Livro I
Capítulo 1
Sobre o propósito da morte de Cristo
John Owen começa seu
livro estudando o objetivo da morte de Cristo, aquilo que o Pai intencionou
fazer nela, e o que foi de fato cumprido e realizado por ela.
Em primeiro lugar,
pensemos naquilo que Deus Pai e Cristo intencionaram quando fez o plano de salvação
através da morte na cruz. Será que Deus pensou em salvar apenas um número de
pessoas e não todas? Será que o propósito de Deus Pai e de Jesus Cristo foi
apenas salvar os eleitos e não providenciar um plano de salvação para todos os
pecadores? É aqui que se encontra a questão. O calvinismo ensina que tudo foi
feito somente para os eleitos. É isso que a Bíblia ensina? Ou será que para
ensinar tal doutrina o autor terá inúmeros obstáculos a enfrentar ao tentar
fundamentá-la no texto bíblico?
Nessa presente
refutação poderemos ver o que a Bíblia ensina, o que a razão humana concebe
disso tudo, quais as passagens bíblicas sobre o tema, o que elas dizem em si
mesmas, no seu contexto, segundo a leitura natural, e diante do bom senso
iluminado pela graça de Deus, e em face aos argumentos da doutrina da expiação
limitada advogada pelo teólogo protestante John Owen.
Certamente será um
trabalho enorme, prolixo até, mas necessário para quem nunca parou para pensar
de fato, e de forma profunda sobre isso. Inclui nesse público os teólogos
reformados, que certamente nunca se debruçaram sobre o tema como será exposto
aqui.
I.
A
intenção na morte de Cristo
Que o leitor aprenda,
neste trabalho, a ler e interpretar a Bíblia. As palavras tem seu sentido,
próprio e literal, e o contexto indica como elas devem ser entendidas. É desse
modo que teses errôneas caem por terra quando postas à luz da Palavra de Deus.
Uma doutrina que não puder harmonizar-se com a Bíblia não pode ser uma doutrina
correta, e isso fica patente ainda quando claramente essa doutrina venha a contradizer a
inteligência que Deus deu ao ser humano.
Em Mateus 18, 11,
conforme é citado, Jesus veio para salvar o que estava perdido. Encontra-se aí
o propósito de Deus, que é salvar os perdidos. Já de início, podemos perguntar
a Owen, e a todo protestante reformado, quem estava perdido? Uma parte da
humanidade apenas? Havia uma parte salva e outra perdida? De fato, não. Então,
toda a humanidade estava perdida.
Todas as pessoas
estavam mortas em pecado, toda a humanidade necessitava do salvador. Jesus veio,
por isso, para o que estava perdido, então veio para todos. Parece que a
refutação é simples e já está dada na primeira apresentação do texto bíblico.
No entanto, como serão dados outros argumentos, por outros textos, cada um será
analisado.
Portanto, o primeiro
texto citado no livro de John Owen já pode ser entendido como ensinando a
expiação ilimitada, que é a doutrina bíblica, ensinada na Igreja Católica desde
o início: Jesus Cristo morreu na cruz para salvar todo e qualquer indivíduo. Essa
foi a intenção de Jesus Cristo ao vir ao mundo. Agora, repitamos a leitura de
Mateus 18, 11 seguido de Lucas 19, 10:
“Porque o Filho do
homem veio salvar o que se tinha perdido.” (Mateus 18, 11)
“Porque o Filho do
homem veio buscar e salvar o que se havia perdido.” (Lucas 19, 10)
Em 1 Timóteo 1, 15
vemos que Jesus veio ao mundo salvar os pecadores: “Esta é uma palavra
fiel, e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar
os pecadores, dos quais eu sou o principal.”
