A
morte da morte na morte de Cristo (livro de John Owen)
Estudo
do Capítulo 1, Livro 1, sobre o objetivo da morte de Cristo
John Owen começa seu
livro estudando o objetivo da morte de Cristo, aquilo que o Pai intencionou
fazer nela, e o que foi de fato cumprido e realizado por ela.
Em Mateus 18, 11,
conforme é citado, Jesus veio para salvar o que estava perdido. Já de início,
podemos perguntar a Owen, e a todo protestante reformado, quem estava perdido?
Uma parte da humanidade apenas? Havia uma parte salva e outra perdida? De fato,
não. Todas as pessoas estavam mortas em pecado, toda a humanidade necessitava
do salvador. Jesus veio para o que estava perdido, então veio para todos.
Portanto, o primeiro
texto citado no livro, de John Owen, já pode ser entendido como ensinando a
expiação ilimitada: Jesus Cristo morreu na cruz para salvar todo e qualquer
indivíduo. Essa foi a intenção de Jesus Cristo ao vir ao mundo. Agora,
repitamos a leitura de Mateus 18, 11 seguido de Lucas 19, 10:
“Porque o Filho do homem veio
salvar o que se tinha perdido.” (Mateus 18, 11)
“Porque o Filho do homem veio
buscar e salvar o que se havia perdido.” (Lucas 19, 10)
Em 1 Timóteo 1, 15
vemos que Jesus veio ao mundo salvar os pecadores: “Esta é uma palavra fiel, e digna de toda a aceitação,
que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o
principal.”
Perguntamos então:
segundo a Bíblia, quem são os pecadores? Só um grupo de pessoas entre a
humanidade? Há necessidade de identificá-los? Outra vez, não. Pois de fato,
todos são pecadores. Então, Jesus veio para todos. Por isso, São Paulo podia incluir-se
com certeza entre os que foram alvos da cruz de Cristo.
Mas, em Mateus 20, 28 é
dito também que Jesus veio dar Sua vida em resgate por muitos. Nos textos
anteriores usam-se expressões que denotam todos, e agora temos passagem que
fala de muitos: “Bem como o
Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua
vida em resgate de muitos.”
Aqui, o Calvinismo
enxerga uma limitação. E lê os textos que fala de “muitos” de forma a torná-los
o modelo principal para a leitura dos demais. Jesus não teria vindo dar sua
vida por todos os pecadores, mas por muitos, um grupo seleto, os eleitos
apenas. No entanto, a palavra muitos aqui contrasta a única Pessoa de Cristo com
a humanidade.
E, somente em sentido mais estrito, fala-se dos eleitos.
Sabemos que a Bíblia
não se contradiz. Não se está dizendo que não exista o grupo dos eleitos, mas o
que a teologia reformada ensina é que somente os eleitos podem receber a graça
da Cruz desde a intenção de Deus na eternidade. Isso significa que há o
restante da humanidade que não teria sido alvo do sacrifício da cruz. Assim, o
calvinista afirma que os pecadores que Deus salva pelo sacrifício de Jesus são apenas
os eleitos.
Gálatas 1, 4: Jesus
entregou-se a si mesmo por nossos pecados. A vontade e intenção de Deus seria
separar os eleitos do mundo. Por isso, ele amou a Igreja, como está em Efésios
5, 25-27. Então, não teria amado o mundo, mas somente a Igreja, que conteria
somente os eleitos.
Dessa forma, a teologia
reformada lê os textos como absolutamente realizando o que pretendem, ou seja,
que somente os eleitos tiveram os pecados perdoados na cruz, e somente eles serão
livrados do mundo mau, segundo a vontade do Pai.
Em Tito 2, 14: Jesus entregou-se
por nós para nos redimir de toda iniquidade e purificar um povo peculiar e
zeloso de boas obras. Assim, a obra da cruz teria sido feita pelo Povo
específico, a Igreja, os eleitos. Essa seria a intenção e o desígnio de Cristo
e do Pai. Por Cristo temos acesso à graça (Rm 5, 2).
Essa leitura portanto é
feita pelo motivo da morte de Cristo apresentar o efeito e produto da obra como
está em Romanos 5, 10, que diz que quando éramos inimigos fomos reconciliados com
Deus pela morte do Filho, e também em 2 Coríntios 5, 18 e 19, onde Deus estava
reconciliando o mundo em Cristo, não imputando as faltas dos pecadores.
“Porque se nós, sendo inimigos,
fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, tendo sido já
reconciliados, seremos salvos pela sua vida.”
Mas, veja que o texto
indica a expiação ilimitada. Todos são inimigos de Deus. Na cruz, fomos
reconciliados com Deus. Agora, já reconciliados, seremos salvos pela vida de
Cristo. Isso mostra que uma vez feitos amigos de Deus, nos aguarda a salvação
final. Essa salvação é mostrada na Bíblia como fruto da graça da perseverança,
que com certeza irá chegar ao fim nos eleitos, mas que muitos, que vivem na
amizade de Deus, alcançada na cruz, podem voltar atrás, e não alcançar a
perseverança final.
