quinta-feira, 31 de março de 2022

Questões sobre Doutrina: o sábado

Questão 15

A instituição do sábado, realmente, pode ser entendida como dada no início da criação, no Jardim do Éden, para o homem, como parte dos mandamentos de Deus.

Como afirma essa questão, o sábado foi honrado por Deus, distinto dos outros dias, e dado à humanidade como memorial perpétuo da criação.

De fato, Deus descansou no sétimo dia, segundo a Escritura. Esse exemplo de Deus criador, para o homem, mostra a lei natural dada ao homem para ser seguida: o descanso, a ser feito e um dia, no sétimo, como memorial da criação. Temos vários elementos, bem distribuídos, que ajudam na interpretação desse mandamento, que é diverso dos demais, que toca a Deus de forma especial, como ação de Deus no mandamento, uma atitude divina a ser imitada, dando a ele o selo de que fala Santo Agostinho, muito lembrado entre os adventistas.

A Bíblia afirma que Deus descansou no sétimo dia, abençoou o sétimo dia e o consagrou porque nesse dia descansou de toda a obra da criação (Gn 2, 1-3). O descanso de Deus foi o motivo pelo qual Ele abençoa e consagra o sétimo dia. O cristão então deve trabalhar seis dias e descansar no sétimo, é o preceito.

Os adventistas trabalham a ideia do sábado de Deus, a partir de Êxodo 20, 10 e Marcos 2, 27, como o dia do Senhor. Mas essa definição, corretíssima, pois se o sábado é de Deus, e se Cristo é o Senhor do Sábado, então o sábado é Seu dia. No entanto, essa designação, no Novo Testamento, essa fraseologia é usada para o domingo, o primeiro dia da semana, a partir do fim do primeiro século, começando pelo livro de Apocalipse 1, 10. Nunca a frase foi assim usada para o sábado, nesse contexto da Nova Aliança. Por isso, ainda que o sábado foi o dia de Deus na Antiga Aliança, quando se lê sobre o dia do Senhor entende-se no Novo Testamento o dia de Domingo.

Então, em Cristo observamos o domingo, e não o sábado. Isso é feito desde os dias de Cristo, a começar pelos apóstolos. Essa argumentação adventista em torno do sábado serve para o tempo da antiga aliança, mas atualiza-se no domingo da nova aliança. É um entendimento correto, espiritual, mas que não requer, não exige, a guarda do sétimo dia no sábado tradicional.

O que isso quer dizer é que o cristão deve continuar suas atividades próprias durante seis dias e descansar no sétimo. Assim, o cristão que trabalha da segunda-feira ao sábado tem o sétimo dia no domingo para dedicar ao Senhor e descansar de seus labores, como faz a Igreja desde os apóstolos. O sábado semanal, tradicional, é lembrado com amor e reverência, e o cumprimento moral passou a ser no primeiro dia da semana, o sétimo contado para o descanso, festejo e culto cristão, já no tempo apostólico, e portanto sob a autoridade de Deus. Foi Deus quem instituiu o domingo, onde a Igreja foi responsável por praticar essa mudança, no tempo dos apóstolos. Isso não se deu em Concílio tardio, mas os concílios testemunham a doutrina apostólica.

Estar com o Senhor um dia dedicado a Ele faz parte do mandamento moral de Deus. Dado mesmo antes do pecado, como afirma o Questões sobre doutrina, e esse preceito é cumprido no domingo. Não há exigência de que deve ser feito no sábado.

No Sinai o sábado foi renovado, ou reafirmado, e com nova motivação, a libertação do Povo de Israel do cativeiro do Egito, o que mostra que os israelitas deviam descansar no sábado e lembrar-se da escravidão e libertação operada por Deus. Deviam lembrar da criação, conforme o Gênesis, mas agora também lembrar-se da libertação, conforme o Deuteronômio. A motivação é acrescentada, por assim dizer, ainda que não repetida em Deuteronômio.

Para os adventistas os sábado lembra, então, a obra de Cristo como Criador, Preservador, Benfeitor e Redentor. Para os cristãos católicos tudo isso é lembrado no domingo, visto que a obra de Cristo na cruz, salvando a humanidade, é levada ao clímax no domingo, quando Cristo vence a morte e aplica a salvação já consumada. Por isso, o domingo traz essa marca da nova criação da graça de Deus.

Menção é feita aos festivais anuais, que eram os sábados cerimoniais, que caíam em diferentes dias da semana. Isso é interessante, pois a Igreja Católica tem os seus dias santos, a exemplo desses sábados cerimoniais, que são dedicados a Deus, por meio da veneração de alguma obra de Deus, um dogma, um santo, etc., e é honrado com o descanso e o culto a Deus. Isso mostra as raízes judaicas em continuidade na Igreja Católica, como aquelas do Antigo Testamento em preparação para o tempo de Cristo, e agora já com significado cristão.

O entendimento de que os sábados cerimoniais foram abolidos com a vinda de Cristo, é correto, mas ainda a teologia adventista não compreende que o dia de sábado, conforme a semana criada para o trabalho e descanso da humanidade, é também em si cerimonial, mas está no decálogo por motivo da sua, também, acepção moral, que é o culto a Deus e o descanso do homem. Portanto, a motivação para a guarda do sábado foi mudada, e o mandamento continuou intacto. Da mesma forma, guardando o domingo, após seis dias de trabalho, continua-se a cumprir o preceito divino.

Ainda, em Colossenses 2, 17, como a exegese prova, e é reconhecido por muitos, os sábados referidos são semanais, e não cerimoniais, o que pelo contexto é sombra do que devia vir. Isso mostra que a doutrina cristã católica mantem a fé dos apóstolos. Os adventistas, ainda que muitos conseguiram reconhecer que o texto toca o sábado semanal, ainda estão convictos, mesmo assim, que devem continuar a guardá-lo.

Ninguém duvida que o sábado foi guardado na Antiga Aliança, e por Jesus Cristo, e continuou a ser guardado pela Igreja primitiva, em ambiente judaico, mas sem qualquer imposição aos cristãos. Não era parte da doutrina cristã o ensinamento sobre o sábado do sétimo dia, mas isso foi logo transferido para o primeiro dia, o dia da ressurreição.

Cristo foi ensinar em dia de sábado, entrou na sinagoga segundo o Seu costume (cf. Mc 6, 1.2 e Lucas 4, 16). Mas os apóstolos seguiam o costume para pregar no sábado sobre Cristo. Apenas com essa motivação, não ensinando o sábado aos gentios.

O que podemos aprender dos textos bíblicos que mencionam o domingo, pode ser visto pela leitura atenta de cada um deles. Em Mateus 28 1, está escrito que “Depois do sábado”, e continua afirmando que Maria Madalena e a outra Maria dirigiram-se ao sepulcro de Jesus. A informação é que no primeiro dia da semana, no domingo, após ter guardado o sábado, conforme a Lei, as mulheres foram ao túmulo.

Nada é dito sobre a guarda do domingo, ainda, pois se trata de narrar o fato das mulheres indo terminar a o embalsamamento do corpo de Jesus, pois não sabiam ainda da ressurreição. Mostra também que Jesus não proibiu a guarda do sábado, nem de quaisquer tradições judaicas, nem a circuncisão, etc., ficando isso nos princípios do evangelho, que o Espírito Santo foi esclarecendo ao passar dos anos.

O texto de Marcos 16, 1 afirma virtualmente a mesma coisa, com detalhes diferentes, mas tudo acontece “Passando o sábado...”.  Em Lucas 24, 1, a expressão é “No primeiro dia da semana” (em grego: te de mia ton sabbaton), e continua narrando o mesmo acontecimento. O mesmo em João 20, 1.

Algo a mais é entendido em João 20, 19. De fato, no mesmo dia, o domingo, os discípulos estavam reunidos, todos juntos, e a portas fechadas por medo dos judeus. Não é dito o motivo da reunião, apenas o fato, e o detalhe das portas fechadas, motivado pelo medo dos judeus. Isso prepara a cena para narrar a aparição de Jesus, que escolheu o mesmo dia, o domingo, quando os discípulos estavam reunidos.

Então, oito dias depois, o texto bíblico afirma, interessantemente, “estavam os seus discípulos outra vez no mesmo lugar”, não revelando nada mais sobre o motivo da reunião. Eram discípulos que já sabiam da ressurreição, estavam alegres com o fato, já tinham visto o Senhor, e estavam novamente reunidos ali. E, o que mais chama atenção, dando maior ênfase ao fato, é que o Senhor escolhe esse dia para aparecer a eles. E isso fica narrado nas Escrituras.

