terça-feira, 29 de junho de 2021

Você sabe o que é o livre-arbítrio? Mais um estudo do livro A Soberania Banida

Estudo do CAPÍTULO 10 (que trata sobre O PROBLEMA DO MAL), do Livro A Soberania Banida de R. K. McGregor Wright. Observação: Considerado um dos melhores livros apologéticos da Fé Reformada.

O capítulo 10 trata mais sobre a questão do mal, com o intuito de desbancar a doutrina do livre arbítrio, de maneira sofisticada, abrangente, clara e profunda, de forma que o apologista não conseguirá responder facilmente a um reformado caso não dê atenção suficiente às nuances da argumentação do autor.

A questão da origem do mal, usada por tantas filosofias, é a pergunta que Wright põe-se a estudar, e que trata da permissão de Deus para mal no mundo.

Pode-se dizer, para Wright, já de antemão, que não parece ter tanto problema o permitir o mal, como o autor questiona, mas trata-se mais diretamente da origem do mal, qual a causa dele, qual a sua essência, ou seja, o que é realmente o mal e de onde ele vem. Mas, McGregor tenta responder a razão da permissão do mal do mundo.

Esse problema a ser analisado é de interesse de todos, e as distinções que estão sendo feitas no estudo é que são de grande importância, já que estamos elucidando um assunto à luz da Sagrada Escritura, como ensinada na Igreja Católica ao passo que a doutrina reformada vai sendo desenvolvida para ser analisada detalhadamente e para ser comparada com a doutrina católica. Os pontos de tensão vão sendo aos poucos levantados e resolvidos, e as razões para isso são pormenorizadamente demonstradas.

Ao explicar a onipotência divina ao autor o faz com maestria, sem problemas, e com total concordância com a sã filosofia e com a revelação cristã, sendo assim em total acordo com a doutrina católica. Ele afirma que Deus “não deseja fazer o que é irracional”, e isso é importante frisar.

Quando explica que Deus é bom, e afirma que “Isso é tido como que significando que Deus é moralmente exigido por sua própria natureza a fazer qualquer coisa boa que esteja em seu poder e que presumivelmente ele sempre deseja e faz o bem”, penso que podemos fazer algo mais para iluminar o pensamento sobre a bondade infinita de Deus.

Deus é bom e faz somente o bem, que nasce da sua própria natureza, e não pode ser doutrina forma, pois essa verdade Ele nos revelou pelas luzes da razão impressas em nós como constituinte mesmo do nosso ser, e reveladas na Bíblia Sagrada ao longo de milênios confirmando a inteligência que recebemos. Portanto, aquilo que sabemos ser o bem e que nasce de Deus é de fato o bem, pois Deus é o supremo bem, o Sumo Bem.

A dificuldade produzida pela noção de onipotência e bondade ao lado da existência do mal só pode ser leva adiante se houver falhas no entendido do que é ser onipotente e do que é ser bom. Caso contrário, tudo encaixa-se perfeitamente e torna-se bem inteligível.

O autor permite com sua abordagem fazermos grandes aprofundamentos nesse tema. É maravilhoso. Ele vem com as teorias não convincentes e as aborda de forma muito clara e com maestria, de modo que sua obra é muito boa de ler. Ele vai tentando refutar as falsas resoluções apresentadas sobre o problema do mal, e com isso, e agora é mais importante frisar, uma de suas premissas é a de que para é preciso conceber de alguma forma um reino da matéria onde Deus não tem controle ou que tenha perdido o controle de tudo a partir da criação para salvaguardar a teoria da autonomia humana.

Isso não é necessário, conforme a doutrina católica, pois Deus é soberano e onipotente ainda que o mal exista. Mas, o raciocínio reformado também leva a essa conclusão. Porém, a forma com que lida com os dados racionais, para interpretar os textos bíblicos é um tanto diferente, e discordante em pequena parte, que é a principal.

No entanto, para enfrentar essas duas alternativas, está com conformidade com a doutrina católica. Deus não conhece reino material que não tenha criado, nem perdeu o controle da criação em qualquer tempo imaginável. E, quanto ao livre-arbítrio, o modo com que é entendido é diverso do entendimento católico. E esse modo diverso é que é atacado. Assim, a doutrina católica continua intacta e luminosa.