Ao invés de pensar que
os que renegam a fé são os que nunca foram salvos, deve-se reconhecer que são
aqueles que negam a graça que receberam, negando a salvação, deixando de
prosseguir e ser salvo pela vida de Cristo. Ainda, que no sentido alcançado na
cruz já somos amigos de Deus. Falta ainda ser reconciliado individualmente,
quando há a conversão.
“Isto é, Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós
a palavra da reconciliação.”
Outra vez, Deus tem em
Sua vontade a reconciliação do “mundo”, e não somente dos eleitos. Ao
reconciliar o mundo, Deus não “imputa” os pecados do mundo. Assim, por causa da
cruz, Deus põe “em nós a palavra da reconciliação”.
Da mesma forma que Deus
reconcilia todos em Cristo, ainda que ainda sejam inimigos, e não imputa os
pecados, ainda que estejam em pecados, agora, os que já foram reconciliados, pessoalmente,
e tornados amigos na paz de Deus, podem esperar a salvação. É isso o que as
passagens estão ensinando. O contexto é ilimitado para a intenção de Deus e
Cristo na obra da cruz.
Isso mostra mais uma
vez que a cruz tem em seu objetivo a salvação do mundo. Somente então, é que a
palavra é aplicada naquele que a receber. Não há lugar para pensar que a cruz é
restrita aos eleitos. Em cada texto isso é previsto. Veja: Deus reconciliou o
mundo consigo. Não é dito que reconciliou apenas os eleitos. E a interpretação
geral corrobora isso. Ainda, Cristo aboliu em sua carne a inimizade que havia
contra Deus.
“Na sua carne desfez a inimizade,
isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si
mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, E pela cruz reconciliar
ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades.” (cf.
Ef 2,15-16).
O reformado lê esse
texto entendendo que somente o eleito tem a inimizade com Deus desfeita na
cruz, recebendo a paz com Deus. E, ainda, que se o texto estivesse endereçado a
todos, então todos os indivíduos deveriam tornar-se amigos de Deus, e receber a
salvação. Portanto, preferem limitar isso aos eleitos, por entender que o
efeito da cruz tem que ser aplicado. Essa exigência está na teologia reformada,
e não no texto, e contexto bíblico. Leia novamente.
No entanto, o contexto
bíblico é geral nessa passagem também, visto que fala dos judeus e dos pagãos,
que pela cruz foram unidos, pois Cristo desfez a inimizade na Sua carne, criando
um só povo, um só homem, criando na cruz um só corpo, ou seja, as nações pagãs
e os judeus agora formam um único povo em Cristo, e todos podem, a partir da
cruz, aproximar-se de Deus.
A vontade de Deus
expressa pela cruz de Cristo foi de fato alcançada. O caminho foi aberto. Agora,
na vida de cada indivíduo, há a responsabilidade pessoal de ir a Cristo pela
fé, tanto para os judeus quanto para os pagãos, pois estamos reconciliados, com
Deus. De forma geral. E, como diz em alhures, devemos entrar no Povo e ser
salvo pela vida de Cristo.
Veja que mesmo ainda sendo
inimigos, pela cruz já éramos amigos. No entanto, somente na justificação é que
a amizade é estabelecida particularmente. Isso não significa que somente o eleito
teve a intenção de Deus de um dia receber a graça da cruz. Pelo contrário, a
Bíblia está dizendo que todos já estão reconciliados com Deus pela cruz, seja proveniente
do povo judeu ou das nações. E mostra que quando se torna amigo de Deus vem
depois a salvação pela vida de Cristo.
Também, sobre os
efeitos da cruz, são citados os textos de Hb 9, 12; Gl 3, 13; 1 Pedro 2,24; Rm
3, 23-25; Cl 1, 14; Hb 9, 14, 1 Jo 1, 7, Hb 1, 3, 13, 12, Ef 5, 25-27, Fl 1,
29, Gl 4, 4-5, Ef 1, 14, Hb 9, 15.
Jesus efetuou a eterna
redenção. Isso não quer dizer que somente o eleito foi pensado ali, pois somente
ele teria a redenção aplicada. Significa, porém, que Cristo efetuou a eterna
redenção para todos, e que todos tem o direito de aproximar-se de Deus para recebê-la.
É ao mundo inteiro, é endereçada aos dois povos feitos um só.
Ele nos resgatou da
maldição da Lei. Isso foi feito na cruz, mas apenas quem está em Cristo, quem
for a Cristo, terá a maldição cancelada em si. Na cruz, todos já temos a
maldição desfeita. Deve-se entender isso, o efeito alcançado na cruz, e o
efeito da cruz aplicado no indivíduo. O efeito é universal, na cruz, e é
particular, para o indivíduo, e somente chegará ao fim se o fiel perseverar.
Não é dito que somente o eleito foi resgatado da maldição da lei, mas que o
resgate da maldição da Lei na cruz é para todos.
