Refutação: O espírito como a respiração
O
entregar o espírito é o mesmo que expirar, o mesmo que morrer, e o ruach é o espírito, como algo
provisório, enquanto o ser está vivo e respira. Pois bem. Mas isso em nada nega
que o ser humano tem uma parte espiritual imortal. É preciso lembrar que
entregar o espírito nas mãos de Deus também indica alguma coisa mais profunda
do que apenas a entrega da respiração.
Essas
passagens servem para a reflexão sobre o tema da imortalidade da alma, não
sendo um texto prova para a doutrina. Mas, também, o mortalismo não pode usá-las
para negar a alma imortal, reduzindo tudo a coisa material, como a respiração.
A
tradução da Bíblia Ave Maria traz o texto de Mateus 27, 50 como “entregou a
alma”, ao invés da tradução mais literal de “entregou o espírito”, ressaltando
a doutrina da imortalidade da alma. Isso em comparação com Marcos 15, 37 teria
apenas o sentido de “expirou”.
Porém,
o significado que liga à doutrina da imortalidade da alma ainda é provável, já
que em João 19, 31 Jesus “entregou o espírito” e em Atos 7, 59 Estêvão diz: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”, e
certamente Estêvão não estava pedindo para Jesus receber sua “respiração”, mas
sua vida, seu ser. É como dizer: “Recebe-me”.
Esses
textos lembram que o espírito retorna a Deus e que há diferença entre homens e
animais, pois o espírito dos animais desce à terra com seus corpos, tanto no
sentido de energia vital, pois Deus não promete a ressurreição aos animais,
como no sentido da individualidade do ser de cada animal. É de se pensar que o
animal perece inteiramente na morte, no sentido mortalista, onde sua alma e seu
espírito cessam de existir com o corpo.
Porém,
Deus guarda algo do ser humano, que é o seu “espírito”, para ressuscitá-lo,
para religa-lo em seu corpo e sua alma. Isso supõe que o ser humano continua a
existir após a morte.
Pois
bem, em Apocalipse 11, 11-12 a Bíblia, utilizando a linguagem holista, afirma
que o fôlego de vida ressuscita as duas testemunhas. A passagem não diz que
ressuscitou seus corpos, como em Mateus 27, mas é isso o que ocorreu. Também
não diz que as duas testemunhas estavam no céu, ou em qualquer lugar, mas é
certo que antes estavam no céu. O que o texto se refere é à morte e
ressurreição das testemunhas para a vida física em corpo e alma, sem implicações
sobre seu estado de morte.
O
mortalismo entende que espírito é apenas a energia, e que a consciência e
personalidade deixam de existir com o corpo. Então, o espírito deveria criar
novamente o ser a partir do nada, com consciência e personalidade.
Por
outro lado, a doutrina da imortalidade da alma afirma que a consciência e
personalidade subsistem na morte por meio da alma que é imortal. O espírito de
Deus fará a alma retornar ao corpo na ressurreição, e essa explicação está
conforme a Bíblia.
Quando
Adão foi criado, ele não veio de outra dimensão, mas passou a existir naquele
instante, vindo do nada. Porém, na morte, não é dito que ele deixou de existir,
mas apenas que retornou ao pó. Essa é a esfera física.
O
problema é que a Bíblia fala dos mortos no sheol,
mostrando que há uma esfera espiritual, e nunca como seres que não existem.
Dessa forma, entender o espírito como respiração, fôlego de vida, como apenas uma
energia que vivifica, não é a doutrina inteira.
Quanto
à afirmação: “Assim como não há vida no
corpo que perece sozinho debaixo da terra, não há vida em um “espírito” sozinho
à parte do corpo”, ele a apenas quer mostrar que o espírito é essa energia,
sem consciência e personalidade, que deverá recriar o ser, trazendo de volta a
mesma consciência e personalidade que havia perecido com o corpo. De fato, a
passagem de Ezequiel alude à ressurreição, mas não traz toda a questão, de modo
que não explica toda a doutrina da ressurreição, não servindo, sem si mesma,
descontextualizada, como prova mortalismo, já que também pode ser explicada suficientemente
pela doutrina imortalista.
Para
o mortalismo e espírito é a respiração, o princípio de vida, mas não tem em si
personalidade. Para o imortalismo, o espírito aqui pode ser a energia que une o
corpo com a alma, sendo o poder de Deus, pois a alma mantem a consciência e a
personalidade, e o espírito refaz o corpo e traz a alma para animá-lo. Dessa
forma, a consciência e a personalidade estão na alma, que volta ao corpo. Essa
explicação entende a doutrina bíblica geral.
Quando
se argumenta que o “espírito” no singular é o espírito de Deus que faz reviver,
que ressuscita, como se isso provasse algo contra a imortalidade da alma, essa
argumentação esquece que o mesmo espírito cria todos os seres, mas ainda assim
a Bíblia indica que há diferença entre o espírito do ser humano e o dos
animais. Portanto, a questão não é resolvida ao dizer que o espírito é somente
a respiração, ou seja, a energia vital.
Uma
pilha em um boneco fornece energia para o boneco se movimentar, mas não traz ao
boneco nada mais, não cria nele personalidade, e o boneco não tem consciência.
Por
sua vez, o ser vivo possui o espírito de Deus que o mantem vivo, como a pilha
que está energizando o boneco, mas a personalidade de cada ser vivo é única, e,
exceto nos animais irracionais, no homem possui personalidade que vem de algo
imaterial, espiritual e imortal, que é a alma.
Para
o mortalismo a personalidade e a consciência é indivisível da matéria, é
produzida pela matéria, como nos animais. Mas o homem transcende à matéria,
pela sua razão e no desejo da eternidade, o que falta aos animais. Isso já
indica a espiritualidade e imortalidade da alma. Mas, o que prova isso é a Bíblia,
que mostra que na morte há encontro com Cristo qualitativamente superior do que
a do salvo vivo na terra.
Portanto,
o espírito é algo relativo à vida, ao ser, que é entendido nessas passagens, e
não apenas a matéria do fôlego, da respiração.
Na criação o espírito cria o homem transformando e animando a matéria criada por Deus. Assim, a alma vivente foi feita recebendo o espírito. A passagem de Zc 12, 1 revela que Deus cria o espírito dentro do homem. Essa passagem mostra que não é a respiração, não é algo “dentro do nariz” que está sendo criado, mas o espírito dentro do homem. Isso é o que indica a dualidade da natureza humana, e portanto o espírito não é somente respiração.
Gledson Meireles.
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