Introdução
O culto às imagens é
geralmente considerado pelos protestantes como idolatria, aberração, doutrina
contrária à Escritura, heresia, e tudo o mais nesse sentido. Afirma-se, nos
círculos teológicos e apologéticos do Protestantismo, que o culto das imagens
não era conhecido na antiguidade, e que foi surgindo aos poucos, mais
exatamente a partir do século IV, e que foi promulgado em 787 em Niceia, quando
a imperadora Irene deu sanção a essa doutrina que contrariava todos os ensinos
precedentes, entendido como contrariando o verdadeiro ensino do Evangelho. Essa
é a maneira de ver dos protestantes, aqueles entendidos no assunto, os que
estudam teologia, os versados na apologética, os pastores, os que ministram
aulas nas escolas dominicais e sabáticas.
Mas, não somente isso.
Essa opinião é a mesma dos membros de esmagadora maioria das Igrejas, mesmo
aqueles com conhecimento bíblico bastante reduzido, para dizer o essencial, e
que pode ser constatado com simples conversa com um protestante, seja ele
membro de igrejas históricas ou pentecostais, formado ou iletrado. Mesmo os
“não” iconoclastas possuem uma ideia bastante negativa diante do modo como as
imagens são tratadas no Catolicismo. Desse modo, pode-se afirmar que de maneira
geral a repulsa às imagens é um traço típico do Protestantismo.
Portanto, tendo em
vista a questão das imagens cristãs, o Catolicismo tem sido alvo de acusação de
idolatria, mesmo quando sabemos que a Igreja condena a idolatria expressamente
em toda a sua doutrina. Para este estudo, uma obra atual da apologética
protestante servirá de consulta, já que segundo consta do seu prefácio essa foi
considerada “um tesouro apologético” e um compêndio original sobre o tema.[1]
Dessa forma, o estudo
que será feito aqui responderá a muitas objeções da obra aludida. Penso que o
modo como será tratada a questão aqui é mais exaustivo em comparação com o que
tem sido escrito nos livros impressos da apologética católica e protestante
nesse particular, em especial na área bíblica. Não oferece argumentos
originais, certamente, mas procura uma forma especial de lidar com as questões
para que a Palavra de Deus seja melhor apresentada.
Cremos de todo o
coração, conforme o ensino da Igreja Católica, que o culto máximo, não somente
em grau, mas de natureza única, é somente oferecido a Deus, que é o Senhor de
todas as coisas, a Quem amamos e devemos amar de todo o coração, alma,
entendimento e força, e oferecer o nosso nada, que somente Deus pode preencher.
Esse é o elemento fundamental que existe na adoração.
Mas, há também o culto
das criaturas. Precisemos então o termo “culto” quando empregado nesse sentido.
Muitos leem no Evangelho onde Jesus afirma em Mateus 4,8 que “somente” a Deus
prestarás “culto”. O que não sabem é que, a expressão “prestarás culto” é
somente uma palavra no original grego, a qual é latreia em grego, ou latria
em latim, e significa a adoração. Essa palavra é praticamente a transcrição do
termo grego.
Portanto, não se deve
pensar apenas em uma liturgia organizada e em uma série de atos exteriores
quando se trata do prestar culto, ou para aquilo que significa latria (adoração), como se somente
existisse o culto a Deus. Há vários cultos, mas somente o culto absoluto é
reservado a Deus.
Para melhor entender
essa realidade, pode-se comparar com o amor: há o amor dos pais para com os
filhos e vice-versa, dos esposos, dos parentes entre si, dos amigos, dos seres
humanos para com os animais, o amor para com o próximo e etc. Porém, há também
o amor a Deus. Esse amor é necessariamente exclusivo, e assim deve ser maior
não somente em grau mas em natureza, maior do que qualquer dos vários amores
que o ser humano possa prestar. Devemos o amor a Deus acima de todas as coisas
e com todas as forças, e aos outros seres e tudo o mais na criação não podemos
ter esse amor. Devemos amar a todos, porém não com o amor que devemos a Deus. O
mesmo ocorre com a adoração.
Na verdade, o culto a
Deus é o culto absoluto, de onde todo culto cristão emana. Ele é único, e por
causa dele brotam, no coração do crente, homenagens motivadas por esse amor.
Dessa forma, existe
também outro movimento do nosso espírito que damos às demais criaturas que
merecem recebê-lo (e todas as pessoas exercem isso de alguma forma), e ao qual
damos também o nome de culto.[2]
Porém, conforme o uso
técnico da palavra, segundo a verdade, esse culto para com outros seres não é a
latria ou adoração, mas trata-se
antes da reverência e da honra relativa. A latria
é somente dada a Deus, que é o Supremo Senhor de tudo, e somente Ele deve ser
adorado.