Jesus levou nossos
pecados sobre o madeiro. É referente aos pecados de todos, dos que já viveram e
dos que ainda nascerão até o fim dos tempos. Portanto, na cruz já está pago
pecados futuros e pecados de quem ainda não existe. Por isso, em qualquer tempo
que alguém confessar o Nome de Cristo, esse receberá o perdão e a
reconciliação. Não se pode dizer que esse texto esteja dizendo que somente os
pecados dos eleitos foram postos sobre Jesus. Por isso, o texto diz que Cristo
levou os pecados para “que mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça”.
Temos na cruz a
remissão pelo sangue de Cristo, o perdão dos pecados. Uma vez que nos
convertemos, temos esse perdão aplicado em nós. Que o perdão seja dado na cruz,
a todos, não significa que todos irão recebê-lo, pois está condicionado à fé
que o indivíduo deve exercer livremente.
E assim, para o
reformado, todos os efeitos da morte de Cristo são entendidos eficazmente servindo
para quem está envolvido nela, ou seja, todos pelos quais Cristo morreu serão
salvos, serão reconciliados, justificando, adotados, santificados, terão a
graça eficaz e entrarão na glória.
No entanto, os textos
estão apenas mostrando o que a morte de Cristo preparou, e os efeitos dela na
alma do que crê e mantem-se unido a Cristo. Não é dito que os efeitos da morte
tiveram um público específico para usufruir deles, mas que o mundo inteiro pode
experimentar esses efeitos salutares, sendo, contudo, especialmente
experimentado pelos eleitos. Por isso, na cruz os eleitos são reconciliados,
mas somente na conversão é que essa reconciliação se aplica a eles. Assim,
todos são reconciliados, ficando à espera da conversão para receber esse
benefício da cruz.
Por tudo isso, sendo
que a morte de Cristo causa a reconciliação com Deus, a justificação e a santificação,
a adoção, a posse comprada, o que significa que a morte de Cristo garante a
todos os que estão previstos nela, a eterna redenção, a graça na terra e a
glória no céu, o calvinista afirma que esses efeitos irão eficazmente ser
aplicados.
Então, o problema que o
Calvinismo propõe para ser resolvido é que, se a morte de Cristo confere
realmente o que foi dito acima, que é a salvação a todos, se Cristo morreu por
todos, poder-se-ia dizer que ou o Pai e Cristo falharam no objetivo proposto,
não realizando o que intencionaram, ou todos os descendentes de Adão serão
salvos. Ou Deus falhou ou haverá o universalismo.
E como a primeira opção
é blasfema e a segunda contradiz a Escritura, o Calvinismo prefere afirmar que
a morte de Cristo foi intencionada somente aos eleitos.
Podemos afirmar, ao
cristão reformado, que Jesus morreu por todos, oferecendo ao Pai sua morte na
cruz para que todos se salvem. No entanto, como explica Santo Afonso, Jesus não
distribuiu igualmente Sua graça a todos, mas aos eleitos de maneira especial.
Assim, Ele ora pelos
eleitos em João 17, 19. Por isso, Ele é o Salvador de todos, mas em especial dos eleitos, como diz São Paulo em 1 Timóteo
4, 10. Por isso, a Escritura afirma que Cristo morreu por todos (2 Cor 5, 14-15). Cristo cancelou o decreto condenação a toda
a posteridade de Adão (Cl 2, 14-15). Ele deu redenção por todos (1 Timóteo 2, 5-6). A propiciação pelos nossos pecados, e não
somente os nossos, mas os do mundo
inteiro (1 João 2, 2).
Jesus não só preparou
preço suficiente pela redenção de todos, mas também o entregou ao Pai. Ele
oferece o remédio a todos os doentes que querem ser curados. Todos recebem a
graça, ainda que uma graça menor, uma graça remota, como diz Santo Afonso.
Então, se aceitam a graça, podem receber mais, maior graça, a graça eficaz,
para serem salvos.
Santo Afonso explica,
sobre a certeza da salvação, que: “A promessa feita aos eleitos é uma fundação
certa para eles, mas não para nós individualmente, desde que não sabemos que nós
somos dos eleitos. A fundação certa, então, que cada um de nós deve esperar
pela salvação, não é a promessa particular feita aos eleitos, mas a promessa
geral de assistência feita a todos os fieis para salvá-los se eles correspondem
à graça”.
Cristo morreu por
todos, e os eleitos finalmente receberão a graça eficaz, enquanto os não
eleitos ficam sem a salvação por não terem aceitado a graça, ou por terem
decaído da graça, e por sua negação, não obtiveram a graça eficaz. Ao invés de
pensar que Cristo morreu por muitos porque só foi pelos eleitos, esses muitos
são os eleitos porque eles são aqueles que perseveraram na graça. A verdade
então é que Cristo morre por todos, dá a graça a todos, e só os eleitos crescem
na graça até a salvação. Neste capítulo é possível entender o motivo do
calvinista não aceitar a expiação ilimitada, e como devemos responder a isso,
mostrando que a expiação ilimitada é o ensino bíblico.
Gledson Meireles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário