Em junho de 2017
iniciou-se um debate sobre a autoria do quarto evangelho, que todos sabemos ser
tradicionalmente atribuído ao apóstolo São João, o discípulo amado de Jesus,
aquele que esteve aos pés da cruz com a virgem Maria, mãe do Senhor, e que
cuidou dela a partir daquele momento.
Isso foi devido à tese
de que o escrito do quarto evangelho seria Tiago, e que esse Tiago seria
“irmão” de Jesus e não um apóstolo. Por isso, foram publicados neste blog dois artigos refutando a tese.
Alguns dias depois foi publicado outro artigo considerando as argumentações
feitas aqui, tentando refutá-las. O artigo é Refutando
objeções ao terceiro Tiago (Parte final), publicado dias depois. Segue a
resposta a esse artigo.
O primeiro argumento é
que o texto de João 7, 5 diferencia discípulos e irmãos de Jesus, o que não
faria sentido se os irmãos fossem discípulos. Mas, isso não procede pelo motivo
seguinte: nem todos os irmãos ou parentes de Jesus foram apóstolos. Talvez,
também, existem mais que quatro parentes masculinos, além de Tiago, José, Simão
e Judas. José não esteve com certeza entre os apóstolos. O mesmo não se pode
dizer dos demais, já que Tiago é apóstolo, também seu irmão Judas. Simão pode
ser o zelota. Dessa forma, três dos
chamados irmãos do Senhor eram apóstolos.
A incredulidade dos
parentes de Jesus é afirmada no início do Seu ministério, quando Ele realizou o
primeiro sinal público em Caná da Galileia, como está no Evangelho de João,
capítulo 2. Por esse motivo, após os, aproximadamente, três anos que se
passaram, o argumento de que Tiago não podia ser ainda reconhecido como
seguidor de Jesus não faz sentido. Não se pode afirmar que ele estava com Jesus
durante todos esses anos e não fosse visto como discípulo, pelo menos. Ainda
mais, quando se reconhece que ele era um dos doze.
Portanto, a citação de
João 7, 1-5, que se refere ao início do ministério do Senhor, não responde à
objeção que foi posta nos artigos precedentes.
Tentando substanciar o
argumento, utiliza-se a possiblidade de que Tiago certamente converteu-se nos
últimos dias antes da morte de Jesus, o que o faria diferente dos outros que
estavam sempre com Jesus. Mas como? Se ele converteu-se, e já andava com o
Mestre, como pode ainda não ser reconhecido como seguidor de Jesus no meio de
tantas perseguições, inclusive aquelas últimas que prenderam Jesus e o levaram
à cruz. Todos os que ali estavam viram Tiago com Jesus e os demais,
caracterizando seu discipulado, ou mais exatamente, seu apostolado.
É um fato de que o
discípulo amado era convertido quando Jesus entrou onde estava o sumo
sacerdote, como está em João 18, 15. Aquele que entrou com Jesus era discípulo,
como diz a Escritura. Não se fala de alguma convocação para que acompanhasse
Jesus, mas que ele quis entrar, pelas facilidades que tinha, e ainda conseguiu
a entrada de Pedro (v. 16). Ele era discípulo e não estava amedrontado, ao
contrário de São Pedro.
O motivo de medo de
Pedro e da coragem de João não corrobora a tese de que esse não tinha medo por
não ser considerado discípulo, como acaba de ser provado.
O medo de Pedro
certamente não era unicamente seu, pois a cena descrita no evangelho parece
afirmar que nenhum dos outros apóstolos e nem dos parentes de Jesus estava
naquele local! Considerando a tese de Tiago como discípulo amado, poderia
também ser questionado o motivo dos demais “irmãos” de Jesus não estarem ali,
já que não deveriam temer, pois teriam a desculpa de serem apenas parentes e
não somente discípulos! De fato,
afirma-se que eram incrédulos, mas que não tinham motivo para odiar Jesus,
apenas não criam que fosse o Cristo.
Dessa forma, o medo não
se explica por essa via, de que havia um motivo a mais para Pedro temer, e o
discípulo amado não. O que se dá na verdade é que as diferenças de
personalidade explicam isso naturalmente. Além do mais, a cena é descrita para
mostrar o cumprimento das palavras de Jesus quanto à negação de Pedro.
A segunda tentativa de
refutação se dá contra o argumento de que Tiago, segundo a tese mencionada,
seria um novo convertido, tendo passado a vida em incredulidade, e ainda assim
aparece sempre com Jesus e, no final, teria tido sob seus cuidados Maria, que
supostamente seria sua mãe também.