Perguntamos então:
segundo a Bíblia, quem são os pecadores? Só um grupo de pessoas entre a
humanidade? Há necessidade de identificá-los? Outra vez, não. Pois de fato,
todos são pecadores (cf. Romanos 3, 23). Então, Jesus veio para todos. Por
isso, São Paulo podia incluir-se com certeza entre os que foram alvos da cruz
de Cristo.
Mas, em Mateus 20, 28 é
dito também que Jesus veio dar Sua vida em resgate por “muitos”. Nos textos anteriores usam-se expressões que denotam
todos, e agora temos uma passagem que fala de muitos: “Bem como o Filho do
homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em
resgate de muitos.”
Aqui, o Calvinismo
enxerga uma limitação. Owen afirma que essa é a identificação dos pecadores que
serão salvos: muitos não todos. Por isso, então, a intenção e propósito
graciosos de Deus, limitam-se a uma parte dos pecadores? Haveria aqui uma
contradição com a conclusão já feita no início. Portanto, o termo “muitos” aqui
não limita nada, mas apenas mostra que serão de fato muitos os salvos, e a
Bíblia mostrará o motivo. Não se trata de limitar a intenção e propósito de
Deus.
Mas, eis que Owen
afirma que em outras passagens esses muitos são os “crentes”. De fato, pode ser
lido assim, uma vez que o resultado da cruz de Cristo é a salvação de muitos, que são exatamente aqueles que creram em Cristo. Contudo, isso é
diferente de afirmar que o propósito e a intenção de Deus foi salvar somente
esses, e que os demais não entraram no plano. É algo que já o leitor pode ir
tentando distinguir em toda essa tese.
A Bíblia não afirma em
nenhum momento que a morte de Jesus teve como fim um grupo limitado, mas sempre
a apresenta como referindo-se a toda e qualquer pessoa.
Então, já se faz outra
refutação aqui, que é a referida forma como Owen constrói essa doutrina
calvinista, identificando os pecadores como apenas “muitos pecadores”, e esses
sendo os eleitos, e esses sendo os únicos pensados por Deus para receberem
qualquer fruto de salvação eterna.
Por outro lado, a
Bíblia afirma que Deus tem o propósito de salvar a todos, e que muitos chegarão
à salvação porque creram. Isso ficará claro quando se fizer a devida refutação
aos mais intrincados argumentos de John Owen a esse respeito.
Que o leitor não pense
que isso é algo neutro, como se pudesse escolher a forma mais aparentemente
correta, como se esse esquema de Owen estivesse no mesmo patamar da doutrina
católica que ensina que os pecadores são todas as pessoas que existiram,
existem e existirão até o fim do mundo. De fato não está.
A Bíblia não está
afirmando que os pecadores que foram sujeitos no pensamento de Deus para serem
salvos são um número limitado. Nenhuma passagem conclui isso. Portanto, deve-se
entender como a Bíblia está afirmando, que Deus enviou Cristo para salvar a
todos, ou seja, a todos os que estavam perdidos, o que não exclui ninguém.
E quando Owen lê os
textos que falam de “muitos” de forma a torná-los o modelo principal para a
leitura dos demais, essa forma de interpretar constitui um erro, pelo exposto
motivo.
Para Owen, Jesus não teria
vindo dar sua vida por todos os pecadores, mas por muitos, significando um
grupo seleto, os eleitos apenas. No entanto, a palavra muitos aqui contrasta a única Pessoa de Cristo com a humanidade.
E, somente em sentido mais estrito, fala-se dos eleitos. Ou seja, no fim, os
eleitos são esses muitos que foram salvos, o resultado da cruz, mas nunca
especificando que foram os únicos que estiveram no propósito e intenção de
Deus.
Sabemos que a Bíblia
não se contradiz. Não se está dizendo, como já pode ser visto, que não exista o
grupo dos eleitos, mas o que a teologia reformada ensina é que somente os
eleitos podem receber a graça da Cruz, desde a intenção de Deus na eternidade.
