Estudo do CAPÍTULO 10 (que trata sobre O PROBLEMA DO
MAL), do Livro A Soberania Banida de
R. K. McGregor Wright. Observação: Considerado um dos melhores livros apologéticos da Fé Reformada.
O capítulo 10 trata
mais sobre a questão do mal, com o intuito de desbancar a doutrina do livre
arbítrio, de maneira sofisticada, abrangente, clara e profunda, de forma que o
apologista não conseguirá responder facilmente a um reformado caso não dê
atenção suficiente às nuances da argumentação do autor.
A questão da origem do
mal, usada por tantas filosofias, é a pergunta que Wright põe-se a estudar, e
que trata da permissão de Deus para mal no mundo.
Pode-se dizer, para
Wright, já de antemão, que não parece ter tanto problema o permitir o mal, como
o autor questiona, mas trata-se mais diretamente da origem do mal, qual a causa
dele, qual a sua essência, ou seja, o que é realmente o mal e de onde ele vem.
Mas, McGregor tenta responder a razão da permissão do mal do mundo.
Esse problema a ser
analisado é de interesse de todos, e as distinções que estão sendo feitas no
estudo é que são de grande importância, já que estamos elucidando um assunto à
luz da Sagrada Escritura, como ensinada na Igreja Católica ao passo que a
doutrina reformada vai sendo desenvolvida para ser analisada detalhadamente e
para ser comparada com a doutrina católica. Os pontos de tensão vão sendo aos
poucos levantados e resolvidos, e as razões para isso são pormenorizadamente
demonstradas.
Ao explicar a
onipotência divina ao autor o faz com maestria, sem problemas, e com total
concordância com a sã filosofia e com a revelação cristã, sendo assim em total
acordo com a doutrina católica. Ele afirma que Deus “não deseja fazer o que é
irracional”, e isso é importante frisar.
Quando explica que Deus
é bom, e afirma que “Isso é tido como que significando que Deus é moralmente
exigido por sua própria natureza a fazer qualquer coisa boa que esteja em seu
poder e que presumivelmente ele sempre deseja e faz o bem”, penso que podemos
fazer algo mais para iluminar o pensamento sobre a bondade infinita de Deus.
Deus é bom e faz
somente o bem, que nasce da sua própria natureza, e não pode ser doutrina
forma, pois essa verdade Ele nos revelou pelas luzes da razão impressas em nós
como constituinte mesmo do nosso ser, e reveladas na Bíblia Sagrada ao longo de
milênios confirmando a inteligência que recebemos. Portanto, aquilo que sabemos
ser o bem e que nasce de Deus é de fato o bem, pois Deus é o supremo bem, o
Sumo Bem.
A dificuldade produzida
pela noção de onipotência e bondade ao lado da existência do mal só pode ser
leva adiante se houver falhas no entendido do que é ser onipotente e do que é
ser bom. Caso contrário, tudo encaixa-se perfeitamente e torna-se bem
inteligível.
O autor permite com sua
abordagem fazermos grandes aprofundamentos nesse tema. É maravilhoso. Ele vem
com as teorias não convincentes e as aborda de forma muito clara e com
maestria, de modo que sua obra é muito boa de ler. Ele vai tentando refutar as
falsas resoluções apresentadas sobre o problema do mal, e com isso, e agora é
mais importante frisar, uma de suas premissas é a de que para é preciso
conceber de alguma forma um reino da matéria onde Deus não tem controle ou que
tenha perdido o controle de tudo a partir da criação para salvaguardar a teoria
da autonomia humana.
Isso não é necessário,
conforme a doutrina católica, pois Deus é soberano e onipotente ainda que o mal
exista. Mas, o raciocínio reformado também leva a essa conclusão. Porém, a
forma com que lida com os dados racionais, para interpretar os textos bíblicos
é um tanto diferente, e discordante em pequena parte, que é a principal.
No entanto, para
enfrentar essas duas alternativas, está com conformidade com a doutrina
católica. Deus não conhece reino material que não tenha criado, nem perdeu o
controle da criação em qualquer tempo imaginável. E, quanto ao livre-arbítrio,
o modo com que é entendido é diverso do entendimento católico. E esse modo diverso
é que é atacado. Assim, a doutrina católica continua intacta e luminosa.
