quinta-feira, 22 de junho de 2023

Um estudo sobre os vasos de barro: Rm 9 e 2 Tm 2

A comparação com os vasos de barro (Romanos 9)

Quem não aprendeu com a doutrina ensinada no Sínodo de Dort que Deus teria criado uns para salvação e deixado outros para a perdição? Mas, você sabia que Deus quer a salvação de todos, e criou o homem livre, e não determinou que ninguém fosse condenado?

Você pode crer com firmeza que é predestinado ao céu, embora não saiba certamente se receberá a graça eficaz para entrar no céu. No entanto, há uma certeza moral. Esse assunto será tratado aqui.

Em 2 Timóteo 2,14, o apóstolo Paulo introduz um assunto bastante interessante que nos ensina muito sobre a predestinação. Ele dá o conselho para evitar discussões, que “só servem para perdição dos ouvintes”, e as más conversam que “contribuem para a impiedade” (v. 16).

Ao mencionar a heresia espalhada por Himeneu e Fileto (2Tm 2,17), entende-se que a “perdição” causada por motivos de vãs discussões é a perdição eterna, já que pode ser causada pela adoção de heresias. São Paulo fala do transtorno da fé de alguns, como está no versículo 18. Nesse cenário nos lembra os que são fieis de Deus, citando Número 16,5: “O Senhor conhece os que são seus”.

Então, introduz a bela comparação da casa cheia de utensílios (σκεύη), uns de ouro e de prata, outros de madeira e de barro, “aqueles para ocasiões finas, estes para uso ordinário?”. (2 Tm 2,20) Ou seja, uns para honra (τιμὴν) e outros para desonra (ἀτιμίαν).

“Quem, portanto, se conversar puro e isento dessas doutrinas, será um utensílio nobre, santificado, útil ao seu possuidor, preparado para todo uso benéfico” (2 Tm 2,21).

Usando do livre-arbítrio envolvido pela graça, como aparece em toda a Escritura, pode-se através da obediência tornar-se utensílio nobre. Por isso, a Palavra de Deus afirma: “quem, portanto, se conversar puro e isento dessas doutrinas”. Fazer-se um utensílio nobre ou um utensílio de uso ordinário pela obediência a Deus, é uma verdade que aponta para a grande importância da vida de fé e boas obras, em conexão com a santificação e a salvação.

É importante ressaltar também o verso 25, visto que aprendemos que os adversários precisam do “arrependimento e o conhecimento da verdade” para libertarem-se dos “laços do demônio”. (v. 26) Ou o homem está agindo sob Deus ou debaixo das influências do demônio. E aqui não se faz essas exortações por desconhecimento de quem são os eleitos, mas porque é pressuposto que todos são livres e podem obedecer à graça, sendo todos chamados à salvação. Não se trata de supor que talvez entre os inimigos estejam os que estão predestinados, como se os demais não fossem verdadeiramente chamados à salvação, mas do fato de que esse chamado é igual a toda a humanidade pecadora.

Em Romanos encontramos uma comparação semelhante, com enfoques específicos, onde a criatura olha para Deus e não há razão para contestar Sua Vontade, como se um vaso de barro reclamasse ao oleiro o motivo de fazer um vaso para uso nobre e outro para uso vulgar (Rm 9, 20-21). E sendo Deus o criador de tudo, indo além daquela relação entre oleiro e barro, já que o barro não é obra do oleiro, a comparação é ainda mais forte.

As imagens são diferentes, mas o sentido idêntico. Em Romanos o apóstolo usa vasos de barro, iguais em sua forma, diferentes no uso. Essa passagem muito debatida, o que demonstra sua dificuldade intrínseca, deve ser entendida por outras mais claras, como a de 2 Timóteo comentada.

Mas, não só essa. A própria continuidade da argumentação, Romanos 9, verso 22, é capaz de lançar luz sobre o sentido do verso anterior. São Paulo responde à questão da justiça de Deus. “Onde, então, está a injustiça?”. E a resposta é que Deus, “para mostrar a sua ira e manifestar o seu poder”, suportou com paciência os objetos da ira preparados para a perdição.

Lembrando que são vasos iguais, de mesmo material, o barro, mas de uso diferente. Trata-se da relação oleiro e vaso, aludindo a criador e criatura, uso e direito de uso. Em 2 Timóteo a diferença de uso está atrelada à prática das obras e à vida de fé. Isso insere diferença nos usos dos vasos.

Eles são preparados para a perdição no sentido de se prepararem assim. Da mesma forma, os que são vasos de honra são aqueles que se conservam puros e sem heresias. Não se trata de Deus tê-los criado para a desonra, mas que, sendo obras de Deus, se puseram no caminho da desonra, serão usados justamente como vasos de ira.

O que justifica essa leitura é o próprio verso 22, que afirma que Deus tem suportado com paciência esses vasos. Na mesma casa, a casa de Deus, há vasos de honra e de desonra, onde é responsabilidade dos vasos se prepararem para o bom uso, servindo ao Senhor. Essa é a doutrina das duas passagens em consideração.

Em nenhum momento a razão do castigo dos ímpios foi a vontade de Deus, nem a implicação de que os vasos foram criados para a perdição, porque Deus fez o homem bom (cf. Ecl 7,29), mas exalta-se a justiça de Deus na Sua paciência ao suportar esses vasos maus. Deus conhece o coração de cada um deles, de modo que sabe o que fará com cada um.

O apóstolo poderia ter dito: Onde está a injustiça, se Deus quis criar uns para a honra e outros para a desonra e ponto!? Essa seria a posição reformada. Mas não.

De fato, foi questionado: Onde está a injustiça, se Deus tem suportado pacientemente esses vasos de desonra? A paciência de Deus mostra Sua justiça. Essa é a resposta bíblica, e católica. Deus não criou os vasos ruins como vasos ruins, mas esses vasos que se tornaram ruins são suportados por Deus. Se Deus suporta o que não quer, por misericórdia, isso implica a redenção universal, o livre-arbítrio, o chamado da graça suficiente.

A pergunta: “Por que me fizeste assim?” (v. 20) é uma ilustração. Outra é a do v. 21, quando fala das diferenças de uso de vasos feitos da mesma massa. Como que perguntando: ‘Por que me usaste assim?’.

De fato, está falando de como o Faraó foi tratado no verso 17, passando pela explicação sobre a misericórdia e o endurecimento, no verso 18, e pela pergunta enfática da queixa e da impossibilidade de resistir à Vontade de Deus no verso 19.

Em nenhum momento é dito que um vaso foi feito bom e o outro mal, como consequência do decreto divino, ou que Deus cria um para usá-lo para o bem e o outro para o mal. A ilustração tem a ver com a liberdade de Deus em tratar Suas criaturas, escolhendo umas e não outras, para um determinado bom propósito, e castigando a outros, como é segundo a Sua justiça.

Essa é a realidade, onde cada um faz o que quer, mas de tudo isso a vontade que prevalece é a de Deus. E o sentido último não é de uma livre agência determinada, onde as ações seguem como consequência do decreto, mas de reais ações que são permitidas no decreto e consideradas para que sirvam justamente aos propósitos divinos.

