Nunca as heresias correram
tão livremente e frutuosamente como nos tempos atuais. As velhas heresias
renovam-se e dão lugar a outras heresias que brotam delas. É afirmado que isso
tem a ver com a falta de conhecimento da Bíblia, por ter a Igreja proibido a
sua leitura há séculos. É verdade que a Igreja proibiu temporariamente e em
locais específicos a leitura da Bíblia em língua vernácula e sem a autorização
do bispo, medida essa usada contra a proliferação de heresias. Isso ocorreu
principalmente na França, no século 13.
Então, esses e outros
exemplos são usados para atacar o Catolicismo como se o mesmo tivesse perseguido
as Escrituras, por medo de que o povo descobrisse as supostas “lendas” que a
Igreja estaria ensinando, e que essas viessem a ruir por isso.
O fato é que depois da
divulgação bíblica em todo o orbe, tendo iniciado no século 15, por um católico
que inventou a imprensa, e escolheu a Bíblia como primeiro livro a ser
impresso, a mesma doutrina continua a ser pregada hoje pela Igreja Católica, é
anunciada a todos, e defendida com as Escrituras, o que depõe contra essa tese
maléfica de que a Igreja tenha alguma vez se colocado contra a Bíblia.
A outra elucidação da
falsidade dessa tese é que quanto mais os homens leem as Escrituras sem a
orientação do Espírito Santo como membro da Igreja de Cristo, as heresias têm
aumentado nos demais arraiais contrários à fé católica. Uma dessas heresias é a
doutrina da mortalidade da alma ou
imortalidade condicional.
Eis uma das doutrinas da
antiguidade, surgindo pelos idos do século 4, com Arnóbio de Sica, e que hoje
tem ganhado mais adeptos contra a fé cristã bíblica e tradicional. Ellen White
afirmou que o primeiro sermão de Satanás foi feito no Éden, e o assunto foi o
da imortalidade da alma. As palavras “não morrerreis”, que de fato denotam a
mentira de Satanás (Gênesis 3,4), teria o sentido de que a alma não seria
destruída na morte.
No entanto, o fato é que
todos os pecadores morreram e morrem. O que Bíblia afirma a respeito da morte é
referente ao homem. Com isso, está a definição básica da morte, que consiste na
separação do corpo e da alma, e a doutrina da imortalidade da alma não desfaz
esse sentido. Assim é que São Paulo, ainda que acreditando na imortalidade da
alma, em primeiro lugar não desejava morrer. (cf. Fl 1,23; 2 Cor 5,8) A morte
não é parte do plano de Deus para o homem, mas foi uma possibilidade permitida
por causa do pecado.
Possuir alma que é imortal
não é o mesmo que estar livre da morte. Essa ideia não é o que podemos tirar
das palavras da serpente infernal. A vida é apresentada na Bíblia como a
participação da existência neste mundo, desde o Éden, e assim a morte significa
o fim da existência aqui. A morte seria o fim da vida na terra e não o fim de
toda a pessoa em absoluto. É um erro supor que a morte significa entrada na
inexistência. Pensar que o Demônio estivesse introduzindo outro sentido de
morte, afirmando que o homem deixaria de viver na terra e entraria numa vida
incorpórea, como se isso denotasse a mentira de Satanás, é introduzir o
princípio de que já havia noção conhecida da morte, e que essa seria a total
inexistência, ou o sono, como ensinam alguns, e que o homem logo pensou, diante
da sugestão do Diabo, que mesmo perdendo o dom da vida no mundo ganharia a vida
em uma dimensão espiritual. Esse seria o conteúdo do engano.
Contudo, se a inexistência
fosse o que Deus tivesse ensinado ao falar da morte, e a permanência da
existência na morte constituísse o ensino de Satanás, isso significaria que
homem contentou-se em viver somente em seu espírito, abrindo mão da vida no
mundo. Porém, o que mais de acordo está com o texto bíblico é que sendo a vida
a realidade experimentada, desde a criação, na existência material nesta terra,
no meio do belíssimo Jardim criado por Deus, a morte seria a cessação da vida
no mundo. Somente isso. Apenas em um sentido mais profundo entra o pensamento a
respeito da natureza da morte, e nisso é que deve entrar as indicações do texto
bíblico.