O livre-arbítrio é
entendido pelo autor, no tocante à sua abordagem às teorias acima indicadas,
como sendo algo que cria uma realidade como se fosse Deus, sem o controle de
Deus, e sem predeterminação racional. É esse tipo de livre-arbítrio que é
entendido como sendo incompatível com a realidade. É esse tipo de
livre-arbítrio que a doutrina reformada repudia. Deve-se dizer que tal não é a
doutrina católica, e tal livre-arbítrio não é o mesmo que o católico crê. Dessa
forma, o reformado não tem motivo para atacar o livre-arbítrio encontrado na
Escritura e na doutrina católica, o que ficará provado até o fim do estudo
desse capítulo.
Para o autor, ensinar a
autonomia do homem é retroceder para uma visão errada sobre Deus, uma visão do
paganismo, incompatível com a mente cristã regenerada pelo poder de Deus.
Falando de Provérbios
16, termina afirmando que “as intenções humanas não atropelam os planos de
Deus”, o que é totalmente bíblico e conforme a doutrina católica, mas a forma
como o autor interpreta contém um elemento que não coaduna com a sã doutrina
católica.
Deus nunca falha, é
óbvio, Ele sempre é bem sucedido, em “adaptar os meios” para “alcançar os fins”, mas
ainda assim as coisas não estão totalmente explicadas, e com essa frase se tem
a doutrina católica e a doutrina reformada, sem problemas, em conformidade,
como se fossem uma só. No entanto, para o reformado o livre-arbítrio é como uma
tentativa de limitar Deus, o que para o católico não é. O livre-arbítrio é dom
de Deus, e nunca uma limitação a Deus. A autonomia humana provém de Deus e não
é uma forma de agir fora do alcance de Deus. São coisas que devem ser muito bem
compreendidas. A doutrina que o reformado tenta refutar, que trazem esses
matizes, não inclui a doutrina católica. Aliás, é a doutrina católica que
fornece todas as argumentações possíveis que salvaguardam a doutrina reformada. Naquilo que ela está correta.
O autor faz críticas ao
filósofo Flew e sua filosofia que desconsidera Deus. Parece mesmo incluir os
arminianos na crença de que a bondade é independente de Deus, o que o filósofo
citado poderia destruir logicamente. Citando Platt mostra inconsistências no
arminianismo, que devem ser resolvidas de forma profunda. Aqui não será tratada
a questão calvinista versus arminiana, pois o foco é comparar a doutrina
reformada com a católica. Pelo visto, pelas afirmações do autor, nesse ponto os
arminianos não estão utilizando argumentos que provêm da filosofia grega e
entraram clandestinamente no seu sistema. Se for assim, não há como compará-lo
também com a doutrina católica, e os arminianos estariam nesse particular em
outro esquema de doutrina.
Quando se tem essas
categorias citadas como fora da essência de Deus condicionando Deus e o mundo,
num sistema pagão, não há como entender realmente a doutrina cristã. Deve-se
superar esse entendimento para entender o que a Igreja Católica ensina. Talvez
o problema reformado versus arminiano
em comparação com o padrão católico existe por não ter superado isso.
Onde a doutrina
reformada tem força por sua aplicação dos princípios católicos, a arminiana é
forte por defender a posição final católica, mas ambas possuem problema, pois a
teologia reformada erra ao negar o livre-arbítrio e a arminiana, segundo o que
foi expresso concernente ao pensamento arminiano, erra por explicar certas
categorias de forma não cristã. O reformado está equivocado no fim, e o
arminiano no meio, o primeiro não acertou o alvo, o resultado, o segundo o
acertou, embora por meio de alguns princípios que podem introduzir diferenças
em outras áreas da doutrina.
Quando o autor passa a
tratar do livre-arbítrio mais particularmente, encontra que o desejo de não
responsabilizar Deus pela existência do mal explicaria o motivo da doutrina do
livre-arbítrio ser tão amada por muitos. Isso seria uma alternativa para não
cair na blasfêmia mencionada.