É a liberdade que leva a isso. Deus pode agir conforme Lhe apraz, e as escolhas que faz nos dão capacidade de entendê-las, e o modo como aplica a Sua justiça também. Assim, sabemos que não há injustiça na escolha de Jacó, nem na punição do Faraó. E os motivos mostrados acima são diversos daqueles contidos nas explicações calvinistas.

Portanto, a primeira ilustração aplica-se bem ao caso de Jacó, a outra na questão referida cabe perfeitamente ao Faraó. Não há injustiça da parte de Deus escolher uma determinada forma para o Seu vaso. Também não há injustiça se um vaso Ele trata com honra e outro não. Todos são criaturas de Deus e Ele faz com Suas criaturas segundo Sua Vontade. Resta ver o motivo por que trata diferentemente (2 Tm 2,20). E esse motivo é preparado pela criatura (v. 21). Melhor ainda, não é o beneplácito de Deus tratar diferentemente, mas as diferentes criaturas explicam o motivo de diferentes tratamentos.

Diriam os teólogos reformados que isso se trata da diferença entre a reprovação negativa, onde Deus deixaria os vasos em sua pecaminosidade, e a reprovação positiva, onde Deus traz o juízo e castiga os ímpios pela sua maldade. No entanto, como explicam, tudo é apenas um ato simples da parte de Deus, onde Deus teria preparado os vasos para serem como são, agirem contra Sua vontade expressa, determinando-os a praticarem o mal, que o fariam por sua própria vontade, e no final castiga-los pelo mal que praticaram.

Isso tudo não está no texto bíblico, mas é um raciocínio de certas afirmações, levadas quase ao máximo pela teologia reformada principal. Deus não pode ter determinado que os vasos assim agissem, pois contradiz o fato de que a Bíblia naturalmente apresenta a misericórdia de Deus em tudo isso, onde Ele suporta os vasos da ira, ainda que os mesmos tenham rejeitado a conversão.

O mesmo foi usado antes para realçar a justiça de Deus, no caso da escolha de Jacó. Dois meninos nasceram e um foi escolhido. Deus preferiu a Jacó, mas não faz injustiça a Esaú, já que não é obrigado por nada. Ele não teria nada que o obrigasse a escolher Esaú para ser o patriarca de Israel.

Por isso, sua rejeição a Esaú não é para a perdição, como já afirmado, pois Deus não age contrariamente ao Seu caráter santo. E não se pode levar essa escolha no sentido místico onde Esaú teria sido reprovado, o que não é a intenção do texto bíblico. Ele não age punindo antes que um motivo exista. E tal motivo deve nascer da criatura livremente, e não pela determinação anterior de um decreto feito para que o motivo fosse criado. Para o mau, o motivo da punição deve anteceder. Não há decreto de Deus para criar o mal em qualquer lugar que seja, mas apenas confirmar o mal que já existia proveniente da criatura, e não do decreto divino, e infligir o castigo, a ação de punição. Só esse mal pode ser referido à vontade de Deus.

Tudo isso está de acordo com o início de todo o assunto, nos versos 11 e 12. Deus é livre nas Suas escolhas, e antes que houvesse obras da parte de Jacó e Esaú, Ele escolheu o primeiro e rejeitou o segundo. E por isso, não há qualquer injustiça.

De fato, o assunto da eleição não para salvação e perdição, deve-se entender bem, como já visto no texto sagrado do Antigo Testamento que está sendo citado, mas para eleição de Israel como povo, embora não haja maldição de Deus para Esaú como outra nação. Esaú respondia pelos próprios pecados. Parte-se dos indivíduos para falar das duas nações. Somente a partir dessa realidade clara, se pode subir para suas implicações místicas.

O contexto de Romanos 9 é a salvação de Israel, irmão do apóstolo segundo carne (v. 3) Mas, para explicar a dureza de Israel, São Paulo fala da promessa, da razão da filiação, e não da descendência meramente natural (v. 8).

Ilustra a liberdade da escolha de Deus com o fato de Israel ser servido pelo irmão mais velho Esaú, como está em Gênesis 25,23. Também a escolha de Jacó, segundo nascido, ao invés do primogênito Esaú, em Malaquias 1,3, antes que tivessem nascido e tivessem feito o bem ou o mal. Tratando da posição de cada um no plano da salvação e não no sentido de salvar um e condenar o outro. Eis o que ensina a Palavra de Deus.

É um exemplo que foi utilizado para apresentar o plano salvífico divino, e não um modelo para mostrar como Deus salva. Não é a salvação de um e condenação de outro como proveniente do beneplácito divino, mas os modos que Deus age para salvar e punir.

Deus é livre em mostrar Sua misericórdia. Dois exemplos são lembrados, a palavra falada a Moisés em Êxodo 33,19, quando o profeta pede para ver a glória de Deus. Então o Senhor profere as palavras: “Dou a minha graça a quem eu dou a minha graça, e uso de misericórdia com quem eu uso de misericórdia”, segundo tradução literal. Isso significa que Deus usa de misericórdia com quem Lhe agrada. De fato, tudo o que Deus faz é santo e nada pode manchar Seus desígnios.

E vejamos ainda o caso do endurecimento do Faraó em Êxodo 9, 16, após o Senhor ter revelado o derramamento dos flagelos, caso o faraó não libertasse o povo conforme a vontade de Deus. O verso 16 mostra o motivo de Deus não eliminar de uma vez o faraó: mostrar o Seu poder e glorificar o Seu Nome sobre a terra, “se” o faraó obstinar-se (v. 17). Existe o condicional, que depende da atitude da criatura. É certo que Deus sabia do endurecimento do Faraó, mas o condicional não existiria se fosse pelo Seu decreto que o mesmo viesse a endurecer o coração, de modo que a revelação clara de Deus dos Seus desígnios tivesse caído sob névoas nessa passagem.

Esse é o sentido do motivo do faraó ter sido levantado para cumprir esse desígnio de Deus. E vem a questão: “Haverá injustiça em Deus?”. A resposta é não. De fato, o Senhor disse em Êxodo 3,19: “Eu sei, no entanto, que o rei do Egito não vos deixará ir, se não for obrigado por mão forte.”

Essa é a razão por que Deus endureceu o coração do faraó, para o obrigar a deixar o povo sair da escravidão. Deus sempre age para salvar, libertar, fazer o bem, mostrar Sua justiça. Assim, o endurecimento do faraó tinha sido previsto por Deus e foi o motivo para que Deus agisse posteriormente para o seu endurecimento pessoal persistente.

Sabendo que o Faraó endureceria seu coração, Deus agiu sobre ele fazendo endurecer ainda mais, e o fixando nessa rebelião, que mesmo diante dos flagelos que viriam não deixaria o povo sair, até que fosse mostrada toda a intervenção de Deus. Trata-se de um castigo pelo pecado de desobediência do Faraó. O faraó havia perdido sua chance de deixar o povo ir.

Michael Horton percebe essa problemática para a doutrina reformada, e no seu sistema onde somente Deus tem o livre-arbítrio e o homem a livre agência, que seria um tipo de liberdade diferente para a criatura, ele afirma que as passagens que falam que Deus irá endurecer o coração do Faraó vêm no começo, citando Êx 4,21 e 7,3.

