sábado, 25 de dezembro de 2021

O Cristão Reformado: estudo sobre a perseverança dos santos

 A Perseverança dos Santos

Essa é a parte da doutrina cristã católica das mais difíceis e mais interessantes de estudar. É muito comentada no Protestantismo, especialmente nos círculos reformados, que, para fins de maior conhecimento, são aqueles que surgiram da influência do reformador protestante João Calvino.

Para entender a perseverança dos santos é necessário ter uma boa compreensão da fé cristã, como foi apresentada enquanto se fazia a análise de cada ponto nos capítulos precedentes que tratam do que os reformados chamam de doutrinas da graça. Aqui serão considerados todos os argumentos apresentados nas obras básicas que estão servindo para o presente estudo. E o melhor é que estão sendo avaliados pela autoridade da Bíblia.

A doutrina da perseverança dos santos é bíblica. Santo Agostinho escreveu uma obra tratando do assunto. Santo Agostinho era bispo, viveu no século quarto e início do quinto, e foi um dos maiores teólogos da Igreja.

A perseverança dos santos tornou-se assunto muito comum a partir da Reforma Protestante, quando se discute o tema da eleição e predestinação.

Neste artigo, serão estudadas as passagens que tratam da perseverança dos santos, com o intuito de levar o conhecimento dessa doutrina a tantos que a conhecem por vias não tão puras, como é o da linha reformada. De fato, os reformados conhecem muito da questão, mas sua posição carece de correções. E também o artigo destina-se àqueles que não são familiarizados com esse lindo ensino, para que cresçam na fé em Jesus nosso Senhor.

Não é fácil convencer alguém nas coisas de Deus. Além da graça e dos auxílios do Espírito Santo, é necessária uma abertura da pessoa. Obstáculos para crer são inúmeros. Um deles pode ser a certeza. A absoluta certeza de que a explicação reformada da doutrina da perseverança dos santos está correta, o leitor não abrirá a mente para posições discordantes. Se você crê que a doutrina reformada está correta neste ponto, você não vai estar aberto às argumentações que serão apresentadas aqui, e não compreenderá o todo. É importante esta abertura da mente para o estudo.

Nem mesmo poderá surgir a simples curiosidade para ler um artigo contendo outra interpretação sobre o assunto. Menos ainda a vontade de estudar o tema com outras lentes. Ainda mais, se o escrito for longo. A cada argumento vem à mente alguma resposta pronta já aprendida, que muitas vezes faz parar o raciocínio, como se o mesmo já estivesse encerrado, e a solução já encontrada. Assim, um reformado não gastará tempo em leituras cuidadosas de fontes que discordam da sua posição. Isso serve geralmente para quaisquer assuntos e vertentes. O cristão arminiano dificilmente terá o prazer em debruçar-se numa obra reformada, passando o tempo em julgar cada argumento contrastando as opiniões. O cristão calvinista talvez tenha maior dificuldade para isso, mas no mínimo não terá deleite em dispor-se a leituras arminianas. Talvez para um estudo com fins apologéticos, etc. Nada além disso. Se for uma fonte católica, a coisa fica ainda pior. É prontamente deixada de lado. Pode até ser que haja uma leitura, com receios, claro, mas já é certo, ou muito provável, que inicia-se a leitura com a convicção de que ali não há qualquer contribuição em termos de correção doutrinal, mas que sirva apenas para ser refutada, tendo como base as doutrinas cristãs fundamentais, e de orientação reformada.

A doutrina da perseverança é ensinada pelos reformados de modo mais sistematizado, contando com definições de sínodos, com confissões, catecismos e grande número de obras especializadas. Mas há também os protestantes que não creem em quaisquer documentos eclesiásticos, negando a tradição da Igreja, de forma a serem adeptos do Nuda Scriptura, que significa a Escritura sozinha, sem qualquer intérprete a não ser o crente, e não do Sola Scriptura, onde a Escritura é a única fonte infalível de fé e prática, mas que entra em relação com a tradição da Igreja, aceita definições conciliares, credos etc.

Para muitos dos protestantes daquela persuasão, onde há somente a Bíblia e o crente, a perseverança dos santos chega a ser ensinada como estando absolutamente sob a responsabilidade divina, de forma que o salvo não poderia de qualquer forma perder a salvação, através de quaisquer pecados, mas apenas ser disciplinado, até mesmo com a morte como castigo de Deus, mas nunca com a perdição. Isso significa que o suposto “salvo” possivelmente poderia pecar tão gravemente, e morrer sem arrependimento, e ainda assim seria “salvo”. Ninguém crê que os defensores dessa doutrina estejam explicitamente pregando o pecado ou a licença para o pecado, mas que por buscarem exaltar a glória de Deus, através dessa doutrina, chegam ao ponto absurdo como foi mostrado acima.

Não é isso que o cristão reformado histórico acredita. Logo cedo, os reformadores aceitaram o valor das obas obras na vida do crente. Então, não poderiam ensinar algo dessa natureza. Ainda menos as confissões que resumem o ensino reformado predominante, autorizado, legítimo. Reconhecem a necessidade da santificação. Por isso, ainda que algum protestante encontre suas justificativas na Bíblia para pensar contra as decisões doutrinais das outras denominações, ou talvez da própria denominação, é bastante claro que esse está mais longe da fé e comportamento bíblicos esperados dos cristãos católicos diante da autoridade da Igreja do que o cristão reformado fiel à tradição da Reforma.