Para os “mortalistas” é
suficiente pensar que a morte seria a volta à inexistência. Uma vez que o homem
não existia antes da criação e foi criado pela junção da matéria e do sopro de
Deus, a morte seria a retirada do sopro, tido como mera energia de vida, onde o
corpo retornaria ao pó, deixando de existir a pessoa total. Não existindo antes
da criação, o homem passaria a não existir após a morte.
O entendimento de que a
morte é a separação da alma e do corpo é mantido aí em certo sentido, não como
duas realidades distintas, mas como uma realidade meramente material energizada
pela força de Deus, que deixa de receber essa energia, o sopro de Deus.
Porém, uma vez que o homem
foi criado à imagem de Deus, e que tem a promessa de vida eterna, é preciso
pensar que algo deve ter sido criado no homem para que o mesmo mantenha sua
personalidade intransmissível e que continue existindo. E o que vemos na
Escritura é que há uma parte do homem que não é desfeita na morte. E, quando
voltando ao plano original de Deus, vemos que a vida eterna foi preparada por
Deus para o homem.
Portanto, ainda que a alma
continue consciente após a dissolução do corpo, não é isso que é a vida. A vida
a que refere-se a Bíblia e que é o que foi garantido pela árvore da vida no
Paraíso, é a vida do homem criado no mundo físico, na Terra, mais
especificamente, a vida no corpo. Esse contraste entre a vida da alma após a
morte e a vida do homem inteiro neste mundo, deve ser distinguido aqui para
entender a mentira do Demônio e os efeitos do fruto da árvore da vida no
paraíso terrestre. (cf. Gn 3,22)
Entendido isso, sabemos que
o homem é um ser mortal, mas possui uma alma imortal. Essa parte do seu ser
continua a existir por Vontade de Deus. O fruto da árvore da vida não daria ao
homem uma alma imortal, que ele já possuía, mas garantiria que não poderia mais
morrer, o que significa que seu corpo e sua alma jamais seriam separados.
É preciso lembrar que a
morte não existia. De fato, antes de ser criado Adão não estava em lugar
nenhum, pois ainda não existia também. Assim, a sua morte era a cessação da sua
existência pela separação do sopro de Deus da sua matéria proveniente da terra.
Dessa forma, o homem não mais poderia viver no Jardim do Éden e contemplar a
criação e a Deus. O que a morte significa, além disso, não é possível apreender
da simples leitura e das especulações que provêm da enganação do Demônio quando
disse: “não morrereis”.
Para Ellen White a morte
seria a cessação total da existência, não havendo mais qualquer parte do ser
após esse ter morrido. E, por isso, dessa concepção ela tirou a conclusão de
que se houvesse a alma após a morte o homem “não” teria morrido, e isso seria o
que Satanás teria pretendido ensinar.
Por outro lado, essa leitura
não encontra suporte na narração bíblica, em nenhum lugar, pois o que Satanás
afirmou foi que a morte não seria o resultado da desobediência, mas que Adão e
Eva continuariam a viver no Éden e seriam ainda mais abençoados, o que de fato
não ocorreu, pois a morte foi realmente o fruto da desobediência, a cessação da
vida. Não há lugar para negar a existência da alma imortal nessa passagem.
Há a objeção de que a
imortalidade sendo um atributo divino não poderia ser encontrada no homem. Se
assim o fosse, o conhecimento do bem e do mal também não poderia ter sido
alcançado por nós. É um argumento fraco, já que a imortalidade será dada a
todos os salvos, e isso não seria possível se a imortalidade não pudesse ser
compartilhada com o homem.
Além do fato de que, conhecer
o bem e o mal é uma característica de Deus que recebe importância no texto para essa questão. O homem antes da queda não conhecia
nada mais senão o bem. O mal para ele não havia existência, pois ainda não
tinha desobedecido a Deus, e nem visto as consequências que advém da escolha
pelo caminho contrário àquele que Deus aprova. Assim, o homem é considerado
como “um de nós”, ou seja, comparado às pessoas de Deus quanto ao conhecimento
que, após o pecado, ele adquiriu do bem e do mal. Isso é expresso em Gênesis
3,22.