O texto de Atos 20, 7 é importante. Nele é dito “No primeiro dia da semana, estando nós reunidos para partir o pão”, situando o leitor com esses detalhes importantes, revelando o dia e o motivo da reunião cristã. O fato da ressurreição de Êutico pode ter motivado o registro, mas é interessante saber que os discípulos de Cristo já reuniam-se no domingo para partir o pão, para o culto cristão. Não é certamente algo excepcional, mas revela mais, é algo ordinário na Igreja.

E, também, no mesmo sentido, a ordem de preparar a coleta no primeiro dia da semana, o domingo (1 Cor 16, 2).

Há, então, o costume cristão de reunir-se nesse dia para cultuar a Deus. É um costume apostólico, da Igreja, que se agrega ao que já estavam acostumados a fazer, como judeus. Dessa forma, os apóstolos iam às orações da três da tarde no Templo, continuavam indo às sinagogas aos sábados, não comiam com os gentios, seguiam a leis alimentares próprias dos judeus, circuncidavam a muitos, faziam promessas, festejavam o Pentecostes, como estavam acostumados, etc. O domingo é assim mostrado como dia de celebração cristã. Por isso, aos poucos, a necessidade de ir distinguindo certas coisas, entendendo certas práticas, como as citadas acima, que ficavam no âmbito da Antiga Aliança e as que eram próprias da Nova Aliança.

Esses textos não falam diretamente da guarda do domingo, afirmando a observância no lugar do sábado, nem da transferência do sábado para o primeiro dia, mas nos ensina que há uma nova forma dos cristãos de celebrar, que os distingue da Antiga Aliança, e mostra que há um dia em que isso ocorre, e que Deus escolhe esse dia para agir de forma a ensinar a Igreja sobre o mesmo, e que o dia escolhido por Deus foi o domingo. Assim, a ressurreição no domingo, as reuniões dos discípulos no domingo, as aparições de Cristo no domingo, o pentecostes no domingo, as reuniões cristãs no domingo, as coletas feitas no domingo, e etc., são sinais muito fortes da guarda do domingo com significado de cunho cristão, algo novo, parte da Nova Aliança, que se insere na vida da Igreja de Cristo.

Então, a circuncisão irá deixando sua função, as festas judaicas irão sendo menos praticadas, o pentecostes e as promessas, as leis de alimentação e as relações sociais e culturais com os pagãos vão sofrendo modificações, segundo o espírito do evangelho, moldado pelo Espírito Santo de Deus, guiando a Igreja a toda a verdade, a partir do que Jesus ensinou, lembrando, explicando, esclarecendo, desenvolvendo a verdade na Igreja.

Dessa forma, o sábado não foi guardado por séculos pelos cristãos, de forma que se pode afirmar que a Igreja guardou o sábado assim. Pode-se dizer que a Igreja nunca se opôs, por motivos naturais, à guarda do sábado, no início, mas apenas quando isso começou a desvirtuar-se, a ser como uma introdução da lei na prática cristã, uma tendência judaizante, que foi sempre recusada pela Igreja apostólica.

Então, a Igreja sempre observou o domingo, e durante certo tempo, em algumas regiões, da Palestina e Síria, por exemplo, o sábado continuou a ser observado, como outras tradições judaicas, como citado acima. O adventismo inverte um pouco esse entendimento, afirmando que os cristãos guardavam o sábado e foram aos poucos observando o domingo. Isso é algo que ocorreu concomitantemente, como explicado acima, por inspiração do Espírito Santo, com a prática apostólica, e proveniente dela, de forma que somente outros fatores é que levaram a distinguir melhor o sábado do domingo na vida da Igreja. É certo que o domingo como dia de observância cristã é de origem cristã, e apostólica.

Quando o Concílio de Laodiceia proibiu a guarda do sábado, as circunstâncias tinham mudado e requeriam certas medidas para não judaizar, como entendia a Igreja na época, conforme os cânones da Bíblia, contra os judaizantes. Portanto, não se pode afirmar que a Igreja estava errada, que era uma apostasia essa medida, nem que era inovação, por tudo o que foi explicado acima. De fato, o Concílio cita o Dia do Senhor como dia de descanso, para ser guardado de forma cristã. Isso mostra, mais uma vez, que todos conheciam o primeiro dia da semana como dia do Senhor.

Sempre que um concílio trata de uma questão, é sinal de que houve controvérsia a respeito. Esse concílio está no século quarto, e portanto é possível que muitos já não fizessem do sábado como os apóstolos, por exemplo, mas queriam impor aos cristãos uma forma que não era feita nem nos dias apostólicos.

Por isso, a Igreja apostólica, sob a direção dos apóstolos, guardava o domingo. Isso não pode ser afirmado como mudança de Lei, já que o domingo cumpre cerimonial e moralmente a Lei de Deus, com toda a honra e toda doutrina como o sábado fazia na Antiga Lei.

O sábado foi observado por muitos, por motivos de interpretações que faziam das Escrituras, destoando do que fazia a Igreja oficial. Assim também é que no século dezessete os batistas começaram a guarda do sábado, e mais tarde os adventistas, que surgem em 1844, pregam o sábado entre 1845-46, e formaliza-se com Igreja em 1863.

Os adventistas creem que são o remanescente, de Apocalipse, os que anunciam as verdades do anjo de Apocalipse 14, 9-12. O sábado seria o sinal da lealdade a Cristo como Criador e Redentor. Mas, pode-se dizer que o Domingo honra Cristo como Criador e Redentor. A doutrina que faz parte do mandamento do sábado é mantida em sua inteireza no domingo. É uma doutrina profunda e belíssima, verdadeira e edificante, sã, e legítima.

O sábado, da forma como o adventismo ensina, é introduzido tardiamente na Igreja, pois de modo oficial, o domingo sempre foi observado.

Gledson Meireles.

sexta-feira, 25 de março de 2022

A IASD e a parábola do rico e Lázaro

 

O propósito da parábola é ensinar que as riquezas podem levar à perdição, e que o rico estava para sempre fora do reino. Os adventistas reconhecem que a parábola acontece no hades, mas negam que isso prove a imortalidade da alma.

A cena não menciona o momento da alma saindo do corpo, nada é dito da alma saindo do corpo dos mortos. Isso é muito enfatizado pelos adventistas, que precisam ver detalhes que o texto não possui. Para quem acredita na imortalidade da alma, e esse não é o único texto que é entendido naturalmente a partir dessa doutrina, a passagem é bastante clara e não há motivo de estender os detalhes para provar que a alma pode separar-se do corpo.

Por que o rico e Lázaro são considerados espíritos? Porque a passagem diretamente afirma que Lázaro morreu e foi sepultado e o rico morreu e estava no hades, e passa a mostrar o que ocorreu.

Outra observação, é que o Seio de Abraão, conceito conhecido pelos judeus, como a IASD reconhece, não é céu, como diria a teologia reformada, afirmando que os salvos no Antigo Testamento iam para o céu. De fato, a fé católica afirma que o Seio de Abraão é o sheol, referindo-se à parte onde ficam os justos. Isso talvez ajude a entender melhor a questão.

O documento formula as críticas como se o Seio de Abraão fosse o céu, como é comum encontrar na apologética protestante. Não é o que a teologia católica ensina.

Assim, podemos afirmar que não há mais nenhum santo no sheol, e que os réprobos encontram-se lá, na parte do inferno, ou hades. Dessa forma, não há lugar para a crítica de que os dois lugares eternos estão próximos um do outro. O que surge dessa concepção não tem lugar na perspectiva católica sobre o assunto, mas parece ser algo próprio dos debates no interior do Protestantismo.

Por isso, é dito que Lázaro foi levado ao seio de Abraão, e não à presença de Deus. Pela fé católica isso é totalmente compreensível, pelo que foi explicado acima. Para os reformados e outros protestantes que ensinam diferentemente sobre o assunto, o argumento adventista serve para eles.

O estudo compara a parábola do evangelho de Lucas com o texto de Isaías 14, 9-11. De fato, ambos provam a imortalidade da alma.

O argumento é que uma verdade está sendo ensinada em forma de parábola, não sendo necessário que o que está representado tenha existência. Assim, as almas não existiriam, da mesma forma que as árvores não podem falar, fazer planos, caminhar e etc., como aparece em parábola. As almas conscientes na parábola são entendidas como as árvores, sem existência real.

Tudo o que acontece no hades seria figurativo, parte do estilo usado em parábolas. Os mortos não seriam conscientes e não haveria recompensa ainda.

O que acontece, porém, é que ao mostrar árvores em discussão, o sentido figurado é bastante claro, ao passo que, ao mencionar o mundo dos mortos, para onde as almas vão, sendo uma doutrina conhecida de todos, a questão parece mais uma revelação do que uma figura, que estaria utilizando algo inexistente, mas apenas crido por alguns. De fato, quem são esses alguns que criam, e quais não criam? Não seria a imortalidade da alma uma doutrina geral no judaísmo? Sabe-se que certamente os saduceus não criam nela, mas os fariseus.