 

Introdução á teologia bíblica da perseverança dos salvos

Compreendendo e crendo a verdade da doutrina da perseverança dos santos, estudemos um pouco os textos usados para formular essa doutrina. E enquanto lemos a Escritura alguns pontos da doutrina reformada serão corrigidos pelos próprios textos bíblicos.

Comecemos pela leitura de Jeremias 3, 1-5. Nessa passagem o profeta anuncia a volta de Israel, de sua parte remanescente dispersa. O verso 3 afirma do “amor eterno” de Deus como causa da graça em favor de Israel. Essa passagem revela que Deus tem amor eterno pelo Seu povo, não podendo esse conceito ser aplicado ainda à perseverança dos santos em particular, já que o capítulo anterior versa sobre o povo de Israel: “Eu te reconstruirei, e será restaurada, ó virgem de Israel” (v. 4), “a multidão que há de voltar” (v. 8), com todos os indivíduos que estavam sendo reunidos novamente.

Se o texto serve para mostrar que desde a eternidade Deus já exerceu amor pelo homem, não há o que objetar. Não pode, porém, afirmar que todos ali fossem eternamente salvos, mas que foram salvos no sentido de serem libertados daquela circunstância de dispersão do povo eleito. Tratava-se de uma salvação temporal. Se o texto fala do amor que elege, o que é verdade, esse está voltado para a eleição do povo, em sentido corporativo. E se está direcionado ao povo, está no sentido de bênçãos ainda temporais, e não trata da salvação eterna de cada indivíduo.

Por isso, esse texto apenas ressalta o amor de Deus desde a eternidade, em relação ao Seu povo.  A ideia de que somente Deus atua na perseverança dos salvos, preservando-os para nunca caírem para sempre, tem raízes em leituras de texto já do Antigo Testamento, como esse, e o de Jeremias 31,3, mas tal não indica o que essa afirmação pretende estabelecer.

Quanto a usar o texto para entender o aspecto da eleição e do dom da perseverança final do cristão, não há o que objetar, já que em se tratando do salvo, que só o Senhor conhece, ele é amado por Deus e conta com a Sua graça, sendo a verdade que todos os cristãos devem crer. Assim, temos o entendimento contextual e encontramos também o sentido espiritual do verso em relação ao tema.

O mesmo significado está em Jeremias 32,4, quando o povo é prometido voltar e ter firmado o pacto eterno com o Senhor. No contexto trata-se do povo inteiro. Alguém pensará que nenhum membro do povo desobedecerá ao Senhor a ponto de vir a se perder?

Se o texto for usado com a ideia de que se refere somente aos eleitos, com especial atenção ao Novo Testamento, então servirá para entendermos a verdade da perseverança dos santos, mas não indicará mais que isso. Essa verdade pode ser lida em Jeremias 33,8, que fala da purificação de Judá e Israel: “Eu os purificarei de todos os pecados contra mim”.

Essas passagens não dizem que o povo persevera inteiramente, mas apenas revela a promessa de Deus. A passagem não mostra cada indivíduo que será alvo dessa bênção, mas revela a existência da mesma. A mesma verdade está em Ezequiel 11, 14-21. Essas coisas foram cumpridas na Nova Aliança, em Jesus, como ensina o livro de Hebreus. A essa altura, considerando o contexto dessas passagens, não há como formular uma doutrina de que seria impossível ao salvo perder a salvação, pelo falto de que esse teria recebido o coração novo do qual não poderia mais dispor! Mais adiante, vejamos se essas ideias são percebidas nas Escrituras, ou o que podemos pensar delas.

 

A perseverança dos santos nos evangelhos

O evangelho de Mateus, no capítulo 7, versículos 15-28, trata dos falsos profetas. O versos 21-23 relatam que muitos dirão a Jesus, no dia do juízo, de terem agido e feito milagres em Nome dEle, e ouvirão de Jesus a reprovação, de que nunca os conheceu.

Quem lê essa passagem verá que ela trata dos falsos profetas, que não têm testemunho cristão, pois são conhecidos pelos frutos (vv. 16-20), e que somente o “que ouve estas minhas palavras e as põe em prática” é um homem prudente, que construiu sobre a rocha”, e será salvo (v. 24). Aquele que ouve as palavras de Jesus e não as põe em prática, é como o imprudente que constrói sobre a areia, e será condenado (v. 27).

Ao invés de olhar para os versículos 21-23 como dizendo que aqueles foram condenados porque “nunca” foram conhecidos por Jesus, passando-se por verdadeiros crentes, mas faltando-lhes a eleição, ao invés de pensar nessa reprovação por pura ausência da graça eficaz para a perseverança, deve-se lê-la como o contexto todo exige e ensina. Jesus está exigindo frutos que vêm da obediência à Sua palavra. Os que não apresentaram aqueles frutos são ditos nunca terem sido conhecidos. Essa passagem toda está direcionada mais à responsabilidade do homem, que deve entrar pela porta estreita (v. 13), e andar pelo caminho da vida, pois “raros são os que o encontram” (v.14).

E aqueles foram falsos profetas e maus cristãos, são assim porque não foram predestinados? Esses que não entram pela porta estreita e não andam no caminho apertado, não o fazem porque não são chamados com a graça eficaz? Jesus não diz que poucos encontram o caminho porque não podem. O Senhor não diz isso, e seria muito arriscado afirmar tal coisa que o texto não afirma. Esse é um momento oportuno de prudente espera de elementos claros para formular a doutrina da perseverança. Não se pode afirmar que aqueles não entraram pela porta estreita porque não foram predestinados a isso.