Dessa maneira, sendo um
atributo de Deus que o homem participa ao conhecer o bem e o mal, a objeção de
que a imortalidade da alma seria um atributo que somente Deus poderia ter não é
um argumento bíblico, mas algo arranjado para atacar uma doutrina que, se bem
entendida, tem esse argumento como inócuo.
“O Senhor Deus formou, pois, o homem do
barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas o sopro da vida e o homem se tornou
um ser vivente”.
Os elementos que Deus usou
na criação do homem são o "barro da terra" e o "sopro de vida" que vem do
próprio Deus. Então, o homem tornou-se uma ‘alma vivente’, que é o mesmo que
‘ser vivo’.
A vida que vivifica o homem
não é como a energia que faz um robô movimentar-se. De fato, a energia do robô
é uma força, que dá movimento a uma máquina e nada mais. O espírito de Deus, no
entanto, que é chamado nessa passagem de neshamah,
não apenas movimenta a imagem de barro, mas dá-lhe personalidade, transforma
sua forma de apenas terra para carne e osso, e faz aparecer no seu interior a
inteligência, a vontade e os afetos, com sensibilidade, com sentimentos,
emoções, desejos etc., de uma forma individualizada, o que mostra não ser
apenas uma energia que perpassa pelos fios de um aparelho. A energia que dá a
vida na criação é como aquela que também o faz na ressurreição, como mostra a
Ezequiel 37.
Entretanto, em Gênesis o
espírito de Deus é uma força criadora. O espírito de Deus cria um espírito
dentro do homem. Esse espírito é individual, e não uma força coletiva. De fato,
a força de Deus que mantém a criação é a força que todos experimentam, sendo
distribuída sobre a criação inteira, e a vida dessa força de Deus é comunicada
a homens, animais e vegetais, mas o espírito criado em cada pessoa é
particular. Por isso, Deus é chamado de Pai dos espíritos. (Hebreus 12,10)
Embora Deus tenha dado o Seu
espírito de vida a todos os seres, os quais foram feitos almas viventes, que
significa simplesmente seres vivos, há uma diferença entre a constituição do
homem e a constituição do animal. Isso já é pensado no livro do Eclesiastes,
quando o Espírito Santo faz refletir sobre o destino do espírito do homem e o
do animal: “Quem sabe se o sopro de vida dos filhos dos homens se eleva para o
alto e o sopro de via dos animais desce para a terra? (Eclesiastes 3,21)”[1]. Por esse motivo, a
criação do homem é como que a coroação da criação e é enfatizada, como está em Gênesis
1,26 e 2,7. Os animais, por sua vez, não possuem a inteligência e a vontade
livre como o homem.
Em Gênesis 1,24 Deus ordena
que “a terra produza seres vivos segundo a sua espécie”. Por isso, a vida do
animal é produzida juntamente com seu corpo. Em relação ao homem, o v. 26
mostra Deus dizendo: “Façamos o homem”, e não apenas ordenando que o homem
apareça da terra, e seja produzido pela terra, como foram os animais. Assim,
toda a criação é constituída da terra, e das águas, mas o homem foi criado possuindo
algo diferente, para poder reinar sobre a criação. Essa é a característica de
ter ele só, somente ele, a imagem e a semelhança de Deus.[2]
Antes de Deus dar o sopro de
vida, a imagem de terra bem modelada era apenas barro. Ao receber o espírito de
vida tornou-se homem. Esse segundo elemento indica que no ato de criação a
inspiração de Deus criou o espírito do homem para animar o seu corpo. A força
de Deus formou o corpo material, e também Seu espírito fez sua alma espiritual.
É verdade que não foi apenas um movimento da imagem de argila, mas uma
verdadeira criação de algo diverso, um ser vivo de carne e osso. Deus usou dois
passos para fazer o homem, enquanto que, naquilo que se refere aos animais
vemos Deus apenas produzindo seres vivos da terra. Assim, diante desse cenário
o homem foi chamado alma-vivente de acordo com o nome da sua parte mais
importante, que é a alma. E essa alma é espiritual. Assim, a alma do homem não é como
uma força ligada totalmente ao corpo, e deixando de existir juntamente com o
corpo. Ela possui a força do Espírito de Deus para sobreviver à destruição do
corpo na morte. Esse é o ensino que a Bíblia revela. Por isso, ao homem vivo é
dado também o nome de alma. Dessa mesma forma, ao homem morto as Escrituras
chamam corpo.