Para quem entende a doutrina sobre o mundo dos mortos no Antigo Testamento, conforme explica a Igreja Católica, muitos argumentos seriam invalidados, como esse de que o céu e o inferno não poderiam estar lado a lado, o que é verdadeiro, e portanto conforme a doutrina do sheol onde justos e injustos estavam no mesmo lugar, mas, como mostra a parábola, separados uns dos outros.

Os textos de Salmos 146, 4 e 115, 7 não contradizem a parábola. De fato, esses textos dizem sobre a condição dos mortos neste mundo e não no mundo espiritual. A parábola contada por Jesus se dá no mundo espiritual.

Os argumentos contra a recompensa recebida pela alma logo após a morte são postos em quatro pontos: anula o juízo, contradiz o que pensam os mortalistas como sendo o claro testemunho da Escritura de que os mortos estão dormindo, representa espíritos como tendo membros corporais, e coloca os espíritos em plena vista uns dos outros.

Mas, sabemos que a alma é julgada logo após a morte e espera a ressurreição. A parábola mostra claramente que tudo se passa no período intermediário entre a morte e a ressurreição. A Escritura não afirma que a alma espiritual morre, mas que os mortos dormem metaforicamente, em relação ao corpo. Os espíritos são mostrados como representações reais das pessoas que eles pertencem, assim como Deus é mostrado como um Ancião de dias, com cabelos brancos, sentado no trono do santuário. O argumento cai aqui, pois se Deus é representado fisicamente mesmo sendo Espírito, assim também as almas. E por último a questão que já foi respondida acima, pois o Seio de Abraão refere-se ao Sheol e não ao céu.

O juízo particular não contradiz a existência do juízo final, que se dará após a vinda de Cristo, da mesma forma que a concepção de juízo investigativo, para o adventismo também não anula o juízo final.

A parábolas das árvores, em Jz 9, 8-15, é claramente metafórica, pois fala de árvores, oliveira, figueira, espinheiro, por exemplo.

Por que não admitir que a doutrina da imortalidade da alma, da consciência dos mortos, era a doutrina geral, crida por todos, e correta, ensinada por Cristo? Se o conceito de Seio de Abraão é judaico, admitindo a imortalidade da alma, isso não comprova que a fé na imortalidade da alma é correta? Onde estão exemplos de negação dessa doutrina na literatura judaica?

De fato, como ser desonesto é algo conhecido, e os fariseus sabiam muito bem disso, a parábola do servo infiel pode ser muito bem compreendida, de que a esperteza do servo estava sendo elogiada e não sua desonestidade. Entretanto, se Jesus sabia que os fariseus criam na imortalidade da alma, e isso fosse errado, ele teria oportunidade de pregar contra isso, se fosse uma doutrina errada, e não usá-la de uma forma tão interessante. É importante notar que Jesus falou da ressureição aos saduceus, que não criam nessa doutrina. Dessa forma, pensar que Jesus apenas estava tratando de coisas no campo de compreensão dos fariseus não é uma explicação suficiente.

O texto em nenhuma parte afirma que a doutrina da imortalidade da alma é incorreta, e que isso poderia ser usado para mostrar que mesmo na literatura farisaica eles poderiam ser reprovados, pois: o destino aí previsto é praticamente o mesmo que o que ocorrerá no juízo final, que é a bem-aventurança no céu e a condenação do inferno.

Gledson Meireles.

quinta-feira, 24 de março de 2022

A IASD e o texto de 2 Coríntios 5, 8

Uma expressão muito problemática, difícil de ser explicada por alguém que crê no mortalismo, é o texto de 2 Coríntios 5, 8. Para quem não se detém em reflexão, tal coisa passa despercebida, ou as explicações dadas são suficientes. Mas há de fato problema.

São Paulo afirma que estar ausente do corpo e presente com o Senhor. O adventismo observa essas afirmações como não sendo imediatas uma da outra. Ou seja, estar ausente do corpo não levaria a estar presente com o Senhor. Isso poderia levar um tempo.

E o que dizer do intervalo entre a morte e a ressurreição? A doutrina católica sempre ensinou que a alma fica em estado consciente, os mortos descansavam à espera do Senhor, na graça, no tempo da Antiga Aliança, onde o céu, na presença imediata de Deus, ainda não havia sido aberto por Cristo.

No Novo Testamento, a presença dos salvos se dá após a morte ou após a purificação, que não se sabe quanto temo dura. O fato é que a alma permanece após a morte, à espera da ressurreição, e pode ir à presença do tribunal de Cristo e à alegria do céu antes de voltar à vida corporal.

Os adventistas creem que os mortos podem estar presentes com o Senhor apenas na ressurreição, quando a mortalidade será desfeita pela vida (cf. 1 Cor 15, 23).

Mas, a mesma expressão considerada pelo mortalismo como indicando o período de morte, é essa mesma afirmação que denota a imortalidade da alma. O homem não deseja morrer, mas ser encontrado vivo na vinda de Cristo (2 Cor 5, 3-4). Se São Paulo estivesse pensando na ressurreição e não na imortalidade da alma, também, a respeito do período entre a morte e ressureição, não poderia referir-se à vinda de Cristo podendo encontrar uns despidos e outros vestidos.

Os despidos são os mortos, que ressuscitarão na parusia, e os vestidos são os que ainda estiverem vivos e terão o “revestimento” com o corpo glorificado. Essa é a esperança natural de todos. Portanto, o período pós-morte e antes da ressurreição é possível estar com Cristo pela permanência consciente da alma.

A exegese adventista fez um trabalho interessante ao frisar a importância da ressurreição, que de fato está no contexto, a considerar o contexto para explicar a afirmação bíblica, mas possui certas falhas que não podem ser corrigidas por estar compromissada com o dogma da mortalidade da alma, que não pode ser mudado no adventismo, porque isso implicaria em afirmar um erro doutrinal sério de Ellen White. E 2 Cor 5, 8 requer que isso seja revisto.

Não se trata de um adventista apenas afirmar que o entendimento bíblico da IASD sobre o tema é profundo e bem estabelecido, pois com novas luzes e maiores estudos isso poderia ser mudado, caso provado alguma falha de interpretação, de acordo com o Sola Scriptura. Mas, uma vez que a interpretação adventista chegou ao fim com a confirmação de uma visão sobre a mesma pela profetisa Ellen White, afirma-se que a interpretação é decisiva. Portanto, provando-a errônea, é necessário fazer ajustes em outras áreas também.

Considerando, para o artigo acima, o livro Questions of Doctrine, Question 41.

Gledson Meireles.

sábado, 19 de março de 2022

REAÇÃO ADVENTISTA: comentando dois artigos do site

A partir do artigo Voltando para casa, façamos reflexões para realçar verdades que se encontram nas entrelinhas, atrás das afirmações e ao lado delas, e distinguir também os erros, imprecisões, falhas etc.

Deus criou um dia para si para ser lembrado como Criador e dar descanso ao homem. Mas, também, no Novo Testamento, Deus fez um dia para que nos alegremos e nos exultemos nele. Esse dia de descanso, de repouso no Senhor, de alegria e exultação, feito por Deus, e profetizado no Salmo 118, é o Domingo. Com isso, a Lei moral continua sendo cumprida, o descanso de um dia em sete, continua sendo observado, e a doutrina espiritual também é levada ao máximo, tendo o Deus Criador e Salvador celebrado nesse dia.

Depois, Deus criou Israel para defender suas verdades, proteger as doutrinas corretas, etc.. Por isso, Jesus fundou a Igreja Católica, fundamento da verdade (1 Tm 3, 15), a partir de Israel, para ser a bênção para todos os povos.

Assim, o dia de descanso foi mudado pelos apóstolos, ou por ordem direta de Cristo ou sob inspiração do Espírito Santo. O fato é que no primeiro século, em vida dos apóstolos, já é possível notar a observância dominical pela Igreja.

A Igreja Católica não se coloca no lugar do povo étnico de Deus, mas nasceu desse povo, fundada por Jesus, e está enxertada na mesma Oliveira, em que já estavam os judeus que permaneceram fieis às profecias e aceitaram a Cristo, e que espera a plenitude dos gentios e a plenitude dos judeus a serem enxertados na mesma Oliveira.