Pelo contrário, ao chamar para entrar pela porta e caminho difíceis de entrar e percorrer, ao exortar a produzir frutos e ouvir e praticar a Palavra ouvida, Jesus mostra que a graça está sendo ofertada e o homem deve recebê-la, crer e obedecer, sem supor um decreto que exclui alguém desse convite. Essa passagem afirma sim, algo sobre a perseverança, mas daquela que nasce a partir da obediência à Palavra de Deus.

A essa altura alguém pensará que se está negando os decretos divinos, que a obediência vem antes da graça, e coisas assim. Nada disso. Pelo contrário, o que se está afirmando é que o evangelho supõe a liberdade, e por isso a responsabilidade, e que exige a obediência, supondo igualmente o poder de exercê-la. São coisas que os reformados não gostam. Mas, são coisas do evangelho. Você é livre e por isso é responsável, você deve guardar a lei porque tem capacidade para isso, com o auxílio da graça, é claro, eis as coisas que o reformado tem dificuldade para aceitar. E são ensinos evangélicos, ensinos racionais, nascidos e revelados pela Palavra de Deus, patentes na experiência, corroborados por cada pessoa que fizer o mínimo de reflexão sobre essa realidade.

Toda a responsabilidade que esse trecho do evangelho ensina evidencia fortemente o livre-arbítrio do homem para obedecer o chamado de Jesus. Outra passagem que fala do cuidado de Deus, para com o pecador, é o da ovelha perdida. A vontade de Deus é que não se perca nenhum dos pequeninos (Mateus 18, 10-14). A alegria por causa do pecador arrependido nessas passagens de Mateus e de Lucas 15, 3-10, mostra que Deus alegra-se com o homem que no uso do seu livre-arbítrio se converte. A graça o auxilia, a graça o prepara, a graça o antecede, a graça o torna capaz, a graça o chama.

Essa mesma verdade encontra-se na parábola do filho pródigo, que sai da casa paterna, usando seu livre-arbítrio, gasta sua herança em vida pecaminosa, depois se arrepende e volta para o pai, que o espera com amor e misericórdia. Em todas essas passagens Deus é mostrado como Aquele que deseja o arrependimento do pecador, e o homem é mostrado como possuindo livre-arbítrio para responder o chamado de Deus. De fato, o filho pródigo continuou na condição de filho, pois é impossível deixar a filiação, mas perdeu sua relação com o pai. Pelo pecado ele foi considerado novamente morto. Dessa forma, está provado que a relação com Deus é afetada pelo voluntário distanciamento do Senhor pelo pecado mortal.

Mas, arrependido, o filho volta para o pai e passa a viver novamente. Era filho, mas morreu espiritualmente, sendo então ressuscitado espiritualmente. Foi livre para deixar a relação com o pai e livre para voltar, enquanto o pai o esperava. Esse cenário não deixa espaço para aquelas comparações que os reformados tão bem conseguem fazer, quando mostram Deus indo em busca do pecador e o atraindo a Si, pois nesse trecho sagrado do evangelho é o filho que toma a decisão, ao passo que o pai está sempre à espera do filho amado. É a outra face da moeda, tão verdadeira e real quanto a outra. Deus atrai e o homem é livre para ir ou não ir. É um exemplo da soberania divina e do livre-arbítrio humano provado pelas Escrituras. Tudo enfatiza a graça e o livre-arbítrio juntos. E nessa passagem o pai não vai atrás do filho. É o filho que volta, o pai espera.

Sabemos que esse amor do Pai que espera o filho voltar é a Sua graça que acompanha aquele filho ingrato e pecador. Mas, ao mesmo tempo, é a liberdade do filho ao ver sua miserável situação de pecado, ao lembrar-se do amor do Pai e da vida de felicidade na casa paterna, que o faz voltar. É a graça e o livre-arbítrio em misteriosa atuação. Se há um lugar de tensão e de mistério sobre essa relação de liberdade e graça, esse é um dos momentos que voltam a atenção para o segredo de Deus.

O ensino de que é possível cair em pecado, de morrer espiritualmente e de voltar a viver pela graça do arrependimento e do perdão, encontra-se na doutrina católica, mas não na doutrina reformada. A própria razão de Deus alegrar-se pelo pecador que se converte, como os anjos do céu também o fazem alegrando-se, é uma verdade que salta aos olhos sobre a livre resposta do homem à graça. O homem é livre para responder, livre também para negar a graça, podendo perdê-la pelo pecado. Há passagens que revelam a eleição, mas disso não se pode afirmar a eleição certa de todos, como se a mesma fosse conhecida por todos.

Esse ponto é de extrema importância. Na mente de Deus tudo é claro é sem dificuldades, mas para o homem há muitos mistérios. Deus conhece os eleitos, conhece a sua jornada inteira, mas o homem não tem nem mesmo a absoluta certeza da sua eleição. Ainda, não é somente o fato de que o desconhecimento de certas coisas relativas à perseverança que deve se reconhecido pelo cristão, mas também o fato de que há a graça da conversão mesmo naqueles que não alcançarão a graça da perseverança. Essa verdade será realçada durante o estudo.

Em Lucas 22,32 Jesus ora pela fé de Pedro. No verso 21 temos que Satanás pediu para acabar com a fé dos apóstolos, e Jesus ora por Pedro, pois ele era o chefe, cabeça ou representante federal dos apóstolos. Pela fé de Pedro os outros foram confirmados. Jesus fez isso porque é possível a perda da fé. Ele não pediria por algo impossível de ocorrer. Ao invés de provar que não era possível a perda da fé, a realidade da oração pela fé prova que essa pode ser atacada e perdida. A oração do Senhor é poderosa, e como pedimos a Ele que aumente a nossa fé, é a nossa liberdade que está aberta à graça pedindo que Ele não nos deixe afastar-nos dEle. De novo, isso é livre-arbítrio e graça.