Muitos leem essa passagem do
livro do Gênesis como se o espírito de Deus fosse apenas a vida animando um
corpo, e que a morte faria a vida cessar e o ser inteiro cair na inexistência.
Mas, tal leitura não provém do texto de Gn 2,7, mas é um entendimento
equivocado do mesmo. Vemos que a passagem evidencia outra realidade.
Ninguém pode negar que o
sopro de Deus em Gênesis tenha criado no homem uma alma. O fato do homem ser
chamado “alma vivente” não impede que ele tenha em si a alma, que é o termo
usado para identificar a parte espiritual do homem, e que por isso pode ser
chamado igualmente e de alma significando sua pessoa. Ainda, o próprio sopro
ali pode ser a infusão da alma criada naquele instante por Deus, animando o
corpo recentemente criado.[3]
Porém, ainda há uma objeção,
como a que foi feita acima, mas de uma forma mais direta, e que afirma que o
homem não é dito ter recebido uma alma, mas que é uma alma. Essa objeção nasce
da constatação apenas do termo usado para o homem criado. A isso, podemos
averiguar na passagem em questão, que o espírito de Deus soprado na imagem de
argila fez o homem uma alma vivente. Isso mostra que o sopro de Deus fez algo
no homem, para que fosse tornado alma vivente.[4] Em outras palavras, o
fôlego de vida que Deus pôs no homem criou algo dentro dele. E transformou a
terra criando o corpo material. É esse elemento da natureza do homem que
chama-se alma ou também espírito.
Para começar o estudo, nós
cremos na imortalidade da alma, que foi criada diretamente por Deus, e cremos
que ressuscitaremos no último dia. Aquele que parte do pressuposto de que o
sopro de Deus não fez nada mais do que dar vida à imagem de barro, e que a alma
é somente a pessoa viva, então terá que provar isso em inúmeras passagens, que
são usadas como objeções contra a imortalidade da alma.[5] E é um indicativo de erro o fato de que uma doutrina encontre fortes obstáculos na Bíblia, a mesma fonte onde procura estabelecer.
Para nós que cremos na
doutrina cristã católica, desde os tempos de Cristo e dos apóstolos, portanto, na
doutrina verdadeira, veremos que a Bíblia apresenta sempre os sinais da
existência de que o homem tem dentro de si a alma que não morre.
Para provar essa asserção,
poderá ter-se sempre em mente as duas noções que são contrapostas, as quais são
o sopro de Deus como apenas uma energia de vida, ou como a alma sendo infusa,
que é praticamente o mesmo que o Espírito de Deus como o princípio criador da alma. A Bíblia apresenta
essa última, ou melhor, que foi criado o homem com uma parte espiritual e uma
parte material, que podem ser separadas, e que a espiritual permanece. Isso
será o que o presente estudo irá provar.
Para quem abandonou a fé na
imortalidade da alma, e que agora é um mortalista convicto, se durante o estudo
quiser testar a doutrina que acredita, deverá partir dessa verdade de que na
criação o sopro de Deus criou a alma humana. Assim, poderá reconhecer esse fato
em toda a Escritura. Por outro lado, quando parte do pressuposto de que o sopro
de Deus não criou nada no interior do homem, mas que o homem é a própria alma,
então terá sérios problemas a resolver. Essa já é uma indicação de que o
pressuposto é falso. E não conseguirá resolver os problemas quando esses são
analisados detidamente. Essas dificuldades ele pensa ter resolvido, ou que pode
resolvê-las, mas o presente estudo provará que não estão resolvidas na
concepção mortalista, e que assim não podem ser solucionadas. Na verdade, essa
doutrina será refutada.
Depois, em toda argumentação
desta obra, veremos que a imortalidade da alma não é o fim que desejamos e
esperamos vivenciar na eternidade, mas sim a ressurreição da carne. A Bíblia
anuncia que todos seremos ressuscitados. Dessa forma, ao tratar da ressurreição
também será ressaltada a verdade da alma imortal.
Mais uma palavra, para maior
esclarecimento, sobre o texto de Gênesis 2,7, com um enfoque diverso. Vemos aí
a criação do homem com pormenores. Nessa passagem, temos primeiramente que o
Senhor Deus formou o homem da argila da terra, modelando uma forma humana.