A Igreja Católica recebeu as Escrituras, sendo os apóstolos e escritores bíblicos do Novo Testamento, filhos da Igreja, apenas autores humanos da Bíblia, que tem Deus como Autor. A Igreja Católica é a Igreja que recebeu a incumbência de ensinar, pregar o evangelho e sustentar a verdade (1 Tm 3, 15). Portanto, é intérprete da Bíblia nas questões necessárias de serem pregadas claramente a toda a Igreja diante de controvérsias.

A tradição apostólica é Palavra de Deus, recebida na Igreja, não criada pela Igreja, vindo do primeiro século, com conteúdo totalmente apostólico, e por isso está em igualdade de autoridade com a Bíblia. A Igreja Católica nunca mudou nada na Escritura, mas foi sua poderosa defensora.

Por isso, o poder profetizado em Daniel 7, 25 irá ser contrário à Igreja Católica, que é um poder espiritual cristão predominante no mundo, e a Igreja atrairá sobre si as investidas do Chifre Pequeno. De fato, a Igreja Católica sempre está defendendo o evangelho diante e contra as influências do mundo.

Por ser uma Igreja enorme, influente, que deteve o poder temporal por muitos séculos, e se pôs em conflitos com várias instituições, é interpretada por muitos como sendo aqueles que oprimiram pessoas por causa da fé. Certamente pensam na inquisição e cruzadas por exemplo.

No entanto, deve-se considerar o número incontável de cristãos católicos fieis em todas as épocas que sofreram perseguições até o martírio, o que enfraquece essas interpretações.

Outra questão é que a Igreja Católica sempre esteve do lado da verdade. Em todas as interpretações conflitantes da antiguidade, a Igreja Católica defendeu a genuína interpretação, mantendo-a intacta. Até o cânon bíblico é o mesmo, sem alterações.

A Igreja Católica nunca poderia oprimir o povo de Deus, pois ela é o próprio Povo de Deus. É a Igreja que dá a vida para manter santo o Santuário de Deus, na terra e o céu, é a Igreja da nova e eterna aliança, que tem por fundador o Príncipe dos príncipes, Jesus. Qualquer um pode certificar-se dessas verdades, de como o Nome de Jesus é pregado pela Igreja, contemporaneamente e em toda a história.

O poder do mal seria como um rei forte. Isso seria a Igreja Católica? De fato não poderia, pelo mostrado acima. Mas, a Igreja é poderosa pela Palavra de Deus, e lutar  contra o rei forte de Daniel 11. Mas o fim será quando a força da Igreja Católica for rompida e não aumentada: “Pelo eterno vivo, será num tempo, tempos e na metade de um tempo, no momento em que a força do povo santo for inteiramente rompida, que todas estas coisas se cumprirão.” Não se podem confundir nem a força nem as perseguições à Igreja com o poder e as quedas do Império do Anticristo.

O rei forte ou filho da iniquidade, conforme 2 Ts 2,3 tentará a destruição da Igreja Católica, a tomar o lugar do papa, a sentar-se no Templo de Deus como se fosse Deus. Portanto, a Igreja Católica será de fato perseguida pelo poder do Anticristo. O que é comum no culto e costume católico muitas vezes será usado pelo inimigo para enganar.

Somos judeus espirituais, ensina a Igreja Católica. Em nenhum momento a Igreja nega as raízes judaicas e não introduz nenhum sentimento nessa direção. Muito pelo contrário.

O sábado e o domingo, como dias santos, influenciados pela Igreja Católica, são colocados em destaque no calendário. De fato, tradicionalmente o sábado é dedicado à virgem Maria, que ficou em vigília à espera do Domingo da ressurreição. O sábado à tarde já é vivido como domingo pelos católicos, e oficialmente a missa do sábado à tarde e à noite já é dominical.

A infalibilidade da Igreja Católica decorre das promessas de Cristo. O poder do mal tentará imitar a infalibilidade cristã.

Contestar o seguimento da doutrina cristã em moldes judaicos é algo tradicional, quando se introduz algo que não tem desenvolvimento normal, proveniente de princípios da Escritura.

Em Ap 12, a mulher, a virgem Maria, modelo da Igreja, e os seus filhos, os cristãos, a Igreja perseguida, é mostrada separadamente. A Igreja é mãe. Não se pode confundir a Roma pagã com a Igreja de Cristo.

Não se pode confundir o antijudaísmo do Império Romano com as posições anti-judaizantes típicas do Evangelho que a Igreja Católica ensina.

A Bíblia, como a Igreja Católica ensina, foi escrita por judeus, e para judeus e gentios, para o mundo. Somos judeus, ou naturais ou espirituais. Nada mais normal para o cristão católico. Jesus, o Senhor, era judeu, a virgem Maria e os apóstolos e todos os primeiros cristãos, padres, bispos, papas eram judeus. Assim, até a arquitetura das igrejas e sinagogas é bastante semelhante, como muitas das tradições cristãs e judaicas possuem inegável herança comum.

Quando se diz que o sábado continuava em vigor, é uma afirmação forte, que ultrapassa um pouco os limites do correto. Os apóstolos vão às sinagogas sempre com o intuito de pregar ali o evangelho aos judeus, os primeiros que deviam receber a boa nova. Nenhum texto mostra um mandamento, uma atitude cristã com relação ao sábado, mas apenas uma continuidade natural da vida judaica e o uso das oportunidades para a pregação da salvação em Cristo. Assim é que São Paulo ensinou por três meses na sinagoga, mas ficou por dois anos ensinando na escola de um certo Tirano (Atos 19, 8-9).

Essa era a praxe apostólica de São Paulo. Assim, quando os judeus não o ouviam, partia para os gentios, pregando não mais nas sinagogas, mas nas casas desses, como fez em Atos 18, 7-8. Ver o vero 6, que mostra o motivo de não mais pregar na sinagoga. O sábado permanecia guardado, quando possível, pelos judeus cristãos, mas não era mais obrigatório aos gentios cristãos. De fato, os exemplos mostrados sempre incluem o sábado em um contexto de anúncio do evangelho aos judeus.

Como explicado acima, há somente uma Oliveira verdadeira, na qual os gentios começaram a ser enxertados, juntamente com os judeus, primeiros membros da Oliveira, a começar por Jesus Cristo, o Salvador, formando assim a Igreja Católica. Os elementos judaicos na doutrina católica permanecem, não sendo necessária uma atualização nesse sentido, e mostrando que tais tentativas sempre ficam no âmbito artificial.

Por isso, no sentido simbólico, todos os caminhos não levam a Roma, mas sim a Jerusalém.”, diz o artigo. Correto, mas a fé de Jerusalém está ancorada hoje em Roma. Por isso, se se vai a Roma, simbolicamente, se encontra Jerusalém. Obviamente, por isso, a Igreja é a nova Jerusalém, e não a nova Roma, já que Roma é historicamente o lugar da vitória de Cristo sobre o paganismo. Entretanto, Jerusalém permanece como patrimônio cristão católico.

Assim, em que sentido se deve retornar às origens judaicas, quando a Igreja Católica permanece essencialmente judaica?

O artigo traz a abolição do sábado, santificação do domingo, imortalidade da alma, inferno eterno, purgatório, oração/veneração a pessoas mortas, infalibilidade papal (a face do poder romanista), etc., como exemplos de doutrinas não judaicas. De fato, são todas doutrinas cristãs, e por isso profundamente judaicas.

Agora, diante dessas observações, continuemos com as maiores explicitações dadas pelo autor, diante das críticas que recebeu, por conta do texto acima, de membros da IASD.

A abordagem é feita a partir do artigo Resgatar laços com judeus e a fé judaica: fogo estranho?

Defendendo-se da acusação de estar flertando com o dispensacionalismo, são mostrados pontos cruciais do sistema dispensacionalista, que podem ser todos refutados pela doutrina católica. Os erros que provem de quaisquer sistemas não concordam com as doutrinas católicas. Somente onde há verdade, encontra-se apoio na doutrina da Igreja.

O que o texto chama de antissemitismo histórico atinge o anti-judaísmo bíblico, que a Igreja Católica sempre defendeu, sem cair em anti-semitismo. De fato, o anti-judaísmo, como está no Novo Testamente, é apenas deixar de lados coisas acidentais, ficando com  o essencial, aquilo que era espiritualmente simbolizado nas cerimônias judaicas, que são patrimônio da fé católica, pela conversação, na fé, do Antigo Testamento.

Mas, a doutrina do domingo, da imortalidade da alma, do inferno, do purgatório, da veneração dos santos, do papa, etc., não são romanas, mas bíblicas. Basta um escrutínio bíblico para reconhecer isso.

Pode-se pensar de duas maneiras quanto à semelhança doutrinal que as Igrejas protestantes mantem com a Igreja Católica. Do ponto de vista do ramo tradicional da Reforma, essas semelhanças se dão em doutrinas centrais, com sinais evidentemente bíblicos, sendo puras exposições da fé bíblica, e por isso mantidas na Reforma.