A questão do cuidado de
Maria não é entendida como responsabilidade do melhor discípulo, mas o fato é
que o único discípulo que se
encontrava aos pés da cruz foi aquele que recebeu essa missão de Jesus.
João não poderia ser o
cuidador de Maria por ser jovem, e ter de sair anunciando o evangelho por todo
o mundo? Mas, como já foi provado, o apóstolo Tiago, se fosse filho de Maria e
irmão consanguíneo de Jesus, teria praticamente a mesma idade de João! São
Tiago também foi anunciador do evangelho, trabalhou bastante, o que supõe a sua
eminência em Jerusalém, e também foi perseguido. Essas coisas não oferecem
obstáculo para o cuidado de alguém como o foi o de João para com Maria. Essas
conjecturas são levantadas em oposição à tese de que Tiago era um irmão de
Jesus.
Outra coisa é que o
argumento parece exigir que Jesus somente entregou Maria aos cuidados do
discípulo amado porque ele era seu parente! Ele não poderia pedir isso a João?
E se João fosse seu primo? Salomé talvez era uma parenta de Maria, e isso
explica muito o grande apego de João a Jesus, e ainda responde à dificuldade do
parentesco. João estava lá por ser apóstolo e discípulo fiel, mas também por
ser primo do Senhor Jesus. Parece ser essa a tese mais provável.
Se Tiago fosse o
discípulo amado, o que explicaria estar próximo da cruz de Jesus com Maria,
então, por esse mesmo motivo deveriam estar os outros “irmãos” supostamente
filhos dela! Esse argumento não responde esse pormenor. Nem apóstolos, nem os
demais discípulos, nem os outros parentes estiveram na crucificação de Jesus. O
argumento parece não ter valor por essa razão.
O autor sugere que no
artigo houve um mal-entendido, passageiro, por sinal, a respeito do seu
pensamento quanto às palavras de Jesus na cruz a Maria, e escreve assim: “Primeiro,
eu não disse isso em relação à tese de Tiago mas sim em relação à tese da
“mulher”.” Mas, para evitar justamente esse tipo de coisa havia sido escrito “e
o autor do artigo, em outra circunstância”, ou seja, em uma situação diferente,
havia utilizado um argumento de substancia semelhante, e não que havia usado o
mesmo argumento nos mesmos termos, relativos ao discípulo amado e Maria.
Quando à frase “Eis aí
o teu filho”, o sentido é entendido pela explicação do evangelho, mas permanece
o argumento que de que Jesus pronunciou essas palavras sem maiores explicações.
O argumento continua válido.
A redundância
continuaria se aceitássemos a tese do Tiago “filho” de Maria. De fato, Jesus
olha para Maria e diz: “Eis aí teu filho”! Para quê, se ele já fosse filho? E
ainda ao filho: “Eis aí tua mãe”?, se ela já fosse sua mãe!!! -
redundantemente! Poderia ter apenas passado a responsabilidade de cuidar de
Maria. Essas palavras mostram bem claro que o discípulo amado não era filho da
virgem Maria, mas que naquele momento recebeu a missão de cuidar dela como se
fosse. Tornou-se filho adotivo dela por vontade de Jesus. Aliás, como já
afirmado, talvez João fosse primo de Jesus, e a objeção do parentesco perde
mais sua força.
Os apóstolos e
discípulos e parentes do Senhor sumiram, e não chegaram nem próximo da cruz. Os
apóstolos fizeram isso por medo, não por outro motivo. E os demais? Como já
explicado antes, o argumento não conseguiu desfazer essa dificuldade da tese.
O texto de Marcos 14,
51 afirma que ‘todos’ abandonaram Jesus e fugiram. Não havia ninguém mais com
Ele, apenas Pedro que, com um pouco de coragem O seguia de longe, e João que O
acompanhava de perto. Se eles estavam prendendo Jesus, sem quaisquer provas
contra que O fizerem merecer a morte perante a lei, deveriam fazer isso quanto
aos discípulos? Talvez sim, mas ainda não abertamente, pois João não chamaria
Pedro a entrar com ele colocando-o em perigo. Nem mesmo ele seria aceito ali,
pois confessa Jesus como o Cristo. Dessa forma, os que fugiram o fizeram por
medo, em primeiro lugar.
O autor defende que as
autoridades teriam prendido os apóstolos, causando terror entre eles,
inclusive, e com maior razão, no mais novo João.
