sábado, 5 de março de 2022

Adventismo e Reforma Protestante, comentário do capítulo 12

Adventismo e Reforma Protestante: um guia de estudo. Autor: Davi Caldas.

Comentário sobre o capítulo 12, sob a perspectiva católica. Convido o leitor a conhecer o livro clicando aqui.

Para entender melhor a fé católica nesses assuntos debatidos entre os protestantes, leia o comentário abaixo.


O cristão católico e o Sola Scriptura

O princípio protestante sola Scriptura ensina que a Bíblia é a única regra de fé e prática, é a única infalível, e que todas as demais esferas de autoridade para o cristão estão sob a autoridade da Bíblia.

E o católico, como aplica o ensino da Bíblia no seu dia a dia?

Lendo o livro Adventismo e Reforma Protestante, de Davi Caldas, um cristão adventista, resolvi fazer a seguinte reflexão a partir do capítulo 12 em que o autor trata da aplicação sola Scriptura no dia a dia.

Todos sabem que os católicos possuem três fontes de autoridade, sendo a Bíblia, a Tradição Apostólica e o Magistério da Igreja.

No entanto, poucos sabem que na fé cristã católica a Bíblia é o único texto inspirado por Deus, a fonte suprema de autoridade, e que nenhuma afirmação doutrinal pode estar em discordância da Bíblia.

Para entender isso de forma mais clara, sigamos as reflexões do Davi. Durante o percurso são introduzidos os pontos de vista católicos.

O autor escreve que no Protestantismo é ensinado que a Bíblia é a única regra de fé, pratica e doutrina, e que interpreta a si mesma.

Para nós católicos, a Bíblia não é única regra de fé e prática. Quando se diz “fé” entende-se o conteúdo doutrinal, como está em Judas 3. Portanto, fé nessa passagem sinônimo de doutrina.

Aliás, há quem entenda doutrina como usos e costumes, como por exemplo costumes de igrejas pentecostais mais antigos das mulheres não cortarem os cabelos e usarem maquiagem etc., fazendo com que pentecostais ao ouvirem a palavra “doutrina”, lembrassem de coisas dessa natureza.

O católico entende doutrina como o ensinamento de Jesus, revelado na Bíblia e explicado pela Igreja, no qual devemos crer. Em especial, os dogmas, que são doutrinas que durante a história foram explicadas e definidas diante das exigências temporais.

A fé é a adesão ás doutrinas, portanto a Escritura é também regra da nossa fé, que oriente o que cremos, e da nossa prática, e da nossa doutrina, mantenho a correção da mesma, assim entendido. E é a regra maior, primeira, suprema.

E, então, como fica a aplicação prática do sola Scriptura pelos cristãos adventistas, e por todos os protestantes que aderem ao princípio, e pelos cristãos católicos, que não creem nesse princípio, da forma que os Protestantes ensinam, mas que de certa forma também creem no sola Scriptura?

Como o católico prova a doutrina em que acredita?

Muitos católicos gostam de afirmar que os católicos não creem só na Bíblia, que seguimos a tradição, que cremos nas coisas pregadas pela Igreja, criando um sola Ecclesia, e que não é necessário que as doutrinas tenham somente provas bíblicas, pois temos três fontes de autoridade para aderir: Bíblia, Tradição, Magistério e não somente uma.

No entanto, na aplicação, embora seja diverso de um protestante, há mais pontos de contado do que de diferença. E não apenas isso, há algo que no final será demonstrado e que é inesperado por um protestante.

O autor alude ao “abandono do princípio do Sola Scriptura” fez aparecer doutrinas provenientes de líderes, concílios, tradições, credos. Cita como exemplo de doutrina extrabíblica o domingo, que é parte da fé presbiteriana, uma Igreja que também crê no Sola Scriptura.

Afirma que o domingo como dia de guarda não tem base bíblica, mas é dedução especulativa e tradição: “Deduz-se que como Jesus Cristo ressuscitou no primeiro dia da semana e o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos também no primeiro dia, isso fez esse dia substituir o sábado.”. O protestante adventista, com o sola Scriptura, por sua vez, exige que haja um ponto na Bíblia onde Deus ordena a substituição do sétimo dia pelo primeiro dia da semana.