No entanto, a primeira profecia vem antes disso, a saber, em Êx 3,19. Deus sabe que o Faraó endurecerá o coração, por si mesmo, particularmente, e então o ato de Deus é obrigar o Faraó por mão forte, a libertar o povo. Ele então endurece o coração do Faraó por cima do seu coração já endurecido. Ele faz com que o Faraó continue na sua maldade. Deus não torna o coração do faraó mal e endurecimento, mas o fixa na sua rebelião, usando essa atitude para a libertação do povo e para o castigo desse mau rei.

Não é totalmente correta a explicação de Horton, que afirma que o “Faraó estava endurecendo seu próprio coração em resposta à Palavra de Deus”, e Deus estava fazendo o que disse a Moisés que iria fazer.

Na verdade, Deus antes mesmo de endurecer o coração do Faraó, revelou que o mesmo não deixaria o povo sair (Ex 3,19), e por isso endureceria seu coração. O Faraó já iria desobedecer e endurecer seu coração. Então, a posteriori Deus causa o endurecimento como punição, Ele não inicia o endurecimento do coração do Faraó. Essa distinção é fundamental. Portanto, o Faraó já possuía um coração petrificado. Deus opera em cada coisa de acordo com sua própria natureza. É conforme a natureza de uma coisa que Deus age para fortalecê-la segundo o que ela intencionou realizar.

Se o coração do Faraó é ruim, então Deus operará nesse coração segundo ele merece. Essa noção pode ser percebida igualmente tendo em conta a livre agência, como explicaria o calvinista, já que Deus não causa o endurecimento, encontrando um coração duro. Mas o reformado afirma que esse coração não poderia ser de outra forma. De fato, ele afirma que pelo decreto divino aquele coração consequentemente deveria ser endurecido por si mesmo, e depois ser endurecido por Deus, o que destoa da apresentação da Escritura.

De fato, a Bíblia simplesmente mostra a atitude do Faraó sendo prevista por Deus e as ações de Deus para libertar o povo, punindo o Faraó. Disso se pode aprender, para entender o decreto divino, que o Faraó possui o livre-arbítrio, e por isso Deus usa dessa situação para o bem de todo o povo.

Entretanto, a passagem é totalmente explicada pelo livre-arbítrio, já que Deus prevê uma ação livre do Faraó, que foi instado muitas vezes a deixar o povo ir, por ordem de Deus, e ainda assim recusou-se a obedecer, e age por cima dela para realizar Seu plano de libertação. As nuances são semelhantes àquilo que o reformado diria do ativo negativo e positivo de Deus na punição do pecador, supondo algo que na realidade se apresenta como livre-arbítrio, mas que é considerado como não sendo assim, pois seria uma liberdade determinada. As características podem ser parecidas para explicar a passagem, mas o livre-arbítrio é mais eloquente. Não somente isso, ele é correto.

A liberdade de Deus usar de misericórdia e justiça sobre as pessoas é realçada em Romanos 9,20-21. Por isso, Deus pôde usar da dureza de coração do Faraó para mostrar Seu poder e anunciar o Seu Nome sobre a terra. Esse é o sentido do texto, e não o de que alguém foi criado para a condenação. Perceba que tudo está sendo concatenado pela própria Escritura.

Os vasos de Rm 9,22 são preparados (κατηρτισμένα) para a perdição, enquanto que os do versículo 23 são que Ele preparou (προητοίμασεν) para a glória, usando a mesma palavra de Efésios 2,10, sobre as obras que Deus preparou para que andássemos nelas. A fraseologia é diferente quando se fala da condenação e da salvação. Para a salvação o Autor é Deus, para a condenação é o homem. De fato, é certo que essa distinção é feita na doutrina reformada, mas não pode ser totalmente compreendida, como foi mostrado acima, quando se nega o livre-arbítrio.

São Paulo afirma que os gentios não procuravam a justiça e a encontraram pela fé, e os judeus procuravam a Lei que desse justificação e não a encontraram (Rm 9, 30). Porque não a procuraram pela fé e “sim pelas obras” (v. 31). Obviamente não está falando de cada indivíduo gentio e judeu, mas em relação à coletividade dos gentios e dos judeus. Aqueles encontravam a justiça que procuravam, e o fizeram por meio da fé, esses não a encontraram porque foram através das obras.

Para melhor resumir toda essa questão no texto de Romanos 9, façamos algumas indicações importantes para conhecimento do contexto dos três capítulos que versam sobre a eleição de Israel.

Em primeiro lugar temos que Israel possui dois sentidos no texto sagrado. Em segundo lugar, a eleição aparece com duas nuanças correlatas, ambas fundamentadas pela promessa e graça de Deus. Em último lugar, deve-se conhecer a base para a eleição e o motivo do endurecimento que Deus realiza nos corações.

Por meio dessa análise, ver-se-á que a eleição é o intuito primeiro de Deus, e que o endurecimento só vem após a ação má e a recusa da criatura. Essas coisas já foram tratadas acima, mas com o propósito de fecharmos o argumento serão reunidas aqui no contexto de Romanos 9, 10 e 11.

São Paulo fala de Israel segundo a carne e segundo a promessa, afirmando que o verdadeiro Israel da promessa está reservado pela graça, pois a recusa de muitos não significa a rejeição do povo de Israel por parte de Deus (Rm 11,1). Então, ele trata de indivíduos do povo eleito que recusaram a fé, mas mostra que isso não invalida a eleição do povo inteiro.

Dessa forma, o contexto trata do Israel natural e do Israel da promessa (Rm 9,8). A promessa não se limita ao Israel natural, pois Jesus desfez na sua carne o muro de separação entre judeus e gentios, e abriu para todas as nações a possibilidade de ser povo de Deus, fazendo de dois povos um só, como está em Efésios 2. Dessa forma, a descendência física não é contada para a eleição, mas a promessa de Deus feita aos patriarcas.

Mais uma vez, não se trata de separar os que foram infiéis do povo que permaneceu, mas mostrar que a infidelidade de muitos não desfaz a promessa de Deus, visto que não é a carne que define o verdadeiro Israel, mas a promessa, que fez de Israel e das nações um povo único, de modo que todos são chamados, e todos podem tornar-se membros da aliança.

Também temos que a eleição é baseada na graça de Deus. Quando se diz que é pela graça, e que as obras não são causa da eleição (Rm 9,12-13). O caso de Jacó e Esaú é apresentado para falar da liberalidade de escolha de Deus, assim como o fato do faraó egípcio ter sido endurecido tem a ver com a justiça de Deus.

Sabendo a distinção entre o Israel segundo o sangue e o Israel segundo a eleição da graça, temos a correta interpretação de todo o texto. Isso está em Rm 10, 6, onde Israel é comparado aos eleitos. Há em Israel um número eleito segundo a graça para provar que a eleição de todo o povo continua de pé (cf. Rm 11,1).

Chegamos então ao endurecimento que Deus opera nos desobedientes. Ele o faz para salvar. Isso está em Romanos 10, 7-8. Isso mesmo, o endurecimento dos corações, como punição aqui, punição daqueles que quiseram livremente rejeitar o evangelho, tem o fim de salvar, e não de condenar.

Não se trata de decretar a reprovação de uns para que outros sejam salvos, mas que apesar do endurecimento de muitos, que deveriam estar na eleição, esse mal será usado para a salvação dos eleitos, daqueles que aceitam e aceitaram o chamado.