O livre-arbítrio é entendido pelo autor, no tocante à sua abordagem às teorias acima indicadas, como sendo algo que cria uma realidade como se fosse Deus, sem o controle de Deus, e sem predeterminação racional. É esse tipo de livre-arbítrio que é entendido como sendo incompatível com a realidade. É esse tipo de livre-arbítrio que a doutrina reformada repudia. Deve-se dizer que tal não é a doutrina católica, e tal livre-arbítrio não é o mesmo que o católico crê. Dessa forma, o reformado não tem motivo para atacar o livre-arbítrio encontrado na Escritura e na doutrina católica, o que ficará provado até o fim do estudo desse capítulo.

Para o autor, ensinar a autonomia do homem é retroceder para uma visão errada sobre Deus, uma visão do paganismo, incompatível com a mente cristã regenerada pelo poder de Deus.

Falando de Provérbios 16, termina afirmando que “as intenções humanas não atropelam os planos de Deus”, o que é totalmente bíblico e conforme a doutrina católica, mas a forma como o autor interpreta contém um elemento que não coaduna com a sã doutrina católica.

Deus nunca falha, é óbvio, Ele sempre é bem sucedido, em “adaptar os meios” para “alcançar os fins”, mas ainda assim as coisas não estão totalmente explicadas, e com essa frase se tem a doutrina católica e a doutrina reformada, sem problemas, em conformidade, como se fossem uma só. No entanto, para o reformado o livre-arbítrio é como uma tentativa de limitar Deus, o que para o católico não é. O livre-arbítrio é dom de Deus, e nunca uma limitação a Deus. A autonomia humana provém de Deus e não é uma forma de agir fora do alcance de Deus. São coisas que devem ser muito bem compreendidas. A doutrina que o reformado tenta refutar, que trazem esses matizes, não inclui a doutrina católica. Aliás, é a doutrina católica que fornece todas as argumentações possíveis que salvaguardam a doutrina reformada. Naquilo que ela está correta.

O autor faz críticas ao filósofo Flew e sua filosofia que desconsidera Deus. Parece mesmo incluir os arminianos na crença de que a bondade é independente de Deus, o que o filósofo citado poderia destruir logicamente. Citando Platt mostra inconsistências no arminianismo, que devem ser resolvidas de forma profunda. Aqui não será tratada a questão calvinista versus arminiana, pois o foco é comparar a doutrina reformada com a católica. Pelo visto, pelas afirmações do autor, nesse ponto os arminianos não estão utilizando argumentos que provêm da filosofia grega e entraram clandestinamente no seu sistema. Se for assim, não há como compará-lo também com a doutrina católica, e os arminianos estariam nesse particular em outro esquema de doutrina.

Quando se tem essas categorias citadas como fora da essência de Deus condicionando Deus e o mundo, num sistema pagão, não há como entender realmente a doutrina cristã. Deve-se superar esse entendimento para entender o que a Igreja Católica ensina. Talvez o problema reformado versus arminiano em comparação com o padrão católico existe por não ter superado isso.

Onde a doutrina reformada tem força por sua aplicação dos princípios católicos, a arminiana é forte por defender a posição final católica, mas ambas possuem problema, pois a teologia reformada erra ao negar o livre-arbítrio e a arminiana, segundo o que foi expresso concernente ao pensamento arminiano, erra por explicar certas categorias de forma não cristã. O reformado está equivocado no fim, e o arminiano no meio, o primeiro não acertou o alvo, o resultado, o segundo o acertou, embora por meio de alguns princípios que podem introduzir diferenças em outras áreas da doutrina.

Quando o autor passa a tratar do livre-arbítrio mais particularmente, encontra que o desejo de não responsabilizar Deus pela existência do mal explicaria o motivo da doutrina do livre-arbítrio ser tão amada por muitos. Isso seria uma alternativa para não cair na blasfêmia mencionada.

