sábado, 29 de abril de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma. O holismo

 Holismo

A doutrina católica baseia-se toda na Bíblia, e sabe que existe uma dualidade no ser humano, já indicada em Gênesis 2, 7, onde o homem é composto da matéria e do sopro de vida de Deus.

O mortalismo ensina que em Gn 2, 7 já está bastante claro que o homem é alma, e, portanto, não tem alma, e que morrendo a alma tudo morre no ser humano. Mas isso é tirar conclusões tamanhas de um único texto, como se o mesmo já contivesse toda a doutrina. O sopro de Deus não é a alma, mas não foi através desse sopro que o homem foi criado, passando a ter personalidade, etc? Não foi esse sopro o que fez transformar a matéria do barro em carne e os ossos, formando o corpo do homem, e animado pelo princípio de vida com consciência e personalidade? Isso indica que há uma energia vital criada no homem a partir desse sopro.

O mortalismo defende um tipo de holismo, lendo em Gênesis 2, 7, bastante literalmente, a ponto de excluir outras passagens, enfatizando a palavra “tornou-se” uma alma vivente, como se a alma fosse radicalmente a pessoa, sendo sempre material, excluindo qualquer definição espiritual.

“Eis a palavrinha que faz a diferença”, referindo-se ao “tornou-se”. Afirma que o homem não recebeu uma alma, mas que tornou-se uma alma. Conclui-se, com isso, que a alma nada mais é que o homem, ou qualquer aspecto do homem que não pode ser separado dele.

O mortalismo baseia-se no dualismo grego para construir suas críticas. Assim, é comum as objeções contra o a alma em oposição ao corpo e coisas do tipo, que não fazem parte da doutrina cristã sobre a alma.

Da mesma forma que Gênesis 2, 7 é de fácil interpretação, podemos ler Zacarias 12, 1, onde o espírito é formado dentro do homem.

Uma vez que a palavra alma possui outro sentido, o argumento acima deixa de ter valor. Se o homem é uma alma, então ele não pode ter alma, assevera o holismo.

Contudo, quando se apresenta textos onde a alma retorna ao corpo de um morto, não se pode afirmar que nesse texto a alma é o ser integral, pois o ser vivo inteiro não pode sair do corpo e depois retornar ao corpo. Deve-se entender outro sentido, como o holismo de fato entende.

Da mesma forma, ocorre com o termo espírito, que teria algo a ver apenas com a respiração. Desse modo, o corpo sem espírito é morto, o que se conclui que nesse sentido é um sinônimo de alma ou estritamente relacionado a ela, pois a respiração, a força vital, que sai do corpo deixando-o morto, é a vida, que é chamada alma também.

Nessas passagens, o homem tem alma, possui alma. Também tem espírito. Começa aí a refutação da afirmação holista.

Por último, falando da criação do homem, Zacarias 12, 1 afirma que Deus criou o espírito “que o homem tem dentro de si”. Sendo assim, não é apenas um sopro, ou respiração, ou vida, mas algo que tem a ver com a constituição individual, algo criado para constituir a alma vivente.

Portanto, o corpo modelado da terra e o sopro de Deus, criando o espírito dentro do corpo modelado, fez o homem ser alma vivente. É a isso que foi criado dentro do ser humano que a Igreja Católica chama de “alma” ou “espírito” que é o princípio vital, a forma do corpo. Portanto, ele existe.

A Igreja não está se referindo ao “sopro” insuflado nas narinas da imagem de barro, nem ao fato da alma constituir em Gn 2, 7 o ser vivo, mas àquilo que fez com que a imagem de barro se tornasse o ser vivente. Isso ocorre a partir do sopro, mas Zc 12, 1 afirma que foi “criado” o espírito dentro do homem nesse momento. A investigação bíblica se dá nesse âmbito. É uma pura exegese.

A alma vivente é o corpo que respira, diz o holismo, dentro da doutrina mortalista. Porém, o que fez o corpo respirar? O espírito soprado. Pois bem. Esse espírito criou o ser humano, antes terra molhada, depois carne, ossos, etc., consciência, vida, indivíduo. Portanto, o espírito insuflado foi criador.

Conforme Zc 12, 1 ele também “criou” o espírito dentro dessa imagem de barro que Deus havia modelado antes de soprar o espírito criador. Conclui-se que há algo que une-se à matéria e constitui o ser humano.

A linguagem bíblica não é dualista, como os críticos pensam, mas refere-se à unidade em uma dualidade desde o início.

A analogias mostradas que tentam provar que sem o fôlego de vida existe apenas a alma morta não tem em profundidade todas as passagens, mas isola Gênesis 2, 7 de outras, igualmente importantes, como Zacarias 12, 1. A palavra alma em Gn 2,7 é “pessoa”, mas em Zc 12, 1 há uma criação dentro do corpo material, dando origem ao espírito. Dessa forma, esse “espírito” não é o fôlego, mas o que constitui a personalidade.

A vida que se desfaz na morte, na separação do corpo com a alma, no sentido de fôlego de vida, é a vida física, que deixa de existir, fazendo morrer a pessoa, atingindo o composto inteiro da natureza humana, mas não destruindo o que é o seu núcleo, que se chama alma. Essa é a parte da pessoa que continua, e não é a pessoa completa, não podendo agir como uma pessoa viva, tendo apenas a consciência e certas habilidades que restam até que o corpo seja ressuscitado.

A ilustração do computar é bastante interessante. A parte física é o hardware, que seria o corpo humano, e as informações o software, sendo a alma, e a energia é o que liga o computador. Daí se segue que a energia faz tudo funcionar, e as informações não funcionam com o computador desligado. Assim seria a alma na pessoa morta, não teria nenhuma energia em si.

Mas o que se tem é que na criação Deus fez a parte material e criou o ser com o poder espiritual ao soprar o fôlego de vida, que fez também originar-se naquele corpo criado uma alma com consciência a personalidade. A Bíblia não define a morte como a cessação da existência, e não diz que o morto não existe mais ao perder o fôlego de vida ou espírito, mas que ele volta à terra. É o conjunto da revelação que prova que algo da pessoa permanece, o que recebe o nome de alma ou espírito e permanece consciente.

O software não se separa do computador, embora seja outra coisa. Mas a alma não pode ser descrita nem como apenas algo que subsiste somente no corpo nem como mera energia. Por isso, a Bíblia afirma que a alma sai do corpo: “estando prestes a render a alma”, o que tem o sentido de sair, de separar-se, ou até mesmo de acabar.  Mas o sentido maior é o de separar-se do corpo, de sair do corpo, pois em 1 Rs 17, 21 é dito que a alma volta ao corpo para revivê-lo.

Nesse ponto, a ilustração do computador não faria sentido ao usar a alma para o software, já que aqui a alma é o que sai, sendo o mesmo que espírito, que na ilustração é energia. Por exemplo, se o software tiver um problema, ocorrerá mal funcionamento, ou mesmo não haverá funcionamento, e se for apagado o computador poderá estar ligado e não funcionará, não terá ações virtuais, como um corpo morto em aparelho.