São Paulo afirma que esses que caíram por causa da incredulidade ainda são chamados à salvação. Por isso, pelo ciúme, os que estão endurecidos podem voltar-se a Deus e serem salvos. Isso é maravilhoso e confirma tudo o que foi explicado antes. Há em Israel os que estão endurecidos (Rm 11,7), mas esses não foram endurecidos para ficarem assim, mas para a salvação dos gentios: “Pergunto ainda: Tropeçaram acaso para cair? De modo algum. Mas sua queda, tornando a salvação acessível aos pagãos, incitou-os à emulação” (v. 11).

Então, quando o tempo dos pagãos for completado, os demais serão convertidos em grande número. São Paulo fala do trabalho de pregação para levar alguns desses à salvação (vv. 13-14). Constatando isso, é correto afirmar que durante a história, ainda que o povo está coletivamente no endurecimento a favor da salvação das nações, muitos estão sendo salvos, pois pela pregação, “com o intuito de, eventualmente, excitar à emulação os homens da minha raça e salva alguns deles”, mostrando que é a graça suficiente a todos, e o poder do livre-arbítrio para responder ao chamado.

Não está aqui falando do remanescente eleito, mas dos outros que com certeza estão no endurecimento de coração. Sendo assim, essas passagem refutam totalmente a ideia de que se está procurando salvar os eleitos, como se os reprovados não pudessem, pelo decreto divino, responder ao chamado da salvação. Nada disso. O apóstolo está mostrando que sua pregação se dirige aos que estão caídos, os que tropeçaram e caíram, e podem ser incitados à fé pela pregação do evangelho e serem salvos, se aceitarem. Tem-se então a explicação do plano do remanescente, do objeto do endurecimento de Israel, e do plano de salvação para aquela parte que está endurecida de coração.

São esses que serão enxertados na raiz santa, onde já estão os pagãos convertidos. Essa parte de Israel, em maioria, foi cortada pela incredulidade, e está endurecida, enquanto que os gentios estão firmes na fé e enxertados na oliveira santa.

Nesse contexto é revelado, mais uma vez, o livre-arbítrio dos que estão na graça, a possibilidade da perda da salvação e a eleição de Deus pela graça.

O versículo 22 fala da bondade e da severidade de Deus. Os que estão enxertados são exortados a vigiar, para que não sejam cortados. Isso não é mera retórica, mera exposição de condições, mas uma conexão com a realidade dos fatos. Há muitos que deixaram a graça, e isso contradiz a doutrina dos decretos como está na teologia reformada, mas é o modo que a doutrina bíblica apresenta a eleição e a reprovação.

Da mesma forma, os que estão na incredulidade possuem a esperança de serem, pela fé, enxertados de novo, “se não persistirem na incredulidade”. Outra vez um condicional. Estamos em contexto salvacional, onde a eleição pela graça é permeada em todo texto.

Portanto, aprendemos da Bíblia, que nos leva a toda boa obra e salvação (2 Tm 3, 15), que Deus encerrou todos na desobediência para usar de misericórdia para com todos. Os desobedientes foram deixados na desobediência não para serem castigados e reprovados, mas para serem salvos, causarem a salvação, de todos. A eleição do remanescente e de todo o Israel está baseada na graça de Deus, pois: “Quem lhe deu primeiro, para que lhe seja retribuído?”.

Por tudo isso, é importante conhecer essa distinção dos dois Israel, das duas eleições, do sentido da graça, e do motivo do endurecimento, pois esse é sempre segundo a misericórdia de Deus. A Deus seja dada toda a glória (Rm 11,36).

Gledson Meireles.

terça-feira, 13 de junho de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma. Sobre a esperança da ressurreição

Refutação: Uma esperança ofuscada


De fato, com o passar do tempo, a imortalidade da alma foi ficando mais comum na doutrina pregada do que a ênfase na ressurreição da carne, embora na Igreja Católica a ressurreição da carne é lembrada sempre, em todas as missas, e ensinada no catecismo.

No entanto, a imortalidade da alma não é incompatível com a doutrina da ressurreição da carne, crida desde sempre na Igreja, como afirma Oscar Cullmann, equivocado nesse sentido.

Primeiramente, é preciso entender que a alma não é a “essência” do ser hnumano, mas parte da natureza humana, formando com o corpa a pessoa humana. Por isso, a alma foi entendida como a forma do corpo, como aquilo que faz com que o ser humano seja o que é, e, portanto, ela não pode ser vista como um ente separado que pode passar a eternidade sem o corpo. Partindo daí, já se refuta a opinião filosófica grega.

Pensar que o corpo físico, “mesmo em estado glorificado” possui limitações tamanhas, que não poderiam ser comparadas às habilidades angélicas, é um erro. O corpo glorificado será semelhante aos anjos em sua capacidade de viver no reino dos céus, em transportar-se para outros lugares, em não estar mais limitado ao material. Assim, mais uma noção que se deve ter em mente quando se fala da ressurreição.

Por isso, a ideia de um “ser” preso em um corpo é ideia platônica, não cristã.

Interessante as vezes em que se faz crítica à imortalidade da alma a presença das expressões “perseguindo nunves”, e até “atravessando paredes”.

Mas, voltando ao assunto, Jesus pôde aparecer e desaparecer quando quis em Seu Corpo glorificado. Não precisou alimentar-Se, e subiu aos céus na presença de muitas testemunhas. Esse corpo não é apenas “melhorado” e continuando inferior ao ser espiritual, mas terá habilidades espirituais, pois será o corpo do homem espiritual.

Então, a ideia mortalista é que os gregos estavam sendo muito mais lógicos ao crer na imortalidade da alma e negar a ressureição, do que os cristãos que creem em ambas as coisas.

Interessante as críticas da teologia da prosperidade, e da devoção aos santos, e a Maria, para afirmar que são doutrinas que tiram o foco, que desviam de algo. Nessa crítica é dito que na Ave Maria quase não se fala de Jesus. Por que o rosário é assim? Simplesmente porque é uma oração mariana. Mas, agora vem a segunda parte da resposta: ela é dirigia a Maria porque Maria é mãe de Jesus. De fato, em toda Ave Maria se fala de Jesus: “bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus”. Em todo o rosário são contemplados a vida de Cristo, e em cada mistério há incício com o Pai Nosso. No começo do terço há a oração do Credo, a Trindade é enfatizada em toda a oração. Somente para ficar mais clara essa questão do rosário. Mas, é certo que o Protestnatismo tem um olhar diferente, afirmando só praticar o que a Bíblia ordena, e sem não for encontrado uma ordem para se rezar a Maria, então os fieis não rezarão, e assim por diante. É uma aproximação diversa das Escrituras em comparação com os católicos.