Reconhecendo isso, a
doutrina cristã católica distingue a adoração e a veneração, que não são a
mesma coisa. O Frei Battistini explica que adorar “é o ato de considerar Deus
como único Criador e Senhor do mundo” enquanto venerar “é imitar, honrar,
louvar...”.[3]
O padre Vicente afirma que a adoração devemos somente a Deus, e que a veneração
“implica respeito, admiração, imitação, amor, etc.”[4] O
diácono Francisco explica que: “Idolatria é adoração de imagem como se ela
fosse um Deus.” Diz ainda que as imagens servem para ensinar, são usadas para
fins catequéticos.[5]
O teólogo renomado Dom
Estêvão Bittencout mostra a diferença entre os dois cultos, onde o de latreia é a adoração, que é o
“reconhecimento da soberania absoluta de Deus”, e o de proskynesis constitui a veneração. Mais adiante faremos um estudo
bíblico a respeito desses termos.
Por isso, se alguém tem
amor para com os outros, reconhece os exemplos de outros e os imita, tem algum
sentimento de respeito e homenagem a alguém, isso pode ser chamado de culto de
veneração. As ações que nascerem desse motivo são os atos de veneração.
Desse modo, a honra
máxima é somente dada a Deus, e por causa de Deus há uma honra que Ele quer e
permite que nós a ofereçamos a Seus servos. A essa honra também chamamos de
culto. Por isso há o culto dos santos e o culto das imagens. Esse “culto” é o
que foi expresso no parágrafo anterior.
A esse respeito é
importantíssima a exposição dessa doutrina feita por Santo Agostinho.[6]
Ele afirma que o ofício da missa, celebrado sobre os túmulos dos santos, não é
dirigido aos santos, mas é feita em memória desses, e “nossa emoção é aumentada
pelas associações dos lugares, e o amor é excitado tanto para aqueles que são
nossos exemplos, e para com Ele por cuja ajuda nós podemos seguir tais
exemplos”. É uma exposição perfeita do culto cristão dos santos. Esse é feito a
Deus, e por Deus os santos são associados, e pela graça de Deus nós podemos
seguir seus exemplos. Oh, tamanha graça do Senhor para conosco!
Dessa exposição, Santo
Agostinho afirma que o grego para latria
não tem tradução exata para o latim. Mas esse culto é o de sacrifício oferecido
a Deus, e somente a Ele.
Assim sendo, o termo “culto”
também significa veneração, reverência, homenagem, admiração. Nesse caso, são
sinônimos. Assim, cultuar as imagens significa venerá-las, admirá-las,
homenageá-las, pelo que elas significam. Isso é prestar culto às imagens, e por
elas esse culto é dirigido às pessoas que estão nelas simbolizadas. Prostrar-se
diante de uma imagem tem o sentido de dirigir esse culto àquela pessoa que está
ali representada, e não à imagem em sua materialidade. É à imagem sagrada
naquilo que ela ensina.
A Bíblia ensina que há
a prostração (proskynesis) que é uma
inclinação profunda diante de alguém.[7]
Essa reverência é usada tanto diante de Deus como diante de criaturas santas.
Há também a dulia (doulos) que é o serviço. Por exemplo,
esse termo é empregado no serviço que os escravos prestavam a seus senhores. E
nós devemos servir uns aos outros, como é o natural, e mais ainda no sentido
espiritual do Evangelho. Portanto, também a dulia é usada para o serviço divino
e o serviço das criaturas. Nesse caso, afirmar que dulia é prestada
religiosamente só a Deus não é correto, já que o serviço ao próximo, como
ensinado no Evangelho, é um serviço religioso e espiritual e é prestado aos
homens. Assim, o serviço de homenagem aos santos é também chamado de dulia.
Não obstante, há o
culto de adoração (latreia), que é o
serviço exclusivo de Deus. A Escritura reserva esse termo a Deus em Mateus 4,8:
“somente a Deus prestarás culto” (latreia). A frase geralmente é vertida assim: “Adorarás o Senhor
teu Deus, e somente a Ele prestarás culto (servirás)”. O termo usado para
“adorarás” é proskynesis, que é a
palavra tecnicamente usada para reverência. Essa pode ser uma inclinação, uma
homenagem feita por gesto de ajoelhar, prostrar, etc. É o que chama-se
tecnicamente veneração. Aqui, o ato de ajoelhar é chamado adorar, e é usado o
verbo proskynesis, o mesmo que é
empregado em tantos casos, mesmo diante de pessoas.
Contudo, o termo
seguinte dessa afirmação categórica de Jesus, o qual é precedido da palavra
“somente” é latreia. É o mesmo que
dizer: somente a Deus adorarás. Esse termo indica a adoração, principalmente a
interior, que vem do coração, e está na intenção recôndita do ser humano, conhecida
absolutamente por Deus, e de igual modo os gestos que vem dessa adoração são
substanciados por ela, e sem essa atitude interior a adoração não existe.