Depois disso, soprou-lhe um fôlego de vida nas narinas, de forma que aquela
imagem de barro, antes inerte, tornou-se uma alma vivente. Para provar que o
homem não teria uma alma imortal, muitos apontam essa expressão “alma vivente”,
afirmando que não foi dada ao homem uma alma, mas que ele tornou-se uma alma,
como já exposto antes.
Dessa narração, contudo, temos
identificados o corpo do homem e o espírito (neshamah) que foi soprado por Deus para dentro dele, e nos é dito que
ele tornou-se uma alma (nephesh).
Assim, o homem é uma alma vivente (nephesh),
conforme esse texto. No entanto, não é esse termo usado nas Escrituras com um sentido
apenas, o que prova que muitas vezes o mesmo pode ser usado como sinônimo de
espírito do homem, expressando aquilo que é a sua parte mais recôndita.
Todos sabem que o termo
possui outros sentidos, mas os mortalistas afirmam que os demais sentidos são
somente usados na acepção daquilo que pensam ser, ou seja, que nenhum deles
afirma a existência da alma imortal. Mas, não é o que vemos na Bíblia. Também
podemos afirmar que não apenas temos um corpo, mas somos um corpo. Mas as
Escrituras não usam jamais a palavra corpo para indicar um ser humano vivo,
pois geralmente tal designação tem a ver com um cadáver. A linguagem humana é
limitada para denotar toda a unidade corpo e alma e garantir ao mesmo tempo a
sua divisibilidade. É esse o ponto fulcral das diferenças entre a doutrina
cristã e o apregoado sistema holista.
Voltando à leitura
mortalista, o espírito (neshamah)
seria apenas a força de vida que temos enquanto respiramos e vivemos aqui.
Repito isso para frisar bem o que estamos a analisar. Em uma usada comparação,
para o mortalista, o homem seria como uma lâmpada, a qual recebe energia para
espalhar a luz, e quando a energia é desligada a lâmpada deixa de iluminar.
Contudo, essa leitura está
errada, por não estar completa. É uma meia verdade, que em última análise é uma
total mentira. O homem possui o espírito de Deus, como lemos nas Escrituras.
Além disso, como está escrito em Zacarias 12,1, o profeta afirma ainda que Deus
“firmou” os céus e “formou” o espírito do homem dentro dele.
Nessa passagem não é dito
que apenas uma energia foi transferida para o interior do homem, ou que a
energia foi-lhe emprestada até que a morte chegasse, mas que há dentro do homem
algo criado por Deus, e que é chamado espírito. Por isso, Santo Tomás afirma
que o espírito de Deus soprado em Gênesis 2,7 fez o espírito do homem. Esse
espírito de Deus fez a nossa alma.
Caso o espírito de Deus
fosse apenas a força vital impessoal que energizasse toda a criação, talvez
esse fosse também usado no singular. Mas, as Escrituras afirmam, como vimos,
que Deus é o pai dos espíritos, o que explica Gn 2,7 e Zc 12,1 mais
especificamente.
Em
Zacarias, o original traz o seguinte: מַשָּׂ֥א (O peso) דְבַר־ (da palavra) יְהוָ֖ה
(do Senhor) עַל־ for יִשְׂרָאֵ֑ל (Israel) נְאֻם־ (disse) יְהוָ֗ה (o
Senhor) נֹטֶ֤ה (estende) שָׁמַ֙יִם֙
(os céus) וְיֹסֵ֣ד (e estabelece as bases da terra) וְיֹצֵ֥ר
(e forma) רֽוּחַ־
(o espírito) אָדָ֖ם
(do homem) בְּקִרְבּֽוֹ׃
(dentro).
A análise do texto mostra
que o termo hebraico וְיֹצֵ֥ר (weyoser)
é um verbo que significa formar.[6] [7] Comparado à colocação da
fundação dos céus, o que significa a sua criação, o texto mostra que Deus
formou no íntimo do homem o espírito. Nessa passagem, espírito não é o mesmo
que está em Gn 2,7, no sentido de que está mais especificado, de forma a
podermos distingui-lo daquele sentido de apenas o sopro de Deus. Agora, o
espírito é mais explicitamente o efeito do sopro de Deus dentro do homem, que é
igualmente chamado espírito.