As citações do famoso livro de Santo Afonso de Ligório são bem profundas, mal entendidas, praticamente nunca entendidas pelos protestantes, e vistas como bastante equivocadas, muito exageradas, etc., por críticos. De fato, a citação feita: “muitas coisas se pedem a Deus, e não se alcançam. Pedem-se a Maria, e conseguem-se”, é entendida como se Maria atendesse mais oração do que Deus. É óbvio que o protestante não aceitará a afirmação, nem a explicação, mas aqui será dada uma reposta breve e clara sobre o que Santo Afonso ensinou: “muitos pedem a Deus e, por falta de fé suficiente, não são atendidos. Quando vão a Maria, e pedem humildemente que ela se apresente a Deus em seu favor, então conseguem o favor de Deus, não porque Deus não tenha querido atende-los, mas porque faltou-lhes a humildade diante de Deus, que foi apresentada pela virgem Maria pedindo pelo pobre pecador. Obviamente o protestante dirá que não se deve pedir a Maria, que o que não tem fé não recebe o pedido, etc., etc., mas é essa a intenção da frase de Santo Afonso, que mostra bastante fé, humildade, a está segundo a doutrina do evangelho.

Talvez, a falta de ênfase na ressurreição, de estudos sobre o tema, seja pelo fato, também, de que essa doutrina não teve negações importantes durante a Idade Média e Moderna. A ressurreição da carne não é dispensável, é essencial, visto que a alma não foi feita sem corpo, mas no corpo. Por isso, não é superior a ida da alma ao céu do que a ida da pessoa ao céu de corpo e alma.

No tempo de santo Ireneu, como mostra em seu livro 5, capítulo 31, os hereges não criam na salvação da carne, e começaram a ensinar que o homem interior ia para a presença de Deus após a morte. Santo Ireneu usou a ressurreição de Cristo para ensinar que a carne deve ser salva igualmente, e que assim como Cristo, que desceu às profundezas da terra, ressuscitou e, depois, subiu ao céu, os salvos deverão ir para o lugar preparado por Deus, e esperar a ressurreição, para depois subir ao céu.

Nesse livro, santo bispo Ireneu fala da ressurreição “afetando o homem inteiro”, o que alude à ressurreição do corpo e da alma, e fala dos santos mortos que dormiam na terra da sepultura. Ao dizer isso, não se entende que a alma morre e ressuscita, mas que a carne também ressuscitará, voltará a viver com a alma.

Então, essa linguagem é a mesma que o mortalismo utiliza em suas críticas, mas não tem o mesmo sentido, pois santo Ireneu apenas está mostrando que o corpo deverá ser ressuscitado, pois afirma que as almas dos mortos estavam nas sombras da morte, para onde Cristo desceu, e afirma que as almas deverão ir a um lugar preparado por Deus antes da ressurreição.

Essa foi a forma que santo Ireneu usou para refutar os que negavam a ressurreição dos mortos, e por sua apresentação entende-se mais a linguagem dos apologistas em seu tempo, ao falar da imortalidade da alma e da ressurreição dos mortos. Certamente, ele estava debatendo com heresias semelhantes àquela combatida por São Paulo, que negavam a ressureição. Assim, entende-se que na antiguidade muitos criam na imortalidade da alma e negavam ressurreição dos mortos, mas, como santo Ireneu, os cristãos criam na imortalidade da alma e na ressurreição dos mortos.

Gledson Meireles.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma. Sobre castigo e recompensa no sheol

 Há castigo ou recompensa no Sheol?

 

A ideia de que o sheol é apenas “pó da terra”, sepultura universal, algo físico, se dá apenas porque o termo às vezes está ligado ao túmulo, e parece harmonizar-se com o que se diz literalmente dos mortos, ou seja, que não podem mais nada fazer e deixam de existir na terra. No entanto, há passagens, como a de 1 Samuel 28, 15, que mostram a noção que os antigos judeus tinham do sheol, o que concorda que de fato todos os mortos estão no sheol, o que não pode ser túmulo individual, e que os mortos lá estão em repouso, o que parece com o que ocorre na sepultura, e que sua localização é embaixo da terra, mas contradiz a posição mortalista de que os mortos deixam de existir.

 

A passagem é a seguinte: “Por que me incomodaste, fazendo-me subir aqui?”. Aqueles que criam na evocação dos mortos sabiam que a alma existia, e esses eram todos os israelitas, de forma que o rei Saul havia promulgado lei proibindo evocação dos mortos. Os judeus criam que as almas estavam conscientes, que habitavam o sheol embaixo da terra e que poderiam voltar à terra, aparecendo aos vivos. Tudo isso é o mesmo que está pressuposto em todas as passagens que falam do sheol, e está de acordo com a doutrina da Bíblia inteira.

Livro: A lenda da imortalidade da alma. Sobre as portas e cordas do sheol

 Refutação: As “portas” e “cordas” do Sheol

 

Certas interpretações surgem impensadamente, como a que o autor refuta no respectivo tópico. Mas, também como o próprio autor fez em outro tópico, já refutado aqui, onde a partir de certas palavras de um texto procura transpor o sentido para outra passagem a fim de explicá-la, o que muitas vezes não é correto, por motivos que foram mostrados.

 Quando se diz que o sheol tem portas e cordas, de fato, essa é uma linguagem poética para falar do poder da morte, nada mais do que isso.

 A explicação sobre a lingaguem de Jó 7, 9, que seria explicada porque Jó nunca tinha visto uma ressurreição, como a de Lázaro, é uma explicação que mostra como a doutrina foi sendo desenvolvida, como a revelação teve seu desenvolvimento.

 E eis que o autor, ao demonstrar que a afirmação de Jó sobre a impossibilidade de voltar do sheol, ou seja, de ressuscitar, não estava negando a ressurreição final, já que Jó 19, 25-27 expressamente ensina que haverá ressurreição, o autor mortalista usa o texto de forma mais literal para frisar essa verdade, o que está correto, e ressalta que Jó estava apenas dizendo que ninguém ressuscitaria “para o seu lar”, para a mesma habitação terrena, e não uma negação da ressurreição em si.

 Embora não percebido, essa é a mesma forma de interpretação usada para refutar o mortalismo em Ecl 9,5.10, pois ali não está afirmando que não há consciência no mundo dos mortos, mas que não há vida no túmulo, e que os mortos não possuem mais qualquer relação de participação “debaixo do sol”, que é uma parte do texto muito importante, como aqui foi usada “para o seu lar”, de forma a evitar interpretações equivocadas. Por isso, basta que se use métodos corretos de interpretar para certificar-se do verdadeiro sentido de cada passagem.

 Então, embora não sejam usadas as figuras de linguagem “portas” e “corda” para provar que o sheol é um lugar espiritual, como fez o aludido autor protestante, essa refutação, sobre essas metáforas, não traz qualquer problema para a imortalidade da alma.

Esse item serviu para mostrar um pouco como se faz interpretação bíblica, e como a interpretação católica é equilibrada e coerente, mostrando também certas falhas de interpretação que o mortalismo usa para defender seu ponto de vista.

Gledson Meireles.



segunda-feira, 29 de maio de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma: Pó e cinzas

Refutação: Pó e cinzas

 

A imagem do pó e das cinzas pode indicar o aniquilamento, mas apenas no nível da metáfora, pois indica o afastamento dos ímpios para longe dos santos. Nesse pondo é literal, os ímpios deixarão de existir diante dos salvos, não estarão mais no reino dos céus, não pode, porém, indicar o fim da existência deles. Parece que por aqui o argumento mortalista já está refutado quanto à expressão pó e cinzas.

O argumento do livro aqui, é que São Pedro disse em 2 Pd 2, 6 que os ímpios serão destruídos, reduzidos a cinzas, e ele não diria isso se o público não acreditasse em aniquiliacionismo, “se não quisesse respaldar essa mesma crença”.