No entanto, é de se esperar que o autor venha com argumentos que salvaguardem a responsabilidade de Deus diante do mal e a faça recair sobre o homem, o que é correto. Mas, como será feito isso? Primeiro, na sua refutação da doutrina arminiana do livre-arbítrio, afirma que essa suposição requer que algo seja pelo menos “parcialmente indeterminado”. Deve-se portanto entender que indeterminismo parcial é esse, e se ele funciona, como fará o autor. E depois, compará-lo com a doutrina católica, e ver se as argumentações reformadas contra o livre-arbítrio a afetam de alguma forma ou não, e que observações devem ser feitas para realçar as diferenças e os motivos delas no contraste católico e reformado.

O autor certamente pretende afirmar que a vontade é determinada, e não indeterminada como o arminiano ensina, e que as influências sobre a vontade, como desejo e inclinações, provariam que a vontade não é livre, e para isso o ser humano deveria ter onisciência para mostrar que a vontade agiu sem predeterminação.

A questão da razão, do acaso, e etc., que o autor apresenta, são coisas interessantes. Mas a própria pergunta retórica do autor que mostra que Deus faz o possível para salvar os que ama, mostra uma liberdade e não o contrário, para não parecer que tudo está agindo apenas segundo um modo robotizado. A linguagem que o autor usa parece ir contra a doutrina que ele ensina.

A outra dificuldade, que o autor aponta, a de termos livre-arbítrio agora e não mais no céu, diante da realidade argumentativa de que o livre-arbítrio é parte da imagem de Deus, é também bastante profunda, mas não realmente problemática para a doutrina católica.

Pode-se adiantar que agora é o tempo da salvação, da prova, das oportunidades, da escolha livre e sincera, do amor livre, sem determinações, da entrega livre total para viver eternamente na felicidade com Deus sem quaisquer ulteriores perigos. Isso por si só explica o livre-arbítrio como parte da natureza humana, que usamos agora, e não precisaremos usá-lo mais quando entregamos a vida livremente a Deus, sob o influxo da graça.

A dificuldade de que pela presciência a responsabilidade pelo mal recai em Deus, por não ter feito o máximo para evitá-lo, não é bem colocada, e possui um problema intrínseco, que é igualá-la ao hipercalvinismo, que leva ao máximo a lógica reformada e afirma que Deus é o autor do mal, algo que todo reformado tradicionalmente rejeita. De alguma forma está afirmando o absurdo deveria ser reconhecido, e que pelo a atividade arminiana que tenta negá-lo não seria suficiente.

A cena-exemplo de um salva-vidas que não salva a criança, ainda que pudesse fazê-lo, não é totalmente adequada. Deus não faz assim, mas dota o ser humano de capacidade de escolher, e não infringe essa capacidade. É algo diferente. A criança impossivelmente poderia salva-se sozinha. O caso do pecador que não quer a salvação seria como se um adulto que estivesse se afogando, por ter procurado suicídio, fosse salvo pelo salva-vidas, contra toda sua vontade, ainda que lutasse com o salva-vidas, caso ainda tivesse consciência e força suficientes.

Agora, salvo, o salva-vidas deixa-o. E em outra situação, o homem procura outra ocasião para suicidar-se, e consegue. O salva-vidas não pode mais ajudá-lo. Deus está como esse salva-vidas, que com a graça salva o pecador, mas muitos não querem, ainda que após serem salvos, experimentaram a delícia da salvação pela graça, mas quiseram voltar ao pecado. A cena não é totalmente adequada para explicar tudo, pois Deus é poderoso e nunca nos deixa. No entanto, foi usada apenas para realçar a escolha do pecador.