Isso significa que há o restante da humanidade que não teria sido alvo do
sacrifício da cruz, e não pudesse receber nenhum bem para salvação eterna, que
os levasse para serem salvos em Cristo. Assim, o calvinista afirma que os pecadores
que Deus salva pelo sacrifício de Jesus são apenas os eleitos.
Como será mostrado,
essa afirmação não é encontrada em nenhuma passagem bíblica, e o esquema para
criação dessa doutrina, como explicado acima, é errôneo, e os motivos foram
estabelecidos, de forma que o leitor irá se deparar cada vez mais com inúmeros
motivos que desqualificam a tese reformada.
O texto de Gálatas 1, 4
não é lido exclusivamente sob a ótica reformada, mas está em conformidade com a
interpretação católica: Jesus entregou-se a si mesmo por nossos pecados.
Pela leitura reformada
a vontade e intenção de Deus seria separar os eleitos do mundo. Por isso, ele
amou a Igreja, como está em Efésios 5, 25-27. Então, não teria amado o mundo,
mas somente a Igreja, que conteria somente os eleitos.
Dessa forma, a teologia
reformada lê os textos como absolutamente realizando o que pretendem, ou seja,
que somente os eleitos tiveram os pecados perdoados na cruz, e somente eles
serão livrados do mundo mau, segundo a vontade do Pai.
Mas, se assim fosse, já
teria entrado em contradição com João 3, 16 onde Deus “amou” o mundo. Se Cristo
amou a Igreja somente, excluindo o amor ao mundo, as passagens entrariam em
colapso. Ou, de outra forma, a Igreja seria o mundo, um absurdo bíblico, que
nunca identifica a Igreja com o mundo. Está então, mas uma refutação a essa
tese reformada.
Em Tito 2, 14: Jesus
entregou-se por nós para nos redimir de toda iniquidade e purificar um povo
peculiar e zeloso de boas obras. Assim, a obra da cruz teria sido feita pelo
Povo específico, a Igreja, os eleitos segundo parecer reformado. Essa seria a
intenção e o desígnio de Cristo e do Pai. Por Cristo temos acesso à graça (Rm
5, 2).
No entanto, veja que se
todos podem receber a graça proveniente da cruz, somente os que creem podem ter
em si a redenção aplicada. É por isso que pode-se com certeza cada cristão afirmar que Cristo entregou-se por nós. No
calvinismo isso não é tão claro assim, pois pode haver entre os cristãos
inúmeros indivíduos pelos quais Cristo não teria morrido. Esse cenário
reformado não é encontrado na Bíblia Sagrada. Por isso, todos podem afirmar
certa e verdadeiramente: Cristo morreu por mim.
II.
O
efeito da morte de Cristo
Essa leitura, portanto,
é feita pelo motivo da morte de Cristo apresentar o efeito e produto da obra
como está em Romanos 5, 10, que diz que quando éramos inimigos fomos
reconciliados com Deus pela morte do Filho, e também em 2 Coríntios 5, 18 e 19,
onde Deus estava reconciliando o mundo em Cristo, não imputando as faltas dos
pecadores.
“Porque se nós, sendo
inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais,
tendo sido já reconciliados, seremos salvos pela sua vida.”
Primeiro,
reconciliação com Deus
Mas, veja que o texto
indica a expiação ilimitada. Todos são inimigos de Deus. Na cruz, fomos
reconciliados com Deus. Agora, já reconciliados, seremos salvos pela vida de
Cristo. Isso mostra que uma vez feitos amigos de Deus, nos aguarda a salvação
final.
O reformado lê a
passagem como efetuando a reconciliação somente dos eleitos. Mas, o texto
bíblico afirma que Deus reconciliou conSigo o mundo. Outro problema para o
calvinista, e quando ele tentar explicar que mundo quer indicar os eleitos, a
passagem em contexto mostrará que não é assim, e os argumentos serão desfeitos
detalhadamente.
