
Mas, nenhuma dessas vertentes traduz o pensamento cristão. De fato, a doutrina cristã católica, que ensina a imortalidade de alma, e que, portanto, pode haver separação da alma e do corpo e que a alma continua em existência consciente. Essa doutrina não é a mesma que aquela do dualismo.
Para o cristão, o homem tem uma natureza que é composta de corpo e alma, sendo ambos necessários um para o outro, complementos um do outro. Isso lembra o holismo, que enfatiza a unidade corpo-alma, e difere do dualismo que vê as duas partes como totalmente diferentes e de existências contrárias.
Por isso, pensei na posição católica como um holismo, não aquele já descrito. É de fato, por um lado, um holismo porque ensina a unidade corpo-alma como uma única natureza, e por outro é um tipo de dualismo, pois concorda em que as duas partes podem ser separadas na morte. Mas, sendo a base da natureza humana a unidade corpo-alma, preferi usar o holismo para explicar a posição católica nesse debate com um membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Assim escrevi: “Há, pelo que parece, três ramos: dois holistas e um dualista. O holismo católico, o holismo adventista e o dualismo dos gregos”. Foi o que usei como termo para enfatizar o particular que havia notado ao estudar as três orientações que citei.
E continuei:
De fato, penso que a doutrina católica seja, de certa forma, holista e não dualista. Quando se crê que há uma alma que permanece quando da morte, não necessariamente há um dualismo. No dualismo a alma é eterna, perfeita, anterior ao corpo. O corpo é uma "prisão", sendo considerado negativo. Assim, a alma ter de se "libertar" do corpo e, assim, ir morar no "céu" eternamente, quando chegar à perfeição.
Na doutrina católica a alma passa a existir no momento inicial da existência da pessoa, juntamente com o corpo, sendo que a natureza humana é alma-corpo. Sendo assim, não há humanidade sem corpo ou sem alma. Na morte a alma não poderá ficar para sempre assim, já que não é a pessoa, mas um "núcleo", "sede da personalidade", que por ser espiritual permaneceu quando ocorreu a morte. Dessa forma, a ressurreição é necessária. Não há duas essências corpo e alma, como no dualismo, mas uma só essência ou natureza, corpo-alma.”[1]
Essa explicação está em conformidade com a doutrina católica. É praticamente o mesmo que foi colocado pelo papa emérito Bento XVI, quando ainda cardeal. Ele escreveu:
“Em contraposição ao conceito dualista da imortalidade expresso no esquema grego de corpo-alma, a fórmula bíblica da imortalidade pela ressurreição tende a transmitir um conceito humano-total e dialógico da imortalidade: o essencial do homem, a pessoa, permanece; o que amadureceu nessa existência terrena, de espiritualidade corpórea e de corporeidade espiritualizada, continua existindo de outro modo. Continua porque vive na lembrança de Deus. O elemento co-humano faz parte desse futuro, por ser o próprio homem quem há de viver, não uma alma isolada; por isto o futuro de cada um só será completo quando se tiver consumado o futuro da humanidade.” (Introdução ao Cristianismo, Preleções sobre o Símbolo dos Apóstolos, Herder, São Paulo, 1970, site obrascatolicas)
Ele contrapõe os sistemas holista e dualista. O primeiro é o sistema bíblico e o segundo o grego. Como cremos na ressurreição, não há lugar para uma alma feliz para sempre sem o corpo. Por isso, o Catecismo Romano assevera que e “contrário à natureza que as almas ficassem eternamente separadas de seus corpos.” E, como ensina essa citação de Santo Ambrósio: “não pode haver mortos na companhia do Senhor”. (Catecismo Romano, por Frei Leopoldo Pires Martins, O. F. M., Editora Vozes Limitada, Petrópolis, RJ, Brasil, 1951 – imprimatur 1950, site obrascatolicas.)” Temos assim que a Igreja Católica ensina a imortalidade da alma e a ressurreição da carne como duas verdades indissociáveis.

Gledson Meireles.



[1] Em 18-6-2010.

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