segunda-feira, 5 de outubro de 2020

A virgem Maria na Bíblia pela perspectiva da doutrina reformada

O presente artigo é um comentário de uma porção do livro O papado e o dogma de Maria à luz da Bíblia e da história, do reverendo Hernandes Dias Lopes, 1º edição, editora Hagnos, 2005, sobre o que a Bíblia diz sobre a virgem Maria. O autor tenta mostrar os limites dos dados bíblicos sobre a mãe de Jesus.

Esse é um livro de controvérsia teológica que envolve protestantismo e catolicismo. Está no âmbito direto da apologética. Segue um comentário a respeito de afirmações respectivas sobre o tema. Revela o que o autor entende da doutrina católica.

A escolha da virgem Maria para ser mãe de Jesus é graça de Deus e não mérito dela. Não há mérito no ser humano, mas é a graça de Deus que elege, e é ela que dá o mérito.

O pastor afirma que na cena da anunciação a ênfase está na criança e não em Maria. Realmente o propósito do plano de salvação é revelar o filho de Deus, o salvador, e não alguém mais. No entanto, todos os que estiverem em relação a Cristo serão engrandecidos pela graça. E ninguém mais do que Maria esteve tão junto ao seu divino Filho.

Interessante que sabemos que Isabel era prima de Maria. Diferentemente, o autor afirma que era tia. Curiosidades.

Maria era serva de Deus, não de Gabriel, de José ou de qualquer outra pessoa, escreve o pastor.

Isso mostra a radical crítica protestante de que todos não devemos ser servos dos santos, mas unicamente de Deus. E está correto. O que não compreendem é que sendo servo de Maria, por exemplo, a teologia católica enfatiza o ser igual a Cristo, aprender o caminho de Cristo, que nasceu de Maria, esteve submisso a ela, enquanto Ele esteve na terra, e nós, filhos de Deus, pequeninos diante dEle, querendo servir a Jesus, nos tornamos cristãos, por pura graça, e em cristo nos tornamos servos de Maria, no sentido de estar humildes da presença de Deus, de entregar-nos totalmente a Ele. Dar-se a Maria não é outra coisa que seguir seus exemplos e nos tornarmos totalmente servos de Deus.

Somente Maria recebeu a mensagem do anjo. Não havia ninguém mais quando o anjo Gabriel apareceu. O evangelista são Lucas recebeu essa informação de Maria, certamente, e como inspirado por Deus escreveu essa verdade na Bíblia.

E quanto ao valor de Maria esse é medido pelo filho que ela teve. Olhe para Cristo e verá a honra da mãe dele. A mãe do rei era honrada com a honra da realeza em Israel. Pense agora na mãe do Messias, do Cristo, do Filho de Deus, do Rei dos reis e do Senhor dos senhores. Honramos o Filho e por isso honramos a mãe. Adoramos o Filho, porque é Deus, e veneramos a mãe, por ser serva eleita de Deus para o plano da salvação da humanidade.

Maria é bem-aventurada entre as mulheres, não acima das mulheres, diz o protestante. Leia de novo o evangelho e verá que ela é a bem-aventurada entre as mulheres, o que é singularidade. Olhe para Cristo e entenderá.

O protestante não vê que Isabel destaca Maria. É óbvio que o fundamento é Jesus. Maria é especial por causa de Jesus. Ela é honrada porque é mãe do Senhor. Veja que Isabel considera uma honra, um privilégio, uma grandeza, ser visitada pela mãe do Senhor dela. E o Senhor de Isabel, uma fiel e piedosa judia filha de Israel, é Deus. A mãe do Senhor de Isabel, a mãe do Deus de Isabel, diz a Escritura. É a consequência da doutrina bíblica da encarnação. Deus fez-Se Homem. O pastor não vê o que vem antes de Lucas 1, 43.

Por que João Batista estremeceu no ventre de Isabel? Veja o que responde o pastor: “João Batista se estremece no ventre de Isabel não por causa de Maria, mas por causa de Jesus, que está no ventre de Maria.”

Todos conhecem a cena, e sabemos que tudo é por causa de Cristo, nossa alegria. Nosso Salvador. No entanto, o pastor passa para a conclusão, e toda a mensagem é verdadeira, felizmente, mas deixa dados da Escritura sem reflexão, o que não é correto.

