segunda-feira, 12 de setembro de 2016

O cânon bíblico: definição da Igreja Católica Apostólica Romana

Em Romanos 3,1-2 está escrito que os “oráculos divinos” foram concedidos aos judeus, e que deles são as “alianças” e a “Lei”. O pressuposto de que os judeus são responsáveis pela limitação do seu cânon, e que o mesmo deveria ser aceito pela Igreja, porém, é falso. Ademais, talvez seja essa doutrina um exemplo de doutrina construída sobre um único texto. E, aliás, o texto não tem referência ao cânon, mas é fruto de uma inferência, que certamente extrapola os limites da Escritura por inserir um dado que não está nela.

Se Deus estivesse guiando os judeus em sua definição do cânon ao Antigo Testamento, estaria também em outros assuntos, como o da interpretação do respectivo cânon, com suas doutrinas e práticas. Estaria confirmando sua decisão de rejeitar o Senhor Jesus Cristo, não reconhecendo nEle o Messias profetizado no Antigo Testamento.

De fato, seria impossível saber em que esfera os judeus estariam autorizados de agir (se essa existisse). Os judeus ficariam com o Antigo Testamento e os cristãos (a Igreja) com o Novo Testamento. Essa distinção é inexistente.

Entretanto, para quem crê em Cristo, esse deveria perguntar-se onde está escrito isso na Bíblia? Onde é dito que os judeus são responsáveis pelo que, e por tudo o que, se refere ao Antigo Testamento, até a definição do seu cânon, e que a Igreja fica restrita ao Novo? Seria Romanos 11,17? Mas essa passagem mostra justamente que a Igreja é responsável pelo cânon, já que alguns membros judeus foram cortados, e esses são aqueles que definiram o cânon de 39 livros, retirando 7 livros inspirados, ao passo que a Igreja está enxertada na oliveira, e foi a que definiu o cânon de 46 livros.
"Se alguns dos ramos foram cortados, e se tu, oliveira selvagem, foste enxertada em seu lugar e agora recebes seiva da raiz da oliveira" (Rm 11,17) A Igreja em sua parte gentia recebe a seiva da oliveira judaica, pois os ramos que permaneceram na oliveira foram os aceitaram a Jesus Cristo. Assim, a Igreja continua a receber da verdadeira oliveira "a seiva da raiz". Nem todos foram cortados, mas "alguns dos ramos".
Outra verdade é que a Igreja nunca ensinou tal doutrina de que os judeus tem a autoridade sobre o AT como foi expresso no argumento aludido acima! Em seus decretos, nos concílios, sempre tratou a Bíblia em sua inteireza, considerando o AT e NT, e definiu o cânon de 73 livros, sendo 46 do AT e 27 do NT. De fato, os judeus negaram o NT em suas decisões oficiais. Seria essa conclusão aprovada por Deus? E a Igreja definiu o cânon do AT, seria essa tarefa reprovada pelo Senhor?

Na mesma ocasião, nos respectivos casos, Deus estaria agindo apenas em parte das decisões? Como saber disso? Opinião particular é a resposta. E opinião essa contrária a toda a revelação e história da Igreja, tanto do AT quando do NT.

Sabemos que toda a revelação bíblica até o tempo de Cristo foi dada aos judeus, os israelitas, que compunham o Povo de Deus no AT. Por isso, tiveram todos os oráculos, alianças, cultos, mandamentos, cerimônias, toda a Palavra de Deus na antiga aliança. Foi o povo preparado para receber o Salvador, mas que O negou (cf. Jo 1,5). Por outro lado, os judeus que aceitaram a boa nova foram os primeiros membros da Igreja do NT, e constituíram-se o início do novo Povo de Deus.

Os judeus foram consequentemente cortados da oliveira da qual faziam parte, e possuem a promessa de serem enxertados novamente, quando se converterem no final dos tempos (cf. Rm 9). Não foi tirado dos judeus apenas o Reino, mas os mesmos foram cortados da oliveira, e portanto não receberam incumbência de definir o cânon bíblico. Assim, como povo separado da Igreja não tinham os israelitas autoridade de tratar das questões relativas ao cânon, visto que estavam contra o Messias. A Igreja continua a revelação antiga, inaugurada em Pentecostes, depois de fundada pelo Senhor Jesus Cristo. Essa Igreja possui legitimamente o poder de definir o cânon.