Dessa forma, a ilustração seria que a alma é como o software que produz nele a vida, e a energia é somente o que mantem ligado os dois, já que sem a alma não adiante haver o corpo e uma energia impessoal tentando energizar o cadáver. A alma é também princípio de vida, consciência, mente e personalidade nesse caso. Isso mostra que uma ilustração feita apenas por uma só passagem se mostra falha.

Na ilustração é como se o software não pudesse ser separado do hardware, mas a Bíblia mostra que a alma sai do corpo, tornando essa única explicação incompleta. Ainda, que o princípio de vida seria outro que não a alma, o que também não é exatamente a doutrina bíblica, que mostra o conceito de espírito e alma como sinônimos em várias passagens, mostrando que assim que a alma ou o espírito sai do corpo acontece a morte. E também, nas passagens onde o poder de Deus, também chamado espírito, como o que traz o ser humano à vida, como que ligando novamente corpo e alma, pois o espírito volta a Deus, como está em Ecl 12, 7, o que não é a alma ou espírito no sentido de parte consciente do ser, já que os mortos desciam ao sheol. Nessa caso, espírito é a energia que traz o ser humano à vida, restituindo o corpo, que foi destruído ou que caminhava para a putrefação, tornando-o perfeitamente  de novo e religando-o com a alma.

De qualquer forma são apenas analogias. O que mostra a Bíblia, porém, não é o monismo, como o autor tentou mostrar, que seria o holismo, onde não há separação de partes, mas tudo sendo apenas uma coisa só, em seus diferentes aspectos. De fato, há um composto bastante unido, um tipo de holismo, mas nunca o monismo, pois há separação na morte.

A ideia que os mortalistas têm, de que a doutrina cristã da imortalidade da alma significa que a mesma pode viver fora do corpo “de forma perfeitamente funcional” é uma ideia errônea, e portanto não conseguem entender a doutrina católica, e falham muitas vezes nos argumentos, atingindo a filosofia grega, mas não a doutrina católica.

Dessa forma, não é o dualismo que é verdadeiro, mas a dualidade da natureza humana como ensina a Bíblia.

O mortalismo crê na existências de aspectos não-físicos na natureza humana, mas como se tudo fosse produzido pelo físico, num monismo, chamado de holismo, contra o dualismo. A fé católica é de uma dualidade, contra o monismo, expresso pelo holismo  mortalista, e o dualismo grego.

Fica interessante, mas não explica tudo, como já visto. A imortalidade da alma não é o mesmo que entender que há “uma ser dentro do ser”, pois na doutrina cristã católica o ser é a natureza humana completa, corpo e alma, e uma vez separado não há natureza humana, não há pessoa, mas parte da pessoa.

Assim é que do morto se tornou tradicional dizer “corpo” do falecido e “alma” do falecido, pois o composto deixou de existir, está morto, e o corpo não funciona, mas alma sendo a parte superior, continua existindo em consciência e personalidade, mas não em seu funcionamento normal, já que lhe falta o corpo. Isso mostra que é necessária a ressurreição.

Gledson Meireles.

quinta-feira, 27 de abril de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma

 Refutação à Morte física ou “espiritual”?

 

Daniel 12, 2 afirma que muitos ressuscitarão para a ignomínia e infâmia eterna. Não parece ser uma ressurreição para morrer fisicamente de novo. Isso só pode ser o inferno.

 

Há uma ressurreição espiritual, que ocorre agora (νῦν), como está em João 5, 25, e outra que ocorrerá no futuro, como está em João 5, 29. A ressurreição presente se dá em quem ouve a voz de Cristo já em vida. A ressurreição final é aquela que ressuscitará os que estão mortos nos sepulcros.

 

Interessante a intepretação mortalista, de que os mortos que vivem agora não significaria uma ressurreição no presente, mas apenas a afirmação de que “iam morrer, mas agora irão viver”, como se fosse apenas uma promessa. Mas o texto deixa claro que há uma vivificação presente, e por isso Ef 2,1 fala que “estávamos mortos”, no passando, e não que estávamos a pontos de morrer mas agora não vamos mais morrer. Essa não é a mensagem. O texto é claro em falar da morte em que se encontra o pecador não justificado e regenerado, como estado em morte espiritual. Sendo assim, há a ressurreição espiritual, na presente vida, que já garante a entrada no céu, e que pode ser experimentada pela alma.

 

Aqui, certamente, pode ser útil ver a dualidade da natureza humana, onde o espírito está preparado, e já pode entrar no céu, e a carne é fraca, pois o corpo ainda requer a redenção na ressurreição. Isso parece ser mais compreensível na dualidade do ser humano, que compreende os diversos aspectos, mas que prevê a distinção e real separação dos elementos na morte, o que o monismo que há no holismo mortalista não permite. Seria estranho que um aspecto estivesse já redimido e outro não se não houvesse como separá-los na morte.

 

A ideia de que a morte é biológica e significa cessação da existência é algo não provado. É um pressuposto. A morte é de fato a separação corpo e alma, em algum sentido, e não se pode negar isso. O que é necessário é garantir que há no ser humano algo que permanece após a morte, o que já foi provado.

 

Por isso, ao invés da vida eterna, os ímpios e desobedientes recebem ira e indignação (Rm 2, 8), que é a morte (Rm 6, 23). Em Mateus 25, 46 há a antítese “castigo eterno” e “vida eterna”. Pode-se concluir que a morte é o castigo, a ira e a indignação eterna para os ímpios, mas não no sentido de inexistência.

 

 

Refutação ao item Cadáveres

 

Para o mortalismo a segunda morte é igual à primeira, e os ressuscitados serão mortos literalmente, virando cadáveres, como está em várias passagens que falam da matança, como Jeremias 7, 32-33 e Isaías 66, 24.

Não se sabe como imaginam o fogo do inferno, já que o Vale de Hinom, o Geena, queimará os ímpios ressuscitados até a morte, segundo explica o mortalismo. Se o fogo é literal, e os corpos corruptíveis estarão sendo queimados por esse fogo, espera-se que a proporcionalidade das penas não durará muito, já que em pouco tempo todos, independente da proporcionalidade da penas estão mortos. E ainda, é de se esperar que os demônios também sejam queimados por esse fogo literal. Ou se é um símbolo, entende-se que não se sabe ao certo como agirá esse fogo e quanto tempo durará para castigar os ímpios e os demônios e Satanás.

É impressionante, porém, que a interpretação mortalista para essas passagens seja de certo modo literal, pois desejam formar a ideia de aniquilamento, de que os ímpios ressuscitados irão morrer novamente, de que virarão cadáveres que exalarão mau cheiro e serão comidos pelas aves.

No entanto, todo o contexto é simbólico, usa metáforas, está claramente afirmando a matança dos maus mas em uma simbologia, e isso é claro quando se diz que os montes se encharcarão de sangue, o que é claramente uma metáfora.

