sábado, 2 de janeiro de 2016

A autoridade do papa Vítor I na controvérsia da Páscoa

A respeito do poder do papa nos primeiros séculos, muita coisa é escrita, e o essencial é negado pelo Protestantismo. De fato, o protestante não está sob a autoridade do papa, e não reconhece a mesma.

O interessante artigo: A controvérsia pascal – um dos primeiros episódios que atestam o primado do bispo de Roma? do blog Conhecereis a Verdade, nega veementemente o primado do papa. Entre as afirmações estão o que resume a argumentação e a conclusão do artigo:

1.    O bispo Vítor não exerceu o imaginário primado.

2.    O bispo extravasou suas funções.

3.    Ataca o argumento católico de que o bispo nunca teve sua autoridade questionada naquela controvérsia.

4.    Argumento “interessante”, mas, não compatível com os fatos.

5.    Argumento importante está em: “Portanto, não necessitavam de ser convencidos nem que se lhes ordenasse que se adaptassem ao uso que já era tradicional para eles; em tais circunstâncias não é de admirar que a posição que já no tempo de Vítor sustentava a maioria dos bispos fosse promulgada como a prática universal em Niceia. O tempo não deu razão a Vítor mais do que deu a Teófilo de Cesareia, Narciso de Jerusalém, Ireneu de Lyon, e tantos outros que observavam a Páscoa no domingo.

6.    O erro, tratando da convocação dos concílios: “Mesmo se Vítor tivesse sido quem solicitou em primeiro lugar que se realizassem sínodos, isso não prova algum primado; antes demonstraria o contrário, ou seja, que não podia impor a sua vontade e necessitava do consenso do resto dos bispos.

7.    Ninguém negou a autoridade de Vítor porque ele não ordenou nada. Foi apenas um pedido.

8.    A autoridade foi negada a Vítor. “Gostaríamos de saber como se chega a esta conclusão de que ninguém questionou a autoridade de Vítor.”

9.    Vítor certamente decretou a excomunhão, que foi ineficaz.

10. Vítor “não tinha a autoridade para proceder como queria”.

11. Se fosse Vítor que tivesse escrito a exortação a Irineu, isso teria sido usado como prova da supremacia papal. (Conhecereis a Verdade citando em comentário George Salmon)

 

O texto pode ser visto neste link. Vou apresentar uma apreciação geral que, acredito, refuta o que foi escrito nos artigos mencionados aqui.

Pensemos que um filho que desobedece o pai, chegando a desrespeitá-lo, em alguma ocasião de sua vida, não estabelece com isso que a autoridade do seu pai seja inexistente. Mostra apenas uma divergência, e o exercício da autoridade do pai, que está sendo balançada, pela rejeição de obediência. O filho poderia até afirmar: “você não tem autoridade sobre mim”, o que mostraria apenas revolta, insubmissão, etc., não provando que aquilo seja fato.

Bem. Pelo que notei no artigo referido acima ensina-se que o papa, bispo romano, Vítor I, foi impelido por um zelo pouco refletido, ultrapassou as devidas fronteiras de sua jurisdição, agiu de forma ilegítima, ninguém submeteu-se a ele por isso, e a autoridade do mesmo foi portanto negada pelo fato de que muitos a ele opuseram-se, e chegaram a combatê-lo com dureza.

A circunstância que, talvez, levou Vítor I a preocupar-se com aquele assunto teria sido uma disseminação de heresia semelhante em Roma. Isso explicaria o modo de proceder de Vítor. Além do mais, o papa Vítor apenas pediu que outros convocassem o Concílio, debatessem a questão, pois não tinha autoridade para ordenar. E quando decidiu excomungar quem não pensou conforme sua decisão, ninguém deu ouvidos, ele recebeu duras repreensões, talvez tenha decretado a excomunhão, mas não tendo alguém para preocupar-se com isso as coisas continuaram como estavam. Isso foi o que ensinou o artigo anterior, e que estaria de acordo com os “fatos”.

Mas, pensemos bem. Uma heresia em Roma que pregava o judaísmo fez com que o bispo de Roma quisesse por fim àquela heterodoxia, sugerindo que os cristãos da Ásia comemorassem a festa da Páscoa na mesma data em que é comemorada em Roma, e que após não ter seu “pedido” atendido ele excomunga a todos os cristãos daquela região.