Pensar em termos de perseverança a partir de Lucas 22,32, seria esperar que nenhum apóstolo, nem mesmo Pedro pudesse cair.  Mas, a oração de Jesus mostra o contrário. Pensar que Deus ouve a oração de Jesus e por isso eles não caíram, torna necessário ter em mente tudo o que foi explicado acima.

A oração de Jesus em João 17, especialmente o verso 20, que refere-se a todos os que crerão em Jesus, também deve ser entendida no contexto da liberdade do homem, pois há quem creia e depois venha a negar a fé. Alguém poderá objetar que o filho pródigo foi embora mas voltou, e necessariamente todos os eleitos poderão cair mas infalivelmente voltarão à graça. Essa leitura pretende ir além do que a passagem permite. É uma inferência gratuita. E as passagens que falam da perda da graça servirão para iluminar essa verdade.

Jesus em todo o contexto fala dos que guardam a palavra de Deus (v. 6). João 3,36 fala daquele que crê como já possuindo a vida eterna, e do que não crê com já estando condenado. Isso não significa que não haja mais mudança entre o que crê e o que não crê, como se não houvesse jeito de descrer ou de chegar a crer. O que o texto afirma é incisivo da presente situação daquele que tem fé e do que não tem. É uma exortação a todos. Aliás, é uma admoestação exigente dirigida a todos.

Um texto bastante usado também para a perseverança dos santos é João 10. No entanto, deve-se prestar atenção nas palavras de Jesus, pois Ele afirma que Suas ovelhas O ouvem (v. 3), seguem-No e não seguem o estranho (vv. 4.5).

É óbvio que pensar em alguém seguindo a Jesus não comporta a ideia de Jesus mesmo afastar essa pessoa dEle. Ela está unida a Cristo e não pode ter senão as benesses da graça.

Contudo, pode-se pensar que se a ovelha deixar de ouvir e seguir a Jesus, e sair do seu rebanho, essa não usufruirá da graça. É chamada ao aprisco, mas voltará a ele se atender o chamado, como acontece na parábola do filho pródigo. É necessário entender a questão usando as duas parábolas a fim de ficar mais esclarecido.

Logo mais adiante, no evangelho de João, há um texto fácil para o cristão católico, mas de dificuldade extrema para o cristão reformado. Trata-se de João 15, 1-5. Jesus é a videira, e Deus Pai o agricultor. O ramo que está na videira, que é Jesus, não dá fruto, e esse é cortado. Os outros ramos, que já deram frutos, são “podados”, tratados para que possam dar mais frutos. Esse é um texto mais claro, que pode iluminar alguns dos anteriores. Mas, alguns o veem como mais obscuro.

Existe a interpretação de que o ramo não estava na videira, mas parecia estar. O problema é que o ramo foi cortado, porque era ramo da videira. E o motivo único foi não ter dado fruto. Não se poda uma árvore aparentemente, nem se tira galhos que parecem estar nela, mas a poda se refere ao real tratamento da planta, onde ramos seus são tirados.

A graça de Deus é a base para que se produzam frutos. Isso é simbolizado pelo permanecer na videira e ser tratado pelo Pai. Ainda assim, alguns ramos não dão frutos, e são tirados. Isso está conforme a leitura presente em todas as outras passagens anteriores, que mostram a graça de Deus e o livre-arbítrio do homem respondendo à graça, mostrando a possibilidade de estar com Cristo e deixar a Cristo. Recebe os benefícios da oração de Cristo aquele que permanece com Cristo. Aquele que ouve a palavra de Jesus e crê em Deus Pai, esse encontra “a vida eterna e não incorre em condenação, mas passou da morte para a vida” (João 5,24). Esse é o novo nascimento em Jesus Cristo.

Jesus fala mais adiante aos ouvintes que “não tendes a sua palavra permanente em vós, pois não credes naquele que ele enviou” (João 5, 38). O versículo 24 fala da fé em Jesus e em Deus Pai, enquanto que o versículo 38 apresenta a fé no Pai e no Filho. Então, no versículo 40 temos: “E vós não quereis vir a mim para que tenhais a vida...”. Eles não creem em Jesus, e isso implica em não terem a palavra do Pai, o que redunda em não quererem ir a Jesus. Isso é o que fica claro em João 6, 64-65, pois o que não crê não pode ir a Cristo.

A Palavra de Deus é que ensina, por meio dela Deus ensina, e quem for instruído vai a Cristo (João 6,45). Os judeus conheciam a Escritura, mas Jesus afirma que a palavra não estava neles, pois não criam nEle (João 5, 37-40). Jesus “sabia quis eram os que não criam e quem o havia de trair”. Ele não causava a incredulidade, mas sabia dela. Deus não havia determinado que eles não iriam crer, mas sabia que eles não iriam crer. Por isso dizia: “Ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lho for concedido”.

A possiblidade de retirar-se de Jesus está na pergunta que Ele faz aos doze (João 6,66). A verdade é que somente um apóstolo se retirou, não naquele momento, mas na última ceia, ainda que fosse escolhido, mas não é menos verdade que essa possibilidade inclui-se na pergunta como nas passagens já estudada, constituindo um ensino bíblico.