A comparação de Mateus 8, 12 com Isaías 34, 3 é interessante, mas a linguagem apenas tem certa semelhança. Jesus fala de lançar pessoas vivas nas trevas, enquanto Isaías fala de lançar cadáveres fora. Fazendo uma ligação das duas passagens como se estivessem ensinando que pessoas serão lançadas fora e sofrerão até à morte e servirão de comida de abutres. Mas, a doutrina tradicional interpreta todas essas passagens como símbolo do inferno do fogo eterno.

Também é citado o Salmo 112, 10 e Isaías 18, 6 como passagens aniquilacionistas. O simbolismo é patente, já que em Isaías 18, 6 afirma que esses cadáveres durarão várias estações servindo de comida para abutres e animais selvagens.

Os textos do Antigo Testamento deixam a impressão de que os salvos verão os condenados sempre em sua condenação, quando diz, por exemplo, que adorando o Senhor, quando se virarem verão os cadáveres dos ímpios, “porque o verme deles não morre e seu fogo não se extinguirá, e para todos serão um espetáculo horripilante” (Is 66, 24), aludindo que os salvos saberão do castigo dos condenados.

É bastante compreensível que o fogo do inferno não tem fim. Ele é uma força de condenação, como está em Tg 3, 6, pois o fogo do inferno incendeia a língua, trazendo os malefícios de condenação. Assim, também o mortalismo não vê nesse fogo apenas a condenação, mas o resultado eterno, que não requer que o mesmo esteja sempre aceso.

Isso é curioso, mas o que os evangelhos mostram é que a fornalha ardente, as trevas exteriores, a escuridão eterna, o ranger de dentes, indica um tormento eterno, que é realçado e esclarecido por outras passagens. Dessa forma, a interpretação mortalista, que tem nos textos do Antigo Testamento, em sua maioria, a ideia de aniquilação, não podem provar a doutrina aniquilacionista em seu contexto geral, como o leitor ficará sabendo ao ler toda a refutação, que não se reduz apenas ao presente tópico.


Gledson Meireles.

 

terça-feira, 25 de abril de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma: Geena

Refutação ao significado do Geena

 

O sheol não é a sepultura universal somente, mas lugar das almas dos mortos. O conceito antigo de Sheol como mundo dos mortos foi sendo desenvolvido, pois o Hades no Novo Testamento em Lucas 16 mostra que há diferentes sortes na região dos mortos.

A comparação da condenação feita a partir do que acontecia no Vale de Hinom não é somente que ali aconteceram sacrifícios, e os cadáveres eram jogados com o lixo, para serem totalmente consumidos pelas chamas, mas o que o evangelho frisa é o fogo estar sempre ardendo. Por isso, ao invés de intencionar transmitir a ideia de aniquilamento, há o conceito de tormento no fogo que não se apaga.

O autor pensa que seria melhor usar a prisão para o tormento eterno do que um lugar de destruição. Isso será refutado mais propriamente quando se tratar do castigo.

Então, para o mortalismo, os ímpios saem da sepultura para o geena. A ideia de uma transferência de um inferno a outro já foi explicada, refutada, e não tem problema para a fé católica.

Agora, a ideia de trazer o morto à existência, para sofrer e destruí-lo novamente ainda é um tanto problemática. De fato, na teologia católica há uma diferença entre o que sofre a alma somente no inferno com o que ocorrerá após o juízo, onde a condenação ao inferno será em corpo e alma.

Mas, para o mortalismo a inexistência da morte é idêntica à inexistência da segunda morte. Assim, o que faz diferença é o sofrimento que os castigados experimentarão antes de voltarem a não existir, antes do aniquilamento.

Interessante a doutrina mortalista, mas não há na Bíblia esse esquema, onde os mortos são ressuscitados, são julgados, são presos por um tempo proporcional aos seus pecados, são soltos, na rebelião que fazem junto com Satanás, e depois perecem no Geena. As explicações que o livro tinha dado era que o Geena era o lugar do castigo proporcional até a destruição. Agora há uma outra prisão para os ressuscitados condenados antes disso. Não foi citado nenhum texto bíblico para provar tal esquema escatológico.

Os evangelhos falam do inferno (geena), mas não é essa a ideia. É importante notar que Jesus fala de geena de fogo, em Mateus 5, 22.

Certamente, Jesus não usou o termo grego, mas aramaico, ou hebraico. Ele diz que o fogo é inextinguível, em Marcos 9, 43. Isso não teria problema se o condenado fosse aniquilado.

O condenado ao fogo não estaria preocupado se o fogo dura apenas um pouco ou não se apaga, mas desejaria morrer logo. Quando se diz que o fogo não se apaga e o verme não morre, supõe tormento consciente.

Gledson Meireles.

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma. O castigo proporcional

Refutando o item sobre  o castigo proporcional

O inferno é eterno, e a pena não é idêntica a cada um, já que não é o tempo somente que define a pena, mas também o castigo que o ímpio receberá. Há uma proporção do castigo segundo a culpa do condenado. A crítica ao inferno baseada apenas no tempo não tem razão de ser, pois imagina todos no mesmo lugar, pelo mesmo tempo, recebendo o mesmo tratamento, o que não é a doutrina do inferno. Dessa forma, a crítica inicia inocuamente.

Seria como criticar o mortalismo afirmando que todos possuem a mesma sentença e castigo, já que no final todos deixam de existir no aniquilamento. O mortalista já pensaria que o criticador não conhece bem a doutrina mortalista, e passaria a explicá-la.

Agora, pense que, na sua crítica, o mortalista usou uma argumento fraco, com base na eternidade do inferno, como se fosse injusto todos serem castigados eternamente. Porém, isso se assemelha à pena de aniquilamento de todos os condenados, que deixem de existir eternamente, e portanto o argumento falha.

Essa ideia de que todos os pecados são iguais, típica da teologia protestante, o que no livro é admitido, por ser doutrina popular entre os evangélicos, é uma doutrina que merece a refutação.

No entanto, na resposta católica o mesmo não acontece, já que a teologia católica distingue os pecados pela sua gravidade. E mais uma vez se mostra superior às outras interpretações. Se a doutrina evangélica cai diante desse argumento, a doutrina católica permanece intacta e de pé.

Então, na sua doutrina, o autor reconhece que todos os pecados não arrependidos podem levar à condenação, que é a mesma para todos os ímpios impenitentes, mas são pecados em si mesmos diversos, com diferentes graus, e que são castigados com diferentes intensidades. Essa é a doutrina do inferno.

Mas o autor dirá, com base em um exemplo em Deuteronômio 25, 1-3, que o castigo tem limite. Assim, não é possível castigar eternamente, deve-se castigar de acordo com a capacidade de cada um.

Pois bem. Com base no mesmo texto de Dt 25, 1-3, deve-se ver que os açoites para tal crime eram proporcionais em número, e tinham um limite. Era um castigo que não atingia o máximo, humanamente falando, que não pode ultrapassar a morte. Vê-se que aí o argumento já enfraquece um pouco.

Ainda, novamente deve-se lembrar que essa pena não era a pena máxima, e não pode comparar-se com as penas do inferno, literalmente, já que na eternidade as almas possuem capacidades infinitas, o que não é comparável ao ser humano mortal, nem ao ser humano ressuscitado, que não morre mais.