Essa salvação, como
visto, é mostrada na Bíblia como fruto da graça da perseverança, que com
certeza irá chegar ao fim nos eleitos, mas que muitos, que vivem na amizade de Deus,
alcançada na cruz, podem voltar atrás, e não alcançar a perseverança final.
Ao invés de pensar que
os que renegam a fé são os que nunca foram salvos, deve-se reconhecer que são
aqueles que negam a graça que receberam, negando a salvação, deixando de prosseguir
e ser salvo pela vida de Cristo. Ainda, que no sentido alcançado na cruz já
somos amigos de Deus. Falta ainda ser reconciliado individualmente, quando há a
conversão.
“Isto é, Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo, não
lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação.”
Outra vez, Deus tem em
Sua vontade a reconciliação do “mundo”, e não somente dos eleitos. Ao
reconciliar o mundo, Deus não “imputa” os pecados do mundo. Assim, por causa da
cruz, Deus põe “em nós a palavra da reconciliação”.
Segundo,
Justificação
Da mesma forma que Deus
reconcilia todos em Cristo, ainda que ainda sejam inimigos, e não imputa os
pecados, ainda que estejam em pecados, agora, os que já foram reconciliados,
pessoalmente, e tornados amigos na paz de Deus, podem esperar a salvação. É
isso o que as passagens estão ensinando. O contexto é ilimitado para a intenção
de Deus e Cristo na obra da cruz. Não está escrito que cada um dos homens que
foram pensados para receberem a obra da cruz irão de fato, na realidade, e
finalmente receber. Esse pressuposto não é lógico como Owen entende.
Isso mostra mais uma
vez que a cruz tem em seu objetivo a salvação do mundo. O mundo inteiro, não
somente os eleitos. Que o leitor entenda essas passagens que mostram sem
rodeios a intenção e propósito de Deus para salvar o mundo.
Somente então, é que a
palavra do evangelho é aplicada naquele que a receber. Owen dirá que se Deus
justifica e tira os pecados, então não há como alguém ser condenado. Mas, o que
a Escritura está afirmando é que objetivamente
isso foi feito na cruz, e subjetivamente
será necessária a participação livre, verdadeira, do pecador. Não há lugar para pensar que a cruz é restrita
aos eleitos. Em cada texto isso é previsto. Veja: Deus reconciliou o mundo
consigo. Não é dito que reconciliou apenas os eleitos. E a interpretação geral
corrobora isso. Ainda, Cristo aboliu em sua carne a inimizade que havia contra
Deus. Em cada texto os pressupostos de Owen não são encontrados, a não ser que
sejam lidos de forma pouco refletida, ainda que apegando-se a poderosa lógica
assim que entra no argumento, tornando difícil se desfazer dele.
“Na sua carne desfez
a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para
criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, E pela cruz
reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades.”
(cf. Ef 2,15-16).
O reformado lê esse
texto entendendo que somente o eleito tem a inimizade com Deus desfeita na
cruz, recebendo a paz com Deus. E, ainda, que se o texto estivesse endereçado a
todos, então todos os indivíduos deveriam tornar-se amigos de Deus, e receber a
salvação. Portanto, preferem limitar isso aos eleitos, por entender que o
efeito da cruz tem de ser aplicado. Essa exigência está na teologia reformada,
e não no texto, e contexto bíblico. Leia novamente para estar certo disso.
No entanto, em
prosseguimento com a argumentação, o contexto bíblico é geral nessa passagem
também, visto que fala dos judeus e dos pagãos, que pela cruz foram unidos,
pois Cristo desfez a inimizade na Sua carne, criando um só povo, um só homem,
criando na cruz um só corpo, ou seja, as nações pagãs e os judeus agora formam
um único povo em Cristo, e todos podem, a partir da cruz, aproximar-se de Deus.
Trata-se da expiação ilimitada.
A vontade de Deus
expressa pela cruz de Cristo foi de fato alcançada. O caminho foi aberto.