Por isso, a Igreja Católica
ensina que há a latria, que é a
adoração propriamente dita, reservada unicamente a Deus Pai, Filho e
Espírito Santo, bem como a dulia, que
é a veneração que pode ser dada aos santos, às imagens e relíquias. Essas
últimas são veneradas por causa dos santos. Há também a hiperdulia, dada à virgem Maria, que é a primeira de todos os
santos e, portanto, recebe essa super-veneração, já que é considerada como a
maior dos santos e anjos por ser mãe do Senhor Jesus Cristo.
Sendo o culto cristão
de natureza racional (Romanos 12,1) não há como confundir as três coisas, já
que a inteligência, justamente orientada e iluminada pelo Espírito Santo mostra
a Deus como o Maior e Único digno da honra absoluta, que é diferente de todas
as demais honras. A definição técnica e a prática podem confundir, e serem
objeto de confusão entre as massas, mas não há se for feita a devida distinção
intelectual. Essa é a que deve exercer a diferença.
Sabemos que os santos
devem ser honrados por sua vida dedicada fielmente a Deus, e por esse motivo
essa honra é manifestada, e por isso o nosso conhecimento dessa verdade não
permite que estejamos adorando quem quer que seja fora de Deus.
Dessa forma, a adoração
não é meramente um sentimento, mas está radicada nas nossas potências
espirituais, e, por ser assim, as atitudes exteriores somente possuem
significado se acompanhadas dessas motivações interiores fundamentadas na
Palavra de Deus.
Portanto, toda
reverência prestada diante de uma imagem irá inevitavelmente à pessoa que está
representada nela. E essa reverência será ditada conforme o que passa-se no
coração daquele que a oferece.
Embora isso seja
compreensível, há quem afirme que não podemos “prostrar-se diante de imagens”,
nem beijá-las, nem carregá-las, e nem possuí-las. E afirmam ainda que tudo isso
constituiria idolatria. Isso não pode ser provado pela Bíblia nem pela razão.
Seria preciso provar que o gesto externo garante por si mesmo o fato da
adoração, e que qualquer honra religiosa a objetos sejam propriamente adoração.
Assim, o presente
estudo irá fazer a distinção entre a verdade e o erro no que concerne o culto
das imagens, como está revelado na Palavra de Deus.
Gledson Meireles.
[1] SILVA, Paulo Cristiano da. Desmascarando a Idolatria: o que todo
católico precisa saber. Editora CACP. 2015.
[2] Para que alguém refute essa afirmação é necessário provar que o sentimento e as ações que estão nessa concepção de culto não existem, ou que sejam contrárias à verdade e ao princípio da realidade, ou melhor, à própria existência real e natural desse princípio como podemos perceber. Ou seja, deve provar que essa concepção é essencialmente errônea. Não deve conceber outra ideia referente ao termo “culto” para depois apresentar suas objeções, mas tentar em primeiro lugar refutar o que foi expressa acima.
[2] Para que alguém refute essa afirmação é necessário provar que o sentimento e as ações que estão nessa concepção de culto não existem, ou que sejam contrárias à verdade e ao princípio da realidade, ou melhor, à própria existência real e natural desse princípio como podemos perceber. Ou seja, deve provar que essa concepção é essencialmente errônea. Não deve conceber outra ideia referente ao termo “culto” para depois apresentar suas objeções, mas tentar em primeiro lugar refutar o que foi expressa acima.
[3] BATTISTINI, Frei. A Igreja do
Deus Vivo: curso bíblico popular sobre a
verdadeira Igreja, 25ª edição, Petrópolis - RJ, 1996, Editora Vozes, página
25.
[4] REUS, Vicente, padre. Resposta
da Bíblia: a partir do seu sentido
original. Edição Revista e Atualizada, Porto Alegre – RS, 2004, página 40.
[5] ARAÚJO, Diácono Francisco
Almeida de., Em Defesa da Fé, Anápolis - GO, 1993, página 22.
[6] Por Dave Armstrong:
http://www.patheos.com/blogs/davearmstrong/2016/04/st-augustine-was-catholic-not-proto-protestant.html.
Baseado em: Against Faustus, Book XX, section 21; NPNF 1, Vol. IV.
Acesso em: 12 Abril
2016.
[7] Afirma-se comumente, entre os
protestantes, que é justamente isso o que significa adoração. Assim afirma: “A
palavra comumente usada para adoração na Bíblia Sagrada é proskyneo (“prostrar-se e adorar”), não latreia, conforme Mateus 4,10...”. (Paulo Cristiano da Silva. Desmascarando a Idolatria: o que todo
católico precisa saber. Editora CACP, p. 125.) Esquece-se que, no texto de Mt
4,10 Jesus coloca o “somente” antes do verbo latreia e não de proskyneo.
Isso não desfaz o fato de que muitas e muitas vezes, comumente, como foi dito,
essa palavra indique também adoração, mas que, de outra forma, pela sua acepção
mais técnica, latreia foi visto como
o termo que denota a adoração a Deus de forma exclusiva. De qualquer jeito, o
protestante considera os atos como ajoelhar, por exemplo, perante uma imagem ou
pessoa, como adoração verdadeira. Esse é um erro que será tratado no presente
estudo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário