Tradicionalmente o “lago de
fogo” é interpretado como o inferno, onde há um fogo espiritual e literal, ou
seja, existe mesmo, onde sofrem as almas e depois os réprobos ressuscitados. O
fogo é espiritual, já que é a punição pelo pecado, e literal, já que atinge as
almas e corpos ressuscitados não glorificados.
A interpretação mortalista
expressa no livro é muito curiosa. Como o lago de fogo é a segunda morte, então
a doutrina aniquilacionista ensina que o castigo anterior à segunda morte não é
o lago de fogo. Muito curioso.
Essa noção é, ao que parece,
bastante nova, pois cria uma punição temporária por causa do pecado antes da
entrada no lago de fogo e enxofre, conceito que não se encontra em nenhum
versículo bíblico. Essa é a primeira refutação.
O autor afirma que Ap 20, 14
explica Ap 20, 10, apenas dizendo que o “tormeno eterno”, que é realizado no
lago de fogo, é somente a “segunda morte”, no sentido de destruição e
inexistência. O tormento é a inexistência. Isso já pode ser considerado parte
da primeria refutação. De fato, não faz muito sentido o tormento simbolizar a
inexistência.
Mas, é interessante que o
autor admitiu que nesse verso é mostrado o “tormento eterno dos ímpios”, embora
interprete esse “tormento” como a inexistência, como visto, é óbvio,
permanecendo o fato de que a linguagem bíblica expressa claramente o tormento
eterno. O restante é uma interpretação, e vamos ver se ela é válida. Pelo
primeiro sinal de incoerência, parece que não. De fato, a Bíblia não ensina que
os ímpios sofreram proporcionalmente e depois serão destruídos.
Assim, o conceito tradicional
de segunda morte é que essa punição eterna vem após a punição temporal da morte
física. É uma segunda punição. Ou seja, hjá duas punições para o pecado, a
morte e o inferno. A primeria é a morte física, onde todos, salvos e não salvos
passam. A segunda é o inferno, onde somente os réprobos sofrem.
Como a morte é o salário do
pecado, tanto a primeira como a segunda são punições. Mas, a segunda é
irreversível, pois os mortos ficam presos nas suas cadeias longe de Deus
eternamente. A primeira foi uma prisão temporária, a segunda é eterna, pode-se
dizer.
Dessa forma, não é a doutrina
aniquilacionista que possui uma interpetação plausível com mais sentido. Assim,
pode-se pensar que todos passam pela primeira morte, porque todos pecaram, mas
somente os que rejeitarem a salvação é que sofrerão a segunda punição, a segunda
morte, por rejeitarem o perdão de Deus.
A morte não é inexstiência. Os
ímpios sofrerão no final “no” lago de
fogo, e não antes de entrarem no lago de fogo, como fica na interpretação que o
livro mortalista apresenta.
Desse modo, é preciso notar
que há um lugar de punição, o tanque de fogo e enxofre, para os que serão
condenados após o juízo.
O argumento de que a segunda
morte poderia ser a “separação da alma e do corpo” é muito bom, é franco, usando
a linguagem que o autor mortalista empregou para se referir a um argumento
imortalista. Faz sentido perguntar. Mas ele parte do pressuposto que o termo
“morte” no versículo está sendo usado no sentido literal, explicando uma figura
de linguagem, e que esse sentido é o mesmo que inexistência.
Diante disso, pode-se
responder que a linguagem do Apocalipse é simbólica, e por isso a explicação da
segunda morte é necessária, e se trata de ela ser “o lago de fogo”. O autor
discorda dessa interpretação, e afirma o contrário, ou melhor, afirma que o
lago de fogo é que é usado como símbolo da segunda morte. Essa explicação é
curiosa, e vamos testá-la. O símbolo é a segunda morte ou o lago de fogo?
Certamente, o lago de fogo, e possivelmente, ambos.
Também, ninguém pensa que os
mortos são julgados, condenados e morrem novamente, mas julgados, condenados e
lançados no lago de fogo e enxofre. Esse lago é chamado de segunda morte.
Assim, o que faz pensar que a
segunda morte é diferente da primeira é essa linguagem apocalíptica que usa o
termo morte em um conceito de “castigo”, como se falasse do segundo castigo.
Eis que outro argumento
aniquilacionista, muito bom por sinal, entra em jogo. São João explica que o
lago de fogo é a segunda morte por se tratar de algo simbólico, não sendo o
próprio significado o conceito. Formidável.