Agora, na vida de cada indivíduo, há a responsabilidade pessoal de ir a Cristo
pela fé, tanto para os judeus quanto para os pagãos, pois estamos reconciliados
com Deus. De forma geral, sem excluir ninguém. E, como diz alhures, devemos
entrar no Povo e ser salvo pela vida de Cristo.
Veja que mesmo ainda
sendo inimigos, pela cruz já éramos amigos. Só os eleitos serão amigos de Deus?
Nenhuma passagem bíblica diz isso.
Então, somente na
justificação é que a amizade é estabelecida particularmente. Isso não significa
que somente o eleito esteve na intenção de Deus de um dia receber a graça da
cruz. Pelo contrário, a Bíblia está dizendo que todos já estão reconciliados
com Deus pela cruz, seja proveniente do povo judeu ou das nações. E mostra que
quando alguém se torna amigo de Deus vem depois a salvação pela vida de Cristo.
Em nenhum momento se
percebe que a Bíblia esteja mostrando a união dos povos, judeus e pagãos, para
depois limitar os efeitos da cruz aos eleitos. Nada disso. O contexto é amplo,
geral, ilimitado, mostrando que na cruz o muro de separação uniu toda a
humanidade nessa obra, que propõe a todos o convite para a salvação.
Também, sobre os
efeitos da cruz, são citados os textos de Hb 9, 12; Gl 3, 13; 1 Pedro 2,24; Rm
3, 23-25; Cl 1, 14; Hb 9, 14, 1 Jo 1, 7, Hb 1, 3, 13, 12, Ef 5, 25-27, Fl 1,
29, Gl 4, 4-5, Ef 1, 14, Hb 9, 15.
Jesus efetuou a eterna
redenção. Isso não quer dizer que somente os eleitos foram pensados ali, como
se somente os eleitos pudessem ter a redenção aplicada. Significa, porém, que
Cristo efetuou a eterna redenção para todos, e que todos tem o direito de
aproximar-se de Deus para recebê-la. É ao mundo inteiro que a redenção se
destina, é endereçada aos dois povos, judeus e gentios, feitos um só.
Ele nos resgatou da
maldição da Lei. Isso foi feito na cruz, mas apenas quem está em Cristo, quem
for a Cristo, terá a maldição cancelada em si. Na cruz, todos já temos a
maldição desfeita. Esse ponto é negado por Owen.
Deve-se entender isso,
o efeito alcançado na cruz, e o efeito da cruz aplicado no indivíduo. O efeito
é universal, na cruz, e é particular, para o indivíduo, e somente chegará ao
fim se o fiel perseverar. Não é dito que somente o eleito foi resgatado da
maldição da lei, mas que o resgate da maldição da Lei na cruz é para todos.
Jesus levou nossos
pecados sobre o madeiro. É referente aos pecados de todos, dos que já viveram e
dos que ainda nascerão até o fim dos tempos. Portanto, na cruz já está pago
pecados futuros e pecados de quem ainda não existe. Por isso, em qualquer tempo
que alguém confessar o Nome de Cristo, esse receberá o perdão e a
reconciliação. Não se pode dizer que esse texto esteja dizendo que somente os
pecados dos eleitos foram postos sobre Jesus. Por isso, o texto diz que Cristo
levou os pecados para “que mortos para os pecados, pudéssemos viver para a
justiça”.
Temos na cruz a
remissão pelo sangue de Cristo, o perdão dos pecados. Uma vez que nos
convertemos, temos esse perdão aplicado em nós. Que o perdão seja dado na cruz,
a todos, não significa que todos irão recebê-lo, pois está condicionado à fé
que o indivíduo deve exercer livremente.
E assim, para o
reformado, todos os efeitos da morte de Cristo são entendidos eficazmente
servindo para quem está envolvido nela, ou seja, todos pelos quais Cristo
morreu serão salvos, serão reconciliados, justificados, adotados, santificados,
terão a graça eficaz e entrarão na glória.
