O cristão católico e o Sola Scriptura
O princípio protestante
sola Scriptura ensina que a Bíblia é
a única regra de fé e prática, é a única infalível, e que todas as demais esferas de autoridade para
o cristão estão sob a autoridade da Bíblia.
E o católico, como
aplica o ensino da Bíblia no seu dia a dia?
Lendo o livro
Adventismo e Reforma Protestante, de Davi Caldas, um cristão adventista,
resolvi fazer a seguinte reflexão a partir do capítulo 12 em que o autor trata
da aplicação sola Scriptura no dia a
dia.
Todos sabem que os
católicos possuem três fontes de autoridade, sendo a Bíblia, a Tradição Apostólica
e o Magistério da Igreja.
No entanto, poucos
sabem que na fé cristã católica a Bíblia é o único texto inspirado por Deus, a
fonte suprema de autoridade, e que nenhuma afirmação doutrinal pode estar em
discordância da Bíblia.
Para entender isso de
forma mais clara, sigamos as reflexões do Davi. Durante o percurso são
introduzidos os pontos de vista católicos.
O autor escreve que no
Protestantismo é ensinado que a Bíblia é a única regra de fé, pratica e
doutrina, e que interpreta a si mesma.
Para nós católicos, a
Bíblia não é única regra de fé e prática. Quando se diz “fé” entende-se o conteúdo
doutrinal, como está em Judas 3. Portanto, fé nessa passagem sinônimo de
doutrina.
Aliás, há quem entenda doutrina
como usos e costumes, como por exemplo costumes de igrejas pentecostais mais
antigos das mulheres não cortarem os cabelos e usarem maquiagem etc., fazendo
com que pentecostais ao ouvirem a palavra “doutrina”, lembrassem de coisas
dessa natureza.
O católico entende
doutrina como o ensinamento de Jesus, revelado na Bíblia e explicado pela
Igreja, no qual devemos crer. Em especial, os dogmas, que são doutrinas que
durante a história foram explicadas e definidas diante das exigências
temporais.
A fé é a adesão ás
doutrinas, portanto a Escritura é também regra da nossa fé, que oriente o que
cremos, e da nossa prática, e da nossa doutrina, mantenho a correção da mesma,
assim entendido. E é a regra maior, primeira, suprema.
E, então, como fica a
aplicação prática do sola Scriptura
pelos cristãos adventistas, e por todos os protestantes que aderem ao
princípio, e pelos cristãos católicos, que não creem nesse princípio, da forma
que os Protestantes ensinam, mas que de certa forma também creem no sola Scriptura?
Como o católico prova a
doutrina em que acredita?
Muitos católicos gostam
de afirmar que os católicos não creem só na Bíblia, que seguimos a tradição,
que cremos nas coisas pregadas pela Igreja, criando um sola Ecclesia, e que não é necessário que as doutrinas tenham
somente provas bíblicas, pois temos três fontes de autoridade para aderir:
Bíblia, Tradição, Magistério e não somente uma.
No entanto, na
aplicação, embora seja diverso de um protestante, há mais pontos de contado do
que de diferença. E não apenas isso, há algo que no final será demonstrado e
que é inesperado por um protestante.
O autor alude ao “abandono
do princípio do Sola Scriptura” fez
aparecer doutrinas provenientes de líderes, concílios, tradições, credos. Cita
como exemplo de doutrina extrabíblica o domingo, que é parte da fé
presbiteriana, uma Igreja que também crê no Sola
Scriptura.
Afirma que o domingo
como dia de guarda não tem base bíblica, mas é dedução especulativa e tradição: “Deduz-se que como Jesus Cristo ressuscitou no primeiro dia da semana e
o Espírito Santo desceu sobre os apóstolos também no primeiro dia, isso fez
esse dia substituir o sábado.”. O protestante adventista, com o sola Scriptura, por sua vez, exige que
haja um ponto na Bíblia onde Deus ordena a substituição do sétimo dia pelo
primeiro dia da semana.
Tendo isso em vista, os
protestantes adventistas, de fato, estão de acordo com o princípio sola Scriptura, mas não se pode afirmar
que os presbiterianos também não estejam. De fato, os presbiterianos defendem
fortemente o sola Scriptura, como os
reformados em geral, como aqui já escrevi algumas vezes sobre o tema, ao
apresentar estudos de Kevin Vanhoozer, por exemplo.