Assim explica o livro
mortalista: “Note
ainda que João não diz que a segunda morte é o lago de fogo, como interpretam
os imortalistas, mas precisamente o contrário: que o lago de fogo é a
segunda morte.” Não. O original afirma que a
segunda morte é o lago de fogo.
É justamente por isso que
tradicionalmente o lago de fogo é o inferno, um lugar espiritual, que não é
literalmente um “lago” comparado a um lago de água, como que mudando apenas seu
conteúdo para as chamas de fogo, mas que esse “lago” simboliza o suplício
eterno. Está vendo, o lago também pode ser um símbolo.
Tudo está no campo das figuras
de linguagem apocalípticas. Assim, todos concordamos que o lago tipifica outra
coisa, e essa coisa não é a “inexistência”, mas um castigo eterno para os
réprobos ressuscitados e conscientes, um lugar espiritual de suplício. É pacífico
que o castigo no lago de fogo é eterno, ou melhor, tem duração eterna, seja ele
qual for.
De outra forma, estaria o
autor apenas literalizando o termo “morte”, e quando se diz que a segunda morte
é o lago de fogo, estaria apenas mostrando que a primeira morte é idêntica à
segunda, como entendem os mortalistas, o que já está refutado, pois essa morte
não é inexistência, e nem que a primeira e a segunda “morte” são os mesmos
fatos em natureza. Pelo contrário, o contexto indica que são os dois castigos
pelo pecado, e são diferentes.
Se é assim, se a segunda morte
é apenas inexistência, e traz o sentido somente disso, vamos interpretar o
texto e ver se o conceito encaixa-se perfeitamente. Se a alegoria do fogo é usada apenas para
representar outra morte física, isso deverá fazer sentido no contexto.
Se a morte é um “sono”, com a
diferença que a primeria há despertar e a segunda não, então a morte seria algo
que ninguém saberia o que é, já que não se tem consciência quando não existe. E
a explicação do Targum é bastante importante, mas não é maior que aquilo que a
texto bíblico explicita.
No verso 10 o Demônio é
lançado no lago de fogo e enxofre, que na interpretação mortalista signficia o
fim, a inexistência. Então o Demônio deixou de existir. E o texto afirma que lá
estavam a Fera e o falso profeta, ou seja, interpretado como se não existissem
mais. Seria o “lá na inexistência”, onde já estavam esses seres citados.
Mas o Apocalipse afirma que
eles estavam sendo “atormentados, dia e noite”. E a outra questão é que o
Demônio é lançado no lago após sua derrota, sem dizer o mínimo sobre um castigo
“antes” de ser lançado ali. A punição se identifica com o lago de fogo, e não
com outra coisa. Isso mostra que essa inovação interpretativa não deu certo. Não
existe castigo proporcional antes do lago de fogo. Parece que está refutado o
argumento aniquilacionista.
Na interpretação mortalista,
fundamentada no argumento do Dr. Bacchiocchi, “a segunda morte é o lago de
fogo”. Assim, o autor do livro explica que o símbolo é interpretado em Ap 20,
10.14 como é feito em Ap 1, 20, onde as estrelas são os anjos e os candelabros
são as igrejas.
O texto grego assim diz em
Apocalipse 1, 20: “As sete estrelas os
anjos das sete igrejas são, e os candelabros sete, (as) sete igrejas são”,
e formos traduzir literalmente.
Aqui temos duas refutações: a
primeira, é que o grego explica o simbolismo usando a estrutura “estrelas são
anjos e candelabros são igrejas”. Segundo, os anjos podem também ser um
símbolo, pois possivelmente se referem aos bispos das igrejas e não aos anjos
literais, pois seria estranho o apóstolo João escrever cartas a anjos literais.
Dessa forma, quando o autor do
livro mortalista afirma: “Note ainda que João não diz que a segunda
morte é o lago de fogo, como interpretam os imortalistas, mas precisamente o
contrário: que o lago de fogo é a segunda morte.”, ele não consultou o
texto grego, mas usou o argumento do Dr. Bacchiochi.
E
o texto grego assim afirma: “οὗτος (este) ὁ (a) θάνατος (morte) ὁ (a) δεύτερός
(segunda) ἐστιν, (é) ἡ (o) λίμνη
(lago) τοῦ (de) πυρός (fogo).”
Ou
seja, o contrário do que o autor do livro mortalista afirmou, pois ele seguiu
uma tradução em português. Em grego literal está assim: “Esta a morte segunda é o lago de fogo”. O Apocalipse está
explicando a segunda morte como símbolo, e o lago de fogo como o conceito.