No entanto, é de se
esperar que o autor venha com argumentos que salvaguardem a responsabilidade de
Deus diante do mal e a faça recair sobre o homem, o que é correto. Mas, como
será feito isso? Primeiro, na sua refutação da doutrina arminiana do
livre-arbítrio, afirma que essa suposição requer que algo seja pelo menos
“parcialmente indeterminado”. Deve-se portanto entender que indeterminismo
parcial é esse, e se ele funciona, como fará o autor. E depois, compará-lo com
a doutrina católica, e ver se as argumentações reformadas contra o
livre-arbítrio a afetam de alguma forma ou não, e que observações devem ser
feitas para realçar as diferenças e os motivos delas no contraste católico e
reformado.
O autor certamente
pretende afirmar que a vontade é determinada, e não indeterminada como o
arminiano ensina, e que as influências sobre a vontade, como desejo e inclinações,
provariam que a vontade não é livre, e para isso o ser humano deveria ter onisciência
para mostrar que a vontade agiu sem predeterminação.
A questão da razão, do
acaso, e etc., que o autor apresenta, são coisas interessantes. Mas a própria pergunta retórica do
autor que mostra que Deus faz o possível para salvar os que ama, mostra uma liberdade
e não o contrário, para não parecer que tudo está agindo apenas segundo um modo
robotizado. A linguagem que o autor usa parece ir contra a doutrina que ele ensina.
A outra dificuldade, que o autor aponta, a de
termos livre-arbítrio agora e não mais no céu, diante da realidade
argumentativa de que o livre-arbítrio é parte da imagem de Deus, é também
bastante profunda, mas não realmente problemática para a doutrina católica.
Pode-se adiantar que
agora é o tempo da salvação, da prova, das oportunidades, da escolha livre e
sincera, do amor livre, sem determinações, da entrega livre total para viver
eternamente na felicidade com Deus sem quaisquer ulteriores perigos. Isso por
si só explica o livre-arbítrio como parte da natureza humana, que usamos agora,
e não precisaremos usá-lo mais quando entregamos a vida livremente a Deus, sob
o influxo da graça.
A dificuldade de que
pela presciência a responsabilidade pelo mal recai em Deus, por não ter feito o
máximo para evitá-lo, não é bem colocada, e possui um problema intrínseco, que
é igualá-la ao hipercalvinismo, que leva ao máximo a lógica reformada e afirma
que Deus é o autor do mal, algo que todo reformado tradicionalmente rejeita. De
alguma forma está afirmando o absurdo deveria ser reconhecido, e que pelo a
atividade arminiana que tenta negá-lo não seria suficiente.
A cena-exemplo de um
salva-vidas que não salva a criança, ainda que pudesse fazê-lo, não é totalmente
adequada. Deus não faz assim, mas dota o ser humano de capacidade de escolher,
e não infringe essa capacidade. É algo diferente. A criança impossivelmente
poderia salva-se sozinha. O caso do pecador que não quer a salvação seria como
se um adulto que estivesse se afogando, por ter procurado suicídio, fosse salvo
pelo salva-vidas, contra toda sua vontade, ainda que lutasse com o salva-vidas,
caso ainda tivesse consciência e força suficientes.
Agora, salvo, o
salva-vidas deixa-o. E em outra situação, o homem procura outra ocasião para
suicidar-se, e consegue. O salva-vidas não pode mais ajudá-lo. Deus está como
esse salva-vidas, que com a graça salva o pecador, mas muitos não querem, ainda
que após serem salvos, experimentaram a delícia da salvação pela graça, mas
quiseram voltar ao pecado. A cena não é totalmente adequada para explicar tudo,
pois Deus é poderoso e nunca nos deixa. No entanto, foi usada apenas para
realçar a escolha do pecador.
Se o conhecimento de
Deus das coisas futuras é o conhecimento de Seus próprios planos, não o é de
forma determinística, mas porque quis criar uma realidade livre, ao mesmo tempo
controlada por Ele, de forma que as decisões livres podem ser conhecidas, sem
terem sido postas assim pela Vontade de Deus. Deus deixou essa possibilidade.