Santo Agostinho fala do ensino secreto de Deus no coração que faz atrair o eleito. Não são todos que recebem esse ensino, e é um mistério o motivo pelo qual não o recebem. Isso certamente está assentado sobre a seguinte verdade: se todos os homens são igualmente pecadores, e somente a graça capacita o homem a ir a Deus, como pode que alguns vão a Cristo e outros não?

As palavras de Santo Agostinho aqui podem ser explicadas como que há um mistério do motivo que Deus todo-poderoso, o Soberano Senhor, não converte aquela alma, e porque a liberdade dela, vendo a grandiosidade e o amor e bondade de Deus, não se converte, de modo que essa tensão não seja totalmente compreendida por nós.

Para Calvino a questão é justamente outra. Ele compreende que o mistério é o motivo de Deus não ter decretado que os demais se salvem, por que Ele quis que eles fossem condenados. Essa questão não é a mesma da anterior, que foi posta por Santo Agostinho. Assim, a doutrina católica admite que há mistério, como a reformada também, sendo diverso o ponto em que o mistério se encontra.

A resposta que nos vem ao ler o texto seria que, uma vez que os que são ensinados pelo Pai vão a Cristo, então nem todos seriam ensinados pelo Pai. O motivo disso estaria envolto em mistério. Desse modo, o que está sendo considerado por Santo Agostinho é a graça eficaz dada aos eleitos. Não se trata da graça suficiente dada a todos, como fica claro no ensino geral. As duas espécies de graça são ensinos do evangelho.

Vemos assim, como visto, que há algo diverso entre o ensino agostiniano e o calvinista. Enquanto para Santo Agostinho era mistério que uns fossem atraídos e outros não, ou seja, por que uns vão a Cristo e outros não, como sendo a mesma realidade, ou melhor, o mistério está no motivo de Deus não atrair e no motivo do livre-arbítrio da criatura não ceder, enquanto que para Calvino esse mistério é deslocado para outro lugar. Os calvinistas creem que o mistério é o motivo de Deus decretar a salvação de uns enquanto deixa outros caminharem para a perdição. Esse parece ser um momento para refletir.

O ensino de João 10,26-28 é lido pelos reformados como impossibilidade de condenação. Essa característica constitui, porém, um condicional. As ovelhas não podem ser tiradas da mão de Cristo e de Deus Pai, a não ser que a própria ovelha o deixe. E essa possibilidade encontra-se no ensino bíblico, de forma geral, como pode ser visto na parábola da videira, onde a produção de frutos não é apenas parte da santificação, sem ligação com a salvação, mas uma necessidade absoluta da vida do cristão, que se assim não for assim, ele morre espiritualmente sendo desligado de Jesus.

Santo Agostinho fala do início da fé, do dom da perseverança até o fim, da vida que tem perigo de cair, e que o dom da perseverança é impossível de ser conhecido enquanto há vida. Como saber se alguém teve o dom se ele não perseverou?

 

O ensino das epístolas

Em Romanos 5,6-10 ensina-se que já justificados seremos salvos da ira, pois já reconciliados, seremos salvos pela vida de Cristo. O capítulo 6 traz a questão do pecado. E no verso 21 afirma-se que o fruto da santidade tem o resultado da vida eterna.

A mesma doutrina encontra-se no capítulo 8,1, pois quem está em Cristo não incorre em condenação. Esse verso e aqueles do final do capítulo servem para a teologia reformada concluir seu ensino de que é impossível perder a salvação. Para isso, incluem o pecado, a carne, entendendo que o salvo não pode mais voltar ao estado de vida em pecado.

O interessante, porém, é que das coisas que podem afastar do amor de Deus, não é elencado o pecado. Vejamos: a tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada (v. 35), a morte, a vida, os anjos, os principados, o presente, o futuro, as potestades, as alturas, os abismos, ou outra criatura (v. 37).

Muitos contrastes encontram-se nessas categorias para realçar a verdade de que nada pode separar-nos do amor de Deus, a não ser o pecado. Em outras palavras, a Escritura não diz que o pecado não possa afastar de Deus, mas o contrário, que o pecado é sim algo que afasta de Deus. Essa conclusão não é da doutrina reformada, mas é da doutrina bíblica.

De fato, no mesmo capítulo, essa verdade é ensinada. O verso 4 afirma que não vivemos segundo a carne, mas segundo o espírito. O verso 5, tratando os que ainda não estão regenerados, afirma que os que vivem na carne gostam do que é carnal, e o verso 6 afirma que “aspiração da carne é a morte”, e “não podem agradar a Deus”.

Há quem pense apenas na morte física, e que mesmo sem agradar a Deus o predestinado será salvo (cf. Romanos 11,32). No entanto, não é à morte física que essa passagem se refere, já que mais adiante a espada e a morte são coisas que não podem separar o fiel do amor de Deus, ao passo que nesse verso a morte é uma penalidade. A palavra morte em uma passagem tem conceito diferente da outra, sendo uma a morte natural e a outra a morte espiritual. Essa é a leitura do que está nos versos 5, 12, 13, e outros. A morte é contraposta à vida eterna. Não se trata da morte temporal, mas da eterna, assim como não se refere à vida física, mas à eterna. É então que nos versos 12 e 13 a Escritura ensina a condição para ser salvo: “De fato, se viverdes segundo a carne, haveis de morrer; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras da carne, vivereis.”  Essa morte e essa vida não é temporal.

Para entender melhor, basta seguir o ensino dos versos seguintes, 14 a 17. A condução através do Espírito Santo, que conduz os filhos, que são herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo, “contando que soframos com ele, para que também com ele sejamos glorificados”, é um condicional. O texto ensina a possibilidade dos salvos cairem pelas obras da carne, e apresenta um condicional para chegar à glória.