Por outro lado, do ponto de vista mais radical, como o adventismo, essas semelhanças são elementos que ainda devem ser tirados, após uma purificação doutrinal, por serem doutrinas extrabíblicas que se cristalizaram no decorrer dos séculos permanecendo no seio da Reforma, mas que devem ser tiradas.

O primeiro ponto de vista é mais correto, visto que a verdade é imutável e portanto tradicional, e o que é incontestavelmente defendido em um período não pode ser negado em outro, pois isso já é indício de heresia. Deve-se começar por aí.

O pensamento do autor sobre aquilo que deveria ser judaico é interessante: “E se o evangelho não tivesse se romanizado, hoje a maioria dos cristãos guardaria o sábado, não comeria alimentos impuros e chamaria as igrejas de sinagogas.

Assim, o sábado é visto como elemento judaico que não deveria ter sido deixado de lado pela Igreja Católica. Ademais, os alimentos impuros não deveriam ser consumidos pelos cristãos, e até os termos judaicos deveriam ser mantidos. De fato, esse último é um tanto problemático, já que sendo a Igreja universal, certas coisas adicionais, que não ferem a essência da fé, e não introduzem nenhuma novidade doutrina, são normalmente aceitas e naturalmente entram no Cristianismo.

O cristianismo seria um judaísmo crente em Yeshua, com judeus étnicos e gentios que aceitaram a fé judaica”. Esse conceito não é muito exato. De fato, a profecia bíblica para os tempos messiânicos já indica mudança. O judaísmo não continuaria da forma que era, apenas crendo em Jesus, mas mudaria muito, como de fato aconteceu.

A crença em Jesus foi de fato uma continuidade da fé judaica, mas os sacrifícios cessaram, a circuncisão deixou de ser obritatória, os sacramentos entraram no rol do judaísmo cristão, por assim dizer, e etc., como de fato estão na Igreja. Olhar para a Igreja Católica é de fato ver como é a religião cristã. O católico é judeu, como foi Jesus, Pedro, Paulo, etc.

Se São João Crisóstomo tratou a sinagoga usando termos baixos, estava apenas seguindo costume da época, e bíblico, que usa a expressão sinagoga de Satanás no livro do Apocalipse.

Deve-se ver o contexto, para entender o motivo dos padres da Igreja terem feito oposição à guarda do sábado como heresia.

Se existe uma doutrina que rejeita Israel, e que tornou-se tradicional no Protestantismo, e que parece ter sido formada a partir de um antijudaísmo de Roma, isso não é tão exato, deve ser melhor estudado e esclarecido, já que na doutrina católica, fiel ao ensino bíblico, o povo de Israel continua no plano de Deus, em sua consideração natural, tendo a promessa de receberem a graça da conversão e serem re-enxertados na natural Oliveira da qual foram cortados. Assim, os gentios são povo de Deus com os judeus, os primeiros, e todos serão unidos em Cristo.

As promessas para Israel permanecem de pé, não como o dispensacionalismo que vê outro plano de tratamento para o povo judeu, nem como a doutrina da substituição ensina, o que parece ser uma rejeição do Israel étnico.

Que Igreja substituiu Israel? Essa pergunta de Doukhan, teólogo adventista, é problemática para a Igreja Adventista. Mas, há algo que é preciso observar nas possíveis respostas elencadas pelo teólogo. Primeiro, a Igreja primitiva, no tempo apostólico, não era separada do judaísmo em termos de separação radical e conhecida por todos, uma separação externa e distinta, mas já compunham um grupo à parte, com reuniões à parte, com doutrina diferente, com observâncias diversas, desde o dia da crucificação.

Outra observação é que não há realmente uma substituição, no sentido de que Deus não tem mais nenhum plano para os judeus, o que seria igual às outras nações. Não é isso. Israel ainda deve receber o evangelho, o que será um sinal para a vinda de Cristo. Esse é o plano de Deus para a nação eleita.

A Igreja Católica não ensina, ao que parece, o que é ensinado na teologia reformada, sobre a substituição. Isso nem mesmo aparece assim nos estudos.

De fato, o documento oficial da Igreja Católica, Nostra Aetate, sobre outras religiões, fala da Igreja e do Judaísmo, e afirma que o povo do Novo Testamento está espiritualmente ligado à descendência de Abraão. Afirma ainda, que os judeus continuam a ser amados por Deus, porque os dons de Deus são irrevogáveis.

Ainda, os judeus são os nossos amados irmãos na fé, e relembra as palavras do papa Pio XI: “Espiritualmente, nós somos semitas.” A Igreja Católica tem a visão bíblica sobre o povo judeu, uma visão justa, equilibrada e verdadeira.

A forma de como ir mais fundo e ser mais judeu, fazendo um mergulho nas raízes judaicas, não pode ser feito de qualquer maneira, não pode ser feito adotando práticas judaicas e não cristãs e impondo-as como parte da doutrina da Igreja, não pode ser reconstruído templos e sinagogas como lugares cristãos, quando a história não ensina isso, e o costume foge a esses aspectos, por exemplo.

E não se pode afirmar que isso é voltar às origens. Também não o é tentar observar costumes alimentares, cerimoniais e etc, como se isso fosse uma fidelidade ao evangelho. Essas questões devem ser bastante claras, ponderadas, pautadas na Bíblia Sagrada, conforme os desdobramentos justos mostrados na história e testemunhados na tradição.

Gledson Meireles.

segunda-feira, 14 de março de 2022

Estudando a série de artigos: A invenção do catolicismo e do protestantismo - parte 4

A invenção do catolicismo e do protestantismo – Parte 4 – Reação Adventista (reacaoadventista.com)

Os títulos e subtítulos são os mesmos do artigo original, para facilitar na localização dos comentários de cada seção.

1.     A falibilidade da Igreja e o livre exame

Os apóstolos e outros escritores bíblicos foram inspirados por Deus para escrever tudo e somente o que Deus quis que fosse escrito em termos de doutrina e moral. Portanto, eram infalíveis em seu anúncio da Palavra.

Afirmar que a Igreja pode erra em questão de fé, e que o livre exame é suficiente para manter a unidade da fé é que são problemas insolúveis.

 

4.1. A falibilidade e a providência

A questão dos escritores bíblicos serem inspirados, e portanto infalíveis, ao escrever a Bíblia não significa que não pudessem errar em quaisquer outras áreas fazendo-os seres infalíveis. Portanto, refutar isso não afeta em nada a doutrina católica que também é contrária a esse pensamento.

Quando se diz que os apóstolos foram inspirados e infalíveis na escrita e proclamação da verdade, foi somente nessa área e nesse momento de inspiração que o fizeram, pelo poder de Deus, e não que tivessem o dom da infalibilidade em todo conhecimento.

A Igreja pode errar, no sentido comum, de que cada cristão pode errar e equivocar-se, mesmo os membros do clero, até mesmo o papa, mas a Igreja não pode errar nos momentos decisivos, quando para defender uma doutrina de fé, diante das circunstâncias históricas e das heresias, como quando defendeu a divindade de Cristo, a trindade, a divindade do Espírito Santo e etc. Nesses momentos cruciais Deus guia a Igreja para a verdade.

O povo de Israel tinha a Escritura, e não precisou de uma papa infalível para preservar a mensagem. Isso não é muito exato afirmar, já que o judaísmo dividiu-se de uma forma que era difícil saber qual das vertentes ainda estava no caminho original. Sabemos, depois da vinda de Jesus, que o farisaísmo era o ramo principal, e que Jesus ratificava a autoridade dos rabinos, embora criticasse seus erros em muitas áreas. Assim, a Igreja do Novo Testamento é mais perfeita que a Igreja do Antigo Testamento, nesse quesito de preservação da fé.

Até mesmo o cânon do Antigo Testamento não estava fechado, e isso não foi empecilho para a sobrevivência do povo de Deus, é afirmação do artigo. Vemos assim que a perfeição do plano de Deus a ser atingida no fim dos séculos está caminhando, e a Igreja Católica possui maior perfeição.

Visto que o cânon não tinha sido fechado havia aqueles que negavam parte imensa das Escrituras, bem como verdades de fé importantes, como os saduceus que não criam em anjos, espíritos e etc. Certamente, também não criam na alma humana, e, não tendo a fé revelada em outras partes da Escritura e não tendo a fé cristã,  negavam a ressurreição.

Assim, se demonstra como o magistério infalível é de maior perfeição. O autor reconhece outros erros judaicos da época, o que mostra que é preciso ver nesse quesito a importância da infalibilidade de Igreja de Cristo, que não foi dada à Igreja antiga, a da antiga aliança.