No entanto, os textos
estão apenas mostrando o que a morte de Cristo preparou, e os efeitos dela na
alma do que crê e mantem-se unido a Cristo. Não é dito que os efeitos da morte
tiveram um público específico para usufruir deles, mas que o mundo inteiro pode
experimentar esses efeitos salutares, sendo, contudo, especialmente
experimentado pelos eleitos. Por isso, na cruz os eleitos são reconciliados,
mas somente na conversão é que essa reconciliação se aplica a eles. Assim,
todos são reconciliados, ficando à espera da conversão para receber esse
benefício da cruz.
Por tudo isso, sendo
que a morte de Cristo causa a reconciliação com Deus, a justificação e a
santificação, a adoção, a posse comprada, o que significa que a morte de Cristo
garante a todos os que estão previstos nela, a eterna redenção, a graça na
terra e a glória no céu, o calvinista afirma que esses efeitos irão eficazmente
ser aplicados.
Então, o problema que o
Calvinismo propõe para ser resolvido é que, se a morte de Cristo confere
realmente o que foi dito acima, que é a salvação a todos, se Cristo morreu por
todos, poder-se-ia dizer que ou o Pai e Cristo falharam no objetivo proposto,
não realizando o que intencionaram, ou todos os descendentes de Adão serão
salvos. Ou Deus falhou ou haverá o universalismo.
E como a primeira opção
é blasfema e a segunda contradiz a Escritura, o Calvinismo prefere afirmar que
a morte de Cristo foi intencionada somente aos eleitos.
Podemos afirmar, ao
cristão reformado, que Jesus morreu por todos, oferecendo ao Pai sua morte na
cruz para que todos se salvem. No entanto, como explica Santo Afonso, Jesus não
distribuiu igualmente Sua graça a todos, mas aos eleitos de maneira especial.
Assim, Ele ora pelos
eleitos em João 17, 19. Por isso, Ele é o Salvador de todos, mas em especial dos eleitos, como diz São Paulo em 1 Timóteo
4, 10. Por isso, a Escritura afirma que Cristo morreu por todos (2 Cor 5, 14-15). Cristo cancelou o decreto condenação a toda
a posteridade de Adão (Cl 2, 14-15). Ele deu redenção por todos (1 Timóteo 2, 5-6). A propiciação pelos nossos pecados, e não
somente os nossos, mas os do mundo
inteiro (1 João 2, 2).
Jesus não só preparou
preço suficiente pela redenção de todos, mas também o entregou ao Pai. Ele
oferece o remédio a todos os doentes que querem ser curados. Todos recebem a
graça, ainda que uma graça menor, uma graça remota, como diz Santo Afonso.
Então, se aceitam a graça, podem receber mais, maior graça, a graça eficaz,
para serem salvos.
Santo Afonso explica,
sobre a certeza da salvação, que: “A promessa feita aos eleitos é uma fundação
certa para eles, mas não para nós individualmente, desde que não sabemos que nós
somos dos eleitos. A fundação certa, então, que cada um de nós deve esperar
pela salvação, não é a promessa particular feita aos eleitos, mas a promessa
geral de assistência feita a todos os fieis para salvá-los se eles correspondem
à graça”.
Cristo morreu por
todos, e os eleitos finalmente receberão a graça eficaz, enquanto os não
eleitos ficam sem a salvação por não terem aceitado a graça, ou por terem
decaído da graça, e por sua negação, não obtiveram a graça eficaz. Ao invés de
pensar que Cristo morreu por muitos porque só o foi pelos eleitos, esses muitos
são os eleitos porque eles são aqueles que perseveraram na graça. A verdade
então é que Cristo morre por todos, dá a graça a todos, e só os eleitos crescem
na graça até a salvação. Neste capítulo é possível entender o motivo do
calvinista não aceitar a expiação ilimitada, e como devemos responder a isso,
mostrando que a expiação ilimitada é o ensino bíblico.