A
tradução da King James e da Almeida Corrigida e Fiel fizeram o contrário, o que
corrobora a interpretação do livro, mas que não é o que está no original grego.
A
versão da Ave Maria assim traduz: “A
segunda morte é esta: o tanque de fogo”. Em outras palavras, o tanque de
fogo é o conceito de segunda morte, para usar o raciocínio do autor mortlaista,
ao mesmo tempo que refutando sua interpretação.
Desse
modo, temos:
Ap 1, 20 |
As sete estrelas são os anjos |
Ap 1, 20 |
Os sete candelabros, as sete igrejas |
Ap 20, 14 |
A segunda morte é esta: o tanque de fogo |
O
grego literal está aproximadamente assim: “as sete estrelas, anjos das sete
igrejas são e os candelabros sete, sete igrejas são”: “οἱ ἑπτὰ ἀστέρες ἄγγελοι
τῶν ἑπτὰ ἐκκλησιῶν εἰσίν καὶ αἱ λυχνίαι αἱ ἑπτὰ
ἑπτὰ ἐκκλησίαι ἐκκλησίαι”.
A
estrutura usada em Ap 20, 14, onde o símbolo é explicado, mostra que aquilo que
está no lugar do símbolo é a “segunda morte”.
Então,
essa versão que o livro mortalista trouxe, e serviu para o seu argumento, não
traduziu conforme o original em relação à estrutura: “Então a morte e o Hades foram lançados no lago de fogo. O lago de fogo
é a segunda morte.” Aqui o lago de fogo está no lugar do símbolo, mas no
original não. Assim, essa é de fato mais uma refutação.
Quando
São João explica que a segunda morte é o lago de fogo, os judeus entenderam que
se tratava do hades igual a inferno,
como na parábola do rico e Lázaro.
Jesus
afirma que na Sua vinda os ímpios serão consumidos, como nos dias de Sodoma.
Ainda, a explicação mortalsita da figura do fogo e enxofre caindo do céu como
aquilo que aniquilará os ímpios, criando um lago de fogo e enxofre onde eles
estão, torna toda a cena literal, o que contradiz o que o autor mortalista quis
explicar acima. Ainda, contradiz aquela noção de que haverá castigo
proporcional antes do lago de fogo.
Em
outras palavras, se o fogo que cairá do céu é literal, criando um lago de fogo,
então não haverá um castigo instantâneo, e assim o lago de fogo é o lugar do
tormento proporcional, o que contraria a explicação anterior. Se o fogo que cai
do céu aniquila os ímpios, e a figura do lago de fogo é apenas um símbolo para
mostrar o que aconteceu aos condenados, então não houve castigo proporcional,
contrariando a doutrina aniquilacionista proposta no livro. Das duas formas não
há como harmonizar com a doutrina bíblica.
Se
o lago de fogo não pode ter um fogo literal, já que a morte e o hades são nele
lançados, também a forma de “aniquilar” os ímpios também deverá ser sem fogo.
Ou haverá fogo? O aniquilacionista decide.
E
a explicação de que o lago de fogo causa tormeno apenas no sentido simbólico é
plausível, mas não se sustenta diante do que já foi exposto acima. E falta
ainda ficar claro como será a completa aniquilação, como ensina o
aniquilacionismo, se é pelo fogo e enxofre que cairá do céu instantaneamente,
como falam as imagens proféticas, ou se realmente esse fogo formará um lago
onde por um período temporário individual cada um irá ser consumido por séculos
talvez, no tempo proporcional às suas faltas. É isso que dá introduzir outras
interpretações das figuras bíblicas.
Se
o fogo devorador cai do céu e elimina em um só instante a todos os ímpios, não
há graus de castigo. Se o lago de fogo é apenas uma forma de mostrar o que
aconteceu com os que morreram no fogo que caiu do céu na vinda de Jesus, de
fato a explicação parece negar que haja castigo proporcional. De fato, não há
como morrer instantaneamente e ao mesmo tempo ter um castigo proporcional às
culpas. Por essa incoerência, surge mais uma refutação.
Portanto, a explicação de que o tormento diário para sempre é apenas parte do sentido simbólico foi bastante plausível no contexto da apresentação da doutrina aniquilacionista. Bom argumento. No entanto, em geral foram mostrados muitos problemas que invalidam a interpretação.
Gledson Meireles.
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