quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Pão da Palavra, Indulgência, Igreja: algumas reflexões a partir do livro Cuidado com o Alemão

Em uma apresentação típica de quem admira o reformador protestante Martinho Lutero, o pastor batista afirma que Lutero deu um não a tudo o que na Igreja se manifestasse indiferente à Bíblia. Ele colocou a Bíblia no centro da oração do Pai Nosso, como “o pão de cada dia”, e pôs a pregação no centro do culto protestante.

Mas, o pão nosso de cada dia, como explicado pelos autores cristãos católicos, é o pão temporal, o pão dos sacramentos e o pão da Palavra, algo que não é restritivo, mas amplo, do significado da Bíblia já contido aqui. Assim, Lutero não introduziu esse sentido da Palavra, mas o intensificou em sua pregação, em sua doutrina, em seu sistema, a ponto de fazer da leitura da Bíblia um ingrediente de um futuro slogan, o do sola Scriputra.

Isso apenas para que não se pense que o “pão da Palavra” seja invenção de Lutero. Sabemos que a Bíblia é alimento, e neste mês da Bíblia leiamos mais a Palavra de Deus e nos alimentemos dela. Cristo também é a Palavra. Algo que não foi Lutero o primeiro a dizer isso. São Jerônimo já ensinava que desconhecer a Bíblia é desconhecer a Cristo. Podemos ver essas ligação do Verbo com a Sagrada Escritura.

O pastor explica um pouco sobre as indulgências, de como era vivida a doutrina na Idade Média, onde os prazos do poder espiritual seguiram o do poder econômico.

Cita também as grandes influências que explicam a enorme popularidade de Lutero. De fato, os intelectuais insatisfeitos, os governantes alemães descontentes e os compradores desiludidos contribuíram para criar uma rede de proteção àquele que de alguma forma pudesse levar a um rumo que pudesse melhorar essa situação.

Outra ferramenta que auxiliou muito na propagação das ideias de Lutero foi a impressa, que contribuiu, ou seja, foi preponderante na publicação das suas 61 obras.

Sobre a liberdade é algo importante falar. Lutero ensinou, segundo o pastor, a procurar a liberdade, ou seja, buscá-la, não como ponto de partida, mas como o fim, e que essa liberdade não é dada por nada, mas que é encontrada na leitura da Bíblia.

Com isso, fala-se da instituição Igreja, e da divisão e do afastamento que Lutero iniciou dos conceitos de Igreja institucional e do indivíduo, que pode ser parte da Igreja sem que essa realidade lhe seja dada pela instituição, e que membros da Igreja podem não ter o encontro real com Cristo.

Enfim, nesse ponto fala do ataque à Igreja e ao papado em particular.

Tudo isso nos leva a pensar em que ponto podemos conceder algo às ideias do monge Lutero.

Podemos nos perguntar se na Igreja apostólica a pregação era o centro. Podemos pensar se os apóstolos puseram a leitura da Bíblia algo em confronto com a realidade da instituição espiritual da Igreja, manifestada pela instituição visível que conhecemos. Tudo isso deve ser pensado e refletido, pois bonitas palavras e belos discursos com ares de profundidade teológica não podem ser superiores à doutrina que Cristo deixou aos apóstolos para que disseminassem e anunciassem por toda a terra.

Dizemos, então, que os princípios da Palavra de Deus, de certa forma, já estão todos ali no ensino apostólico, e que quaisquer teologias e reformas e autores espirituais devem ser avaliados por tudo o que foi estabelecido na Bíblia Sagrada e na pregação apostólica seguida durante os séculos a partir do primeiro.

E quando voltamos à Escritura não há lugar claro, nem mesmo princípio aludido sobre a centralidade da pregação e da quase obrigatoriedade de se encontrar com Cristo pela leitura da Palavra, em lugar da pregação viva da Igreja. Não se nega que na leitura espiritual da Bíblia Deus nos fala, mas que também na pregação da Igreja, e mais ainda, ordinariamente na pregação viva da Igreja é que ocorrem as conversões e que a vida da graça é geralmente comunicada.