Dessa forma, afirmar que Rm 3,2 seria “prova” de que os judeus definiram o cânon, é uma leitura particular das Escrituras sem respaldo. Nesse texto São Paulo fala da “circuncisão”, por exemplo, da sua vantagem, enfim, da vantagem da aliança.

Em nenhum momento o que é dito nesse âmbito oferece plausibilidade para afirmar que a Bíblia estaria ensinando que o judaísmo poderia tratar de questões bíblicas do Antigo Testamento autoritativamente, e com aval divino, em concorrência com a Igreja. A Igreja recebeu o poder de ligar e desligar (cf. Mt 16,18), e isso estende-se logicamente ao cânon.

Não é o NT também Palavra de Deus, oráculo do Senhor, contendo toda a parte final da revelação para a salvação do mundo? Seriam os judeus, então, que deveriam ter definido o cânon, sendo eles os que têm os oráculos do Senhor?

Sabemos que somente após Atos 10 os gentios receberem oficialmente a mensagem cristã. Continuariam os judeus a ter preeminência e autoridade? Não. As promessas são irrevogáveis de fato, mas, no entanto, se cumprirão no final, como visto (cf. Romanos 9).

Se os judeus propõem uma interpretação do Antigo Testamento contrária à interpretação cristã, têm eles razão? Por que não, se fosse correto o pressuposto acima? Uma vez que o princípio manda que se ouçam os judeus em assuntos relativos ao AT seria esse o meio correto a ser adotado. Se não, por qual motivo? Onde está escrito que somente com relação às determinações referentes à identidade dos livros é que possuem autoridade? Em que lugar encontrar que suas doutrinas fundamentadas no AT não estão regendo os cristãos? Sendo assim, mais uma vez vê-se que o princípio aludido é errôneo.

A Igreja já havia sido separada da Sinagoga quando a questão do cânon veio à tona. Os cristãos da época do fechamento do cânon pelos rabinos deveriam saber que suas decisões seriam acatadas na Igreja. Há provas históricas disso? Não. De fato, não existe a ideia de que os judeus que negaram o Senhor teriam qualquer autoridade na nova economia divina a partir disso. É, portanto, mais uma suposição sem fundamento histórico.

É relevante saber também que o cânon dos judeus foi fechado tardiamente, e que no século segundo o livro do Eclesiástico é citado como Escritura inspirada pelos rabinos (cf. Sundberg apud Matt1618 site). É também um fato que alguns livros estavam sendo questionados pelos rabinos no século 1, e se o cânon estivesse fechado, de forma imutável como está, o próprio pensamento de retirar livros dele mostra que o mesmo não havia sido encerrado de maneira alguma. Vê-se que a teoria que gira em torno de um cânon de “39” livros como sendo do primeiro século e de autoridade judaica para a Igreja é uma tradição humana.

Gledson Meireles.

10 comentários:

  1. Eles dizem que a igreja só reconheceu e não definiu o canô!

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  2. Olá Gledson Meireles

    Boa tarde

    Romanos 3:1-2 na verdade ressalta a importância do papel da Tradição, pois considerando que os judeus, e que na verdade eram um determinado número de judeus e não todo o povo e se era um determinado número isso era uma grupo de religiosos que seriam então a Santa Tradição Judaica para definir os Livros que seriam Canônicos então nessa passagem nós já vemos a importância essencial da Tradição e isso se segue na Santa Religião Cristã onde um determinado número de crentes no Senhor que são membros i.e . partes do Santo Corpo de Cristo ( Santa Igreja) e que na verdade é a Santa Tradição Cristã e que deve determinar sob a luz da Providência Divina do Espírito Santo qual é o Cânon correto que a Santa Igreja deve usar.
    Então até mesmo se considerarmos a interpretação que o Cânon do Antigo Testamento foi definido pelos judeus mesmo assim o raciocínio é que foi uma Santa Tradição Judaica que estabeleceu isso logo o que Romanos 3:1-2 quer ensinar é a importância essencial da Santa Tradição e obviamente no Cristianismo a Santa Tradição continua viva e é a mesma que define o Cânon Cristão e mesmo se a Igreja definesse que o número de Livros do Antigo Testamento seria igual ao do Cânon dos judeus mesmo assim quem definiria isso seria a Santa Tradição Cristã pois seria a definição da Bíblia Cristã.