Ele não inclui as ações nos elementos, como seria o determinismo, mas conhece
perfeitamente a ações que os elementos assim criados podem originar, pois são
criados por Ele, e Ele pode permiti-las ou não. Basta pensar que Deus quis
criar seres que pudessem agir conforme Sua Vontade de contra ela igualmente, o
que o contrariaria. Ao vislumbrar criaturas que podiam transgredir Suas Leis,
mas que também podiam obedecê-Lo e amá-Lo livremente, escolheu essa realidade.
É algo sublime e profundo, e mais sublime que pensar numa livre agência
determinada. Observe que o livre-arbítrio não significa agir sem conhecimento e
fora do alcance de Deus, mas possibilidade de agir com real liberdade, sem
ações causadas.
De fato, é muito difícil, é uma dificuldade
extrema, criar criaturas livres. A criação de seres com uma ação aparentemente
livre, e responsabilizados por suas atitudes, não é tão difícil como a criação
de criaturas livres realmente. De fato, jamais foi criado um “robô-livre”, e a
ciência não vislumbra tal acontecimento.
Dessa forma, o dom do
livre-arbítrio é da circunscrição apenas divina, e a criação de criaturas
livres é algo somente possível a Deus. Se o livre-arbítrio ou livre-agência
determinada pela Vontade de Deus é algo já notório e impossível de ser recriado
pela mente humana, o livre-arbítrio real e auto-causado sob a soberania de
Deus, é ainda maior. Por isso, o livre-arbítrio é algo mais profundo, mais
sublime e exalta o poder de Deus, que pôde criar tão grande realidade, e supera
a mera livre-agência. Ainda, não confunde-se com uma autonomia absoluta como a
que está sendo refutada pelo autor.
Quando uma ação é
feita, não há possibilidade de ela tornar-se múltipla. Se você escolher andar
pela via direita, e de fato ir por ela, não
há como andar ao mesmo tempo na esquerda, estar indo e voltando ao mesmo
tempo, e etc. Se você virou à direita em determinado instante, não há como
dizer que você virou à esquerda na mesmo instante e sob a mesma perspectiva. Assim,
uma ação realizada torna-se determinada. O conhecimento de Deus da ação
determinada não foi o que determinou a ação. Isso deve ser compreendido.
Exemplos ajudam a
compreender esses fatos. Suponhamos alguém que olha para o céu numa noite
estrelada e vê uma estrela cadente. Na doutrina reformada o fato é explicado
como sendo a determinação de Deus para que aquilo ocorresse, ou seja, fulano
foi criado para sair à noite naquele dia e horário e olhar para o céu, e a
estrela deveria estar caindo naquele momento e ser observada por ele. Para a
pessoa tudo passou como ação livre e por acaso, mas estava tudo predeterminado.
No entanto, para a
doutrina católica, que reconhece o livre-arbítrio, fulano foi criado como ser
livre, assim a lei da natureza funciona de acordo com o plano de Deus. Assim,
sem qualquer determinação, fulano olha para o céu no momento em que uma estrela
está caindo e a vê. Esse fato foi conhecido por Deus desde a eternidade, pois
ao criar fulano sabia que todas as coisas possíveis que fulano poderia fazer, e
de todas as coisas que faria e lhe ocorreria, pois aquela criatura agiria
conforme a liberdade dada e Deus sabe infalivelmente como aquilo que Ele fez
funciona, assim como o percurso dos astros celestes e etc. Então, Deus sabia
que fulano em determinado dia e hora olharia para o céu e veria uma estrela
cadente. Não foi Deus quem quis que isso ocorresse, mas soube e permitiu que fosse
assim desde a criação. Ele quis nesse sentido, pois tudo o que Deus cria já é
manifesto para Ele. No entanto, entenda que o livre-arbítrio está aí incluído.
Além do mais, Ele está fora do tempo, e pode a partir da eternidade saber de
todas as coisas, já que tudo foi criado por Ele e está em tempo presente a Seus
olhos.
Em outras palavras, o
fato que ocorre determina-se logo que ocorre. Quando o homem vê a estrela
cadente, não há como não tê-la visto. Não há como não ter olhado para o céu.
Não há como a estrela não ter caído e ser vista por ele. Aquele momento foi
fixado a partir daquele presente fato, para toda a eternidade. Aquilo ocorreu.