A tese tradicional é
atacada pelo autor do artigo como “a mais ridícula”, pelo motivo de fazer os
apóstolos fugirem “à toa”, e contra essa tese insinua-se que jovens discípulos
não podem ter maturidade para enfrentar o martírio. Com isso, argumenta ser um
motivo racional.
Mas, a pouca idade não
é motivo para não crer que João pudesse ser destemido e disposto ao martírio.
Isso não é racional, a menos que em toda a história nunca tivesse havido um
jovem adolescente entregando sua vida por Cristo, ou mesmo em outras circunstâncias
os jovens corajosamente enfrentando os mais terríveis perigos. Se isso fosse
impossível, o argumento teria valor. Mas isso é algo muito fraco, e só faria
sentido como um realce no interior de um argumento mais forte.
Ainda, pelo que foi
explicado acima há uma tensão: as autoridades naquele momento não tinham uma
posição clara e firme contra os discípulos, apenas contra Jesus. No artigo que
está sendo comentado é afirmado o contrário: “Eles abandonaram Jesus porque
sabiam que as autoridades romanas não permitiriam a presença deles ali, sob o
risco de lhes serem imputados a mesma pena que foi dada a seu mestre.” É algo a
ser considerado.
Contrapondo o argumento
de que Maria não é associada nem a João nem Tiago, o que faria sem valor a
argumentação nesse sentido, o autor afirma que “então a associação de Maria a
Tiago está perfeitamente clara, sim”, pois indiretamente ela é associada aos
“irmãos” de Jesus, e Tiago era o mais velho. Nesse sentido, não há o que
objetar, já que Tiago era filho de Maria de Cléofas, e que nesse sentido estava
de alguma forma ligado a Maria mãe de Jesus por ser seu sobrinho. Mas, o que
foi objetado antes é que não é ligação direta, ou clara, explícita, em alguma
passagem do evangelho ligando a virgem Maria ao apóstolo Tiago (ao chamado
terceiro Tiago nessa tese), portanto valendo a argumentação contra a posição que
levanta o fato de João não ser vinculado a Maria dessa forma, certamente, nos
evangelhos. Então, a associação “perfeitamente clara” não é a maneira certa de
descrever essa associação, já que ela é feita indiretamente, através da menção
aos irmãos de Jesus. Por isso, no artigo foi frisado “o plural” e não uma
associação clara e singular
Por que Tiago era
“figura eminente em Jerusalém”? Antes do Concílio de Jerusalém Tiago já aparece
como alguém muito conhecido. Isso também ocorre nos evangelhos, já que a Maria
de Cléofas é chamada de mãe de Tiago, o que significa ser ele uma pessoa que
identificava sua mãe.
O autor do artigo parece
ter entendido que desde os tempos dos evangelhos Tiago já era bastante
conhecido em Jerusalém, o que é incorreto, pois no artigo foi dito que Tiago
era eminente em Jerusalém e foi citado “com essas características”, ou seja, de
eminência “desde os evangelhos”, pois é fato de que as citações a respeito de
Tiago mostram que ele sempre foi notável, conhecido, eminente, etc., a ponto de
ser citado em primeiro lugar em várias ocasiões e estar em contexto que mostra
ser uma pessoa bem conhecida. Essa foi a intenção do que foi colocado antes.
Não se faz a diferença entre o Tiago de Marcos 6,3 e 15, 40, pois se trata da
mesma pessoa. Então, ele é expressivo, aparecendo também em Mc 3, 18 e Mt 10,3.
A respeito de Tiago não
ser o discípulo amado, e que o fato de que seria mais velho não explica isso,
não se deve ao motivo de que entre alguns um só ser o mais amado. O argumento
não é esse, e surgiu pelo que foi colocado no artigo em análise, e por isso o
apologista não entendeu bem. Ficou parecendo que o argumento é da apologética
católica, quando na verdade é uma resposta ao que transpareceu na argumentação
protestante.
O argumento é
unicamente que o fato de ter convertido mais tarde e que seria o mais velho não
o faria ser o discípulo amado. Isso foi algo que transpareceu no artigo e que,
dessa forma, foi refutado por essa tese.
João era o mais próximo
de Jesus entre os doze, e não Pedro. Basta ver os relatos da última ceia e da
ressureição.
A questão a respeito de
quantas pessoas participaram com Jesus na última ceia é algo que parece
favorecer somente os doze apóstolos, embora no artigo analisado o autor defenda
que no “grande cenáculo” (cf. Mc 14,14-15) só poderia ser escolhido porque
muitas pessoas a mais iriam cear com Jesus também.
