O plano de Deus para o mundo inclui a permissão do pecado. Isso é realmente permissão, e não uma palavra usada sem sentido, como acontece várias vezes no pensamento reformado, e que foi diretamente negada por Calvino. A permissão é uma realidade, como será explicado mais adiante.
A Vontade antecedente de Deus de salvar a todos inclui a real e verdadeira possibilidade de todos cumprirem Seus mandamentos (cf. 1 Tm 2,4). Em segundo lugar há a Vontade consequente de salvar a todos que realmente serão salvos. Temos, então, a predestinação, que é, conforme Garrigou-Lagrange, a parte mais alta da providência (cf. João 3, 16; João 15, 5; Rm 8, 28-30).
Nesse ínterim, há a diferença entre a Providência geral, que provê a possibilidade de salvação a todos, e a predestinação, que leva os eleitos ao fim preordenado. Deus conhece eternamente todos os resultados. Deus faz a pedra cair necessariamente e o homem agir livremente. Deus move cada criatura segundo a natureza que Ele deu à criatura. Essa verdade parece não ser contemplada pela doutrina reformada.
Cumprindo a vontade de Deus podemos nos abandonar ao Seu beneplácito, mesmo escondido e misterioso. Isso é a forma mais alta da esperança. Lagrange mostra o estudo de Santo Tomás dos textos da Bíblia que falam da predestinação, da sua gratuidade e infalibilidade. E afirma que Judas poderia ter se arrependido, mas não o fez. Grande verdade.
A doutrina reformada não faz afirmações assim. Certamente. E, pelos seus cânones, não pode fazê-las. Na doutrina católica o mistério está em harmonizar a vontade de Deus de salvar a todos e a predestinação de salvar certo número de pessoas que somente Ele conhece.
Quando Cristo afirma que poderia uma geração converter-se se visse Seus milagres, alguns perguntam por que então Deus não proveu a superabundância de meios para salvar aqueles? Essa questão parece não compreender o seguinte preceito de justiça. Deus sabe de todas as coisas e provê o suficiente para que tudo corra bem, para que o bem aconteça. Jesus fez milagres em cidades que não se converteram e revelou que nas mesmas circunstâncias outras cidades seriam convertidas.
Isso mostra que aqueles eram piores que os demais. Também mostra que as graças que receberam eram maiores. Ainda assim, não foram convertidos. Cristo deu graças suficientes para esses, embora não puderam ser convertidos.
Tudo isso mostra que Deus deu graças suficientes para aqueles, no tempo referido por Cristo. Dar mais do que é justo não é obrigação, pois não há motivo para forçar a escolha, em nenhum sentido, nem naquele onde há mudança de vontade, o que daria no mesmo. Deus não mudaria a vontade de alguém que Ele sabia que mesmo sob a moção da graça suficiente iria voltar atrás. Tudo isso está de acordo com a doutrina do livre-arbítrio.
Naquilo que é gratuito não há obrigação nenhuma, muito menos a de suprir com meios mais que suficientes, acima de todas as medidas, como que a implorar a conversão. Isso não é necessário para a justiça, e Deus não o faz. É o que nos ensina a Revelação. Quanto ao que ensina a teologia reformada, o cristão é obrigado a pensar que Deus não quis simplesmente que aqueles fossem salvos, e por isso não providenciou meios pelos quais iriam ser salvos, e não os predestinou.
Ao invés disso, os preordenou para a condenação. Isso faz alguns pensar que Deus deveria ter salvado a todos, em todas as épocas, porque todos são maus, o que redundaria em universalismo, quando vse pensa na justiça, ou que simplesmente criou seres humanos para preordená-los à condenação sem qualquer possibilidade de serem salvos, contrariando a Bíblia. Essas duas opções necessárias nesse contexto não existem na verdadeira doutrina.
Afirmar que Deus quer simplesmente a salvação de uns e condenação de outros somente para mostrar a Sua glória não resolve a questão a contraria o caráter de Deus.
Dessa forma, tanto os que foram condenados naquele tempo e nos dias de Cristo, todos o foram por própria culpa. Mistério: Harmonizar a predestinação gratuita com a vontade de salvar a todos.
1º: Não há contradição: só se a vontade salvífica fosse ilusória, ou os preceitos impossíveis. E sabemos que Deus realmente quer a salvação de todos, e que os mandamentos são possíveis de serem observados.
2º: Deus nunca ordena o impossível e ninguém seria melhor que outro não fosse ele amado mais por Deus.
Ainda, os mandamentos de Deus são possíveis de serem obedecidos e o amor com que Deus ornou os eleitos deve-se a que eles ganharam graça sobre graça, sendo mais agraciados e, assim, mais amados, enquanto que outros deixaram a primeira graça e a rejeitaram de forma que não continuaram no caminho da salvação. Essas duas verdades guiam o pensamento nessa questão.
Gledson Meireles.
Fonte: GARRIGOU-LAGRANGE O. P., Reginald. Reality: A Synthesis of Thomistic Thought. https://www.ewtn.com/catholicism/library/reality-a-synthesis-of-thomistic-thought-10148
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