Isso quer dizer que os que vivem na carne estão caminhando para a condenação, e o apóstolo dirige-se aos cristãos salvos. Dessa forma, textos como Efésios 1, 3-14 falam do Espírito Santo em nós como penhor da salvação, conquanto o cristão não viva segundo a carne.

Igual verdade está no ensino de Efésios 4, 17-5,5, que trata da conduta cristã. O verso 30, muito lembrado nessa questão da perseverança dos santos, e está no meio da argumentação e exortação de São Paulo, afirma: “Não contristeis o Espírito Santo de Deus, com o qual estais selados para o dia da Redenção”. O cristão deve viver a vida nova, revestir-se do homem novo, e não entristecer o Espírito. Essas palavras não significam que esse selo não possa ser quebrado por nada, inclusive pelo pecado. Pelo contrário, ao fim dessa seção que trata do comportamento digno do cristão, afirma o motivo das repreensões: “Porque sabei-o bem: nenhum dissoluto, ou impuro, ou avarento – verdadeiros idólatras! – terá herança no Reino de Cristo e de Deus”. (Efésio 5,5)

Em Ef 4,17 foi citada a impureza, o verso 22 insta sobre o despojamento do homem velho, o v. 24 manda revestir-se do homem novo, o v. 25 ensina a renunciar à mentira, o v. 26 a controlar a cólera para não pecar, o v. 28 exorta a deixar o roubo e trabalhar, o v. 29 a deixar palavras más, e o 30 não entristecer o Espírito, porque quem faz tudo isso não entrará no Reino. Não há como afirmar que o pecado não pode engendrar condenação, pois tudo o que é pecado aí está atrelado ao fato de que se assim continuar impedirá de entrar no Reino de Deus.

Em Efésios 6,15 está escrito: “Vigiai, pois, com cuidado sobre a vossa conduta”. A ideia é contrária àquela da teologia reformada, que supõe que nada disso muda o estado de graça do cristão, não sendo possível perder o Espírito Santo, por exemplo. Isso é importante para não cair no erro já denunciado dos que pensam na possibilidade do salvo morrer em pecado e ainda ser salvo. Pelo contrário, após tantas admoestações, aos santos, afirma que quem pratica tais coisas estará condenado.

Não teria sentido tantas palavras se isso não fosse possível. Não se trata de retórica vazia, apenas para instigar, fortalecer, proporcionar motivos de renovação espiritual, se tudo o que fosse dito não fosse realmente possível.

Em Filipenses há a mesma doutrina. Os versículos 10 e 11 falam do conservar-se puros par ao dia de Cristo, “cheios de frutos de justiça que provêm de Jesus Cristo”, que são as obras feitas na fé.

Quatro versículos antes, no verso 6, escreveu o apóstolo: “Estou persuadido de que aquele que iniciou em vós esta obra excelente lhe dará o acabamento até o dia de Jesus Cristo”. Fala isso por causa do testemunho que os cristãos filipenses davam, desde o início. Será que tais palavras significam que os crentes não podem perder a graça da salvação e vida eterna? O verso fala “desta obra excelente” que Deus vai dar acabamento. Que obra é essa? Leia o versículo anterior, o v. 5, e verá: “recordando-me da cooperação que haveis dado na difusão do Evangelho, desde o primeiro dia até agora.”

E o v. 6: “Estou persuadido de que aquele que iniciou em vós esta obra excelente...”. Portanto, a obra é a difusão do evangelho, e não a salvação individual que não poderia ser perdida, já que os versículos seguintes instam em continuar nas boas obras, a proceder dignamente (v. 27). Não se trata de dizer que todos devem viver em contínua busca pelas boas obras e obediência e ao mesmo tempo afirmar que a salvação não pode ser perdida. Isso seria uma contradição na própria passagem. São Paulo está ensinando que os filipenses são modelos de conduta cristã, exemplos na evangelização, e que Deus tem poder de levar esse ministério de pregação do evangelho até o fim.

O apóstolo continua a tratar da importância das obras na salvação, chegando ao capítulo 2, verso 16: “a ostentar a palavra da vida. Dessa forma, no dia de Cristo, sentirei alegria em não ter ocorrido em vão, em não ter trabalhado em vão.” O apóstolo tinha certeza que Deus levaria a obra de pregação do evangelho até o fim, mas pedia graças para que os cristãos continuassem na obediência, para que seu trabalho não fosse em vão. Essa duas noções não podem ser confundidas.

O Senhor tem poder para conservar o crente salvo até o dia de Cristo, pois Ele é fiel. (cf. 1 Ts 5,23-24). Nenhum cristão nega isso. Lembre-se, porém, que o homem pode cair na infidelidade, enquanto a fidelidade de Deus permanece (cf. 2 Tm 2,13). Quanto ao depósito que São Paulo menciona em 2 Timóteo 1,12, trata-se da doutrina do Evangelho. Dessa forma, ele manda guardar o depósito, no verso 13, que é a obra de Deus, tratada acima.