Se o conhecimento de Deus das coisas futuras é o conhecimento de Seus próprios planos, não o é de forma determinística, mas porque quis criar uma realidade livre, ao mesmo tempo controlada por Ele, de forma que as decisões livres podem ser conhecidas, sem terem sido postas assim pela Vontade de Deus. Deus deixou essa possibilidade. Ele não inclui as ações nos elementos, como seria o determinismo, mas conhece perfeitamente a ações que os elementos assim criados podem originar, pois são criados por Ele, e Ele pode permiti-las ou não. Basta pensar que Deus quis criar seres que pudessem agir conforme Sua Vontade de contra ela igualmente, o que o contrariaria. Ao vislumbrar criaturas que podiam transgredir Suas Leis, mas que também podiam obedecê-Lo e amá-Lo livremente, escolheu essa realidade. É algo sublime e profundo, e mais sublime que pensar numa livre agência determinada. Observe que o livre-arbítrio não significa agir sem conhecimento e fora do alcance de Deus, mas possibilidade de agir com real liberdade, sem ações causadas.

 De fato, é muito difícil, é uma dificuldade extrema, criar criaturas livres. A criação de seres com uma ação aparentemente livre, e responsabilizados por suas atitudes, não é tão difícil como a criação de criaturas livres realmente. De fato, jamais foi criado um “robô-livre”, e a ciência não vislumbra tal acontecimento.

Dessa forma, o dom do livre-arbítrio é da circunscrição apenas divina, e a criação de criaturas livres é algo somente possível a Deus. Se o livre-arbítrio ou livre-agência determinada pela Vontade de Deus é algo já notório e impossível de ser recriado pela mente humana, o livre-arbítrio real e auto-causado sob a soberania de Deus, é ainda maior. Por isso, o livre-arbítrio é algo mais profundo, mais sublime e exalta o poder de Deus, que pôde criar tão grande realidade, e supera a mera livre-agência. Ainda, não confunde-se com uma autonomia absoluta como a que está sendo refutada pelo autor.

Quando uma ação é feita, não há possibilidade de ela tornar-se múltipla. Se você escolher andar pela via direita, e de fato ir por ela, não  há como andar ao mesmo tempo na esquerda, estar indo e voltando ao mesmo tempo, e etc. Se você virou à direita em determinado instante, não há como dizer que você virou à esquerda na mesmo instante e sob a mesma perspectiva. Assim, uma ação realizada torna-se determinada. O conhecimento de Deus da ação determinada não foi o que determinou a ação. Isso deve ser compreendido.

Exemplos ajudam a compreender esses fatos. Suponhamos alguém que olha para o céu numa noite estrelada e vê uma estrela cadente. Na doutrina reformada o fato é explicado como sendo a determinação de Deus para que aquilo ocorresse, ou seja, fulano foi criado para sair à noite naquele dia e horário e olhar para o céu, e a estrela deveria estar caindo naquele momento e ser observada por ele. Para a pessoa tudo passou como ação livre e por acaso, mas estava tudo predeterminado.

No entanto, para a doutrina católica, que reconhece o livre-arbítrio, fulano foi criado como ser livre, assim a lei da natureza funciona de acordo com o plano de Deus. Assim, sem qualquer determinação, fulano olha para o céu no momento em que uma estrela está caindo e a vê. Esse fato foi conhecido por Deus desde a eternidade, pois ao criar fulano sabia que todas as coisas possíveis que fulano poderia fazer, e de todas as coisas que faria e lhe ocorreria, pois aquela criatura agiria conforme a liberdade dada e Deus sabe infalivelmente como aquilo que Ele fez funciona, assim como o percurso dos astros celestes e etc. Então, Deus sabia que fulano em determinado dia e hora olharia para o céu e veria uma estrela cadente. Não foi Deus quem quis que isso ocorresse, mas soube e permitiu que fosse assim desde a criação. Ele quis nesse sentido, pois tudo o que Deus cria já é manifesto para Ele. No entanto, entenda que o livre-arbítrio está aí incluído. Além do mais, Ele está fora do tempo, e pode a partir da eternidade saber de todas as coisas, já que tudo foi criado por Ele e está em tempo presente a Seus olhos.

Em outras palavras, o fato que ocorre determina-se logo que ocorre. Quando o homem vê a estrela cadente, não há como não tê-la visto. Não há como não ter olhado para o céu. Não há como a estrela não ter caído e ser vista por ele. Aquele momento foi fixado a partir daquele presente fato, para toda a eternidade. Aquilo ocorreu.