É uma boa objeção, da mesma natureza do que foi feito na presente refutação para provar que São Paulo argumentava com base na imortalidade da alma em 1 Coríntios 15. Mas aqui, o problema se junta a outra dificuldade para o mortalismo, já que essas figuras que retratam o castigo dos ímpios são inúmeras e em comparação com a revelação do inferno no Novo Testamento elas não podem significar extinção do ser, provando que o público conhecia bem o sentido delas nesse ponto, e que foi o sentido expresso em outras passagens pelo próprio apóstolo São Pedro. E, assim, o argumento mortalista aqui também não se sobressai.

Em outras palavras, São Pedro cria no inferno eterno, e ainda assim, sem problemas, usada a linguagem bíblica do Antigo Testamento sobre a redução dos ímpios pelo fogo, como se fosse um aniquilamento, como o que acontece com a palha.

Basta ver que a destruição dos ímpios na volta de Cristo, no armagedon, é dita de uma forma instantânea, o que faz muitos afirmarem que os maus serão aniquilados de uma vez, sem passar pelo sofrimento proporcional, sendo mais uma doutrina mortalista. Isso serve para mostrar que há passagens que não estão falando diretamente do inferno, mas da morte dos ímpios na vinda de Cristo. É outro argumento que o mortalismo precisa enfrentar.

Ao citar Sodoma e Gomorra, a destruição dos ímpios não é literal a ponto de dizer que assim como as cidades deixaram de existir os ímpios também deixarão, mas no sentido de que não existirão mais entre os salvos. Isso já está claro, e poderá ser encontrada resposta ao argumento que tentou desfazer essa leitura das passagens no respectivo tópico.

O motivo de não ser literal é que as passagens que falam da alma e do inferno afirmam claramente que a alma existe após a morte, fato que refuta o mortalismo, e que o inferno é eterno, outro fato que aniquilia o aniquilacionaismo na base.

Não se trata de alegorizar a destruição dos ímpios, mas porque o contexto geral o exige. E, por último, o virar pó e cinza é literal, e mostra a realidade da morte, mas não é o fim da questão, pois não diz respeito à extinção do ser, mas ao império da morte por causa do pecado, não afirmando nada em si sobre a questão da imortalidade da alma, que é compreensível quando se estuda a Bíblia inteira.

Gledson Meireles.

terça-feira, 23 de maio de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma: o espírito como respiração

 Refutação: O espírito como a respiração


O entregar o espírito é o mesmo que expirar, o mesmo que morrer, e o ruach é o espírito, como algo provisório, enquanto o ser está vivo e respira. Pois bem. Mas isso em nada nega que o ser humano tem uma parte espiritual imortal. É preciso lembrar que entregar o espírito nas mãos de Deus também indica alguma coisa mais profunda do que apenas a entrega da respiração.

Essas passagens servem para a reflexão sobre o tema da imortalidade da alma, não sendo um texto prova para a doutrina. Mas, também, o mortalismo não pode usá-las para negar a alma imortal, reduzindo tudo a coisa material, como a respiração.

A tradução da Bíblia Ave Maria traz o texto de Mateus 27, 50 como “entregou a alma”, ao invés da tradução mais literal de “entregou o espírito”, ressaltando a doutrina da imortalidade da alma. Isso em comparação com Marcos 15, 37 teria apenas o sentido de “expirou”.

Porém, o significado que liga à doutrina da imortalidade da alma ainda é provável, já que em João 19, 31 Jesus “entregou o espírito” e em Atos 7, 59 Estêvão diz: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”, e certamente Estêvão não estava pedindo para Jesus receber sua “respiração”, mas sua vida, seu ser. É como dizer: “Recebe-me”.

Esses textos lembram que o espírito retorna a Deus e que há diferença entre homens e animais, pois o espírito dos animais desce à terra com seus corpos, tanto no sentido de energia vital, pois Deus não promete a ressurreição aos animais, como no sentido da individualidade do ser de cada animal. É de se pensar que o animal perece inteiramente na morte, no sentido mortalista, onde sua alma e seu espírito cessam de existir com o corpo.

Porém, Deus guarda algo do ser humano, que é o seu “espírito”, para ressuscitá-lo, para religa-lo em seu corpo e sua alma. Isso supõe que o ser humano continua a existir após a morte.

Pois bem, em Apocalipse 11, 11-12 a Bíblia, utilizando a linguagem holista, afirma que o fôlego de vida ressuscita as duas testemunhas. A passagem não diz que ressuscitou seus corpos, como em Mateus 27, mas é isso o que ocorreu. Também não diz que as duas testemunhas estavam no céu, ou em qualquer lugar, mas é certo que antes estavam no céu. O que o texto se refere é à morte e ressurreição das testemunhas para a vida física em corpo e alma, sem implicações sobre seu estado de morte.

O mortalismo entende que espírito é apenas a energia, e que a consciência e personalidade deixam de existir com o corpo. Então, o espírito deveria criar novamente o ser a partir do nada, com consciência e personalidade.

Por outro lado, a doutrina da imortalidade da alma afirma que a consciência e personalidade subsistem na morte por meio da alma que é imortal. O espírito de Deus fará a alma retornar ao corpo na ressurreição, e essa explicação está conforme a Bíblia.

Quando Adão foi criado, ele não veio de outra dimensão, mas passou a existir naquele instante, vindo do nada. Porém, na morte, não é dito que ele deixou de existir, mas apenas que retornou ao pó. Essa é a esfera física.

O problema é que a Bíblia fala dos mortos no sheol, mostrando que há uma esfera espiritual, e nunca como seres que não existem. Dessa forma, entender o espírito como respiração, fôlego de vida, como apenas uma energia que vivifica, não é a doutrina inteira.

Quanto à afirmação: “Assim como não há vida no corpo que perece sozinho debaixo da terra, não há vida em um “espírito” sozinho à parte do corpo”, ele a apenas quer mostrar que o espírito é essa energia, sem consciência e personalidade, que deverá recriar o ser, trazendo de volta a mesma consciência e personalidade que havia perecido com o corpo. De fato, a passagem de Ezequiel alude à ressurreição, mas não traz toda a questão, de modo que não explica toda a doutrina da ressurreição, não servindo, sem si mesma, descontextualizada, como prova mortalismo, já que também pode ser explicada suficientemente pela doutrina imortalista.

Para o mortalismo e espírito é a respiração, o princípio de vida, mas não tem em si personalidade. Para o imortalismo, o espírito aqui pode ser a energia que une o corpo com a alma, sendo o poder de Deus, pois a alma mantem a consciência e a personalidade, e o espírito refaz o corpo e traz a alma para animá-lo. Dessa forma, a consciência e a personalidade estão na alma, que volta ao corpo. Essa explicação entende a doutrina bíblica geral.

Quando se argumenta que o “espírito” no singular é o espírito de Deus que faz reviver, que ressuscita, como se isso provasse algo contra a imortalidade da alma, essa argumentação esquece que o mesmo espírito cria todos os seres, mas ainda assim a Bíblia indica que há diferença entre o espírito do ser humano e o dos animais. Portanto, a questão não é resolvida ao dizer que o espírito é somente a respiração, ou seja, a energia vital.