O argumento de que
Jesus alugou um lugar grande para cear como única opção a ser escolhida, para
não ser considerado “um louco desvairado”, é uma exigência bastante forte.
Parece afirmar que Jesus alugou o local, quando o texto não deixa claro, não
revela, que foi assim que o Senhor preparou aquele lugar. Poderia ter sido
doado por um amigo que morava em Jerusalém. O argumento exigiu cem por cento de
certeza que Jesus alugou um lugar grande porque muitas pessoas deveriam cear
com Ele, pois do contrário teria “esnobado” dinheiro.
É claro que as
passagens bíblicas não necessariamente trazem especificidades como, por
exemplo, a citação de todas as pessoas que estão em determinada cena, o que faz
necessária uma exegese bem fundada para extrair os dados revelados. Assim, por
exemplo, é que Jesus, com Maria e José, ia todos os anos a Jerusalém para
celebrar a páscoa. Naquele relato fica claro que era filho único. Talvez, porque
as Escrituras nem sempre mencionam todas as pessoas participantes de um evento,
alguém possa inferir que ali poderiam estar os outros “irmãos” de Jesus, e que
não foram mencionados. O problema é que não é somente a falta de menção que
exclui alguém de uma determinada passagem, mas outros fatos que revelam que, na
verdade, somente estavam aqueles que foram mencionados.
Assim, quando Jesus
fica em Jerusalém, Maria e José, quando notam que Ele não estava na caravana, O
procuram entre “parentes e conhecidos”. Então, voltam a Jerusalém e afirmam que
somente eles dois estavam procurando Jesus.
Na imaginação que Tiago
por esse tempo tinha 9 anos de idade (pois no artigo o autor afirma que quando
Cristo tinha 33 anos era provável que Tiago tivesse 30), Tiago, se fosse mesmo
irmão do Senhor, certamente estaria com Ele, tendo idade muito próxima e, com
grande probabilidade, haveria notado a ausência de Jesus desde os primeiros
minutos. No entanto, a cena do evangelho exclui qualquer irmão, mas apenas
parentes e conhecidos. Certamente, as outras crianças, das outras famílias,
notaram que Jesus não estava ali, mas isso não foi suficiente para que relatassem
o fato a Maria e José, já que estavam ocupados com outras coisas com seus pais
e familiares mais próximos, e talvez estivessem um pouco afastados enquanto
caminhavam na viagem, ou por qualquer outro motivo.
Isso seria diferente se
existissem “irmãos” de Jesus: Tiago (9 anos), José (8 anos), Judas (7 anos) e
Simão (6 anos), supondo que as chamadas “irmãs” não estivessem intercaladas aí,
então mais uma irmã com 5 anos e outra com 4 anos, mais uma vez imaginando que
nasceram todos em sequência anual, um filho por ano, e ainda supondo que não
haviam mais irmãos homens e nem mais irmãs mulheres. Tudo isso na suposição das
idades encontradas no artigo analisado. Isso é mera imaginação. Mas, poderia
Tiago ter 11 anos, e os demais seguindo a cada ano, o mais novo, dos seis
referidos, com 6 anos. É plausível pensar nas dificuldades de Maria e José, se
isso tivesse ocorrido, indo todos os anos a Jerusalém com filhinhos tão
pequenos. Só isso já contradiz a narração bíblica. Por isso, Jesus era filho
único.
Algo muito
interessante, e plausível, é a tese de que na ceia, estava Marcos, que era o
discípulo que fugiu nu, (cf. conforme Marcos 14, 32), como também estavam na
ceia, com Maria e demais familiares de Jesus e etc. Pelo relato de Mc 14, 32
parece que o discípulo que fugiu ali poderia ter estado na ceia. Mas isso não é
registrado, e fica difícil asseverar sua presença lá, pois todos os textos que
falam da ceia excluem quaisquer outras pessoas para o evento.
Que o apóstolo Tiago
estava lá não há dúvida. Mas, que ele seja o escritor o quarto evangelho, isso
não é provável. Que seja um “irmão” de Jesus, é impossível. Que seja um primo é
o mais provável possível.
Quanto à questão da
afirmação de Jesus na última ceia: “É um dos doze”, como evidência de que havia
mais pessoas ali, isso já foi tratado no outro artigo. Que os leitores analisem
o nível dessas considerações, e apresentem soluções, se tiverem, para as
dificuldades apresentadas.
Gledson Meireles.
Ver também: a primeira
visita de São Paulo a Jersualém, que traz luz para
essa discussão.
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