Assim, quando Deus soube daquele fato desde toda eternidade, era um fato livre que iria ocorrer, e não seria diferente, mas seria aquele mesmo fato realmente. Se esse é o sentido do determinismo, então não há o que objetar. Então, Deus conheceu o fato, e não o determinou. O fato não ocorreu diferente porque não ocorreria mesmo, pois se fosse diferente Deus saberia, e outro fato teria sido fixado no tempo. Portanto, não é necessário o determinismo para o conhecimento de Deus (determinismo como entende a teologia reformada), e os fatos conhecidos não provam que foram determinados. Continue a leitura, para ir entendendo melhor a presciência divina.

A morte de Cristo foi determinada pelo desígnio e presciência de Deus. Importante que a palavra presciência seja usada, e não pode ser interpretada de outro modo, que não a da real presciência, ou seja, do conhecimento antes que o fato ocorra, no sentido explicado acima. Isso explica a soberania de Deus, controlando todos os detalhes do Seu plano santo, sem infringir em nada o livre-arbítrio das criaturas, que Ele mesmo incluiu na criação, conforme o que foi acima explicado. Por isso, os males da história, os pecados da humanidade, as injustiças cometidas, não estão na Vontade de Deus, não são predeterminados por Deus, não são determinados pelo desígnio de Deus, não são originados e controlados para fazer a Vontade de Deus, mas são conhecidos e o controle de Deus está em ajustá-los conforme o plano santíssimo de Deus, com vistas ao bem e à salvação do homem, e nunca em qualquer outro sentido, e nunca determinado como algo parte da obra de Deus.

Sendo assim agora vamos acompanhar a resolução que a doutrina reformada tem, para negar o livre-arbítrio. Pelo já visto, não há como negar o livre-arbítrio, mas vamos analisar detalhadamente o modo como o reformado entende e resolve a questão, para melhor refutar o erro.

Em primeiro lugar, o reformado usa Romanos 9, 19.24, entendendo que Deus pode sim predestinar o mal, ou seja, decretar o mal, fazer um decreto criando o mal, causando o mal na humanidade, incluindo o pecado, para atingir os seus fins. Isso é absurdo, não é doutrina bíblica, já está refutado na análise da doutrina reformada em capítulos publicados nesta página, e não são conformes a razão humana, não coadunam-se com a mente regenerada.

Deus sendo o ponto de referência é algo que não necessita que inclua o mal em seu decreto de determinação. De fato, Deus é o ponto de referência, e a doutrina católica assevera essa verdade. No entanto, tudo o que Deus faz e é, Ele nos explica nas Escrituras, e infundiu em nossa razão, como revelação sobrenatural e natural de Si mesmo para nós. E, como todos sabemos, Deus não pode errar, mentir, cometer pecado e querer o pecado. Assim, Ele não pode, absolutamente, determinar ou decretar o mal. Pode, isso sim, permiti-lo, conforme, sim, repito, conforme Sua vontade, mas através da permissão, com motivos e vistas a um bem maior, e nunca somente para cumprir um plano. O pecado, também, não pode ser harmonizado com a ideia bíblica e racional de Deus, e, portanto, não pode ser feito por Deus, com a alegação de que não podemos questionar isso. A pergunta retórica de Romanos 9, 19.24 tem outro sentido, e já está bastante estudada nos textos sobre a teologia Reformada, bastando o leitor conferir nos artigos publicados.

A autonomia humana seria, no entender do autor, conforme as fontes que ele estudou e pôs a refutar, seria a base para as objeções contra Deus. Quando o autor menciona as “contradições em tensão e apelar para o mistério”, os que desejarem saber mais sobre isso, enquanto se estuda a teologia reformada, os artigos referidos acima serão muito úteis.

Quando Deus responde a Jó em 38, 4, e São Paulo em Romanos 9, 19-20, o sentido nunca é o de que tudo o que Deus faz é bom ainda que contradiga aos dados da revelação e da razão humana, tanto enquanto natural como regenerada. “Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra?”. Isso não quer dizer: eu posso fazer o que quiser com você, as maiores atrocidades segundo seu parecer, e o de todos os homens, porque sou Deus e você não tem o que reclamar. Não é isso de maneira alguma que o texto quer ensinar. Não é isso absolutamente que a Escritura está ensinando.