Se Vítor excomunga uma região inteira por não terem os cristãos submetido-se à sua “petição”, poderíamos considerá-lo louco, pois sabendo que não podia ordenar, apenas pediu, e quando os outros não quiseram atender, como esperava, então os excomungou. Não é isso que os fatos expressam.

Com isso, o bispo de Lyon, que era homem de paz, escreve ao bispo Vítor e leva-o a pensar em sua atitude, mostrando ser aquela questão de pouca importância, e que os bispos antes dele conviveram bem com isso (inferindo que tinha autoridade para fazer o mesmo, se pensassem ser o caso), e também que outros bispos da mesma forma foram duríssimos contra a decisão de Vítor.

A forma com que Santo Irineu interfere na questão mostra que seu desejo era realmente de exortar os irmãos na fé, e procurar a paz, como mostra Eusébio de Cesareia. A atitude de Vítor só teria razão de ser se sua jurisdição alcançasse outras regiões fora daquela de Roma, pois do contrário isso seria acusado pelos demais bispos. Contrariamente, os outros não disseram nada a respeito, apenas opondo-se à intolerância do papa, e não à sua autoridade de fazer o que fez, como filhos que discutem com o pai, conforme analogia apresentada no início.

Ainda em outro artigo que conclui fortemente o mesmo contra a autoridade de Roma afirma-se: “Este artigo é uma continuação ao tema, que abordará a divergência pascoal entre os bispos romanos e asiáticos no século II, divergência essa que é outra prova de que Roma locuta est; causa non finita est.”. Pode ser lido neste link.

Afirma-se que o bispo Vítor era orgulhoso: “Diferente de seu antecessor Aniceto, Vítor era orgulhoso e queria obrigar todo mundo a concordar com ele, chegando até mesmo a ameaçar excomungar os bispos da Ásia(!) na ocasião.

Note ainda que Eusébio diz que até Irineu estava entre os bispos que repreenderam a Vítor.

E concluindo: “O mito papista de que a palavra do bispo romano sempre encerrará qualquer discussão não passa de puro engodo para ludibriar os mais ingênuos e facilmente adestrados por este sistema apóstata e falido.

Em Roma viviam cristãos de origem asiática, e que comemoravam a Páscoa em data diversa daquela observada na igreja de Roma, e em todas as outras localidades, exceto a Ásia. Isso fez com que o papa Vítor escrevesse ao bispo da Ásia.[1]

Realizou em Roma um sínodo para isso, e pediu aos bispos que fizessem o mesmo. De certa forma isso é uma “convocação”. Pode-se lembrar do papa Pio IX ao declarar o dogma da Imaculada Conceição, mas que antes disso pediu opinião de todos os bispos do mundo a respeito da questão. Esse fato refuta radicalmente o item 6 acima.

Então, ao ter a conclusão da questão, o papa Vítor não escreveu aos cristãos da Ásia com termos fracos e apenas convidativos para a discussão ulterior, mas quis que a questão chegasse a um termo, e que esse fosse conforme a prática de Roma, e o costume geral em todos os outros lugares. Somente o papa pode agir assim.

Não fizeram isso nem Teófilo, nem Narciso, nem Irineu. Mas, somente Vítor. Como naturalmente fizeram várias vezes, quando necessário, os outros papas, ou seja, sempre os bispos de Roma.

Essas questões, e outras, mostram um papa zeloso e enérgico, não orgulhoso. Talvez sua severidade naquele momento fosse sem necessidade, mas certamente o papa não pode ser jugado de orgulho por isso. Não sabemos o que ocorreu imediatamente após aquela excomunhão, se foi realmente promulgada, ou se o papa Vítor voltou em sua decisão e permitiu aos cristãos da Ásia continuar sua tradição local. O fato é que anos mais tarde ninguém mais observava o preceito da Ásia. Isso significa que o costume geral chegou ali também, e os cristãos admitiram o que foi apresentado pelo papa Vítor.  Pelo ocorrido, Roma locuta est, causa finita est, de fato.

Escrevi sobre essa questão da controvérsia da páscoa neste artigo.



[1] http://www.newadvent.org/cathen/15408a.htm.

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