Os erros que foram permitidos pela Providência entre o povo de Israel não mais são permitidos na nova e eterna aliança. A Igreja possui promessas perfeitas, que o povo de Israel não possui, por serem uma etapa temporária para a formação da Igreja. As Escrituras do Antigo Testamento foram preservadas porque também são parte do propósito eterno, e são parte da fé cristã. Mas a fé hoje é mais identificável que nos tempos antigos.

A falibilidade humana não é capaz de atrapalhar os planos de Deus, mas é preciso ver que Deus aperfeiçoou a Nova Aliança, e isso implicou Deus que aperfeiçoou a Igreja em todos os sentidos. O argumento é apenas uma forma de pensar nessas verdades, não tendo nada que possa impedir as implicações e as revelações que mostram o papel singular da Igreja no plano da salvação.

O sistema de salvação não é baseado em perfeição doutrinária no indivíduo, é preciso entender, mas a perfeição existe, está na Palavra e na mensagem da Igreja. Por isso, mesmo os santos canonizados podem ter, algumas vezes, errado na fé, de forma não proposital ou com voluntária recusa de ouvir a Igreja, mas por suas imperfeições e erros de juízo, dentro das circunstância em que viviam, escrevendo coisas que a Igreja não ensina, como o fez São Gregório Nazianzeno, o grande Santo Agostinho, também Santo Tomás, são Belarmino, etc., só para citar exemplos de inegável grandeza na graça de Deus.

Portanto, a salvação do indivíduo não depende de uma perfeição doutrinal crida pelo indivíduo, mas a perfeição, moral e espiritual, deve ser buscada, como Mateus 5, 48 ensina, e a Igreja deve ter o patrimônio perfeito de fé, de entendimento para a sua época, de modo a termos seguro o que a Bíblia ensina. Esse argumento não pode ser refutado.

A infalibilidade da Igreja é importante para não permitir que o sincero buscador da verdade fique sem a devida recompensa. Deus deu a Bíblia inspirada e inerrante, e por isso garante a mensagem infalível na Igreja. A inspiração da Bíblia é maior demonstração do poder de Deus que a infalibilidade da Igreja, que decorre da Palavra e da assistência do Santo Espírito. Assim, quem crê em uma não terá dificuldade em crer na outra.

Dessa forma, os erros tratados pelo autor no artigo são parte da vida dos cristãos. Deve-se entender, a partir da Escritura, que assim como a Palavra de Deus é verdade, ela ensina a verdade, ainda que muitos a entendam erradamente. Também a Igreja é santa e verdadeira em Seu fundador e doutrina, ainda que muitos não compreendam a verdade inteira e errem em seus ensinos. Não pode, entretanto, a Igreja ensinar oficialmente o erro, mas os cristãos podem errar e errar em muitas questões, o que foi mostrado no artigo de forma bastante clara e interessante. Falta apenas olhar para a obra de Cristo na Igreja, em seu ensino, em sua perfeição, na sua infalibilidade, como resultado da promessa do nosso Senhor e Salvador.

 

4.2. O livre exame e a verdade

Os primeiros cristãos não iam à Bíblia para julgar o que os apóstolos ensinavam. A possibilidade de que sem autoridade central infalível os cristãos poderiam cair em confusão de teorias divergentes é apenas um fato. Mas há mais o que esclarecer.

Observemos o que o artigo chama de “falhas” no argumento contra o livre exame.

A possibilidade de nascerem divisões e heresias não é o que faz o livre exame ser errado. Ainda sem o livre exame há essa possibilidade. Entre os apóstolos, um traiu o Senhor, outro o negou, ainda usavam de violência, tinham ideias erradas sobre o papel do Messias, e etc. A divindade de Jesus, sua autoridade, sua graça, seu presença, não impediu aqueles comportamentos dos apóstolos.

Na Igreja, ainda que o corpo apostólico tivesse autoridade e ensinasse corretamente, surgiram divisões e heresias. Esse, portanto, não é o ponto contra o livre exame. Também não há nada contra a infalibilidade. O fato é que o livre exame é raiz para maior número de divisões, piorando a situação, e é errôneo se não for feito na consciência de que a autoridade de ensinar, dada por Cristo, é da Igreja. Portanto, o católico pode fazer seu livre exame.

Por isso, afirmar que a Igreja infalível não foi capaz de impedir divisões é argumento essencialmente igual a dizer que a inspiração da Bíblia, que ensina somente a verdade, não é capaz de impedir divisões entre os que a leem, que muitas vezes ensinam erros.

Certos entendimentos que aparecem nas críticas mostram que não se compreendeu bem o que é a infalibilidade da Igreja e também o que está errado no conceito de livre exame. Isso é um motivo para continuar a pesquisar, a dialogar sobre o tema, a crescer na fé, a buscar a verdade, em nome de Jesus, na Sua graça.

De fato, a autoridade infalível não foi criada por Deus para impedir divisões e surgimento de heresias, mas para certificar os crentes da verdade, de forma que podem ter uma fonte certa para porem sua fé. Assim, primeiro deve-se crer em Cristo, na Bíblia, na Igreja. Quem não crê na Bíblia não aceita as verdades ali ensinadas, mesmo que inspiradas. O mesmo acontece com quem não crê na Igreja Católica, que ainda que as doutrinas sejam verdades, falta-lhes a fé, que não permite aceitarem o que a Igreja ensina.

A questão da divisão pode ser vista sob duas perspectivas, uma dentro da Igreja e outra de fora dela. O autor limita-se a ver a divisão de fora. Assim, afirma que toda vez que um grupo surge na Igreja através de uma heresia, surge uma divisão, exemplificando com Marcião.

De fato, ali surge um grupo que antes era cristão católico, parte da Igreja, e forma-se em oposição à Igreja de antes, surgindo uma heresia. Mas, da perspectiva interna, a Igreja continua firme na sua fé, unida na mesma verdade, e vê um grupo de pessoas que deixa o seu âmbito, separando-se dela.

Isso sempre ocorreu, e pode ocorrer em todo o tempo. Quanto à divisão da ICAR com a Igreja Ortodoxa, basta pesquisar sobre o cânon bíblico e certificar-se de qual Igreja está com o verdadeiro cânon, o que já é um exemplo para continuar em busca da verdade, e uma indicação onde ela está.

Agora, o problema que o artigo traz é quanto ao conhecimento se o Papa e a Igreja são infalíveis. Como certificar-se disso, já que a infalibilidade serve para termos certeza da verdade em meio a tantas interpretações?

Mas, o autor afirma que no decorrer da série, desse estudo, verificou-se que não há evidência da infalibilidade. No entanto, os comentários feitos nos locais oportunos mostrou que é verdadeira a infalibilidade da Igreja, sendo preciso apenas aprofundar-se na fé bíblica para certificar-se dessa verdade.

Para comprovar a infalibilidade da Igreja basta que se estude com fé a Bíblia, e isso não é um raciocínio circular. Uma vez provada a doutrina, a fé na Igreja é criada no coração, decorrente da fé em Jesus Cristo, e o crente cresce na fé e na graça com segurança.

Portanto, a infalibilidade é uma garantia de Cristo para Sua Igreja, e isso se mostra na grande e profunda racionalidade da fé católica, ao contrário do que o artigo traz, afirmando da fé sem fundamento racional, o que demonstra não conhecer bem a fé católica. Não há fé personalista, porque o católico crê que Deus é autoridade suprema, e o que Deus promete Ele cumpre. Se Deus fala nas Escrituras, as Escrituras são a verdade, e Cristo promete proteger do erro a Igreja, então a Igreja ensina a verdade, e sendo assim é dever cristão crer na mensagem da Igreja.

Quando livre exame não fornece garantia, a infalibilidade da Igreja a fornece. Por isso, não há falha no argumento católico.

A segunda “falha” que o artigo traz seria que o católico pressupõe que livre exame é livre interpretação, o que criaria uma anarquia, onde cada um pode ter sua verdade.

De fato, muitos católicos pensam assim, e é isso que se depreende de muitas apresentações do livre exame no senso comum. Talvez mesmo em debates e exposições mais especializadas essa questão possa continuar a não ser tão clara.

Isso está em comparação com a doutrina da infalibilidade papal, que não é entendida pelos protestantes mesmo que lendo diretamente nas fontes católicas a definição da doutrina. Tudo isso mostra que é preciso mais estudo e diálogo, para que as questões fiquem mais claras e sejam melhor entendida.

O autor afirma que a autoridade e a hierarquia não são contrários à ideia de livre exame. Ponto positivo para a fé católica, tendo desde o início de sua existência, como o autor mostrou, autoridade e hierarquia, começando pelos apóstolos, com sede em Jerusalém, e etc.