Por um afã em negar o papel especial da pessoa de Maria o autor coloca a ênfase no Filho. Embora a ênfase em Cristo esteja corretíssima, desdenhar a presença da virgem Maria na cena do evangelho não é total compreensão e aceitação da Palavra.

De fato, a Bíblia afirma que João Batista saltou no interior do ventre de Isabel assim que a voz de Maria saudando-a foi ouvida. Assim que as palavras de Maria chegaram aos ouvidos de Isabel a criança saltou no ventre, diz a Escritura.

E não somente isso. Logo que a saudação de Maria foi ouvida, e o bebê estremeceu-se de alegria, Isabel recebeu o Espírito Santo de Deus. Isso significa muito, mas o protestante passa por essas linhas e nunca reflete sobre elas. Elas são importantes também. Leia Lucas 1, 41.

Por isso, a Igreja comemora o nascimento de João Batista, que nasceu com a santificação do Espírito Santo. Por isso a Igreja considera Maria a dispensadora das graças, porque Cristo veio ao mundo por ela, e o Espírito Santo veio ao precursor do Messias usando as palavras dela. São apenas dois exemplos de introdução de assuntos sobre Maria.

Maria é mãe de Jesus a partir da encarnação. Essa é a verdade cristã católica. Nada a acrescentar.

É um erro afirmar que Maria é mãe da natureza humana de Cristo. Ela é mãe de Cristo por meio da natureza humana. Por isso, ela é mãe do Cristo enquanto homem. Essa é a correta doutrina.

Em outras palavras, não se pode afirmar que foi a natureza humana de Cristo que nos salvou. Porque a natureza é apenas algo inanimado, uma matéria, um princípio, poderíamos dizer. Mas, foi Cristo feito homem que nos salvou. Foi Deus que morreu por nós como Homem na cruz. Por isso, Maria não é mãe da natureza de Cristo, nem é mãe do Cristo homem, como se tivesse outro Cristo Deus, mas é mãe do mesmo Cristo que é Deus-Homem, é mãe porque gerou humanamente a pessoa divina.

Por isso, afirmar que o catolicismo não “percebe” a incongruência lógica e teológica de afirmar que Maria é mãe de Deus, como se ensinasse que a mãe não pode existir depois do Filho, isso é desconhecer a doutrina cristã católica. É algo comum entre apologistas e teólogos protestantes. Por isso, é bom ler a fonte católica para aprender essas verdades.

Maria é mãe de Deus apenas no sentido de que Cristo é Deus, e nunca no sentido de Deus em sua existência e natureza divina e eterna. Basta ler as definições conciliares, o catecismo, etc., para compreender isso. Portanto, a crítica é inócua à doutrina católica.

Para salvaguardar a eternidade de Deus o autor critica o dogma contido no termo theotokos, mas não percebe que negando a maternidade divina de Maria poderá estar negando a divindade do Filho. Pensando em salvaguardar a divindade, na Pessoa do Pai, indica uma doutrina que fere a divindade, ao falar na pessoa do Filho.

Ao lembrar que Maria perdeu Jesus na casa do Pai, no templo de Jerusalém, supondo algo limitado e falho nos cuidados maternais, para ilustrar a humanidade comum de Maria, o autor não percebe que o evangelho não fornece nenhuma palavra negativa a Maria e José no incidente citado, mas usa o momento para ensinar mais sobre a missão de Jesus.

Ainda, Jesus tinha 12 anos, sabendo que na cultura judaica 13 anos era a idade que já aproximava o menino judeu da fase adulta, o que faz compreensível Jesus estar andando longe dos pais na caravana, conversando com outras pessoas durante a viagem, o que foi ocasião para que seus pais não percebessem sua falta antes.

Na festa de casamento em Caná da Galileia, onde Jesus realizou Seu primeiro milagre, o pastor enfatiza que Jesus segue a agenda do céu, e não está sujeito a laços familiares. Ele disse: “Mulher, que tenho eu contigo?”. No entanto, tendo alguma verdade nisso, o autor não mostra o que todo o relato bíblico nos ensina.

De fato, essa ocasião foi a primeira vez que Jesus fez um milagre na Sua vida pública, inaugurando Sua missão, com o primeiro sinal. E esse milagre foi feito a pedido da Sua mãe. Foi Maria que fez a ocasião para o milagre.

Assim, temos mais um dado: a encarnação foi feita através de Maria; o Espírito Santo santificou a primeira pessoa no Novo Testamento usando as palavras de Maria e o primeiro milagre de Jesus registrado nas Escrituras foi feito a pedido de Maria.