Tendo isso em vista, os protestantes adventistas, de fato, estão de acordo com o princípio sola Scriptura, mas não se pode afirmar que os presbiterianos também não estejam. De fato, os presbiterianos defendem fortemente o sola Scriptura, como os reformados em geral, como aqui já escrevi algumas vezes sobre o tema, ao apresentar estudos de Kevin Vanhoozer, por exemplo.

O protestante deve, então, sempre buscar na Bíblia a base para as doutrinas. O católico, por sua vez, ainda que não siga o princípio protestante, deve mostrar a razão da sua fé a partir da Bíblia igualmente. Entretanto, o que demonstra a validade de sua posição é a tradição e os pronunciamentos claros do magistério, que não permitem mudanças em termos substanciais na fé e na prática.

O católico também faz uso das regas de interpretação bíblica, não aceita o que estiver contrário à Bíblia, e é aconselhado a ser leitor, estudioso e conhecedor da Bíblia, a Palavra de Deus. Nenhuma doutrina católica pode contradizer qualquer princípio e doutrina bíblica.

A tradição e os credos protestantes poderiam ter melhoria, revisão e progressos.

E a homilias católicas? Precisam somente ter a Bíblia como conteúdo?

Não necessariamente, pois não sendo única regra de fé e prática, pode-se falar da vida de um santo, ou ter outro tema correlato. No entanto, e isso é importante, é comum que as pregações católicas estejam todas ligadas à Bíblia, à primeira leitura, à segunda leitura, aos Salmos responsoriais, e ao evangelho lido aos domingos na missa, de modo que tudo o mais que é tratado, os exemplos e aplicações, são eminentemente bíblicos. Ainda, talvez os católicos sejam os que mais ouvem a Bíblia lida na Igreja, pois pelo menos três textos bíblicos, às vezes extensos, estão nas missas diariamente, com maior quantidade no domingo, de modo que ouvimos no púlpito diretamente o que a Palavra de Deus está ensinando. Isso é bastante comum e natural, e o que define essencialmente as pregações católicas, nos cultos dominicais e mesmo diários.

E, interessantemente, o autor, como outros autores protestantes também concordam, e a experiência que temos geralmente, nas igrejas protestantes, as pregações nas diferentes igrejas e denominações, eivadas de experiências pessoais, revelações de visões, sonhos, profecias, pregações da prosperidade, pregações longas a partir de pequenos textos, como um versículo apenas, que muitas vezes é tirado do contexto, floreados de uma forma que não representam o que está no contexto bíblico e nem no da pregação.

Assim, o autor fala dos sermões protestantes, e até adventistas, com excesso de histórias pessoais e citações de outros autores, mensagens que não fluem do texto, etc., etc.

Entre adventistas há quem leia nos sermões passagens de obras de Ellen White. Como é incomum um padre pregar lendo qualquer escrito dos santos, menos ainda de outro escritor eclesiástico, mais raro ainda um documento conciliar e etc, ainda que possam fazer isso.

De fato, as homilias são curtas, na maioria das vezes, mais como explicação e aplicações do ensino dos textos bíblicos proclamados na missa. As homilias aproximam-se mais do sermão expositivo. Assim, os católicos ouvem e aprendem da Bíblia, liturgicamente, em um grau bastante alto.

Quando às avaliações de líderes, mensagens, etc., a Igreja Católica também é bastante exigente. Mesmo que haja autorização e promoção da Igreja em favor de mensagens particulares, como as mensagens das aparições de Nossa Senhora, a virgem Maria, em muitos lugares, somos ensinados a não sermos obrigados a crer no fato das aparições e no conteúdo das mensagens, mas que as mesmas não possuem heresia ou perigos para a fé. O conteúdo nunca pode contrariar o ensino bíblico.

Por isso, não é exato afirmar das “falhas” da Igreja Católica se isso estiver em relação à doutrina cristã católica, que é cristã, apostólica, bíblica e santa. A Bíblia está acima da Igreja, como nós somos seus membros e vivemos da Palavra de Deus.

Portanto, podemos afirmar que aquilo que os protestantes tanto almejam, que é manter os princípio sola Scriptura em tantos âmbitos da vida prática na igreja, é alcançado, pelo que parece, mais pelos católicos, que ouvem e alimentam-se tanto do evangelho, e da Bíblia em geral, o que mostra a Bíblia na vida prática diária do católico.

Gledson Meireles.

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