terça-feira, 23 de maio de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma: o espírito como respiração

 Refutação: O espírito como a respiração


O entregar o espírito é o mesmo que expirar, o mesmo que morrer, e o ruach é o espírito, como algo provisório, enquanto o ser está vivo e respira. Pois bem. Mas isso em nada nega que o ser humano tem uma parte espiritual imortal. É preciso lembrar que entregar o espírito nas mãos de Deus também indica alguma coisa mais profunda do que apenas a entrega da respiração.

Essas passagens servem para a reflexão sobre o tema da imortalidade da alma, não sendo um texto prova para a doutrina. Mas, também, o mortalismo não pode usá-las para negar a alma imortal, reduzindo tudo a coisa material, como a respiração.

A tradução da Bíblia Ave Maria traz o texto de Mateus 27, 50 como “entregou a alma”, ao invés da tradução mais literal de “entregou o espírito”, ressaltando a doutrina da imortalidade da alma. Isso em comparação com Marcos 15, 37 teria apenas o sentido de “expirou”.

Porém, o significado que liga à doutrina da imortalidade da alma ainda é provável, já que em João 19, 31 Jesus “entregou o espírito” e em Atos 7, 59 Estêvão diz: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”, e certamente Estêvão não estava pedindo para Jesus receber sua “respiração”, mas sua vida, seu ser. É como dizer: “Recebe-me”.

Esses textos lembram que o espírito retorna a Deus e que há diferença entre homens e animais, pois o espírito dos animais desce à terra com seus corpos, tanto no sentido de energia vital, pois Deus não promete a ressurreição aos animais, como no sentido da individualidade do ser de cada animal. É de se pensar que o animal perece inteiramente na morte, no sentido mortalista, onde sua alma e seu espírito cessam de existir com o corpo.

Porém, Deus guarda algo do ser humano, que é o seu “espírito”, para ressuscitá-lo, para religa-lo em seu corpo e sua alma. Isso supõe que o ser humano continua a existir após a morte.

Pois bem, em Apocalipse 11, 11-12 a Bíblia, utilizando a linguagem holista, afirma que o fôlego de vida ressuscita as duas testemunhas. A passagem não diz que ressuscitou seus corpos, como em Mateus 27, mas é isso o que ocorreu. Também não diz que as duas testemunhas estavam no céu, ou em qualquer lugar, mas é certo que antes estavam no céu. O que o texto se refere é à morte e ressurreição das testemunhas para a vida física em corpo e alma, sem implicações sobre seu estado de morte.

O mortalismo entende que espírito é apenas a energia, e que a consciência e personalidade deixam de existir com o corpo. Então, o espírito deveria criar novamente o ser a partir do nada, com consciência e personalidade.

Por outro lado, a doutrina da imortalidade da alma afirma que a consciência e personalidade subsistem na morte por meio da alma que é imortal. O espírito de Deus fará a alma retornar ao corpo na ressurreição, e essa explicação está conforme a Bíblia.

Quando Adão foi criado, ele não veio de outra dimensão, mas passou a existir naquele instante, vindo do nada. Porém, na morte, não é dito que ele deixou de existir, mas apenas que retornou ao pó. Essa é a esfera física.

O problema é que a Bíblia fala dos mortos no sheol, mostrando que há uma esfera espiritual, e nunca como seres que não existem. Dessa forma, entender o espírito como respiração, fôlego de vida, como apenas uma energia que vivifica, não é a doutrina inteira.

Quanto à afirmação: “Assim como não há vida no corpo que perece sozinho debaixo da terra, não há vida em um “espírito” sozinho à parte do corpo”, ele a apenas quer mostrar que o espírito é essa energia, sem consciência e personalidade, que deverá recriar o ser, trazendo de volta a mesma consciência e personalidade que havia perecido com o corpo. De fato, a passagem de Ezequiel alude à ressurreição, mas não traz toda a questão, de modo que não explica toda a doutrina da ressurreição, não servindo, sem si mesma, descontextualizada, como prova mortalismo, já que também pode ser explicada suficientemente pela doutrina imortalista.

Para o mortalismo e espírito é a respiração, o princípio de vida, mas não tem em si personalidade. Para o imortalismo, o espírito aqui pode ser a energia que une o corpo com a alma, sendo o poder de Deus, pois a alma mantem a consciência e a personalidade, e o espírito refaz o corpo e traz a alma para animá-lo. Dessa forma, a consciência e a personalidade estão na alma, que volta ao corpo. Essa explicação entende a doutrina bíblica geral.

Quando se argumenta que o “espírito” no singular é o espírito de Deus que faz reviver, que ressuscita, como se isso provasse algo contra a imortalidade da alma, essa argumentação esquece que o mesmo espírito cria todos os seres, mas ainda assim a Bíblia indica que há diferença entre o espírito do ser humano e o dos animais. Portanto, a questão não é resolvida ao dizer que o espírito é somente a respiração, ou seja, a energia vital.

Uma pilha em um boneco fornece energia para o boneco se movimentar, mas não traz ao boneco nada mais, não cria nele personalidade, e o boneco não tem consciência.

Por sua vez, o ser vivo possui o espírito de Deus que o mantem vivo, como a pilha que está energizando o boneco, mas a personalidade de cada ser vivo é única, e, exceto nos animais irracionais, no homem possui personalidade que vem de algo imaterial, espiritual e imortal, que é a alma.

Para o mortalismo a personalidade e a consciência é indivisível da matéria, é produzida pela matéria, como nos animais. Mas o homem transcende à matéria, pela sua razão e no desejo da eternidade, o que falta aos animais. Isso já indica a espiritualidade e imortalidade da alma. Mas, o que prova isso é a Bíblia, que mostra que na morte há encontro com Cristo qualitativamente superior do que a do salvo vivo na terra.

Portanto, o espírito é algo relativo à vida, ao ser, que é entendido nessas passagens, e não apenas a matéria do fôlego, da respiração.

Na criação o espírito cria o homem transformando e animando a matéria criada por Deus. Assim, a alma vivente foi feita recebendo o espírito. A passagem de Zc 12, 1 revela que Deus cria o espírito dentro do homem. Essa passagem mostra que não é a respiração, não é algo “dentro do nariz” que está sendo criado, mas o espírito dentro do homem. Isso é o que indica a dualidade da natureza humana, e portanto o espírito não é somente respiração.

Gledson Meireles.

Nenhum comentário:

Postar um comentário