Capítulo 2
A natureza geral de qualquer propósito
Da
natureza de um fim em geral, e algumas distinções a respeito dele.
I.
A
Distinção entre fim e meios
O
fim de algo é o que o agente intenciona realizar por uma operação que é própria
à natureza daquele fim, e que é aplicado a ele,
inicia Owen seu segundo capítulo.
Certamente, Owen
considerou todo o processo de salvação pensado por Deus para ser realizado no
tempo. Assim, o fim de algo certamente é a salvação do eleito, que Deus
intenciona realizar pelo plano da cruz, que é o meio de salvar, ou seja, chegar
ao fim proposto por Deus, e que esse plano da cruz é aplicado para esse fim
proposto.
Owen demonstra que os
meios são todas as coisas que são usadas para atingir o fim proposto, e são
causas do fim de alguma forma. Com isso, ele trabalhará a tese para explicar a
redenção.
Explica que o fim da
morte de Cristo é a satisfação da justiça de Deus. E afirma que os meios não
são considerados bons em si mesmos. A tese partirá desse princípio, que é
estabelecer o agente em ação, os meios empregados e o fim efetuado.
Parece não haver nada a
ser objetado nesse capítulo, que fica à espera do que será proposto, e somente
ao longo do processo é que se irá inserindo a crítica onde os pontos em questão
destoarem da revelação bíblica.
O que se diz do fim de
uma ação, dos meios empregados, da natureza dos meios, servirá para corroborar
a tese. No entanto, é no desenvolvimento da mesma que se pode entendê-la bem.
Não são todas as coisas que necessitam de refutação.
Deus preparou fins e
meios, a salvação pela cruz, e estabeleceu a condição de que os pecadores livres
cressem em Jesus Cruz e perseverassem na Sua vontade para usufruírem dos
méritos de Cristo, de forma a serem salvos. Estabelecido isso, é certo que
aquele que não crê não será salvo.
Se o fim é a salvação
do pecador, aquilo que Deus intenciona realizar, enviando Seu Filho para morrer
na cruz, que é a operação fundamental própria para salvar, que é aplicado para
salvar, isso não nega o que está acima, ou seja, que a condição que Deus
estabeleceu é coerente com tudo isso. A fé é a condição para ter todo o
benefício do Calvário de Cristo.
Essa questão será
tratada de forma detalhada por Owen, e a refutação será feita nos pontos em que
Owen não estiver conforme os dados bíblicos, o que será mostrado passo a passo.
O leitor tenha a paciência de ir adiante crescendo na fé e conhecimento dessa
verdade maravilhosa.
II.
A
relação do fim aos meios
A relação entre o fim e os meios mostra que há uma
causa de um ao outro, escreve Owen. O fim é a causa do todo. Assim, Owen pensa
já no fim que é a salvação, em que Deus já preparou tudo o que é para ser
realizado do início ao fim para a salvação do pecador. E pensa no pecador
específico, individualmente. É certo que isso não é próprio da doutrina
reformada.
A doutrina católica ensina que Deus conhece os
eleitos, desde a eternidade. O que será demostrado biblicamente é que a cruz
não foi limitada aos eleitos, mas salvou toda a humanidade, e o motivo de nem
todos serem salvos não foi uma determinação de Deus, mas consequência do dom do
livre-arbítrio que o soberano Deus deu à humanidade.
Deus tem um fim em mente, que é salvar. Pensemos
nisso. Então, Ele pensou em produzir tal coisa em tal momento para salvar. O
início da obra de Deus em Sua intenção é já o fim. Assim, pensa Owen, Deus
limitou-Se em salvar apenas uns e deixar outros para a condenação. John Owen já
está construindo sua tese partindo desse pressuposto.
