quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Mais sobre Santo Irineu e a tradição


Precisamos entender o que era a Tradição à qual Santo Irineu mencionou e empregou em sua luta pela verdade contra as heresias de seu tempo. Já escrevi sobre isso, como por exemplo aqui e aqui, e creio que ficou claro.

Nos debate a respeito da doutrina Sola Scriptura, ou do princípio Sola Scriptura, sabemos que temos que entender também o sentido da Sagrada Tradição, o seu devido valor, assim também como a autoridade da Igreja. Vejamos, nesse caso, como Santo Irineu a considerava a Bíblia e a Tradição quando tratava de combater as heresias.

Para muitos, a tradição é somente aquilo que é ensinado nas Escrituras. Quando aparece o termo tradição nos escritos patrísticos, afirmam que deveríamos entender o ensino oral das doutrinas que estão registradas por escrito na Bíblia Sagrada, e não mais do que isso. Por assim dizer, a tradição teria o mesmo conteúdo da Bíblia, e no final das contas poderia ser identificada com a Bíblia. Pregar a Bíblia seria pregar a tradição. Isso é essencialmente o que afirma o seguinte artigo.

Se os ensinos da tradição são os mesmos da Bíblia, no sentido de que não há nenhum dado a tradição que esteja fora da Bíblia, mas que, ainda assim, em consonância com ela, como entendemos, então isso seria o que Santo Irineu estaria afirmando, e nada mais.

Mas não parece com o que Santo Irineu chama de tradição a maioria da vezes. É óbvio que como cristão católico apostólico romano, como mostrei aqui, Santo Irineu cria na mesma doutrina que era a doutrina da Igreja Católica em todo o mundo, como escreve em Contra Heresias, Livro I, capítulo 10. O resumo do credo não mostra, por ser um resumo geral, cada ponto de doutrina. Embora até hoje rezemos o credo na Igreja, não há inclusão de que cremos na imaculada conceição, na infalibilidade papal, na assunção da virgem Maria, e etc., e isso não significa que deixamos de crer nessas versas, mas somente que essas doutrinas estão no rol de ensino da Igreja, dentro do credo apostólico, mas não aparecem no Símbolo que rezamos.

Assim também as duas naturezas de Cristo, o juízo particular, a virgindade perpétua, os dons do Espírito Santo e etc., não estão ditas claramente, mas subentendidas. Portanto, o que Santo Irineu resumiu é o credo, e isso não prova que seu entendimento de tradição não inclua mais nada do que aquilo que está expressamente contido nas Escrituras, de modo o mais explícito possível.

O dogma da divindade de Cristo seria proclamado depois do tempo de Santo Irineu, por exemplo, e no Credo apostólico não está explicito essa doutrina, de forma que não podemos supor que santo Irineu negasse qualquer outra doutrina explícita própria da tradição pelo fato de que em sua exposição essa não foi mencionada.

A tradição é confiada ser o meio seguro de ensinar a verdade salvífica. Obviamente, Santo Irineu acreditava na harmonia de ensino entre a tradição e a Escritura, pois sendo Palavra de Deus não há tensão entre os dois modos de transmissão. No entanto, afirmar que o conteúdo de ambas é igualmente idêntico em sua apresentação, isso é ultrapassar aquilo que foi deixado por Irineu. O conteúdo de ambas as vias são idênticos em sua natureza, e diferentes em sua comunicação. Desse modo, qualquer dado da Tradição pode ser encontrado ao menos implicitamente na Escritura, e nela ter sua sustentação e prova, e nenhum ensino que contradiga à Bíblia pode ser adotado. Somente a Tradição que possui confirmação bíblica é que deve ser mantida. Tal é o que podemos ver em Santo Irineu.

No livro IV, capítulo 32, 1, de Contra as Heresias, Santo Irineu refuta a mentira de que Deus não seria o Autor de ambos os testamentos. Para isso, ao invés de somente endereçar o leitor à Escritura, para que a leiam, e por si mesmo sejam confirmados nessa verdade, ele por uma forma diversa ensina o que deve ser feito.

Para provar a asserção de que Deus é o Autor de todos os testamentos, do Antigo e do Novo Testamento, um presbítero que seja discípulo dos apóstolos, ou seja, que tem a tradição apostólica deve ser ouvido: “E então toda palavra parecerá consistente a ele, se ele ou sua parte diligentemente ler as Escrituras em companhia com aqueles quem são presbíteros na Igreja, entre os quais está a doutrina apostólica, como eu apontei.”

Não significa que o leitor deve procurar um bispo ou padre e sentar-se ao seu lado e ler as Escrituras na sua companhia para que a doutrina seja encontrada. Não é isso. A verdade é que a leitura das Escrituras tem estar conforme o líder da igreja local que é sucessor dos apóstolos. Como uma rede de unidade com toda a Igreja. De fato, Santo Irineu afirma que a doutrina dos apóstolos aí está, onde encontra-se um presbítero, que é um sucessor dos apóstolos.

Ao invés de afirmar que a doutrina está nas Escrituras, como de fato está, e cremos que toda a doutrina está na Bíblia, Santo Irineu afirma que devemos ter a opinião dos presbíteros da Igreja na leitura da Bíblia, pois é aí que está a verdadeira doutrina de Deus.

A doutrina foi ensinada pelos apóstolos, está escrita na Bíblia, e pode ser lida por quem quer que tenha a possibilidade de fazê-lo. Mas o que Santo Irineu aponta é que essa tarefa deve ser feita em companhia, ou seja, em conformidade, em harmonia, em concordância com a doutrina que os presbíteros ensinam na Igreja.

Santo Irineu então ensina em Contra as Heresias, Livro IV, 33, 1, que no advento de Cristo, que muitos estavam negando por sua conduta e fé contaminada, não sabendo que há dois adventos, por exemplo, ou seja, duas vindas de Cristo, uma na carne, quando veio como Homem para sofrer, morrer e ressuscitar, e outra quando virá na glória.

Da primeira vinda Santo Irineu menciona um dado importantíssimo. Ele afirma que Jesus ajuntou os filhos de Seu Pai no Seu rebanho, todos aqueles que estavam dispersos pelo mundo, e lembrou-se dos Seus próprios mortos, que dormiram, “e veio a eles para que pudesse libertá-los.” Essa é a fé na descida aos infernos, que é a mansão dos mortos, o lugar onde estavam as almas dos justos. Cristo foi até eles, diz Santo Irineu, para libertá-los.

Para provar sua asserção, de que Deus é o mesmo em ambos os testamentos, contra a doutrina dos gnósticos, Santo Irineu também menciona a Eucaristia, quando Cristo pegou o pão e reconheceu ser Seu corpo e o cálice Seu sangue, que são elementos da criação, e somente poderiam ser Seus se fossem criados por Deus, Seu Pai. Santo Irineu mostra a fé na identificação do pão e do vinho com o Corpo e Sangue de Cristo assim que Cristo os fez assim.

E, mais adiante, no mesmo capítulo, Santo Irineu ensina isso de forma mais esclarecida:

1.     A verdadeira doutrina vem dos apóstolos.

2.     Vem também da constituição antiga da Igreja.

3.     Alicerçada na sucessão episcopal.

4.     A Igreja em toda parte tem nessa linha sua sustentação.

5.     A doutrina é guardada nas Escrituras com exatidão plena.

6.     A exposição da doutrina deve ser conforme a Escritura.

Por tudo isso, devemos reconhecer que a Tradição está em íntima ligação com a Escritura e a Igreja, e que essa forma de ter a verdade pura do Evangelho foi expressa por Santo Irineu.

Gledson Meireles.

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