Quando se critica os açoites até a morte, está criticamente irrefletidamente o mortalismo, que afirma que todos receberão proporcionalmente o castigo, mas que o fim de cada um, independente da intensidade do castigo, é a morte.

Deve-se saber que no inferno não há somente o castigo no máximo que a pessoa pode suportar, mas existe o proporcional ao seu pecado. Isso qualquer um entende, e é o mesmo princípio que o mortalismo utiliza.

Assim, é óbvio que não existe açoite para sempre em uma pessoa, até porque ela não dura para sempre, na presente existência, nem dar açoites até o máximo possível, pois isso é a praticamente pena de morte. Portanto, a crítica por meio dessas exemplificações não procede.

A ideia de um fogo eterno é que transmite o sofrimento eterno. Mas o evangelho, em outras passagens, mostra que a intensidade do castigo varia de acordo com as más obras praticadas (cf. Lc 12, 47-48).

O castigo proporcional, que não leva à morte, pode ser o purgatório, não como condenação, mas como purificação, sem não for para o condenado. Para os condenados todos estão mortos em pecados, e os castigos são proporcionais, como explicado, mas ali haverá choro e ranger de dentes, pois não há mudança, o que também foi mostrado na parábola do rico e Lázaro.

Ainda, os açoites proporcionais e a pena de morte eram dois castigos diferentes. Nos açoites o castigado era deixado em vida. Para o mortalismo, usando isso como prefiguração do castigo proporcional seguido de morte, poderia ser feita a crítica de que assim deveriam fazer os israelitas, açoitarem um número tal de açoites e seguirem com a execução do réu. Uns foram castigados menos e morreram, e outros mais, e outros ainda até o máximo, e todos morreram. Mas não há tal exemplo.

Os exemplos usados, como de alguém que “bebe pouco” e passa o dia inteiro no bar, ainda são insuficientes, pois pode haver vários bebedores que passam o dia inteiro no bar e todos saberem que uns bebem mais e outros menos. O tempo passado no bar não define a quantidade consumida de bebida alcoólica por cada um.

O eterno não pode ser quantificado, não podendo haver diferença de açoites no inferno, mas permanece a diferença na intensidade desses “açoites”.

O hotel com infinitos hóspedes é um exemplo interessante. Alguns vão embora. Quantos restaram? Ninguém o sabe, pois o infinito não tem fim, mostra o autor. Mas, nem por isso o número de hóspedes ficou igual, ou não teve mudança alguma. O que existe é um desconhecimento do número total de hóspedes. Um hóspede foi embora, esse número é conhecido. O restante não se sabe.

A graduação é possível mesmo que o castigo seja infinito. Não pode haver poucos quartos de hotéis com infinitos quartos. Assim, não haveria poucos açoites dos infinitos açoites? Isso se se limitar à contagem dos açoites. Mas, se se diz que alguém recebe poucos açoites deve-se pensar na intensidade e não no número.

É como pensar nos quartos ocupados e não no número infinito de quartos. A morte eterna, como inexistência eterna, é a pena para todos os condenados na doutrina mortalista. Mas, o mortalista ficaria contente em afirmar que houve injustiça, porque a pena foi igual para todos?

Deveria dizer que não, pois antes de morrer cada um recebeu o castigo proporcional, na intensidade exata para o seu caso. E poderia concluir que, no que se refere ao resultado final, a pena foi igual, mas igualmente justa.

Assim, os que estão no inferno têm penas diferentes, no grau eintensidade que são executadas, enquanto que o estado eterno de prisão é o mesmo. A justiça divina que é perfeita garante a justiça em todos os casos.

O afastamento de Deus na prisão do inferno é eterna, mas o castigo é proporcional, já que o castigo não é em si finito, pois alguém pode ter por castigo a prisão perpétua, que não termina em si, mas que acaba com a morte do penitente, sem açoites. Como o inferno é eterno e os ressuscitados condenados não podem morrer, o tormento é eterno. Talvez esse exemplo seja útil para melhor entender o caso.

A morte não seria o castigo, quando se considera essa comparação feita no livro. Então, pelo mesmo prisma, o inferno não é o castigo. Há um castigo proporcional, que é o sofrimento, então há também o castigo proporcional no inferno. Não sendo o castigo algo necessariamente finito, não há problema aqui.

O texto que tradicionalmente é entendido como tratando do purgatório, é interpretado na teologia protestante como sendo a condenação do inferno. Assim, Mt 5, 23-26 estaria ensinando que ninguém sai da prisão, porque ninguém conseguirá pagar até o último centavo, o que contradiz toda a noção do ensino de Jesus, que supõe essa possibilidade.

A interpretação mortalista, por sua vez, afirma que o condenado não sairá “enquanto” não pagar o último centavo, harmonizando-se com a linguagem, mas afirmando, pela implicação de sua doutrina, que ao sair da prisão ele não existe mais, ou seja, sairá da prisão apenas com a morte, o que é bastante curioso. É quase que desnecessário dizer que não está conforme o contexto da passagem, pois de fato o condenado não saiu da prisão.

Esse “enquanto” de fato afirma que a prisão não é eterna. Boa observação. Então, quem ali entra, sofre a prisão, mas sai de lá após ter pago tudo o que devia. Isso é o que ensina o purgatório.

Essa prisão não pode ser o inferno, porque afirmar que se pode sair  quando pagar toda a dívida indica que há como quitar a dívida, e há possibilidade de sair. Dessa última característica da passagem refuta-se o mortalismo, porque ninguém ficará feliz ao saber que poderá estar em uma prisão temporária, e que deverá pagar tudo o que deve para sair, mas que a saída será a morte.

 Ao tratar da condenação de um israelita à prisão, lembrando mesmo do jubileu, para realçar que a prisão não é perpétua, que há um limite para o castigo, e que o israelita tem essa ideia da finitude da prisão, o autor não se viu no problema apontado, de que a prisão descrita na interpretação mortalista é para sempre, ninguém de lá sai, pois a suposta saída é a morte, vista como inexistência. Trata-se da ideia que o autor tentou refutar, ou seja, “sobre ser condenado a um lugar de onde nunca poderia sair”.

Para os imortalistas protestantes que não creem no purgatório, a interpretação dessas passagens faz a prisão se tornar eterna, ainda que o contexto afirme que não é. Para os protestantes mortalistas, a mesma tem o aspecto de temporária, de que o condenado não sofre nela para sempre, mas que permanece nela e nunca mais retorna, pois o seu fim é a morte. As duas interpretações não tem respaldo contextual, como já mostrado acima.

O próprio texto de Isaías 24, 21-23, citado para defender a prisão temporária seguida de morte, não diz isso.

De fato, a prisão temporária mortalista significa o tempo de castigo, que é proporcional, de intensidade adaptada a cada caso, até que chegue ao fim. A duração da prisão inteira é tida como o tempo do castigo, até o aniquilamento do último condenado.

Mas o texto de Isaías supõe a prisão antes do castigo, ou seja, para depois de muitos dias vir o castigo, pois os prisioneiros ficam na prisão e são castigados depois. Seria esse castigo a inexistência, o aniquilamento?

Ainda assim seria uma interpretação forçada, contradizendo mesmo o teor mortalista que afirma que o castigo é finito, com já comentado antes. E se assim o for, se o mortalismo admite que a prisão descrita é um castigo, mas que o termo paqad se refere a outro castigo, terá de admitir que essa noção é muito bem explicada na doutrina do inferno.

Para quem crê na doutrina do inferno, sabe que a prisão já ocorre para as almas, sendo ela o próprio castigo, pois que já é um sofrimento, e já possui penas proporcionais, mas o juízo final, na ressurreição, é o momento do castigo aludido em Isaías 24, o castigo final, após o tempo em que os prisioneiros condenados já estão na prisão. Portanto, em Mt 5, 25-26 a referência é a uma prisão temporária de fato, de onde se pode sair, mas esse texto do profeta Isaías realmente se refere ao inferno.

O interessante é que o sumário cronológico mortalista apresenta a prisão, o quarto passo da condenação, seguida da morte na geena. Assim, pelo exposto, a prisão é um lugar, e a geena é outro.

Mas, nos arrazoados do livro, a geena deveria ser o lugar de castigo até a extinção, o aniquilamento, segundo o mortalismo, já que para essa doutrina a prisão não é ainda sofrimento algum, como fica claro quando criticam a noção que se tem do tártaro. Portanto, há mais esse problema para o mortalismo solucionar.

O lugar de aniquilamento seria a prisão. Porém, pelo apresentado acima, a prisão é outro lugar. Deve-se melhor apresentar essa doutrina mortalista. Tradicionalmente o hades é o mundo dos mortos, mas é também usado para falar do inferno, como lugar de tormento. O mesmo com o tártaro, e também com a geena, termos que significam o inferno.

E por fim, a doutrina mortalista vê nas palavras de Santo Inácio uma confirmação, mas certamente santo Inácio apenas usou de uma figura de linguagem, exagerando, e não expressando a doutrina aniquilacionista.

Gledson Meireles.

domingo, 23 de abril de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma, refutação do capítulo 11

 

O autor tenta provar que a alma não é imortal usando o método comparativo, onde julga se as provas são suficientes, em uma avaliação mais técnica e criteriosa. Assim, comparando o teor da Bíblia com outras obras imortalistas da época, para ver se as expressões são iguais.

Pelo que o autor escreve, o que se encontra na Bíblia e que é usado para provar a imortalidade da alma é algo escondido, nas entrelinhas, escrito de forma modesta e sutil, em parábolas, símbolos ou declarações subjetivas, onde que não, pois as obras mortalistas falam da alma imortal expressamente sem deixar dúvidas.

Por que os autores bíblicos não expressam o imortalismo explicitamente? Por que usavam expressões que nunca são usadas por outros autores imortalistas?

Os escritores do NT tinham a crença predominante, a de que a alma é imortal, por isso não tratavam do tema. Ou seja, se os escritores cristãos negassem o imortalismo, eles falariam abertamente contra a imortalidade da alma, apregoando sua nova fé, e isso não é encontrado em lugar nenhum. Desse modo, eles eram imortalistas e continuaram a ser depois que se tornaram cristãos, pois é um ponto de fé comum.

Se eles fosse mortalistas, teriam de falar abertamente contra a imortalidade da alma, não é mesmo?

Todos os judeus acreditavam na imortalidade da alma? Não, isso é óbvio, mas a fé majoritária e predominante era essa, que era a fé do ramo principal, o farisaico, o que parece ser o contrário do que ensinou o Dr. Bem Witherington.

Na tese mortalista, entre os judeus da Palestina havia mais mortalistas? Partindo do pressuposto de que a maioria dos judeus era “mortalista”, deveria haver na Bíblia grande teor imortalista, segundo o princípio apresentado. Na verdade, deveria haver grande teor contra a doutrina da imortalidade da alma, o que não há.

Entretanto, o problema é que não está provado que a maior parte dos judeus era mortalista, como diz o Dr. Ben. É um problema para o mortalismo resolver.

Agora, vejamos a situação onde os judeus da Palestina eram majoritariamente imortalistas.

O que pregariam como cristãos? Será que isso não explica a pouca ênfase dos apóstolos sobre o tema, já que é falsa a pressuposição “de que alguém que já cria em alguma coisa não tem interesse em expô-la e propagá-la”?

Por que os apóstolos pregam a ressurreição com tanta ênfase, mesmo que sempre tinham crido na ressurreição, escrevendo mesmo aos judeus?

A resposta é muito simples e fácil: a ressurreição de Cristo estava sendo negada em toda parte. A controvérsia geral gera a produção de provas. É muito simples e irrefutável.

Até os judeus negavam a ressurreição de Cristo, o que explica o tema sendo dirigido a todos, judeus e gregos, uma doutrina que era negada até mesmo em relação à ressurreição dos salvos, entre cristãos.

A imortalidade da alma não estava em disputa pelo teor do Novo Testamento. Não era um tema negado geralmente. Havia muitas doutrinas sobre isso, como está nos apócrifos, mas em geral havia a crença na alma imortal. Portanto, não havia ocasião para enfatizar esse ponto doutrinal. Ou há outra explicação?

Os dois exemplos usados para refutar a pressuposição “de que alguém que já cria em alguma coisa não tem interesse em expô-la e propagá-la” é a seguinte:

“Se essa lógica fizesse algum sentido, os adventistas deixariam de falar do sábado nos cultos deles, já que todo mundo ali sabe que deve guardar o sábado, e os católicos deixariam de falar da Virgem Maria em suas missas, já que todo mundo ali sabe decor e salteado que deve venerá-la e cultuá-la.”

Mas isso não refuta o que foi apresentado acima, de forma fácil. Há duas coisas que o autor não percebeu, e que refuta seus argumentos.

Os adventistas pregam o sábado enfaticamente, e sendo isso pacífico em seu meio, o mesmo não diminui a ênfase, mais apologética, pois em geral todos negam a guarda do sábado na cristandade. Eles sempre estão tratando do tema, ainda mais quando recebem novos conversos. É uma doutrina que entra em desacordo com a maioria dos cristãos, e a controvérsia gera esse clima de ênfase na doutrina. Portanto, o sábado é um dos distintivos adventistas. Precisam aprender bem para lidar com os demais cristãos que negam a doutrina.

O outro exemplo, é que ainda que todos os católicos creiam que deve-se cultuar e venerar a virgem Maria, tal assunto é muito debatido e atacado no meio cristão protestante, que há séculos tem esse tema doutrinal como dos principais para discutir com os católicos. Isso faz com que tal doutrina tenha muita ênfase, pois vem de tempos de conflito geral, como o foi em toda a história, com vários dogmas sobre a virgem Maria sendo proclamados, e continua nos dias atuais.

É óbvio que temas pacíficos são tratados na Igreja, mas não recebem tanta ênfase. E existe mais um argumento: o Novo Testamento foi praticamente composto para ensinar os temais principais, e controversos, que estavam gerando discordância de outros grupos, judeus e gregos. Se a imortalidade da alma não aparece explicitamente e em toda parte, essas duas realidades explicam satisfatoriamente essa tendência.

Por que, então, egípcios e gregos continuavam a expressar tão explicitamente sobre a imortalidade da alma? Eles “com entusiasmo” a defendiam apaixonadamente, pois certamente exigiam os seus conflitos internos. Lembre-se que nos escritos apócrifos há a questão, no Evangelho de Judas: “o espírito é imortal?”. Se a questão é feita, há alguma rejeição, e espera-se que os defensores da imortalidade da alma farão esforço para defender a doutrina.

Os autores bíblicos eram imortalistas e escreviam a imortalistas e não havia problema quanto a isso. Está explicado a ausência de ênfase sobre a doutrina, pois não enfrentaram rejeição sobre a mesma.

A própria situação de que havia muita diferença de doutrinas quanto à imortalidade da alma entre judeus e gregos faz com que isso não fosse tratado pelos apóstolos no que tange ao ponto principal, que é a existência da alma imortal. Eles não trataram de pormenores quanto a isso também. O caso da ressurreição é diferente, pois era um dado da fé negado por muitos, judeus e gregos.

Seria diferente, imagine essa situação toda, em que maioria era imortalista no mundo ao redor, e os apóstolos, caso fossem mortalistas, em nenhum momento atacassem a imortalidade da alma? Impossível.

Então, os apóstolos e outros escritores bíblicos tinham razão para não se preocupar com isso, como demonstrado. Foi provado antes que, nas argumentações de 1 Coríntios 15 está pressuposta a imortalidade da alma. E tudo faz mais sentido agora.

Gledson Meireles.

sábado, 22 de abril de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma. O corpo na ressurreição

O corpo da ressurreição não é físico?

A crítica mortalista sobre a concepção de que o corpo na ressurreição seria diferente, “fantasmagórico”, afirma que esse corpo não se parece em nada com o corpo atual, e que por isso “o que sequer poderia ser chamado de “ressurreição”, já que seria uma nova criação de algo totalmente novo”.

O autor chega a um problema filosófico, da identidade, onde o corpo diferente não poderia ser o mesmo corpo, e por isso não haveria ressurreição, mas uma “nova criação”. Portanto, seria outro corpo. Um problema filosófico real.

De fato, esse problema atinge o mortalismo em cheio. Na concepção mortalista, a morte constitui o fim da existência, onde a pessoa deixa de existir, não estando em qualquer lugar, mas deixando apenas sua matéria no pó da terra de onde veio.

Assim, Deus formaria o corpo da matéria terrestre novamente, dando ao ser nova existência. Portanto, de fato houve nova “criação”, e não realmente uma ressurreição, o que refuta radicalmente o mortalismo, sem seu próprio seio.

Ele afirma da “criação de algo totalmente novo”, como o corpo diferente da ressurreição. Isso supõe que o corpo deverá não apenas deverá ser o mesmo, mas ser “igual”, apenas voltar à vida. Isso não condiz com o que ensina 1 Coríntios 15 e toda a escritura, que mostra o corpo da ressurreição como o mesmo, mas diferente, superior, aperfeiçoado, como uma semente que cresce (mostrando a identidade), mas sendo psíquico, mais material, e depois pneumático, adquirindo qualidade espiritual. Há uma nova realidade, uma nova característica, uma nova qualidade no corpo, o que explica ser um corpo glorioso, melhorado, e não mais preso aos limites de tempo e espaço, não mais igual ao corpo atual. Tudo conforme a Bíblia e a razão.

Portanto, se no mortalismo o ser deixa de existir na morte e é recriado na ressurreição, esse é racionalmente algo novo, um novo ser que identifica-se com o anterior. É algo compreensível, não chegando a contradizer a razão, ultrapassando o conhecimento, mas que ainda causa certa problemática, pois como o ser que não existia mais voltou à existência sendo o mesmo ser? Não poderia ser outro igual? Esse é um problema.

Os mortos estão no túmulo, mas quando Cristo diz que os que estiverem no túmulo ouvirão e sairão, isso não implica que todo o seu ser tenha estado no túmulo, mas que, como explicado acima, o corpo do morto estava no túmulo. Sua alma estava no céu, no purgatório, no limbo, ou no inferno, ou seja, em uma região espiritual.

A mesma doutrina bíblica é ensinada na Igreja Católica, onde o mesmo corpo que está morto é ressuscitado na vinda de Cristo, mas em seu aspecto glorioso.

Veja que o mortalismo exige que o corpo ressuscitado seja o mesmo, e não um criado a partir do zero, mas que tenha os átomos religados, pois “nunca deixaram de existir”. Mas, ao mesmo tempo, incoerentemente, afirma que a personalidade, todos os pensamentos, vontade, sentimentos, etc., da pessoa que “deixou de existir” são recriados a partir do zero, são recriados do nada no corpo que foi refeito da mesma matéria.

Para a doutrina da imortalidade da alma, o corpo é refeito da matéria terrestre, com todos os átomos novamente religados, reestruturados, formando o mesmo corpo, e a alma que estava consciente, pois foi criada espiritual e não deixou de existir, volta a ligar-se nesse corpo incorruptível, glorioso, sendo a mesma pessoa, não havendo “recriação” em qualquer sentido, mas ressurreição de fato. Nesse ponto, o mortalismo parece receber outro golpe bastante importante.

Se se entende que o os cristãos espirituais (Gl 6, 1) são aqueles que vivem de acordo com a vontade do espírito, mostrando que isso não quer dizer que sejam desprovidos se matéria, mas apenas que seguem as orientações do espírito, e, nessa mesma acepção, entender que o espírito está preparado, enquanto a carne é fraca, e que o espírito segue a Lei de Deus, enquanto há outra lei na nos membros, na carne, deve-se entender então que há um dualismo, que luta na pessoa.

O mortalismo entende tudo isso como o que se dá nos aspectos da pessoa. O problema é que se o espírito já está salvo, preparado, e pode estar com Deus, e o corpo ainda necessita de redenção, isso mostra que não é o ser inteiro que está preparado e que está escravo do pecado ao mesmo tempo, mas que essas duas orientações pode estar em duas partes da natureza humana. A parte espiritual pode estar preparada, mas a pessoa pode sofrer ainda em sua parte material, por esta estar sujeita à lei do pecado.

Não haveria necessidade de um aspecto do ser estar preparado se o ser inteiro, em seu aspecto de fraqueza, que é o corpo, ainda não terá redenção antes do dia final. Parece que na dualidade se entende melhor essa luta que a concupiscência introduz no pecador.

A doutrina da ressureição, onde o mesmo corpo volta à vida, mas agora em glória, pode fazer entender melhor essa questão da imortalidade da alma. De fato, o corpo necessita do espírito para sobreviver, para ser um ser vivo, como está em Gênesis 2,7, onde o homem tornou-se “alma vivente”, e precisa também do espírito de vida para ser vivificado na ressurreição.

Se esse espírito é o que Deus fará retornar para fazer os átomos espalhados no universo formar o mesmo corpo e vivificá-lo, sendo a energia criadora e vivificado de Deus, é óbvio que não é apenas a formação do corpo que entra em questão na ressurreição, para trazer o “mesmo” corpo de volta, mas entra em ação a religação da alma da pessoa que morreu ao seu corpo, para que constituía a mesma pessoa novamente.

Para o mortalismo, isso também é necessário, já que o espírito criador e vivificador não apenas deverá vivificar um corpo, reestruturando-o, mas deverá trazer de volta a personalidade que, segundo o mortalismo, não existia mais em outro lugar, devendo ser “recriada” para esse corpo que existia, apenas tendo voltado para o pó da terra. Essa noção da “recriação” da personalidade, que é o que igualmente importante, já que não poderá haverá criação de outra personalidade no mesmo corpo, um absurdo, nem a recriação total a partir de outra matéria, sendo outro corpo, nem a recriação de outra personalidade, ainda que seja igual. A mesma pessoa deverá voltar. Essa dificuldade encontra-se no mortalismo nos próprios termos que aparecem na sua apresentação da ressurreição da carne.

Da mesma forma que o corpo que recebeu o espírito neshamah tornou corpo almático, na ressurreição, pode-se dizer, que o neshamah fará o copo pneumático, o que nada tem que contradiz a imortalidade da alma, já que a discussão gira entorno do que será o corpo. A personalidade e consciência que está na alma já é assumida como retornando ao corpo espiritual. Resta agora julgar qual das explicações estão coerentes, se a que está de acordo com a alma imortal, ou a do mortalismo acima apresentadas.

O texto de Lucas 24, 39 citado por Santo Inácio de Antioquia, traz ainda mais uma interpretação plausível que implica na imortalidade da alma.

De fato, em Lucas 24, 37 os discípulos ficaram perturbados e espantados pensando que Jesus era um espírito. Se de fato estavam reconhecendo Jesus por Sua aparência, pensavam que Ele estava em Sua alma apenas. Isso demonstra que os discípulos criam na imortalidade da alma, pois do contrário pensariam que estavam vendo outra pessoa, não reconhecendo Jesus.

Absurdo seria afirmar que eles pensavam que Jesus teria se tornado anjo, um outro ser, quando viram Jesus. Pelo verso seguinte, o 38, temos que os discípulos estavam com “dúvidas”. Mais uma vez, isso está de acordo com a doutrina da imortalidade da alma, já que eles pensavam que Jesus poderia estar aparecendo sem corpo.

E o verso 39 é muito claro nesse contexto: “Vede minhas mãos e meus pés, sou eu mesmo; apalpai e vede: um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que tenho”. Portanto, Jesus estava ali com Sua aparência da mesma forma como os discípulos O conheciam, com os sinais da paixão, mostrando a Eles que havia ressuscitado, e diante do espanto deles, Jesus manda que eles o “apalpem” para certificar-se de que não era um espírito, que não tem carne e ossos.

Jesus não estava dizendo que não era um anjo, ou que não era outra pessoa, mas apenas mostrando que Ele estava ali em corpo ressuscitado.

Diante disso, é muitíssimo claro que os discípulos poderiam ter visto Jesus e ainda assim não crerem na Sua ressurreição, pois os mortos podem aparecer nem terem ressuscitados.

O verso 41 afirma que os discípulos ainda vacilavam, mas já estavam “transportados de alegria” confirmando o mesmo já demonstrado. Isso mostra que estavam alegres por verem Jesus, ao mesmo tempo em que tinham dificuldade em crer que estava vivo.

Para refutar isso, o mortalismo deve apresentar outra explicação, mostrando o motivo dos discípulos oferecem peixe assado para que Jesus comesse.

Seria por que não reconheciam Jesus por Sua aparência, como se ali Ele estivesse em outra forma, ainda que mostrando todos os sinais da Sua crucificação e explicando que tinha corpo? Isso não faz sentido, pois Jesus não queria confundi-los, mas estava mostrando Sua ressurreição.

De fato, os discípulos de Emaús estavam com os olhos “como que vendados e não o reconheciam” (Lucas 24, 16). Jesus também havia aparecido a Maria Madalena, mas ela vendo Jesus em pé pensou ser o jardineiro (cf. João 20, 15). Mas quando os discípulos tiveram os olhos abertos quando Jesus partiu o pão, o reconheceram. Ali parece que Jesus estava em outra aparência, e também desapareceu diante deles, como um espírito.

No entanto, após isso, os discípulos já haviam escutado os relatos sobre essa aparição de Jesus. Assim, deve-se pensar no motivo de oferecerem algo para que comesse. Não seria para certificarem-se de que Jesus tinha mesmo corpo material, já que as almas não podem comer? Jesus falou-lhes e eles pensavam estar vendo um espírito. Eles ficaram alegres, mas ainda ofereceram algo para Jesus comer.

Então, é menos provável que pensassem estar sendo enganados por um anjo. Os anjos também poderiam materializar-se. Parece que seu pensamento primeiro foi estarem vendo a alma de Jesus. É o que mostra todo o contexto. Assim, a implicação dessa passagem para mostrar a imortalidade da alma é muito forte.

O mortalismo interpreta a ressurreição explicada em 1 Coríntios 15 como a recriação de todo o ser, de toda a natureza humana. Faz isso para refutar a ideia grega da alma imortal que burla a morte. Mas, como já muitas vezes demonstrado, isso não é o que o cristianismo ensina sobre a imortalidade da alma, e dispensa maiores explanações.

Por outro lado, a morte é menos trágica no mortalismo. A Bíblia mostra o horror da morte, onde os mortos estão em trevas. No mortalismo a morte é inexistência, comparada a um sono sem sonhos para a natureza humana inteira, o que faz com que o morto não sinta absolutamente nada na morte, e quando ressuscitar é como se passasse de um instante para outro sem perceber.

Por fim, parece oportuno frisar que a Bíblia não diz que o corpo da ressurreição é igual ao de Adão antes do pecado, mas parece mostrar que é superior, pois primeiro veio o que é natural e depois o que é espiritual, diz a Escritura. Adão foi criado natural, ainda que pudesse não morrer. O corpo glorioso é espiritual, imortal de fato.

Gledson Meireles.

 

 

quarta-feira, 19 de abril de 2023

A imortalidade da alma em 1 Coríntios 15, 16

 

É interessante pensar que São Paulo estava refutando não apenas doutrinas materialistas, como a dos epicureus, certamente, ao afirmar que “se se prega que Jesus ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns de vós que não há ressurreição de mortos?” (1 Cro 15, 12), mas também doutrinas que concebiam a vida da alma para sempre sem a ressurreição.

Primeiro, é de se pensar que Cristo continuou existindo, ainda que morto, o que já refuta o mortalismo.

De fato, quem não existe não pode voltar à existência por Si, e Cristo tinha o poder de Deus para retomar Sua vida, já que a ressurreição é obra da Trindade, pois também é dito que o Pai o ressuscitou (v. 15). E em nenhum lugar o apóstolo tenta qualquer explicação sobre o estado de Cristo na morte, que seria diferente de outros mortos. Assim, os mortos não deixam de existir, mas mantém a consciência. Esse é um pequeno argumento, mas faz sentido.