Sendo os meios as coisas usadas para atingir o fim
proposto, Deus certamente assim o fez. Mas, sendo a fé, por exemplo, meio pelo
qual o pecador chega à salvação, então Deus preparou a fé para os pecadores. Se
alguns não chegam à fé “seria” porque Deus não haveria preparado a fé para
eles. Isso é o que quer fazer pensar, pela tese proposta.
Está isso na Bíblia? Há algum lugar em que Deus é
mostrado negar a fé a algum pecador por puro beneplácito? Não há. Há alguma
passagem onde a cruz de Cristo é dita ser limitada apenas a alguns? Não. Isso é
apenas um exemplo tirado dos princípios que Owen apresentou. A refutação já se
inicia aqui, mas há muito o que ver ainda.
Então, essa teologia de Owen ainda não tem sua
fundamentação sólida estabelecida. Isso irá ficando mais claro, enquanto
caminhamos na exposição do teólogo reformado John Owen, e tudo o que não
estiver conforme a Bíblia será demonstrado.
Um exemplo interessante para entender esse
complicado argumento. Se Adão continuasse na inocência teria ganhado a vida
eterna, assim como agora o fim do pecado é a morte. Isso é um resumo do que
Owen magistralmente escreveu.
Ele também fala dos meios em sua relação natural,
sendo a causa eficiente do fim. Cita 2 Sm 3, 27, onde Joab intencionando a
morte de Abner e o mata à espada, e 1 Reis 2, 46 onde as feridas foram a causa
da morte. Ele mostra a diferença das relações naturais e morais nos meios e
fins.
III.
Os
fins pertencem à obra, ou ao que fez a obra.
Considerado o defeito e perversidade de certos
agentes, há diferença nos fins, mostrando a ação e a intenção.
Então irá mostra que se os meios não são adequados
ao fim, então irá aplicar algo para obter um fim e obterá outro. Fala da
moralidade do ato. Adão quis ser igual a Deus, comeu o fruto proibido, e
contraiu a culpa que não almejou. Almejou ser igual a Deus e terminou recebendo
o pecado por agir em obra moralmente má. Interessante exemplo dado por Owen.
O fim da obra e a intenção do autor devem ser
iguais. Abel quis adorar a Deus e ofereceu o sacrifício pela fé, que foi
aceito. Owen termina afirmando que somente Deus nunca desvia nas Suas ações,
nem tem algum fim que não intencionou.
IV.
O
fim é o benefício ou o beneficiário
O fim da morte de
Cristo foi efetuado por Deus para satisfazer Sua justiça. O fim porque fez isso
foi Sua glória. Tudo isso está conforme a doutrina católica. Deus determinou a
morte de Cristo para satisfazer Sua justiça e salvar os pecadores, tudo para
Sua maior glória.
No cenário bíblico onde
Deus cria o ser humano livre, que cai em pecado. Deus envia Seu filho para
salvar o mundo, onde todo o que crer nele será salvo. É óbvio que livremente
deve-se crer em Cristo para chegar à salvação.
No plano metafísico,
onde não há nada fora de Deus, a própria liberdade foi criada por Deus, nos
seres livres racionais, onde suas ações são previstas em Deus e por Deus
conforme a natureza que lhes foi dada, vista na eternidade, onde para Deus tudo
é hoje, tornando tudo certo, determinado, previsto, livre e soberano.
Tudo isso será visto na
Bíblia conforme os argumentos de Owen exigirem refutações.
V.
Os
meios são bons em si mesmos ou conduzem ao fim
A morte de Cristo
conduz ao bem.
VI.
Aplicando
as proposições
O agente é Deus, os
meios empregados são todas as coisas que Deus estabeleceu para a salvação dos
pecadores, e o fim é o que foi efetuado na obra da redenção. Essa é a lição que
temos até agora, considerando o que Owen propôs. Nada do que escreveu ainda
consegue refutar a doutrina católica da redenção ilimitada.
Gledson Meireles.
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