Quem lê o livro em sua inteireza e raciocina cada parte revelada, sabe que Jó tinha livre-arbítrio, assim como Satanás, e tudo o que acontecia era permitido por Deus, em vista do bem maior, sem que qualquer pecado fosse decretado, determinado ou querido em todo o plano divino. A realidade da vida de Jó, e de tantos servos de Deus de ontem e de hoje, mostram apenas os mistérios do sofrimento e a certeza de que Deus quer sempre o bem, conforme nos revelou, segundo o conceito que criou em nossas mentes, e nunca faz o que é mal nem o aprova.

Uma afirmação do autor é curiosa: “Deus nunca teve dúvida de que Jó era de fato um homem extraordinariamente reto, embora pelos padrões de Deus todos são pecadores...”. Isso lembra a doutrina da justificação ensinada na Reforma Protestante, mas a frase não deixa de conter problemas. Como pode Deus não ter dúvida de que Jó era reto, mas que pelos padrões divinos Jó não era? Deus poderia considerar Jó por outro padrão que não o Seu?

É claro que o autor está afirmando que Jó estava justificado, pela graça e era predestinado ao céu, e por isso um eleito e justo, mas em si mesmo era um pecador que merecia a morte. No entanto, a afirmação acima, em sua primeira parte, supõe o livre-arbítrio, está conforme a doutrina bíblica e católica. Deus sabia que Jó era reto. Isso só é verdadeiro pelo livre-arbítrio. Deus sabia que Jó era de fato um servo fiel aos Seus preceitos, e que livremente agia conforme Sua vontade. Por isso, pelo padrão divino Jó era santo. Ainda que pecador, era um pecador convertido, e que fazia a vontade de Deus. Jó era reto.

Essa frase pode ser adotada na doutrina reformada, mas não sem problemas, pois está fora da essência reformada, é um alienígena entre os conceitos reformados, por isso logo em seguida há uma inconsistência: “pelos padrões de Deus todos são pecadores”, que não concorda com a primeira afirmação. É certo que diante de Deus todos são pecadores, e diante dele todos podem ser justos, não apenas considerados, mas de fato, pois Deus justifica o pecador. Isso é outro assunto, mas é bom que indiquemos essa verdade bíblica.

A análise feita da afirmação da Confissão de Fé de Westminster   é um tanto problemática. Explica que Deus é causa final de tudo, incluindo os males. E que o homem é causa do pecado, de forma imediata, e por isso é autor do pecado, como causa secundária. Mas, antes, afirma que a causa primeira é Deus, e que as causas secundárias “são asseguradas em suas operações” pelo conselho de Deus “que assim ordena”. Então, a causa secundária comete um pecado porque segue o conselho divino que ordena que ela assim o faça. Não é absurdo? Realmente é. A linguagem quase toda católica da Confissão de Westminster inclui esse pormenor, que não faz parte da doutrina católica.

O exemplo de que o pai não é autor do livro escrito pelo filho é muito bom. No entanto, imagine que o pai dê todas as ideias do livro que o filho escreveu, inclusive como será a capa e etc., e todas as coisas que o filho irá escrever. Com certeza o filho é coautor, no mínimo (talvez nem isso), por ter escrito somente, mas as ideias todas vieram do pai. Dessa forma, a causa primeira tem autoria. Esse exemplo parece estar mais próximo da doutrina reformada, e elucida um pouco sua inconsistência com os dados bíblicos diante da origem do mal e do pecado.

Há outros escritos no site que podem auxiliar na compreensão da verdade da soberania e do livre-arbítrio, e é importante a leitura desses textos, que lidam com os melhores argumentos, de renomados autores da literatura reformada, respondendo-os pormenorizadamente, de forma a levar a um conhecimento suficiente da verdade do livre-arbítrio e ser capacitado entender o problema da teologia reformada, e entender melhor a teologia católica.

Gledson Meireles.


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