Assim, quando Deus
soube daquele fato desde toda eternidade, era um fato livre que iria
ocorrer, e não seria diferente, mas seria aquele mesmo fato realmente. Se esse
é o sentido do determinismo, então não há o que objetar. Então, Deus conheceu o
fato, e não o determinou. O fato não ocorreu diferente porque não ocorreria
mesmo, pois se fosse diferente Deus saberia, e outro fato teria sido fixado no
tempo. Portanto, não é necessário o determinismo para o conhecimento de Deus
(determinismo como entende a teologia reformada), e os fatos conhecidos não
provam que foram determinados. Continue a leitura, para ir entendendo melhor a
presciência divina.
A morte de Cristo foi
determinada pelo desígnio e presciência de Deus. Importante que a palavra
presciência seja usada, e não pode ser interpretada de outro modo, que não a da
real presciência, ou seja, do conhecimento antes que o fato ocorra, no sentido
explicado acima. Isso explica a soberania de Deus, controlando todos os
detalhes do Seu plano santo, sem infringir em nada o livre-arbítrio das
criaturas, que Ele mesmo incluiu na criação, conforme o que foi acima
explicado. Por isso, os males da história, os pecados da humanidade, as
injustiças cometidas, não estão na Vontade de Deus, não são predeterminados por
Deus, não são determinados pelo desígnio de Deus, não são originados e
controlados para fazer a Vontade de Deus, mas são conhecidos e o controle de
Deus está em ajustá-los conforme o plano santíssimo de Deus, com vistas ao bem
e à salvação do homem, e nunca em qualquer outro sentido, e nunca determinado
como algo parte da obra de Deus.
Sendo assim agora vamos
acompanhar a resolução que a doutrina reformada tem, para negar o
livre-arbítrio. Pelo já visto, não há como negar o livre-arbítrio, mas vamos
analisar detalhadamente o modo como o reformado entende e resolve a questão,
para melhor refutar o erro.
Em primeiro lugar, o
reformado usa Romanos 9, 19.24, entendendo que Deus pode sim predestinar o mal,
ou seja, decretar o mal, fazer um decreto criando o mal, causando o mal na
humanidade, incluindo o pecado, para atingir os seus fins. Isso é absurdo, não
é doutrina bíblica, já está refutado na análise da doutrina reformada em
capítulos publicados nesta página, e não são conformes a razão humana, não
coadunam-se com a mente regenerada.
Deus sendo o ponto de
referência é algo que não necessita que inclua o mal em seu decreto de
determinação. De fato, Deus é o ponto de referência, e a doutrina católica
assevera essa verdade. No entanto, tudo o que Deus faz e é, Ele nos explica nas
Escrituras, e infundiu em nossa razão, como revelação sobrenatural e natural de
Si mesmo para nós. E, como todos sabemos, Deus não pode errar, mentir, cometer
pecado e querer o pecado. Assim, Ele não pode, absolutamente, determinar ou
decretar o mal. Pode, isso sim, permiti-lo, conforme, sim, repito, conforme Sua
vontade, mas através da permissão, com motivos e vistas a um bem maior, e nunca
somente para cumprir um plano. O pecado, também, não pode ser harmonizado com a
ideia bíblica e racional de Deus, e, portanto, não pode ser feito por Deus, com
a alegação de que não podemos questionar isso. A pergunta retórica de Romanos
9, 19.24 tem outro sentido, e já está bastante estudada nos textos sobre a
teologia Reformada, bastando o leitor conferir nos artigos publicados.
A autonomia humana
seria, no entender do autor, conforme as fontes que ele estudou e pôs a
refutar, seria a base para as objeções contra Deus. Quando o autor menciona as
“contradições em tensão e apelar para o mistério”, os que desejarem saber mais
sobre isso, enquanto se estuda a teologia reformada, os artigos referidos acima
serão muito úteis.
Quando Deus responde a
Jó em 38, 4, e São Paulo em Romanos 9, 19-20, o sentido nunca é o de que tudo o
que Deus faz é bom ainda que contradiga aos dados da revelação e da
razão humana, tanto enquanto natural como regenerada. “Onde estavas tu, quando
eu lançava os fundamentos da terra?”. Isso não quer dizer: eu posso fazer o que
quiser com você, as maiores atrocidades segundo seu parecer, e o de todos os
homens, porque sou Deus e você não tem o que reclamar. Não é isso de maneira
alguma que o texto quer ensinar. Não é isso absolutamente que a Escritura está
ensinando.
