Refutando o tópico: Tirar a alma, parte 2
Exemplos interessantes que mostram o quanto é diferente a linguagem hebraica
daquela do platonismo grego. No entanto, não se deve ir muito além do que os
textos admitem, como é feito na argumentação com as palavras do profeta Jonas,
já que “tirar a alma” é tirar a vida, ou seja, supondo que a vida sai do corpo
e vai para algum lugar, ao lado da outra expressão hebraica onde a alma morre,
o que o mortalismo não supõe que ela sai do corpo e morre, mas que morre no
corpo e com o corpo. Basta apenas admitir que essas passagens trazem um sentido
diferente e mais material de alma, ou seja, de vida física, o que não é
problema.
Em Pr 22, 22-23 o
desposar a vida é tirar a vida física, como em outras passagens. O eu, a personalidade,
não é o corpo, mas está com o corpo até o momento da morte. Ele permanece na “alma”,
que não é o que é referido nessa passagem.
A linguagem bíblica é
holista, como o mortalismo assevera muitas vezes. Assim, veja que em 1 Sm 28, 3
o texto diz: “Samuel tinha falecido” e “Tinham-no sepultado em Ramá”. Não diz
que sepultaram seu corpo em Ramá, mas que Samuel foi todo ele sepultado em
Ramá. Então, ele morreu por inteiro não sobrando nada? De fato, não.
Veja que no verso 8
Saul diz: “Predize-me o futuro, evocando um morto; faz-me vir aquele que eu te
designar”. Ele não diz: evocando a alma de um morto, mas evocando o morto, como
se fosse ele inteiro. Viria Samuel em corpo ressuscitado para falar com a
necromante? Não.
O verso 11 continua: “Evoca-me
Samuel”. Não diz, evoca-me a alma de Samuel, mas “evoca-me Samuel”, ele todo.
Não viria somente a sua alma? Sim.
O verso 13 indica algo
espiritual na figura de Samuel que aparece: “Vejo um deus que sobe da terra”.
Mas logo a linguagem é a mesma: Saul compreendeu que era Samuel e prostrou-se
com o rosto por terra (v. 14). E mais, no verso 15: “Samuel disse ao rei: ...”
A alma é para o
mortalismo apenas o conjunto das funções vitais do organismo. Mas é preciso
compreender que esse conceito é incompleto. A alma é também imortal. Preste
atenção que todos sabiam que os mortos continuavam a existir, e era possível
até mesmo entrar em contato com eles. A cultura hebraica não introduz uma noção
de corpo e alma clara como na cultura grega, mas afirmando algo relativo à
pessoa, tanto viva quanto morta, o contexto demonstra do que se trata.
Dessa forma, em nenhum
momento foi citado o corpo ou a alma de Samuel, mas o contexto inteiro, ao
referir-se à pessoa do profeta Samuel, mostra que às vezes se trata do corpo e
outras vezes que se trata da alma, daquele que faz o morto continuar existindo
em consciência, ainda que o texto não lhe dê um nome específico e nem o use
sistematicamente. As objeções feitas sobre essa passagens serão todas respondidas
no respectivo tópico.
É preciso compreender
que a Bíblia usa uma apresentação holista do ser humano, mas admite a separação
corpo e alma, pois de outra forma não seria possível conceber algo espiritual
relativo aos mortos. Dessa forma, a forma de expressão bíblica para tratar do
corpo e da alma é holista, mas ao mesmo tempo em que indica a dualidade da natureza
humana. Assim, Samuel morreu, foi sepultado, foi evocado, apareceu e falou com
o rei. Tudo isso, dito de outro a forma, seria que Samuel morreu e seu corpo
foi sepultado, sua alma foi evocada, sua alma apareceu e falou com o rei. Esse
padrão é comum na Bíblia.
Dessa forma, não se
pode a partir do uso do termo algo relativo às coisas físicas e materiais
concluir que não exista no ser humano algo espiritual que separa-se do corpo na
morte.
Gledson Meireles.
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