Depois, surge a questão do modelo de organização da Igreja. Esse parece um ponto que pode tornar mais claro o conceito de tradição para o protestante. Ele afirma que não é possível saber o que foi pensado pelos apóstolos para ser o modelo ulterior da Igreja, nem se algum modelo foi pensado, não sendo possível saber sobre isso.

Então, afirma que uma possibilidade forte seja que nenhum modelo existiu e que a Igreja ficou para decidir. Na verdade, de onde vem a força dessa opinião, dessa possibilidade?

É verdade que não há regra na Bíblia para a organização, mas a Bíblia mostra a organização se desenvolvendo e como ela de fato acontecia.

Pensar que o modelo de organização esteve ligado essencialmente à cultura da época é outro momento de se pensar na Palavra de Deus que é eterna e que contem mais daquilo que permanece em qualquer tempo do que coisas que mudam conforme as mudanças históricas. Assim, o modelo de organização da Igreja que ocorre no seu início certamente é o modelo que Cristo quis, e que é o verdadeiro modelo da Sua Igreja.

A forma para conhecermos isso é a tradição, o fato, como realmente ocorreu. Ao invés de pensar que cada aparente diferença e discrepância no modelo no decorrer dos anos foram mudanças da forma de organização que estaria livre para mudar de acordo com a época, é preciso ver o desenvolvimento da organização eclesiástica de acordo como a essência do modelo original, que se encontra registrado na Bíblia.

Sendo assim, não se vê possibilidade para a escolha de um modelo onde os cargos eclesiásticos são temporários, por exemplo, já que não se pode ver traços disso naquilo que de fato ocorre na Bíblia. E, sendo isso inexistente na Escritura, é mais natural seguir o mesmo modelo da Palavra de Deus que pensar em outros que pareçam melhores.

Outra questão é que não há algo como um crente podendo provar uma interpretação diferente da interpretação oficial da Igreja mostrando evidências e em consonância com o espírito bíblico, não havendo nenhum suporte para que cada crente tenha possibilidade de provar pontos de vista que achar corretos por meio de estudo bíblico, apresentando evidências, etc., quando isso não for conforme a doutrina já pregada pela autoridade apostólica. Não havendo um único exemplo disso no primeiro século, nas páginas da Bíblia, não é algo que faz parte da doutrina cristã, mas apenas possibilidades que a história prova que existem, e que nunca foram aceitas pela Igreja Católica desde o seu início.

Esse tipo de pensamento é conforme o que ocorreu em todas as heresias, mas que não foi aceito pela Igreja nenhuma vez.

Interessante o modelo explicado, onde a submissão à autoridade é um dever, e a composição da liderança da Igreja é feita pelos mais aptos, dando estabilidade e rigidez doutrinária à mesma. Então, o reconhecimento de que a Igreja pode errar, ou seja, o reconhecimento de que a liderança possa cair em heresia, isso serviria para formar um magistério equilibrado.

No entanto, isso demonstra apenas que nunca se poderá ter uma certeza de que a doutrina que a Igreja está ensinando é mesmo verdadeira. Isso abre espaço para reformadores de doutrina. Pense nisso.

Todas as vezes que um membro da liderança ou leigo surgir com uma interpretação que não encontra precedente, e que não está conforme a doutrina já estabelecida oficialmente, que mesmo diante de escrutínio, a Igreja não entender que as evidências que os fautores da nova interpretação são dignas de serem observadas e que uma reforma na direção proposta devesse existir, ao passo que os proponentes da interpretação não forem suficientemente convencidos de que sua posição está em erro, todas essas vezes que isso ocorrer é bastante provável que haverá separações e surgimento de heresias, que brotam do princípio aludido, de que a Igreja pode errar em matéria de fé. Portanto é um modelo falho.

O modelo apostólico, por sua vez, não permite esse entendimento. Ainda que a separação e o surgimento de outras doutrinas ocorra, o princípio da infalibilidade automaticamente considerará essas separações de doutrinas como erros e heresias. E isso dá certeza quanto a essa posição.

Ao invés de ver possibilidade de que as novas interpretações sejam verdadeiras, quando em oposição à Igreja oficial, e que as novas denominações possam estar adiante no caminho de crescimento na fé, são ao contrário vistas como afastando-se da verdade, como foram todas as interpretações que não se conformavam com a fé dos apóstolos.

Por isso, crer que a Igreja possa errar nessas questões é introduzir desequilíbrio no magistério.

Em outras áreas, no cotidiano, no funcionamento normal da Igreja, as possibilidades de erros de interpretação, de julgamentos errôneos, em quaisquer âmbitos, por teólogos, biblistas, padres, bispos, etc., é sempre possível. É de se crer, entretanto, que tais erros nunca subirão ao lugar que os torne doutrina oficial obrigando toda a Igreja.

Na estrutura que o artigo explicou, o membro da Igreja não se torna o seu próprio líder. No modelo da infalibilidade também não, e de forma mais intensa. É bom refletir sobre isso.

A organização não fica sem liderança apta e confiável. Ainda menos no modelo da infalibilidade. Ou seja, a organização não fica, menos ainda, sem liderança apta e confiável, quando o modelo de autoridade é infalível.

E, o membro não cai no erro de pôr o líder acima da Bíblia e a Igreja, também isso não ocorre no modelo de infalibilidade, embora psicologicamente possa ocorrer com mais frequência, não que no modelo de autoridade eclesiástica falível isso não ocorra. Ocorrer em ambos.

No entanto, a fé na Igreja infalível não torna cada cristão infalível, nem os diáconos, e padres, nem os bispos, nem os papas, quando ensinam e pregam o evangelho todos os dias, ou quando publicam obras e estudos bíblicos, etc. Nenhum católico crê que os líderes estão pregando infalivelmente, o que é idêntico ao que o protestante crê em relação aos seus pastores.

A diferença se dá que em matéria de fé já definida e proclamada pela autoridade máxima da Igreja, papa e bispos, em concílio ecumênico, com intenção de ensinar a toda a Igreja, há a fé de que essa decisão é proveniente de Deus e certa, e, portanto, infalível, de modo que não é correto o que se oponha a tal definição doutrinária.

Quando o protestante não reconhece isso em relação aos seus documentos oficiais, sínodos, concílios e etc., abre-se espaço para inovações, ainda que na prática essa realidade funcione quase que identicamente ao que acontece no Catolicismo. O que há de diferente no Catolicismo é, na prática, maior clareza, solidez e rigidez contra deturpações e possíveis inovações. São modelos próximos, mas o modelo católico e apostólico é superior.

Ainda, por consequência, não corre o risco de errar e não reconhecer seu erro. Essa questão é complicada, como insinuando que a Igreja possa voltar a si mesma e avaliar decisões anteriores e verificar possíveis falhas e erros. No modelo infalível isso é impossível quando se põe a fé em Cristo e na Sua promessa de proteger a Igreja de todo erro nesse quesito da fé e da moral, como mostra a doutrina do Novo Testamento.

No entanto, mesmo no modelo de igreja falível, há sempre difíceis mudanças, e possibilidade e risco de errar e não reconhecer seu erro. Imagine um adventista chegando à conclusão de que Ellen White de fato errou em matéria de fé, como por exemplo, na questão em que afirma a mortalidade da alma, uma vez que a Bíblia apresenta a alma como imortal. A única forma para resolver seria deixar a fé adventista, já que a senhora White é considerada inspirada e, portanto, não se poderia negar um ensino que ela claramente afirmou em seus escritos como verdade bíblica.

O mesmo seria um católico negar um dogma, já que é impossível que a Igreja caia em erro, ainda que contrarie a opinião de cristãos particulares.

A diferença é que o adventista estaria se baseando em seus estudos bíblicos, segundo as rígidas regras da hermenêutica e a exegese bem fundamentada, para a fundamentação da doutrina, que foi comprovada por uma visão inspirada da profetisa Ellen White.

Por sua vez, o católico, que também possui as mesmas condições, em seus estudos bíblicos segundo a reta hermenêutica e sã exegese, tem para a doutrina em questão o ensino oficial da Igreja reunida com o papa e os bispos em concílio na intenção de definir a doutrina que está presente, de alguma forma, na Bíblia e na tradição apostólica e viva da Igreja, em vários testemunhos, e que foi entendida como revelada por Deus nas Escrituras e na tradição.

Aquilo que para o católico é a tradição e o magistério, para o adventista funciona na pessoa de Ellen White. Em outras palavras, o católico não pode negar um dogma proclamado oficialmente pela Igreja e continuar ser católico, da mesma forma que um adventista não pode negar uma doutrina conforme explicada por Ellen White e continuar adventista do sétimo dia.

