A esperança da Igreja é
viver para sempre com o Senhor nosso Deus. Antes desse dia, todos os salvos
devem ressuscitar para ir morar com Cristo. Essa esperança, porém, não está
oposta à verdade de que já em espírito os salvos podem usufruir, após a morte, das
bênçãos da salvação eterna no céu, enquanto aguardam o dia em que tudo será
colocado sob os pés de Jesus Nosso Senhor, e o Reino será entregue a Deus Pai.
É, portanto, de máxima importância saber o que devemos crer sobre a
imortalidade da alma e conhecer a verdade da ressurreição dos mortos, e saber
que as duas coisas são ensinadas na Bíblia Sagrada.
O artigo da
ressurreição da carne coloca-nos em um estranho dilema. Redescobrimos a
indivisibilidade do homem; vivemos com intensidade nova a nossa corporeidade,
experimentando-a como maneira inevitável de realizar o ser único do homem. A
partir deste ponto estamos em condições de compreender de modo novo a mensagem
bíblica que não confere imortalidade à alma separada, mas ao homem inteiro.
Deste sentimento surgiu, em nosso século, sobretudo na teologia evangélica, uma
forte oposição à doutrina grega da imortalidade da alma que, injustamente,
passou a ser considerada como pensamento cristão. Na verdade, ela exprimiria
uma dualismo nada cristão; a fé cristã saberia a respeito de uma ressurreição
dos mortos pelo poder de Deus, exclusivamente.[1] Joseph Ratzinger.
As palavras do papa Emérito
Bento XVI, quando ainda cardeal, esboça o que será tratado aqui, e mostra
antecipadamente qual a base que muitos têm para voltar-se contra a doutrina da
imortalidade da alma. Como afirma o eminente teólogo, de forma mais incisiva,
ou seja, mais principalmente, no meio protestante apareceu uma oposição contra
a fé na imortalidade da alma sob seus moldes gregos. Esse é o erro fundamental,
pois passa-se a atacar a forma grega de pensamento sobre a natureza da alma
imortal, de modo a parecer que a doutrina cristã é a mesma que aquela da filosofia
grega, e pelo fato de que ambas as partes tem a crença da imortalidade da alma
humana com algo comum, isso tornaria as duas coisas iguais.[2]
Muitos sem o saber fazem
essa identificação, e constroem edifícios sobre esse terreno falso. É,
portanto, necessário saber que há distinção e procurar entender o que a
doutrina cristã católica ensina de fato sobre o assunto. Isso será feito
enquanto estudamos a Bíblia para aprender sobre o tema, e colocarmo-nos diante
das mais ferrenhas objeções. Antes, porém, de responder aos argumentos que
confrontam a verdade da imortalidade da alma, é necessário aprender de Deus,
conforme está posto na Revelação inspirada: a Bíblia.
O papa Bento XVI afirma a “mensagem bíblica que não confere imortalidade à alma
separada, mas ao homem inteiro”. Ainda mostra que, com o passar dos
tempos, os judeus criam na imortalidade da alma, de uma forma semelhante aos
gregos: “Claro que, no judaísmo tardio, já existia
uma doutrina da imortalidade de colorido helenístico”. Desse modo, há
uma visão propriamente judaica sobre a composição do homem como também uma
ponte de ligação com a concepção grega da natureza humana. Cumpre descobrir
qual é essa estreita relação.
Porém, a Bíblia apresenta
algo novo que os gregos não sabiam. Esses já criam na imortalidade da alma, mas
a Bíblia traz a fé na ressurreição, dando esperança a que a vida dos corpos será
novamente concedida no fim do mundo.
No início, a imortalidade da
alma em sua concepção grega era contraposta à ressurreição dos mortos, conforme
o ensino da revelação de Deus na Bíblia. Mais tarde essas duas coisas foram
entendidas pelos cristãos, já na revelação do Novo Testamento, como realidades
complementares, onde a ressurreição é a esperança final. Esse foi o fruto do
Evangelho.
De fato, “o pensamento bíblico supõe a indivisa unidade do homem”,
como afirma o cardeal Ratzinger. Diante disso, não há lugar para uma divisão de
corpo e alma. Até os termos são profundamente ligados, não havendo palavra para
o corpo exclusivamente sem a alma, e nem o inverso, ou seja, não há termo
somente para a alma sem supor o corpo. Há poucas exceções, com matizes judaicos
e gregos transparecendo, mas com fundo totalmente judeu. Isso mostra que a doutrina
é radicalmente bíblica. É o ensinamento de Deus.
Assim, a Bíblia fala da
ressurreição dos mortos, e não apenas da ressurreição dos corpos. Continua a
reflexão do cardeal. E nesse aspecto a imortalidade refere-se ao homem, e não
apenas à alma humana ou apenas de uma parte de homem. A ressurreição da carne
denota a salvação da humanidade do homem, e não uma expressão que significa
somente a parte corporal isolada da alma.
É tremenda a explicação do
cardeal Ratzinger aqui. Ele mostra o nexo que nasce da fé bíblica da
imortalidade no interior mesmo da filosofia grega. É uma forma de entender a
doutrina bíblica em sua pureza, eu diria, sob moldes gregos, talvez, que mostra
que a alma permanece, não por ser isolada, mas que está à espera do desfecho da
história do mundo e do homem, desfecho esse que será realizado por Deus, quando
vier renovar todas as coisas, com o Novo Céu e a Nova Terra.
É fundamental saber o que o
cardeal apresenta sobre o estado intermediário. Ele afirma que essa questão foi
muito debatida no tempo patrístico, como ocorreu também depois de Lutero. Então
apresenta a fé do Novo Testamento, que já tem em Jesus Cristo a ressurreição
iniciada, e por isso sobrevivemos após a morte. Os textos apresentados são
bastante claros, como veremos nos estudos, e esses são Filipenses capítulo 1
verso 23, 2 Coríntios capítulo 5 versos 8 e, também, 1 Tessalonicenses capítulo
5 verso 10.