    Luiz

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    1. A Paz de Cristo, Luiz.

      É plausível sua interpretação, ressaltando o valor que o cristão deve reconhecer na Sagrada Tradição.

      Até mais.

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  3. Olá Gledson Meireles

    Boa noite

    Sim, seu comentário está certíssimo o cristão deve sim reconhecer o importante e essencial papel da Sagrada Tradição pois é a mesma que organizou e montou a Bíblia, sem ela não teria a Bíblia.

    Os protestantes costumam argumentar que Deus inspirou os crentes para escreveram a Bíblia só que não é só isso pois o mesmo Deus que inspira capacita os crentes atraves da Santa Tradição a montar a Bíblia e ilumina pelo Espirito Santo os crentes para a correta interpretação pois assim há harmonia no propósito de Deus.

    Um abraço

    Luiz

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    1. A Paz de Cristo.

      Luiz, é necessário que os protestantes entendam isso, pois parece não ser claro para eles o fato da Igreja ter definido o cânon, que é o mesmo que estamos falando aqui, ou seja, que a Igreja reconheceu o cânon por iluminação do Espírito Santo, através da Tradição. Esse ponto deve ser esclarecido, pois essa é a verdade, e muitos ainda não a reconhecem.

      Obrigado pelos comentários.

      Gledson.

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  4. Olá Glaysom

    Boa noite

    O argumento que somente reconheceu já mostra que houve uma participação importantíssima da Santa Tradição Cristã pois se reconheceu é porque pelo lógica tomou conhecimento e sem tal conhecimento não poderia definir que fazia parte da Bíblia Cristã.

    então a Sagrada Tradição Judaica não poderia reconhecer mas somente a Santa Tradição Cristã pois se trata da formação do Cânon Cristão. E considerando que a Santa Tradição Judaica definiu teve que ter a aprovação da Santa Tradição Cristã e para tal aprovação a Santa Igreja teve que analisar o Cânon.

    Não tem sentido a Santa Tradição Cristã reconhecer algo que não tivesse conhecimento ainda mais de algo tão importante pois a Igreja é o sustentáculo e coluna da verdade e observe que isso está escrito porém deve estar corretamente compreendido pelos cristãos e a Santa Tradição esclarece essa compreensão.

    Luiz

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    1. Outros falam que a igreja ortodoxa é que nós deu a bíblia ou que a igreja católica não era a Romana.

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  5. Olá Gledson Meireles

    Boa noite

    Essa questão da importância da Santa Tradição na formação do Cânon realmente é essencial pois veja embora as denominações protestantes não aceitem a Santa Tradição Católica eles aceitam de alguma forma uma Doutrina nas denominações pois quando uma pessoa vai em uma denominação a mesma já encontra pronta uma doutrina já estabelecida e quem fez isso foi um determinado número de pessoas daquela denominação e a pessoa quando aceita tal denominação na verdade segue a interpretação teológica daquela denominação tanto é que algumas tem estudos bíblicos.

    Ora, se tem estudos bíblicos é porque algumas pessoas acreditam que Espírito Santo está agindo nos crentes da denominação na compreensão teológica daquela denominação e então elas organizaram tal estudo para justamente passar para as pessoas que entram para a denominação e o estudo é a explicação de como eles entendem a Bíblia.

    Então é como se fosse uma Tradição.

    Um grande abraço

    Luiz

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  6. Olá Gledson Meireles

    Boa noite

    O entendimento Católico Apostólico Romano sobre a relação entre a Bíblia e a Tradição é muito bom e importante pois nos leva a considerar um entendimento mais profundo da Fé Cristã como um todo em perfeita harmonia.

    Um grande abraço

    Luiz

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