Uma pilha em um boneco fornece energia para o boneco se movimentar, mas não traz ao boneco nada mais, não cria nele personalidade, e o boneco não tem consciência.

Por sua vez, o ser vivo possui o espírito de Deus que o mantem vivo, como a pilha que está energizando o boneco, mas a personalidade de cada ser vivo é única, e, exceto nos animais irracionais, no homem possui personalidade que vem de algo imaterial, espiritual e imortal, que é a alma.

Para o mortalismo a personalidade e a consciência é indivisível da matéria, é produzida pela matéria, como nos animais. Mas o homem transcende à matéria, pela sua razão e no desejo da eternidade, o que falta aos animais. Isso já indica a espiritualidade e imortalidade da alma. Mas, o que prova isso é a Bíblia, que mostra que na morte há encontro com Cristo qualitativamente superior do que a do salvo vivo na terra.

Portanto, o espírito é algo relativo à vida, ao ser, que é entendido nessas passagens, e não apenas a matéria do fôlego, da respiração.

Na criação o espírito cria o homem transformando e animando a matéria criada por Deus. Assim, a alma vivente foi feita recebendo o espírito. A passagem de Zc 12, 1 revela que Deus cria o espírito dentro do homem. Essa passagem mostra que não é a respiração, não é algo “dentro do nariz” que está sendo criado, mas o espírito dentro do homem. Isso é o que indica a dualidade da natureza humana, e portanto o espírito não é somente respiração.

Gledson Meireles.

terça-feira, 9 de maio de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma

Refutando o tópico: Tirar a alma, parte 2


Exemplos interessantes que mostram o quanto é diferente a linguagem hebraica daquela do platonismo grego. No entanto, não se deve ir muito além do que os textos admitem, como é feito na argumentação com as palavras do profeta Jonas, já que “tirar a alma” é tirar a vida, ou seja, supondo que a vida sai do corpo e vai para algum lugar, ao lado da outra expressão hebraica onde a alma morre, o que o mortalismo não supõe que ela sai do corpo e morre, mas que morre no corpo e com o corpo. Basta apenas admitir que essas passagens trazem um sentido diferente e mais material de alma, ou seja, de vida física, o que não é problema.

Em Pr 22, 22-23 o desposar a vida é tirar a vida física, como em outras passagens. O eu, a personalidade, não é o corpo, mas está com o corpo até o momento da morte. Ele permanece na “alma”, que não é o que é referido nessa passagem.

A linguagem bíblica é holista, como o mortalismo assevera muitas vezes. Assim, veja que em 1 Sm 28, 3 o texto diz: “Samuel tinha falecido” e “Tinham-no sepultado em Ramá”. Não diz que sepultaram seu corpo em Ramá, mas que Samuel foi todo ele sepultado em Ramá. Então, ele morreu por inteiro não sobrando nada? De fato, não.

Veja que no verso 8 Saul diz: “Predize-me o futuro, evocando um morto; faz-me vir aquele que eu te designar”. Ele não diz: evocando a alma de um morto, mas evocando o morto, como se fosse ele inteiro. Viria Samuel em corpo ressuscitado para falar com a necromante? Não.

O verso 11 continua: “Evoca-me Samuel”. Não diz, evoca-me a alma de Samuel, mas “evoca-me Samuel”, ele todo. Não viria somente a sua alma? Sim.

O verso 13 indica algo espiritual na figura de Samuel que aparece: “Vejo um deus que sobe da terra”. Mas logo a linguagem é a mesma: Saul compreendeu que era Samuel e prostrou-se com o rosto por terra (v. 14). E mais, no verso 15: “Samuel disse ao rei: ...”

A alma é para o mortalismo apenas o conjunto das funções vitais do organismo. Mas é preciso compreender que esse conceito é incompleto. A alma é também imortal. Preste atenção que todos sabiam que os mortos continuavam a existir, e era possível até mesmo entrar em contato com eles. A cultura hebraica não introduz uma noção de corpo e alma clara como na cultura grega, mas afirmando algo relativo à pessoa, tanto viva quanto morta, o contexto demonstra do que se trata.

Dessa forma, em nenhum momento foi citado o corpo ou a alma de Samuel, mas o contexto inteiro, ao referir-se à pessoa do profeta Samuel, mostra que às vezes se trata do corpo e outras vezes que se trata da alma, daquele que faz o morto continuar existindo em consciência, ainda que o texto não lhe dê um nome específico e nem o use sistematicamente. As objeções feitas sobre essa passagens serão todas respondidas no respectivo tópico.

É preciso compreender que a Bíblia usa uma apresentação holista do ser humano, mas admite a separação corpo e alma, pois de outra forma não seria possível conceber algo espiritual relativo aos mortos. Dessa forma, a forma de expressão bíblica para tratar do corpo e da alma é holista, mas ao mesmo tempo em que indica a dualidade da natureza humana. Assim, Samuel morreu, foi sepultado, foi evocado, apareceu e falou com o rei. Tudo isso, dito de outro a forma, seria que Samuel morreu e seu corpo foi sepultado, sua alma foi evocada, sua alma apareceu e falou com o rei. Esse padrão é comum na Bíblia.

Dessa forma, não se pode a partir do uso do termo algo relativo às coisas físicas e materiais concluir que não exista no ser humano algo espiritual que separa-se do corpo na morte.

Gledson Meireles.


quarta-feira, 3 de maio de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma, considerações do capítulo 2

Refutando afirmações nas considerações do capítulo 2 

Ao tentar provar que a alma é meramente um aspecto do ser, restrita a tudo o que o corpo pode experimentar, há o texto de Ap 6, 9-11, tratado no tópico, que não possui o que foi pretendido para o argumento. Ali, as almas aparecem fora do corpo. Além do mais, já participam da promessa. Isso é bastante considerável.

Os textos que geralmente são apresentados como indicando a alma imortal são poucos. De fato, apenas alguns, como 1 Reis 17, 21; Jó 14, 22; Mateus 10, 28 e Mateus 16, 25. É preciso entender as implicações.

O texto de 1 Reis fala do princípio de vida ao dizer que a alma voltou ao corpo para ressuscitar um morto. No texto de Jó aparece a carne que sofre e a alma que lamenta. Em Mateus há o famoso texto onde a alma não morre, e o outro onde é dito que a alma deve ser salva, no sentido de vida que terá sido dada de volta na ressurreição para sempre.

São alusões à alma espiritual, mas o contexto bíblico geral, que aparece no conjunto das refutações feitas aqui é que prova a imortalidade da alma.

Podemos afirmar que assim como 1 Rs 17, 21 fala da alma como vida, voltando ao corpo, o que denota o princípio espiriutal, a alude à imortalidade da alma, vemos que em Tg 2, 27 está escrito que o corpo sem espírito é morto. Assim, a alma é o espírito que dá vida. O corpo sem alma é morto, o corpo sem espírito é morto.

O mortalismo ensina o monismo, onde o ser humano não é divisível. Dessa forma, quando São Paulo fala do combate entre espírito e carne isso seria apenas as duas orientações éticas que o ser humano experimenta em si, em sua condição pecaminosa.