No entanto, para fins de
melhor distinção, notamos que o termo espírito usado em Gn 2,7 é neshamah, e o espírito que está em Zc
12,1 formado no homem é ruah. Esse
também possui vários usos, conforme o contexto. Nesse em particular, a palavra tem
o sentido de espírito do homem criado por Deus. Nesse caso, pode-se afirmar que
o homem não é um espírito, mas tem um espírito.
Em especial, neshamah é o fôlego ou espírito (בְּקִרְבּֽוֹ׃
nis-mat) criador do espírito
humano. Com esse espírito o homem tornou-se uma alma (nephesh), no sentido de pessoa. Nesse caso, também o homem tem um
espírito ou ele tem uma alma.[8]
A palavra neshamah é usada em várias passagens, a
saber: Gn 2,7; 7,22; Prov 20,27; Is 30,33. O termo hebraico nephesh de Gn 2,7 é usado inúmeras
vezes. Basta consultar a Strong´s
Concordance. A palavra hebraica para espírito (ruah), mais comumente usada, aparece frequentemente, assim como o
termo alma na Bíblia. De fato, nephesh
(נָ֫פֶשׁ) é alma, ser vivo, vida, ser, pessoa,
desejo, paixão, apetite, emoção, de acordo com a definição 5135 da Strong´s Concordance.
Na concepção cristã, a alma
é principalmente a parte do homem, parte da natureza humana, que é completa
somente com o corpo. Assim, o corpo não é prisão da alma, e por isso essa não é
libertada na morte, pois nunca esteve presa. Tal doutrina é platônica e não
cristã. Muitos criticam essa concepção grega pagã pensando estar tratando da
doutrina cristã, atacando um espantalho ao invés da correta doutrina que
cremos.
A propósito do termo nephesh (alma) que aparece no fim do
verso 7, na criação do homem, esse uso não é o único na Bíblia. Assim, Jesus
afirma que os homens não podem matar a alma, e para isso usa esse mesmo termo.
Esse uso não está, de forma alguma, no mesmo sentido que aparece em Gn 2,7,
pois enquanto naquela passagem a alma quer dizer a pessoa inteira viva, em
Mateus 10,28 a alma é o espírito que não pode ser morto, e por isso é distinto
do corpo: os homens podem matar o corpo, mas não a alma. Alma aqui é parte do
ser humano. Em outras palavras, colocando o sentido de Gênesis 2,7 no lugar de
Mateus 10,28, teríamos que os homens poderiam matar a “alma” vivente, mas tendo
em mente o significado apenas de Mateus 10,28, o contraste é manifesto, pois
ali os homens não tem poder de matar a alma. Por ora isso basta.
O Dr. Samuele Bacchiocchi
tentou uma explicação mortalista para essa passagem, onde alma significaria a
vida eterna. Ele contribui com uma exegese interessante, mas não surtiu o
efeito que desejava. Devido a isso, ao
longo do presente estudo poderemos ver que essa visão é claramente forçada. De
fato, Jesus afirma sobre a morte identificando e separando o corpo e a alma.
Seria estranho afirmar que os homens não podiam matar a vida eterna, mas que Deus
podia. Não faz sentido. A tentativa do Dr. Bacchiocchi foi infeliz.
[1]
O sopro de vida nessa passagem revela algo mais que uma mera energia vital, e
relaciona-se mais com a individualidade de cada ser. Se fosse simples energia,
essa seria idêntica em tudo que necessita dela para viver, e não teria sentido
pensar na diferença entre o destino do sopro que teria vivificado um homem ou
um animal. Embora fale referindo-se à forma plural, “homens” e “animais”, há
diferenciação entre o espírito de uns e de outros. Portanto, é ao espírito
individual de cada homem e de cada animal que o texto tem alguma referência. No
entanto, não no sentido de que cada ser humano volta a Deus, e de que cada
animal é condenado. A linguagem mostra que o espírito tendo a possibilidade de
subir ou descer tem um significado muito importante. Não poderia referir-se a
uma energia, já que isso sugeriria uma energia para animar o homem diferente da
do animal. Isso não é plausível. De fato, o próprio texto do Ecl 3,19 afirma
que: “A ambos foi dado o mesmo sopro. A
vantagem do homem sobre o animal é nula, porque tudo é vaidade.” Mas, ao
mesmo tempo, não poderia ser dito que todos os homens sobem a Deus na morte, o
que redundaria em dizer que todos são salvos, já que o texto do Eclesiastes não
discrimina salvos e condenados nessa passagem, e nem ao menos sugere isso.