Por isso a Igreja a chama de dispensadora de todas as graças. E sabemos que as graças nos vem de Jesus Cristo. O leitor deve estar aprendendo a ler a Bíblia com essas verdades.

Outra questão é a passagem de João 2,5, que literalmente diz que Maria voltou-se aos que serviam na festa e disse para que fizessem tudo o que Jesus mandasse. Essas palavras são lidas espiritualmente, pelo reverendo, como uma ordem de Maria para nós, para que obedeçamos a Jesus. Essa é a leitura católica também.

Impressionantemente um protestante reformado que muitas vezes nega-se a ler a Bíblia diferentemente do contexto histórico-gramatical-literal consegue entender que as palavras de Maria são para nós um estímulo para obedecermos a Jesus Cristo. E não poderia ser diferente. Mas essa constatação servirá para entendermos melhor o que será apresento mais adiante.

Sobre Marcos 3, 20-21 não se pode pensar que Maria acreditasse que Jesus estivesse louco. Nada no evangelho supõe isso. Por essa razão, a passagem afirma que “os seus”, tratando dos familiares, pensavam dessa forma, mas não Maria.

A maior bem-aventurança é obedecer a Deus, seguir as palavras de Jesus. Assim, Maria é honrada tanto como mãe de Cristo como sua primeira discípula, pois creu em Cristo desde o dia da anunciação do anjo Gabriel. Foi a primeira cristã.

A entrega de Maria a João por Jesus morrendo na cruz é explicada de forma impressionante pelo reverendo. Ele reconhece que Jesus dá exemplo de amor e cuidado para com os pais, que José havia morrido e que João era sobrinho de Maria. Grandes constatações.

O erro é somente pensar que os irmãos de Jesus eram descrentes e por isso não podiam cuidar de Maria. Sabemos que por algum tempo a maioria dos irmãos de Jesus não criam nEle. Mas, de fato, eles eram parentes e não filhos de Maria. Eis o verdadeiro motivo para que Jesus desse Sua mãe ao apóstolo João: ela não tinha ninguém mais para cuidar dela, e João era o discípulo amado que permaneceu aos pés da cruz. Assim, os desígnios de Deus mandou que fosse João apóstolo o cuidador da mãe do Senhor.

E o pastor, mais uma vez, não entende toda a passagem. Isso é compreensível, pois seus dogmas protestantes não o permitem. Mas, não é impossível que essa compreensão seja alcançada.

Jesus entrega Maria a João como mãe, e João torna-se filho dela, o responsável por cuidar dela. Essa cena nos ensina algo importante, espiritual, e agora esperamos que o pastor saiba ler espiritualmente também.

A virgem Maria é entregue como mãe ao único apóstolo que ficou aos pés da cruz. Assim, ele representava a Igreja, os que creem em Jesus. Por isso, todos os cristãos tiveram Maria como mãe. Foi Jesus na cruz Quem no-la deu como mãe.

Também é importante reconhecer que Tiago e Judas foram os escritores inspirados das epístolas de Tiago e Judas, e que eram parentes de Jesus, e não irmãos de sangue filhos da mesma mãe. Eram mais precisamente primos do Senhor.  Leia o artigo sobre a mãe dos irmãos de Jesus e compreenderá, pois ali não são feitas apenas afirmações, mas há provas do que é apresentado.

Enfim, Maria no cenáculo aguardando o derramamento do Espírito Santo fala-nos mais do que o pastor pôde notar. Maria era cheia do Espírito Santo e da força do Altíssimo desde que foi agraciada com a maternidade divina. Ela passou a vida cheia da presença do Espírito. Agora, estava humildemente com os apóstolos à espera da chegada do Espírito sobre toda a Igreja. Por isso, a virgem Maria, mãe da Igreja, é também figura da Igreja, pois foi agraciada, cheia de graça, e cheia do Espírito Santo antes da inauguração da Igreja, como também no dia de Pentecostes, quando toda a Igreja recebe a força para a missão de pregar o evangelho por toda a terra.

Esse lugar humilde de Maria na Igreja nos ensina. Sendo servos de Deus, filhos de Maria, aprendamos com ela como servir a Jesus, como ser cristão, como servir a Deus. Essa é a verdadeira devoção mariana. Que o leitor compreenda.

Gledson Meireles.

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