Quem lê o livro em sua
inteireza e raciocina cada parte revelada, sabe que Jó tinha livre-arbítrio,
assim como Satanás, e tudo o que acontecia era permitido por Deus, em vista do bem maior, sem que qualquer pecado
fosse decretado, determinado ou querido em todo o plano divino. A realidade da
vida de Jó, e de tantos servos de Deus de ontem e de hoje, mostram apenas os
mistérios do sofrimento e a certeza de que Deus quer sempre o bem, conforme nos
revelou, segundo o conceito que criou em nossas mentes, e nunca faz o que é mal
nem o aprova.
Uma afirmação do autor
é curiosa: “Deus nunca teve dúvida de que Jó era de fato um homem
extraordinariamente reto, embora pelos padrões de Deus todos são pecadores...”.
Isso lembra a doutrina da justificação ensinada na Reforma Protestante, mas a
frase não deixa de conter problemas. Como pode Deus não ter dúvida de que Jó
era reto, mas que pelos padrões divinos Jó não era? Deus poderia considerar Jó
por outro padrão que não o Seu?
É claro que o autor
está afirmando que Jó estava justificado, pela graça e era predestinado ao céu,
e por isso um eleito e justo, mas em si mesmo era um pecador que merecia a
morte. No entanto, a afirmação acima, em sua primeira parte, supõe o
livre-arbítrio, está conforme a doutrina bíblica e católica. Deus sabia que Jó
era reto. Isso só é verdadeiro pelo livre-arbítrio. Deus sabia que Jó era de
fato um servo fiel aos Seus preceitos, e que livremente agia conforme Sua
vontade. Por isso, pelo padrão divino Jó era santo. Ainda que pecador, era um
pecador convertido, e que fazia a vontade de Deus. Jó era reto.
Essa frase pode ser
adotada na doutrina reformada, mas não sem problemas, pois está fora da
essência reformada, é um alienígena entre os conceitos reformados, por isso
logo em seguida há uma inconsistência: “pelos padrões de Deus todos são
pecadores”, que não concorda com a primeira afirmação. É certo que diante de Deus todos são pecadores, e diante dele todos podem ser justos, não apenas considerados,
mas de fato, pois Deus justifica o pecador. Isso é outro assunto, mas é bom que
indiquemos essa verdade bíblica.
A análise feita da
afirmação da Confissão de Fé de Westminster é
um tanto problemática. Explica que Deus é causa final de tudo, incluindo os
males. E que o homem é causa do pecado, de forma imediata, e por isso é autor
do pecado, como causa secundária. Mas, antes, afirma que a causa primeira é
Deus, e que as causas secundárias “são asseguradas em suas operações” pelo
conselho de Deus “que assim ordena”. Então, a causa secundária comete um pecado
porque segue o conselho divino que ordena que ela assim o faça. Não é absurdo?
Realmente é. A linguagem quase toda católica da Confissão de Westminster inclui
esse pormenor, que não faz parte da doutrina católica.
O exemplo de que o pai
não é autor do livro escrito pelo filho é muito bom. No entanto, imagine que o
pai dê todas as ideias do livro que o filho escreveu, inclusive como será a
capa e etc., e todas as coisas que o filho irá escrever. Com certeza o filho é
coautor, no mínimo (talvez nem isso), por ter escrito somente, mas as ideias
todas vieram do pai. Dessa forma, a causa primeira tem autoria. Esse exemplo
parece estar mais próximo da doutrina reformada, e elucida um pouco sua
inconsistência com os dados bíblicos diante da origem do mal e do pecado.
Há outros escritos no
site que podem auxiliar na compreensão da verdade da soberania e do
livre-arbítrio, e é importante a leitura desses textos, que lidam com os
melhores argumentos, de renomados autores da literatura reformada,
respondendo-os pormenorizadamente, de forma a levar a um conhecimento
suficiente da verdade do livre-arbítrio e ser capacitado entender o problema da
teologia reformada, e entender melhor a teologia católica.
Gledson Meireles.
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