sábado, 24 de setembro de 2016

O sentido dos termos alma e espírito

Mais uma vez, tentemos aprofundar os sentidos das palavras alma e espírito, como usadas na Bíblia. Discutamos novamente o que foi colocado acima, de forma a esclarecer a questão, e afastar a heresia.

A alma é apenas a parte invisível do homem, a sua vida física que acaba na morte, ou é ela o seu espírito que sobrevive após a decomposição do corpo? É a alma apenas o conjunto de uma máteria (corpo) animada pelo espírito de Deus (fôlego) ou pode o termo alma ter outro sentido incluindo o de parte espiritual imortal do homem? Alguns dizem que não temos alma, mas somos alma. Assim, em certo sentido, o corpo seria o mesmo que a alma. Poderíamos então dizer que não temos corpo, mas, ao contrário, que somos corpo. Dessa forma, o corpo seria a alma. O corpo seria o aspecto tangível da alma e a alma o aspecto intangível do corpo. Em outras palavras, o corpo seria a alma visível enquanto a alma seria o corpo invisível.

Não há nada de errado nessa reflexão, a menos que alguém afirme que na morte a alma deixa de existir junto com o corpo. Assim, estará afirmando algo além do que foi o intuito do presente raciocínio.

Façamos uma reflexão bíblica e através dela usemos de comparações, as mais diversas possíveis, dentro do presente escopo, para tratar da natureza da alma, da sua relação com o corpo, da verdadeira doutrina cristã católica.

Nesse aspecto, o reverendo William G. Most[1] afirma que somos criaturas feitas de corpo e alma, ou seja, matéria e espírito. O espírito do homem é a alma imaterial, que não pode ser vista.  Para entender a realidade da alma que pode existir mesmo após a dissolução do corpo, o padre faz uma interessante comparação, mostrando que podemos pensar conceitos que não são capazes de serem mostrados materialmente. Assim, eles são espirituais, são próprios da alma, elementos que por sua própria natureza podem ser lidados por algo espiritual.

Na morte o homem fica à espera da consumação de todas as coisas, entrando no “tempo da memória”, conforme diz o padre Elílio, comentando o teólogo e cardeal Ratzinger. Tecendo comentário, segundo a doutrina verdadeira, ele acentua a unidade do ser humano, o “ser unitário”, mas é prudente em dizer que não se trata de um ser “monolítico”. Parece aqui já uma refutação do holismo ou monismo.

Então o padre Elílio cita as seguintes palavras: “A matéria como tal não pode ser o fator de permanência no homem: inclusive durante a vida terrena se encontra em contínua mutação. Nesse sentido é inegável uma dualidade que distingue o constante e o variável, dualidade exigida simplesmente pela lógica do assunto. Por esta razão resulta irrenunciável a distinção entre corpo e alma.  

Assim, não se trata de um dualismo, mas tenhamos em mente esse conceito com o termo dualidade para fazer a justa distinção. Pois, de certo: “Distinguir não significa separar”, afirma o padre Elílio. E explica o que antes ficou anunciado na citação última: “Entre o monismo inadmissível e o dualismo não-cristão, há a dualidade.” Dessa forma, a doutrina cristã não admite esse “monismo”, mas o dualismo como estamos vendo durante a presente reflexão, que contrasta com o “dualismo” dos pagãos, que não tem a mesma essência.

Então, o padre explica que a Bíblia não traz uma teologia sistematizada do homem, mas deixa os princípios pelos quais podemos entender a antropologia verdadeira. A Bíblia não apresenta o homem como o faz o dualismo grego, mas também é longe do holismo apregoado nos tempos atuais, e adotado por líderes cristãos protestantes. Não entendendo a doutrina bíblica, caíram numa posição herética.

Toda a Bíblia apresenta o homem inteiro, dentro da perspectiva judaica, sem lugar para falar da alma como os gregos faziam. Mas, não quer dizer isso que a mesma não existisse. O padre Elílio afirma acertadamente: “Nos textos mais antigos, a Escritura afirma que, enquanto o corpo é levado à sepultura, as sombras -refaim- do falecido juntam-se à sua parentela no sheol. Às sombras não compete uma vida consciente, mas uma existência espectral e despersonalizada”. Isso é algo que estritamente não poderia ser chamado de vida.

Então, é importante ter o conhecimento do significado mais específico dos termos. Na Bíblia da edição Ave Maria há um índice doutrinal, onde os conceitos de alma e espírito são resumidos de forma satisfatória. A alma é a vida (cf. Lv 17,11), o ser vivo em geral e em particular do homem (cf. Jó 10,1; Sl 6,5), e sinônimo de espírito imortal (cf. Jó 14,22; Mt 10,28). Essa é a parte mais profunda do homem.