Também não há a concepção de espírito individual voltando a Deus, pois no
Antigo Testamento os mortos descem ao sheol, e não sobem ao céu. Dessa forma, o
sopro do homem e o sopro do animal, que em princípio são iguais, possuem um
tratamento diferente: o do homem retorna a Deus. É verdade que, o espírito nessa
passagem pode significar a vida, mas tem um significado ainda mais profundo,
pois em Ecl 12,7 é afirmado que o espírito retorna a Deus. Isso é o mesmo que
dizer que ele sobe ao céu. O certo é que o fato de haver possibilidade de
elevar-se ao alto o sopro de vida indica que há um cuidado especial de Deus
para com o espírito do homem. Esse voltar do espírito de todos a Deus indica
que no homem algo permanece, o que não ocorre com os animais. O fato de Deus
tomar o espírito dos homens a Si, nos remete a pensar que há algo no homem que
o distingue dos animais mesmo na morte, e que tal não pode referir-se ao corpo,
pois todos sofrem a corrupção. Deve referir-se obrigatoriamente, então, ao
espírito. Uma possibilidade que o mortalista tem é interpretar essa guarda do
espírito por parte de Deus, como referindo-se à segurança da ressurreição,
enquanto os animais não terão isso garantido, não possuindo essa promessa. Mas,
problema será que nessa leitura o espírito está sendo igualado em ambos os
grupos, e em Ecl 12,7 é dito que o espírito volta a Deus, já deixando
implícita, nesse caso, a ressurreição de todos, o que é verdade, mas também
denotando veladamente que todos os homens estão no agrado de Deus, o que é
heresia. Ainda, a verificação de que o homem é inegavelmente diferente do
animal em suas potências espirituais é uma evidência de que o espírito humano é
de natureza diversa dos animais. O que é mais notório é que a afirmação de que
o espírito humano retorna a Deus, e o dos animais não, é que nesse cuidado há indicação
de que o espírito humano seja conversado consciente. O dos animais deixa de
existir. De fato, as almas descem ao sheol, e o espírito de Deus é guardado na
Sua fonte, que é o próprio Deus. Mas, diferentemente os animais tem o seu
espírito descendo à terra, e não retornando a Deus. Assim, visto que fora de
Deus não há conservação dessa força, afirma-se assim que Deus a descartou,
apagando-a, e o ser que a possuía caiu na inexistência. Isso não é o que ocorre com o homem.
[2]
Não é simplesmente interpretar sopro de vida = alma, mas ver as nuances que a
palavra espírito e alma vão ganhando em todo o relato, e naquilo que a Bíblia
nos leva a concluir. Como a polissemia do termo é reconhecida, deve-se ter
cuidado quando se afirma que um certo sentido não faz parte do uso bíblico.
[5]
Essencialmente falando, pois ninguém afirma que o corpo humano seja barro, como
uma estátua se movimentando. Sabemos que houve criação, e o barro tornou-se
carne, osso, sangue, órgãos. O sopro vital criou o homem e deu-lhe vida. Essa
vida está radicada na alma. Por isso, o homem é alma-vivente.
[8]
O Dr. Samuele Bacchiocchi afirmou que o ruah
é mais amplo que o neshamah a partir
da leitura de Gn 7,22, em referência ao estudo de Basil F. C. Atkinson. (Disponível
em: http://www.truthaccordingtoscripture.com/documents/death/immortality-or-resurection/immortality-or-resurection-ch2.php#.V9WNyc9THIU.
Acesso 11 setembro 2016.) O que fiz aqui a partir de Gn 2,7 e Zc 12,1 teve
resultado contrário, pois concluí que o ruah
foi efetivado no neshamah, o espírito
criador. Essas referências mostram que os termos podem ser usados em diversos
sentidos nas diferentes passagens da Escritura.
Aristotelis,os epicureus e os estoicos, tambem acreditavam que apos a morte a alma deixava de existir.
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