Para ficar mais claro, seria como um católico negar o dogma da infalibilidade papal, que foi definido em concílio ecumênico em 1870, e um adventista negar que a alma é mortal, que deixa de existir na morte, que foi comprovada por Ellen White em visão em 1863.

Não se está afirmando que a doutrina da infalibilidade papal surgiu em 1870, nem que o ensino de que a alma morre aparece apenas em 1863 com Ellen White, mas que após a proclamação ex-cathedra do referido dogma nenhum bom católico poderia se opor a ele, da mesma forma que após a visão de Ellen White sobre a interpretação bíblica a respeito da alma não pode ser contestada por um verdadeiro adventista do sétimo dia.

Não se trata de questões acidentais, mas que tocam doutrinas que aquela Igreja ensina, e que não podem ser negadas por seus membros. O que pode haver, tanto para o católico quando para o adventista, em seus respectivos casos, é estudar a questão, aprender da doutrina, ver as razões para tais, fazer um estudo bíblico, segundo as regras da hermenêutica e a aplicação correta da exegese para certificar-se do ensino recebido. O católico ainda tem o estudo da tradição da Igreja, e da definição papal, comparando as mesmas com a Bíblia Sagrada e os testemunhos da tradição, para certificar-se assim, da correção da doutrina, reconhecendo que de fato é verdadeira.

Então, estudando a Bíblia, com atenção ao contexto da passagem e do contexto histórico, da coerência da interpretação, considerando o estilo do livro estudado, avaliando autor e destinatários, estaríamos em bom solo para propormos interpretações até para a Igreja em geral, segundo o que se depreende do artigo. Isso é compreensível. Não é previsto no modelo apostólico.

Entretanto, imagine um católico com seu estudo bíblico aprofundado tentando persuadir a Igreja de que a infalibilidade papal não se sustenta, como há muitos teólogos que assim pensam.

Imagine também um adventista, com sua interpretação bíblica a respeito da alma, chegando ao resultado de que a mesma é imortal, tentando convencer a Igreja Adventista do Sétimo Dia de que essa é a doutrina bíblica.

Diante das estruturas já conhecidas de cada igreja, é óbvio e natural que as interpretações não podem passar no crivo do seu ensino oficial referente ao tema.

Espera-se que os exemplos tenham ficado claros, pois estão de acordo com as respectivas teologias, e caso não estejam, pede-se que o autor comente a respeito fazendo as devidas correções e esclarecendo os pontos em discordância com a doutrina adventista, apresentando as razões para suas conclusões.

Certamente, a linguagem usada aqui pode não ser adequada, não estar acessível ao pensamento de vários leitores, ou não serem de fato corretas e apropriadas, etc., mas que sejam mostradas razões caso alguém venha a negá-las.

Então, o artigo explica que o livre exame não é o que o católico pensa dele, e que não dispensa o magistério eclesiástico. Muito disso já foi comentado acima, é já é suficiente para mostrar que a questão deve ser aprofundada.

Outra suposta “falha” do argumento católico contra o livre exame, que seria vê-lo como única causa das divisões. Certamente os católicos não pensam assim, pelo que foi mostrado acima. Mas, continuemos.

Os exemplos das divisões entre católicos e ortodoxos e protestantes por causa da infalibilidade papal também pode ser vista do ângulo que, caso a infalibilidade papal fosse uma doutrina errada, seria nesse caso um dever da Igreja Católica reformar-se conforme as normas e doutrinas ortodoxas e protestantes propostas em seus respectivos casos? É uma hipótese que também deve considerar essa questão.

Afirmar que a Igreja acumulou erros, é uma coisa difícil de ser provada, já que para os mais santos e sábios cristãos, os maiores eruditos, teólogos e filósofos da História, a Igreja está firmemente ancorada na Bíblia e tradição apostólica, de acordo com a reta razão, a verdadeira ciência, as regras hermenêuticas e a correta exegese da Bíblia, a história, a arqueologia, a filosofia perene, a psicologia humana, etc., de forma que é pelo menos digno de atenção que tanta cultura e erudição, muitas vezes incomparável, quando se tem em conta a cultura universal, é digno de atenção que isso ocorra na Santa Igreja Católica.

É certo que em menor grau isso também tenha correlatos em outras denominações, como na IASD. Mas, em grau altíssimo, é uma constante na Igreja Católica. Para melhor certificar-se disso, grande homens, muitas vezes os expoentes maiores em sua época, os mais eruditos entre os eruditos, foram cristãos católicos, como o foram, no período pós-apostólico, Tertuliano grande escritor cristão, Orígenes, certamente o maior erudito bíblico em seu tempo. Santo Agostinho, incomparável em tantos estudos bíblicos e filosóficos, Santo Tomás de Aquino, que viveu quase um milênio após Santo Agostinho, e foi em muitos sentidos insuperável, Erasmo de Roterdã, talvez também o maior erudito do seu tempo, preparando o Novo Testamento em grego, que serviu para o trabalho de tradução de Lutero, John Henry Newman, que participou de um movimento de reforma da Igreja, possivelmente o maior desde a Reforma Protestante, Edith Stein (Santa Teresa Benedita da Cruz), filósofa judia que converteu ao Catolicismo, G. K. Chesterton, uma das figuras mais cultas e inteligentes em seus dias, Joseph Ratzinger, um dos maiores teólogos vivos dos nossos dias, etc.

Esses nomes foram somente para citar alguns, que mostram que a doutrina cristã católica está de acordo com a mais fina inteligência e a mais exigente razão. Muitos e muitos nomes de inteligência estão em todas as culturas e religiões, e mesmo no ateísmo, no antigo paganismo, como Parmênides, Eráclito, Sócrates, Platão, Aristóteles, etc., como em outras religiões.

Também, como é natural, e mais esperado que em outras religiões, estão presentes nas Igrejas protestantes, que vieram da Igreja Católica, e naqueles que nasceram já no interior do Protestantismo. Assim, temos Lutero, Melâncton, Calvino, John Wesley, Samuele Bacchiochi, adventista, George Knight, também adventista, citando aleatoriamente alguns.

No entanto, é digno de nota que a erudição católica tem alcançado níveis insuperáveis em grande escala, repetidas vezes, em vários âmbitos. É bom pensar nisso. Portanto, é muito simplista afirmar sobre erro doutrinal no Catolicismo, ainda mais apontar grande bagunça, etc. Isso ainda será aprofundado nos próximos artigos.

Intelectuais protestantes que conheceram o Catolicismo foram aproximando-se dele a ponto de quase aderirem à sua doutrina, como o protestante C. S. Lewis, que possivelmente teria se tornado católico se vivesse um pouco mais, já que aos poucos ia se persuadindo de várias doutrinas da Igreja.

Da mesma forma, alguns filósofos não católicos beiraram a fé católica. Talvez isso seja irrelevante para o que está sendo tratado aqui, mas não é dispensável para quem pensa e gosta de estudar a verdade.

Por isso, estudiosos da Bíblia, quanto mais aprendem da Palavra de Deus, mas chegam perto da Igreja Católica, seja qual for o assunto estudado.

Assim, a hipótese de que as divisões são efeitos da suposta ruptura proporcionada pela ICAR não é provável. Basta ver que onde o livre exame é maior, mais há proliferação de novas ideias.

A comparação de livre exame com o livre arbítrio, onde um não pode ser culpado pelas divisões, como o outro não pode ser culpado pelo pecado, volta ao que o catolicismo tem em suas premissas, que é o livre exame para buscar a verdade, sob a orientação da Palavra de Deus, através da autoridade da Igreja, onde o fiel tem a liberdade de conhecer a verdade estudando a santa Palavra.

A infalibilidade não previne das divisões, mas pode ser boa para diminui-las. Também, o fundamento da doutrina da infalibilidade é certo na Bíblia Sagrada, ao contrário do que o artigo veio desenvolvendo, como foi mostrado no comentário acima. Assim, pode-se perguntar: a infalibilidade é doutrina romana? Não. Ela é bíblica.

O sistema de autoridade e livre exame foi o explicado aqui. Certamente, funciona melhor que o apresentado no artigo, que vê a Igreja como parte falível no sistema.

No próximo comentário será tratado o artigo que aborda doutrinas católicas e apresenta críticas, considerando-as erros. Esse será um dos melhores, por confrontarem diretamente argumentos de doutrinas cristãs católicas com argumentos adventistas.

Depois será tratado o Protestantismo e o que se pode afirmar de erros protestantes a partir da perspectiva adventista, bem como outras abordagens adventistas sobre o Catolicismo e o Protestantismo que, se Deus quiser, serão comentadas.

Gledson Meireles.