Agora, por sua vez, o verso 16 é muito emblemático: “Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou”. Duas vezes aparecem a mesma prova: Ora, se se prega que Jesus ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns de vós que não há ressurreição dos mortos? (v. 12) e: “Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou” (v. 16).

Isso alude ao fato de que os cristãos, todos eles, reconheciam a ressurreição de Cristo, enquanto alguns negavam a ressurreição dos mortos. Por isso, o argumento faz sentido. Se isso for compreendido, o mortalismo recebe o golpe mortal.

Se os cristãos aos quais São Paulo estava aludindo negassem toda a ressurreição, não haveria força argumentativa dizer que se os mortos não ressuscitam Cristo não ressuscitou, já que negariam tudo isso.

Dessa forma, é de uma força tremenda a implicação disso: se os que negavam a ressurreição dos mortos afirmavam a ressurreição de Cristo, então todos criam na imortalidade da alma.

De fato, em 2 Timóteo 2, 17 está escrito que havia uma heresia afirmando que “a ressurreição já aconteceu”. Sendo assim, eles criam na imortalidade da alma, mas negavam a ressurreição. São Paulo não nega a imortalidade da alma, mas põe-se a enfatizar que os mortos estão salvos, mas que a salvação não é apenas espiritual, mas que os mortos ressuscitarão como Cristo ressuscitou. Está, pois, provada mais uma vez a doutrina da imortalidade da alma.

Gledson Meireles.

terça-feira, 18 de abril de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma, sobre o paraíso em Lucas 23, 43

De que Paraíso Jesus falava?

 

Na interpretação mortalista o Paraíso seria o Jardim do Éden, o Reino, que foi levado ao céu, e lá está, a Nova Jerusalém, e será acessível aos salvos somente na ressurreição. Assim, o ladrão da Cruz não poderia entrar nele ainda (cf. Lucas 23, 43). Tudo faz bastante sentido, já que o paraíso terrestre foi perdido e fechado e no Apocalipse é dito que na Nova Jerusalém há a árvore da vida, mostrando que o reino final é o paraíso.

No entanto, não há que fechar a questão tão facilmente a ponto de por uma passagem, que apresenta uma dificuldade, já se decidir que a alma não é imortal, o que seria uma decisão irrefletida, já que em todas as outras objeções mortalistas o mortalismo não resistiu à refutação católica.

Então, se Cristo e o ladrão desceram ao mundo dos mortos, como entender que Cristo promete o paraíso, possivelmente, para aquele dia?

Para Santo Tomás de Aquino o paraíso de Lucas 23, 43 não é o paraíso terrestre, mas o paraíso espiritual, pois todos os que estão na glória divina estão no paraíso.

Isso quer dizer que nas palavras de Jesus na cruz, o paraíso é a salvação, é estar com Cristo, e não o lugar imediato para onde desceram as almas de Cristo e o bom ladrão, o ladrão arrependido e salvo. Entretanto, na mansão dos mortos com Cristo o ladrão já experimentava o paraíso (S. Th. 3 Part, q. 52, a. 4).

Essa explicação parece satisfazer o tema geral. Mas há ainda algo a mais. Sabemos que a alma é imortal, Cristo desceu à mansão dos mortos com Sua alma, enquanto Seu corpo estava no sepulcro, pregou aos espíritos na prisão, libertou os salvos, para leva-los ao céu na ascensão.

Assim, se para o mortalismo o paraíso será futuro, é possível ler aí a promessa futura de Jesus, para o ladrão que entrará mais tarde no paraíso, quando for levado por Jesus na ascensão. Poder-se-ia usar o argumento da vírgula após o “hoje”, onde o estarás comigo no paraíso ocorreu mais tarde, no dia em que Jesus subiu ao céu. É uma possibilidade de leitura, sem negar em nada a imortalidade da alma.

De fato, há o paraíso terrestre, e há o paraíso no terceiro céu. Há tal distinção na literatura judaica.

No entanto, se são dois ou se são o mesmo, sendo o paraíso terrestre transferido momentaneamente para o céu, isso não faria diferença no argumento, já que mais tarde o ladrão subiu com Cristo para o céu, entrando assim no paraíso.

Aliás, vale lembrar que se Enoque e Elias estão no céu, e certamente no lugar dos salvos, eles estão no paraíso, e, conforme muitos mortalistas, está também Moisés.

Entretanto, eles teriam alcançado a promessa antes de muitos, uma afirmação que não se encontra na Bíblia, e o que contradiz muito da argumentação mortalista sobre o tema de Hebreus 11, pois esses santos já estão na glória do céu, e, portanto, é de se pensar, ainda que na doutrina mortalista, eles já estão no paraíso.

Caso o mortalista não concorde que Moisés, Elias e Enoque entraram no paraíso, deverão concordar, para explicar isso, que esses santos entraram no céu, na beatitude, na glória.

Portanto, partindo daí, poder-se-ia dizer com muita razão, na perspectiva imortalista, que as almas poderiam entrar no céu, mas somente adentrarem a cidade santa, a nova Jerusalém, interpretada aqui como o Paraíso, apenas no fim do mundo, sem nenhuma  dificuldade para a doutrina da imortalidade da alma, para a interpretação mortalista de Hebreus 11 sobre a promessa não alcançada pelos heróis da fé, e sobre a identificação do paraíso.

Do contrário, negando a distinção céu e paraíso, usado para fins de argumentação aqui, Elias não estaria no céu, refutando o próprio mortalismo, e sem qualquer problema para o imortalismo. De fato, o imortalismo pode explicar que Elias subiu ao céu, visivelmente na carruagem de fogo, mas que entrou no mundo espiritual dos salvos, já que Jesus não havia aberto o céu, e disse que ninguém subiu ao céu.

É, portanto, necessário explicar o arrebatamento de Enoque e Elias, e essa é uma das explicações. De qualquer modo, esses santos arrebatados, ainda que na mesma região espiritual dos salvos mortos, receberam a graça de continuarem vivos glorificados, o que é uma vantagem em sua relação com Deus.

Se Elias entrou no paraíso, então a promessa já foi alcançada por alguém, e o argumento mortalista cai por terra.

Se Elias não está no paraíso, então ele está no céu, usando a aludida distinção.

Portanto, a doutrina de que as almas estão no céu não tem qualquer problema com a questão da promessa da entrada na nova Jerusalém quando da criação do novo céu e da nova terra, sendo compatível com ela, e o mortalista mais uma vez é refutado em suas próprias argumentações.

Por fim, o livro alude à suposta opinião de São Tomás sobre a antessala do céu, o que não foi encontrado neste estudo. Talvez seja opinião de outro comentarista, antigo ou moderno, talvez mesmo da ala protestante, após o século 16, e não de Santo Tomás, mas de qualquer modo, é uma interpretação que não condiz com a doutrina católica oficial.

Gledson Meireles.