Mas, na questão da morte, isso parece exigir uma resolução. Se o homem já está submisso à Lei de Deus pelo espírito (cf. Rm 7, 26), enquanto ainda está escravo da Lei do pecado pela carne, deve-se questionar o que ocorre quando morre o salvo. Se essa libertação é apenas um penhor o salvo leva para um dia ser ressuscitado, como exige a interpretação mortalista, então nenhum salvo estaria usufruindo dessa libertação ainda, visto que a carne ainda está sujeita à Lei do pecado.

No entanto, se a Lei do pecado na carne equivale a dizer que todo o ser deve sofrer a morte sem existência para que um dia seja salvo na ressurreição, isso mostra que de fato essa submissão à Lei de Deus seria útil somente enquanto vida, e tendo resultados somente na ressurreição.

Por outro lado, a doutrina da imortalidade da alma, como tradicionalmente é defendida pela Bíblia e diante de quaisquer objeções apresentadas, ensina que o salvo já está liberto da lei do pecado, pois serve Lei de Deus em seu espírito, e na morte já pode usufruir da glória com Cristo, à espera do dia em que seu corpo será liberto da Lei do pecado.

O morto está livre do pecado, e assim ensina Romanos 6, 7, pois o salvo está morto para o pecado: Pois quem morreu, libertado está do pecado. Essa libertação é feita pela crucificação do velho homem (v. 6). Cristo morreu pelo pecado, e agora está vivo, como ensina o v. 10.

Se todos os salvos devem considerar-se mortos para o pecado e vivos para Deus “em Cristo Jesus”, então de alguma forma essa vida de Cristo já vale para os vivos e para os mortos, pois a salvação em Cristo já está garantida, Cristo está vivo, e os cristãos podem usufruir dessa realidade. Esse é outro problema para o mortalismo que afirma que ninguém usufrui da salvação após a morte, pois não existiria, mas isso seria somente na ressurreição.

O homem exterior e o homem interior em 2 Cor 4, 16 é também lembrado nesse ponto, já que se fala da tribulação presente e das coisas que são procuradas pelo salvo, que são invisíveis e eternas (v. 18). Parece mesmo afirmar que já agora os salvos mortos, que renovaram seu interior dia a dia (v. 16), vivem para Deus nas coisas que procuraram, que agora são invisíveis. Dessa forma, já explica-se a glória das almas pela sua união com Cristo.

Há algo no homem que é muito profundo. São Paulo afirma que deleita-se na Lei de Deus no “no homem interior” (R 7, 22). Mas há nos membros (μέλεσίν) outra lei que luta contra a lei da mente (νοός).

No verso 18 chega a dizer que nada de bom habita “em mim”, mas não no sentido de não habitar o bem na pessoa inteira. A passagem é mais clara, pois São Paulo esclarece que essa parte não é o todo da pessoa, mas “na minha carne”: “Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita o bem, porque o querer o bem está em mim, mas não sou capaz de efetuá-lo”. O mal está em um lugar na pessoa, e o bem em outro.

Se há o querer fazer o bem, e ao mesmo tempo outra força que exerce tamanho poder que faz praticar o mal, ou seja, que faz certamente querer o mal, esses dois desejos na mesma pessoa devem vir de duas partes diferentes, de dois aspectos do ser, mas que não podem, ao que parece, serem o ser total, como se o mesmo não pudesse ser separado em partes. Essas duas orientações éticas são mostradas como arraigadas em partes da pessoa humana.

De fato, se o bem não habita nos membros, os membros não podem constituir o ser inteiro, já que se diz que o querer o bem está “em mim” também. Fica claro que existem duas partes sob duas leis. Obviamente, a pessoa como um todo sofre essa luta, na dualidade, no holismo bíblico.

No verso 26 temos que servimos à Lei de Deus na mente e à lei do pecado na carne. O homem interior é a mente, é o espírito, é a alma. O homem exterior, então, é o corpo, é a carne, são os membros.

O verso 23 é muito emblemático para a dualidade da natureza humana, e parece ultrapassar a simples realidade de aspecto, introduzindo mesmo a distinção e o caráter separável de corpo e alma.

O contexto inteiro afirma que há em nós uma Lei (Rm 7, 21) que nos faz desejar o bem, mas se encontra em nós outra Lei, e o que resulta é o mal. Nós nos deleitamos, segundo o homem interior, na Lei de Deus, mas encontramos em nossos membros outra lei, que luta contra a lei da mente. Isso é bastante profundo. A carne está sujeita á lei do pecado e luta contra a mente que está submissa à lei de Deus.

Obviamente a integralidade da natureza humana explica esse conflito, quando um querer é substituído por outro, gerando outro ato, o pecado, onde um aspecto na nossa natureza está manchado e mais levado ao pecado, produzindo essa tendência que mancha e atinge todo o ser, proveniente da carne, mas que outro aspecto possui a lei santa de Deus.

Se isso for somente relativo aos aspectos distintos, mas não separáveis, parece haver um problema quando o assunto é a morte.

Se a Escritura afirma em Rm 8, 23 que esperamos a redenção do corpo, isso parece voltar a atenção a essa realidade de que a mente já está santificada pelo Espírito Santo que habita em nós. Parece indicar que a mente está em maior profundidade, a ponto da lei de Deus ser chamada da lei da mente e contraposta à lei que está nos membros.

Disso resulta que, se existisse um monismo, a morte aniquilaria aquilo que possui as primícias do Espírito, aquilo que já está preparado, aquilo que foi renovando-se dia a dia, como homem interior, e que, de certa forma, seria o mesmo que admitir a morte do que está lutando através da santa lei de Deus.

Assim, o ser humano tem em si duas leis, uma de Deus e outra do pecado, em diferentes aspectos do ser. Mas ao dizer que a lei dos membros luta contra a lei da mente, se os membros que estão completamente entregues ao mal fossem o homem inteiro, onde um aspecto do homem estaria deleitando-se em Deus, com a Sua lei gravada na mente, com o bem de Deus em si, não concordaria com a afirmação de que há o bem na mente: “Homem infeliz que sou! Quem me livrará deste corpo que me acarreta a morte?” (Rm 7,2 4).

 

Como ficar livre de si mesmo? O apóstolo poderia apenas estar pedindo a transformação total do ser, mas o contexto afirma que é no corpo, na carne, nos membros, que está a concupiscência, a outra lei, a lei do pecado que luta contra a lei do espírito. Ao dizer que o corpo é que será redimido no último dia, que é o que será livrado do homem, que é aquilo que está sendo subjugado por aquele que está vivo para Deus, a Bíblia está afirmando a dualidade, o que é separável nas duas parte na morte, da alma e do corpo.

Por isso, Jesus disse que o espírito está pronto, mas a carne é fraca (Mateus 26, 41). Se a morte é para o mortalismo o aniquilamento do ser inteiro, essa parte preparada não recebe nenhuma serventia para os mortos, pois não seria parte separável, e seria aniquilada até o dia da redenção da outra parte, que indicaria todo o ser, a saber, da carne.

Para manter a morte em sua força total o mortalismo afirma que ela deve atingir todo o ser, e interpreta essa situação como inexistência de corpo e alma. Mas isso já entra em conflito com o que foi apresentado. Dessa forma, há separação corpo e alma na morte, e, portanto, a alma não é um termo que indica apenas algo material.

Gledson Meireles.