Em 2 Timóteo 4, 18 o apóstolo fala da sua salvação. Essa revelação é importante, mas nem todos têm a certeza absoluta de que isso acontecerá. Temos sim, uma certeza moral, de que estamos em Cristo, confiamos na Sua misericórdia, e isso nos basta. O ensino bíblico encontrado em 1 Pedro 1, 3-5 é importante, já que toda a epístola também exorta à obediência. O apóstolo fala da misericórdia de Deus, que nos fez renascer por meio de Jesus Cristo, para uma viva esperança. Não se trata de certeza, mas de esperança. É aquela que fornece a certeza moral do salvo, não de que tudo o que acontecer não mudará o estado do salvo diante de Deus. Essa certeza é baseada na esperança da vida eterna, e espera humildemente em Deus, tendo em mente a possibilidade baseada na fraqueza humana. A “herança incorruptível, incontaminável e imarcescível” está nos céus. Esperamos essa herança. Assim, há uma certeza, mas não absoluta.

Então, o verso 5, afirma que somos guardados pelo poder do Espírito, por causa da fé. Esse ponto é importante. Ele corrobora tudo o que foi dito, pois a graça de Deus para a perseverança final tem em consideração a fé, que é um entrelaçamento com o dom de Deus. O texto fala da salvação última, que ainda será manifestada. O salvo é guardado através da fé (dia, que pode ser traduzido por, através, por causa de, mediante a).

De alguma forma, a fé está sendo considerada para a guarda do salvo, por isso é importante a obediência, para que não se negue a fé pelas más obras. O cristão reformado não terá problemas em ler isso, já que a fé é um dom, e Deus está guardando o salvo mediante a fé que é o instrumento para que receba a salvação. Não há o que objetar quanto a isso.

Deve-se apenas considerar que essa fé pode sofrer variação de forma a afetar a relação com Deus, ou diretamente ou pela vida de desobediência. É por isso que a fé é provada, no verso 7. Se não fosse possível perdê-la, como dom unicamente preservado por Deus, não haveria motivo de testar esse dom. Por isso, no versículo 17 está escrito: “Se invocais como Pai aquele que, sem distinção de pessoas, julga cada um segundo as suas obras, vivei com temos durante o tempo da vossa peregrinação”. Esse temor não existe verdadeiramente junto com a crença de que é impossível deixar de perseverar definitivamente. Portanto, a doutrina reformada possui a certeza e ensina o temor, sendo que a certeza desfaz esse temor, e assim, sem refletir nessa contradição, afirma duas coisas juntas, mantendo o palavreado e negando o sentido o mesmo.

A passagem trata do temor do salvo diante do juízo de Deus, que avaliará as obras. Não existe a ideia da impossibilidade de viver novamente no pecado. Quando São João afirma que “o que é nascido de Deus não peca, porque o germe divino reside nele; e não pode pecar, porque nasceu de Deus”, não significa que tudo o que fizer não o fará cair na vida de pecado.

De fato, no início da carta o apóstolo escreve sobre quem professa seguir a Jesus: “aquele que afirma permanecer nele deve também viver como ele viveu”. (1 João 1,6) Todos os salvos tem pecado, mas Deus perdoa quando o crente reconhece seu pecado. O que 1 João 3,9 quer dizer é que não pode pecar gravemente, a ponto de perder a graça, aquele que nasceu de Deus. Não é uma incapacidade, mas uma improbabilidade.

Enquanto o salvo mantem a semente da graça, mas pode cair pelo abuso do livre-arbítrio. É justamente isso que a teologia reformada não reconhece. Essa ideia seria colocar o livre-arbítrio como mais poderoso que a graça, ou deixar de olhar para a soberania de Deus e voltar-se para o homem. Mas, não é isso que a Bíblia afirma. A graça e o dom de Deus estão certos, mas o homem é constantemente exortado a permanecer na graça, pois pode dela se afastar.

Em Romanos 11,20-22 afirma que pela falta de fé pode o salvo ser cortado da oliveira, se não permanecer fiel à bondade de Deus. 1 Coríntios 9,27 fala da possibilidade de ser “excluído” após ter pregado o evangelho aos outros, como em 1 Cor 10,12 exorta a quem pensa estar de pé, tome cuidado para não cair.

O contexto fala do pecado de idolatria, de impureza e de tentar e murmurar contra Deus. (1 Cor 10, 6-10) São exemplos para os cristãos (v. 11), que devem ser vigilantes para não cair nessas coisas.

A passagem é clara que se refere a cair nos pecados descritos. E, logo após, afirma que Deus não deixa que sejamos tentados acima das nossas forças. Deus é fiel e dará meios de suportar e sair da tentação (vv. 12-13). Novamente há o entrelaçamento da graça e do livre-arbítrio. O homem pode cair, mas se isso acontecer, a culpa será inteiramente sua, pois Deus dá a graça, os meios e a força para livrá-lo.

O contexto é claro, e não indica que a queda nesses pecados seja impossível, como todos devem reconhecer, mas também não ensina que o homem sempre será reerguido. Não impossibilita cair na vida de pecado. A promessa fiel de Deus permanece, assim como a possibilidade do homem de cair e não voltar. A tentação não será invencível, mas o homem pode deixá-la vencer. O nascido de novo não pode pecar enquanto estiver na graça. Pode, porém, deixar essa graça.

Isso explica as constantes admoestações que o mesmo apóstolo fornece contra o pecado. Deus pode guardar o salvo de “toda queda” (Judas 1,24), mas não impossibilitá-lo de cair, se ele consentir. É certo, porém, que o dom da perseverança final é alcançado por todos aqueles que seguem as instruções de Deus, como está na mesma carta, no verso 20: “...edificai-vos mutuamente sobre o fundamento da vossa santíssima fé”, e “Conservai-vos no amor de Deus, aguardando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna.”

Aquele que conserva a fé e o amor em Cristo estará guardado pelo poder de Deus para a vida eterna. Por meio dos textos comentados acima, foi feita a refutação da doutrina Reformada quanto a determinados pontos da perseverança dos santos.