Lutero está assim, com as influências do seu tempo, utilizando de boas ferramentas e de ideias válidas para aumentar a propagação do evangelho no mundo, mas seus princípios não são idênticos àqueles que a Bíblia apresenta sobre a relação do cristão salvo com a Palavra de Deus e a instituição Igreja. Os modelos surgidos a partir de Lutero são frutos do seu tempo e não desenvolvimentos dos princípios bíblicos. Aliás, a própria noção de que há possibilidade de estar na Igreja sem ter verdadeiro encontro com Cristo não é contrária à estabelecida autoridade eclesiástica e sua forma institucional, que são realidade que se comunicam e são originalmente unidas na sua raiz evangélica.

É por tal motivo que a leitura da Bíblia é vista de forma diferente por católicos e protestantes, grosso modo, já que os últimos tem na Bíblia uma forma de fugir da Igreja, de protestar contra autoridades, de ver-se sob uma autoridade que não lhes faça mal, que não lhes cause problemas, que não lhes seja pesada. É tornar-se o intérprete a autoridade máxima, que pode de certa forma afastar aquilo que não concorda. Um princípio humanista muito alheio ao espírito do evangelho.

Por isso, Lutero pôde deixar quatro sacramentos de lado, e ficar com três. Isso é visto como positivo pelo pastor, já que a Palavra está no centro e os sacramentos são coadjuvantes, como algo que não possui valor sem a Palavra. No entanto, se os sacramentos nascem da Palavra não há poder para reformá-los, não há poder humanos para cancelá-los, não há permissão para anular qualquer um deles. E a Igreja desde sempre, nas páginas da Bíblia Sagrada, encontrou o número de sete sacramentos e não de três, como Lutero quis, e nem de dois, como ficou mais comumente adotado em todo o Protestantismo.

Assim, é que ao tentar por a Palavra contra os sacramentos nasce algo que vai contra a própria Palavra já que nela são se encontra lugar para um futuro reformador que pudesse inserir mudança da doutrina nascida da pregação de Jesus e da atividade apostólica.

E as indulgências, que são o perdão das penas, e não dos pecados, algo que vem após o perdão e salvação, e não algo que é necessário à salvação, trata-se de assunto que mesmo o cristão mediano, pouco refletidor da Palavra, ainda não consegue alcançar o sentido de tal doutrina, que é simples em si, mas que necessita de uma espiritualidade mais profunda, de um conhecimento genuíno do Evangelho e de uma conversão sincera do coração. Por isso, tal doutrina até os dias de hoje não é tão entendida como deveria.

A simples leitura da Bíblia pode ser indulgência. Hoje, nos dias de hoje. E o cristão não sabe disso, e não entende o que é indulgência. E, ainda, alguns dizem que não há tal ensino na Bíblia. A indulgência é fruto do perdão, do perdão que nasce da graça de Deus dada do pecador arrependido. Quanto maior a conversão maior o perdão. Poderíamos simplesmente dizer isso. Algo profundo e belo.

Aquele que realmente nasce da Palavra de Deus, não pode deixar de pertencer à Igreja. Lutero certamente viu com pesar o surgimento de igrejas. Ele não quis banir a instituição, mas por suas palavras que introduziram essa dicotomia, tal coisa foi gerada.

Os autores espirituais cristãos católicos podem muito bem explicar como o cristão se relaciona com a instituição. A mecanicidade de um sacramento ou de uma oração se dá quando o cristão não está devidamente convertido, não está vivo na graça, não está usufruindo da vida nova de Cristo. Essa realidade vem como que reforçar a instituição e não negá-la. Ao mesmo tempo, alguém que nasce da Palavra não irá nunca negar a Igreja. Se o pensamento está cativo, está preso, está submetido a Cristo, o coração irá aberto para aprender, ouvir, buscar o que Cristo diz, e não o que o coração humano tem para inventar.

Gledson Meireles.

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