Por sua vez, o espírito é a respiração, o sinal de vida (cf. Gn 6, 17), o vento (cf. Gn 8,1), o vigor da alma ou da mente (cf. Gn 45,27). Também as realidades invisíveis, como anjos e demônios, e mesmo o espírito dos homens, sendo nesse caso sinônimo de alma. Abaixo estão as partes mencionadas dessas passagens, conforme estão na Tradução do Novo Mundo, edição bíblica das Testemunhas de Jeová:

“Pois a alma da carne está no sangue” (Lv 17,11), portanto a alma está aqui no sentido de vida. É o mesmo que afirmar que a vida está no sangue.

“Minha alma certamente se enfada da minha vida. Vou externar a minha preocupação comigo mesmo. Vou falar na amargura da minha alma!” (Jó 10,1). Nessa passagem, a alma significa o eu. Por exemplo, a amargura da minha alma é a “minha amargura”.

“Apenas a sua própria carne, enquanto estiver nele, continuará a sentir dores, e a sua própria alma, enquanto estiver nele, continuará a prantear”. (Jó 14,22). A Bíblia Ave Maria traduz a última parte desse verso como: “e sua alma só se lamenta por ele”.

Nessa passagem, a alma é aquilo que está no íntimo do homem, é a parte que sente a tristeza que foi mencionada. O texto fala da carne que sofre com as dores e da alma que lamenta esse sofrimento. É a revelação do sentido mais profundo do termo alma. É o espírito imortal, como foi afirmado acima.

Segundo as Testemunhas de Jeová, de acordo a explicação de tópicos bíblicos na Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, edição de 1983, página 1517, a alma é o homem (cf. Gn 2,7), os animais têm alma (cf. Nm 31,28), e que a alma tem sangue, come e pode morrer. (cf. Jr 2,34; Lv 17,18; Ez 18,4). Isso é o que resume sua doutrina tirada de muitos textos bíblicos. Não há espaço para o conceito de alma distinguível do corpo, como espírito imortal.

Quanto ao espírito, ensinam que esse é a força vital movendo a alma, conforme o que podemos ver em Sl 146,4 e 104,29, e que essa força vital volta a Deus na morte, como está em Ecl 12,7, e que somente Deus pode ativá-la, aludindo à ressurreição que está retratada em Ez 37,12-14. Em síntese, a alma seria somente a pessoa viva, e o espírito seria o sopro de Deus movendo a pessoa. Esse é o limite da sua doutrina. Tal sentido já foi refutado acima.

Em Gn 2,7 “o homem veio a ser uma alma vivente”. Isso somente quer dizer que o termo alma pode ser usado como sinônimo de pessoa, e não que o termo não possa ser também usado como espírito que não morre ou deixa de existir com o corpo, o que ficará mais claro durante o estudo.

No Salmo 104,29 é afirmado: “Se lhe tiras o espírito, expiram e retornam ao seu pó”, e no Salmo 146,4: “Sai-lhe o espírito, ele volta ao seu solo. Neste dia perecem deveras os seus pensamentos”.

Textos como esses afirmam que o espírito é a força vital de Deus que garante a existência do homem na terra. Sendo esse retirado, o homem morre, volta ao pó. O sentido de espírito nessas passagens não é o mesmo que o de alma imortal.

O texto de Gn 9,5 afirma que as almas tem sangue: “exigirei de volta vosso sangue das vossas almas”. É o mesmo que afirmar que exigirá a vida das pessoas, o que será exigida por Deus. A tradução Ave Maria traz o seguinte: “Pedirei conta de vosso sangue, por causa de vossas almas”.

Tendo isso em vista, os mortalistas ensinam que a alma quer dizer apenas ou a pessoa ou a vida que essa usufrui, não podendo ser o espírito imortal, nem o princípio de vida.

Com isso em mente, os textos como o de Ezequiel 18, 4 que diz: “A alma que pecar – ela é que morrerá”, seria entendido como a morte da alma, ou seja, que a alma poderia morrer, e não seria imortal, perecendo com o corpo. No entanto, esse texto apenas está referindo-se à pessoa (alma=pessoa), sendo esse o sentido do termo alma nessa passagem: “a pessoa que pecar – essa é que morrerá”, somente isso.

Não está aí o sentido de alma como espírito imortal, mas tampouco esse é negado, pois o termo possui vários sentidos como foi provado acima, e nisso podemos concordar.

No entanto, nesse significado ninguém poderá afirmar que a acepção de alma em Mateus 10,28 seria pessoa, ou que seria vida. A única acepção é que o significado de alma nessa passagem não está em nenhum desses sentidos anteriores, mas somente no de alma espiritual mesmo, na sua natureza imortal, pois essa não pode ser morta pelos homens. Essa passagem já foi referida acima. Devemos ter em mente que na Bíblia “o termo alma seja usado com certa flutuação e em diversos sentidos”.

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