 

Outras passagens difíceis para o cristão reformado

Se os textos estudados anteriormente já mostram que há possibilidade de cair da graça, de voltar ao pecado e perder a salvação, esses outros textos continuarão a afirmar a mesma doutrina.

Como os argumentos reformados foram refutados nos textos que eles pensaram ser a base para sua doutrina, os demais servirão de comprovação de que a mesma doutrina é corroborada.

É necessário que alguns princípios sejam assumidos para entender a questão da perseverança dos santos. A Escritura usa constantemente de alertas para os cristãos permanecerem na fé. Também apresenta os condicionais importantes quando trata da salvação. “Se fizer isso, então...”.

A doutrina reformada explica que essas admoestações são usadas por Deus para que permaneçamos na fé, mostrando os perigos de abandonar a fé e de nos manter na salvação. E conclui que isso não quer dizer que a salvação pode ser perdida. Em outras palavras, Deus nos manteria na salvação ameaçando tirá-la, apesar de isso não ser possível, e que essa impossibilidade deve ser crida pelo cristão. Essa proposição encerra contradição, como já explicada acima. Uma coisa acreditada como impossível de ocorrer não geraria temor.

A passagem de Gálatas 5, 1-12 é enfática em mostrar a verdade de que é possível perder a salvação. Isso já está provado nas passagens estudadas, mas é útil analisar essa passagem da epístola aso gálatas também.

Ela inicia com o ensino da liberdade cristã. Os cristãos não devem submeter-se novamente ao jugo da escravidão (v. 1). Então, essa volta constitui uma possibilidade.

Assim, o verso 2 afirma: “Eis que eu, Paulo, vos declaro: se vos circuncidardes, de nada vos servirá Cristo”. Ou seja, se o cristão submeter-se à circuncisão e à Lei, Cristo será inútil para ele. Poderia alguém ser salvo fora de Cristo? Se o único salvador é Cristo, então ele será condenado. A passagem é clara. Mas continuemos.

O verso 4: “Já estais separados de Cristo vós que procurais a justificação pela Lei. Decaíste da graça.” Além de usar diretamente a expressão decair da graça, afirma que quem procura a justificação pela Lei já está separado de Cristo.

Lembremos que a fé em Cristo já é a posse da vida eterna, enquanto a descrença é a condenação. Por isso, afirma essa instantaneidade do resultado da posição dos judaizantes. O verso 6 afirma que é útil somente a fé que opera pela caridade. Desse modo, o verso 7 é muito importante, porque afirma: “Corríeis bem.” Isso significa que os cristãos estavam firmes na fé.

E continua: “Quem, pois, vos cortou os passos para não obedecerdes à verdade?”. Essa passagem mostra que outra doutrina estava sendo introduzida. Trata-se de uma heresia. Isso está conforme Gálatas 1, 6, que diz que os cristãos gálatas estavam passando a outro evangelho. Perde-se o sentido da passagem quando se afirma que ela trata de doutrina sem implicações salvíficas. Portanto, está refutada a interpretação reformada.

 

A certeza da salvação

A doutrina reformada ensina de forma categórica e com ênfase maior a certeza da salvação do crente. Ainda assim, afirma que o crente pode, às vezes, enfrentar dúvidas e tristeza quanto à sua salvação. Como pode isso ocorrer, se a fé na salvação é certa, e a doutrina reformada afirma a impossibilidade do crente ser condenado?

De fato, a única base para que um crente reformado tem para justificar sua crise de fé quanto à salvação é a incerteza quanto à sua eleição. De fato, segundo a doutrina reformada um não-eleito pode passar temporariamente como um verdadeiro crente, antes de apostatar. Isso mostra o principal motivo para que a dúvida pudesse surgir.

A doutrina católica é superior nessa questão. De fato, ensina a esperança da salvação, que é uma certeza moral de que Deus nos salvará, e nos dará o dom da perseverança final. No entanto, não é absolutamente possível saber que o fiel estará nesse estado de fidelidade em todos os momentos e por toda a vida, o que pode dar lugar a incerteza e crises quanto à salvação em algum momento.

Dessa forma, o remédio para a alma que o cristão católico tem para vencer o perigo da perda da salvação é não colocar o medo de cair acima da firme esperança em Deus que pode nos salvar, pois é Ele o Salvador, e pode nos manter firmes até aquele dia.

Portanto, quando o cristão reformado tem qualquer incerteza nesse quesito, isso se dá porque ele pode fraquejar na certeza quanto a estar no número dos eleitos, enquanto que o cristão católico pode enfrentar o mesmo problema, porém, o motivo se dá quando olha para sua própria fraqueza.

Dessa forma, o problema é comum a ambos, e a solução é a mesma para ambos. O que fica patente é a superioridade da explicação católica, que não apenas faz sentido, mas está conforme os cânones da doutrina bíblica.

O reformado deve persuadir-se de fazer parte dos eleitos, que seria em número limitado quanto ao propósito de Deus, e deve procurar em si sinais da eleição, que seria um meio de afastar sua crise, e exercer a fé no salvador, que é certamente o sinal mais importante. Entretanto, o católico deve entregar-se à misericórdia divina para que essa não permita que ele caia da graça, pois a fé na expiação de Cristo por ele é incontestável, crer e confiar em Jesus, pois tem certeza de que Jesus Cristo morreu por ele, e desconfia apenas de si mesmo, de sua própria debilidade, confiando antes no poder soberano de Deus.

Gledson Meireles.

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