O protestante deve,
então, sempre buscar na Bíblia a base para as doutrinas. O católico, por sua
vez, ainda que não siga o princípio protestante, deve mostrar a razão da sua fé
a partir da Bíblia igualmente. Entretanto, o que demonstra a validade de sua
posição é a tradição e os pronunciamentos claros do magistério, que não
permitem mudanças em termos substanciais na fé e na prática.
O católico também faz
uso das regas de interpretação bíblica, não aceita o que estiver contrário à
Bíblia, e é aconselhado a ser leitor, estudioso e conhecedor da Bíblia, a
Palavra de Deus. Nenhuma doutrina católica pode contradizer qualquer princípio
e doutrina bíblica.
A tradição e os credos
protestantes poderiam ter melhoria, revisão e progressos.
E a homilias católicas?
Precisam somente ter a Bíblia como conteúdo?
Não necessariamente,
pois não sendo única regra de fé e prática, pode-se falar da vida de um santo,
ou ter outro tema correlato. No entanto, e isso é importante, é comum que as
pregações católicas estejam todas ligadas à Bíblia, à primeira leitura, à
segunda leitura, aos Salmos responsoriais, e ao evangelho lido aos domingos na
missa, de modo que tudo o mais que é tratado, os exemplos e aplicações, são eminentemente
bíblicos. Ainda, talvez os católicos sejam os que mais ouvem a Bíblia lida na
Igreja, pois pelo menos três textos bíblicos, às vezes extensos, estão nas
missas diariamente, com maior quantidade no domingo, de modo que ouvimos no
púlpito diretamente o que a Palavra de Deus está ensinando. Isso é bastante
comum e natural, e o que define essencialmente as pregações católicas, nos
cultos dominicais e mesmo diários.
E, interessantemente, o
autor, como outros autores protestantes também concordam, e a experiência que
temos geralmente, nas igrejas protestantes, as pregações nas diferentes igrejas
e denominações, eivadas de experiências pessoais, revelações de visões, sonhos,
profecias, pregações da prosperidade, pregações longas a partir de pequenos textos,
como um versículo apenas, que muitas vezes é tirado do contexto, floreados
de uma forma que não representam o que está no contexto bíblico e nem no da
pregação.
Assim, o autor fala dos
sermões protestantes, e até adventistas, com excesso de histórias pessoais e
citações de outros autores, mensagens que não fluem do texto, etc., etc.
Entre adventistas há quem leia nos sermões passagens de obras de Ellen White. Como é incomum um padre pregar lendo qualquer escrito dos santos, menos ainda de outro escritor eclesiástico, mais raro ainda um documento conciliar e etc, ainda que possam fazer isso.
De fato, as homilias são curtas, na maioria das vezes, mais como
explicação e aplicações do ensino dos textos bíblicos proclamados na missa. As
homilias aproximam-se mais do sermão expositivo. Assim, os católicos ouvem e
aprendem da Bíblia, liturgicamente, em um grau bastante alto.
Quando às avaliações de
líderes, mensagens, etc., a Igreja Católica também é bastante exigente. Mesmo
que haja autorização e promoção da Igreja em favor de mensagens particulares,
como as mensagens das aparições de Nossa Senhora, a virgem Maria, em muitos
lugares, somos ensinados a não sermos obrigados a crer no fato das aparições e
no conteúdo das mensagens, mas que as mesmas não possuem heresia ou perigos
para a fé. O conteúdo nunca pode contrariar o ensino bíblico.
Por isso, não é exato
afirmar das “falhas” da Igreja Católica se isso estiver em relação à doutrina
cristã católica, que é cristã, apostólica, bíblica e santa. A Bíblia está acima
da Igreja, como nós somos seus membros e vivemos da Palavra de Deus.
Portanto, podemos
afirmar que aquilo que os protestantes tanto almejam, que é manter os princípio
sola Scriptura em tantos âmbitos da
vida prática na igreja, é alcançado, pelo que parece, mais pelos católicos, que
ouvem e alimentam-se tanto do evangelho, e da Bíblia em geral, o que mostra a
Bíblia na vida prática diária do católico.
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