E esclarece diretamente o
cardeal: “Portanto, na perspectiva do Novo
Testamento, é insustentável a idéia do sono da morte, objeto de repetidos
estudos de teólogos luteranos e trazida à baila ultimamente pelo Catecismo
Holandês.” A tônica do debate está posta, e é nessa que o presente
estudo irá caminhar.
A fórmula bíblica sobre o
homem não é aquela do dualismo grego, mas um “conceito-humano
total e dialógico da imortalidade”. O homem continua a existir na “lembrança de Deus”. Essa não é a memória de Deus
simplesmente como ensinam muitos, de que o homem não existe mais na morte, e que
estaria apenas na lembrança de Deus. Pelo contrário, o homem não deixa de
existir, em sua essência, e está na memória de Deus. Então, isso tem outro
significado. A alma não é o homem completo, mas também não é um elemento
isolado, mas é o que deve ser completado no fim. Deus não permite que a alma
deixe de existir após a morte, e promete a ressurreição do homem no último dia.
Essas contribuições partem
do simples fato de termos a alma imortal para entender o fato na perspectiva
totalmente bíblica: “o sentido concreto dessa
constatação.” A Bíblia ensina essa verdade, mas sua proposição é
substancialmente diferente daquilo que uma terminologia grega poderia
transmitir. É o que exprime o cardeal Ratzinger nessa brilhante explicação.
Portanto, ao entrever essa
temática não se pode esquecer de que deve-se entender a exposição doutrinal em
sua fonte cristã, radicada na revelação do Antigo Testamento.
Origem do problema moderno sobre a alma
Continuando com a reflexão
do teólogo Ratzinger, ele mostra que os teólogos protestantes Carl Stange
(1870-1959) e Adolf Schlatter (1852-1938), auxiliados de alguma forma por Paul
Althaus, iniciaram a mudança de concepção sobre a imortalidade da alma, ou
seja, isso é algo que afeta o que sabemos quanto à natureza da alma.[3]
Segundo a leitura que
fizeram da Bíblia, e de Martinho Lutero, afirmaram que trata-se de “dualismo
Platônico” a doutrina de que a alma e o corpo são separados na morte. A
doutrina bíblica seria aquela de que na morte perecem corpo e alma. Althaus
escreveu uma retratação, mas isso não influenciou a onda do novo pensamento. A
ideia de que falar da alma não é bíblico foi aceita em termos gerais, sentido
mesmo em âmbito católico, embora a doutrina não tenha sido aí inserida.
Constatando isso, é possível
identificar que a atual onda de repúdio da verdade da imortalidade da alma não
é um fruto apenas de uma nova interpretação bíblica por parte de protestantes
eruditos, ou até de leigos, como se tal doutrina fosse verdadeira. Na verdade,
é uma heresia que foi introduzida recentemente em meios mais largos que os
anteriores, que ficavam mais restritos entre os adventistas e testemunhas de
Jeová, tendo sido agora tornado comum entre alguns pentecostais, e que
ultimamente tem influenciado membros de outras denominações.
Gledson Meireles.
[1]
RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo: preleções sobre o Símbolo Apostólico, Editora Herder, São Paulo,
1970. Disponível em: <https://sumateologica.files.wordpress.com/2009/09/joseph-ratzinger-introducao-ao-cristianismo.pdf>.
Acesso em 24 Jan. 2016.
[2]
Ideias que o livro do apologista protestante Lucas Banzoli: A lenda da Imortalidade
da Alma, rebate, como “uma alma imortal
presa dentro do nosso corpo” e “ou um "espírito" se desligando da
prisão do corpo e habitando em outro lugar”, que aparece repetidas vezes
no livro, não constituem a doutrina cristã, mas a filosofia grega ou o
espiritismo, o que prova ser essa visão do autor do livro sobre o conteúdo que
ele rejeita, e que constitui um dos problemas da obra. Embora tal constatação
possa ser respondida que nesse ponto essa distinção entre a visão cristã
dualista e aquela dos filósofos gregos é inócua, e nada vale para o caso em
questão, pois o que está sendo apresentada é a visão holista do ser humano como
a visão supostamente bíblica contra qualquer tipo de dualismo, é preciso
insistir que é profundamente necessário ter a correta apreciação da opinião
oposta, já que isso influencia na própria concepção do autor ao formular suas
refutações. Isso seria idêntico a tratar a doutrina holista proposta no livro
aludido como sendo a mesma que é ensinada na filosofia grega epicurista, por
essa compartilhar o mesmo elemento central, que é a ausência de uma alma
espiritual que pode separar-se do corpo. O autor não estaria satisfeito ao ler
uma refutação que tivesse no pano de fundo a opinião dos epicureus, e diria não
ser essa doutrina o que ele apresenta, mas que estaria mostrando o que a Bíblia
ensina. Assim, não é correto manter o
que subjaz na refutação como aquilo que é permeado essencialmente da
visão platônica do ser humano, reputada como a doutrina cristã da imortalidade
da alma. Necessário se faz adotar terminologia técnica mais exata e fazer as
distinções fundamentais.
[3]
Em níveis mais amplos, foi Edward White quem afirmou a mortalidade da alma,
influenciando de certa forma o protestantismo em geral. Depois os Adventistas do Sétimo Dia e
as Testemunhas de Jeová continuaram exercer essa influência. Há muitos de outras denominações que já adotaram o mesmo parecer desses grupos nessa questão.
[http://apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/estudos-patristicos/794-pais-da-igreja-e-a-imortalidade-da-alma]
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