sexta-feira, 1 de maio de 2020

Quem é Maria mãe de Tiago e de José?

Introdução
Certamente a maior bênção para uma mulher judia era ter muitos filhos. Mas, para mulheres como Isabel, a mãe de João Batista, já idosa e estéril, e Maria, a mãe de Jesus, para essas um único filho foi o recebimento de grandes bênçãos. Santa Isabel foi por graça de Deus curada da sua infertilidade, e tornou-se a mãe do precursor do Messias, São João Batista. A virgem Maria, por sua vez, recebeu a maior das graças de Deus, pode-se afirmar que recebeu todas as bênçãos, de uma forma singular.  (cf. Ef 1, 3) Não precisou de mais filhos para sua felicidade.

Antes de começar a refutação do artigo, é preciso ter algumas informações importantes sobre a questão. É dogma de fé cristã católica que a mãe de Jesus permaneceu virgem após o nascimento de Jesus, que foi o seu primogênito e unigênito. Dessa forma, não há outros filhos de Maria, outros irmãos de Jesus nesse sentido.

Houve irmãos no sentido de parentes ou primos. O fato é unânime na Igreja, mas o modo com que isso é explicado não é unânime, havendo diferenças de interpretações, como as que afirmam ser os irmãos de Jesus filhos de José de um casamento anterior, ou que são filhos de Maria de Cléofas, irmãs (prima) da mãe de Jesus. O fato permanece, eles não são filhos de Maria, mãe de Jesus.

Para os protestantes, esses irmãos de Jesus só poderiam ser filhos da Sua mãe, porque interpretam a palavra “irmãos” no contexto como se referindo literalmente a filhos da mesma mãe e pai, e no caso de Jesus, filhos da mesma mãe. Essa opinião não foi adotada nem pelos reformadores protestantes, que seguiam somente a Bíblia, pois em seus estudos da Escritura chegaram à conclusão que Maria permaneceu virgem, que Jesus é Seu filho único. No entanto, após algum tempo, predominou no Protestantismo a ideia de que Maria teve outros filhos.

O artigo em questão tenta provar essa afirmação, não diretamente, mas por identificar a Maria mãe de Tiago e José com Maria mãe de Jesus. Apresentando algumas razões para isso, torna-se importante considerá-las atentamente, e refutá-las com fundamento bíblico onde se fizer necessário.

Alguns protestantes interpretam essas passagens tão rigidamente a ponto de criarem mais “Marias”, mais Tiagos, mais Pedros, etc., o que é esperado de ideias fantasiosas, frutos da imaginação. Assim, para alguns a Maria de Cléofas e a Maria mãe de Tiago e José já seriam duas, e não a mesma. Isso introduz problemas, e causa maior confusão. No entanto, a Bíblia indica que essa era a mesma Maria.

No entanto, o artigo que está sendo analisado aqui tem seus motivos para identificar Maria mãe de Jesus com a Maria mãe de Tiago e José. Por isso, faz-se necessário lidar com o que o artigo afirma. Antes, porém, tomando momento para estudar mais o Evangelho, é útil rever algumas passagens e aprender mais sobre o modo de Deus revelar os fatos importantes da vida de Jesus.

 
As mulheres que foram ao sepulcro

Maria Madalena e a outra Maria: foram ver o túmulo (Mt 28,1). O anjo aparece a elas. (v. 2) Jesus aparece depois. (v. 9) Os discípulos (que são os apóstolos)  são chamados de irmãos por Jesus. Aqui trata-se do sentido espiritual. (vv. 8.10. 16). Alguns dos apóstolos, mesmo com essa aparição na Galileia, ainda não criam totalmente. (v. 17) Certamente, um deles era Tomé.

Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e Salomé compraram aromas para ungir Jesus. (Marcos 16, 1) São Mateus não incluiu Salomé, talvez porque não estava referindo-se à compra dos aromas. Então, no v. 2, passa a narrar a ida ao sepulcro. Pelo que informa, essas três mulheres foram juntas ao túmulo. Viram de repente a pedra do túmulo retirada e um jovem dentro do túmulo. (v. 4 e 5) O anjo manda dizer “aos discípulos e a Pedro”. Isso quer dizer: aos apóstolos e a Pedro. Essa forma de linguagem do evangelho não distingue Pedro dos demais, mas apenas destaca-o. (v. 7) Pelo que São Mateus afirma, sabemos que os discípulos são todos os apóstolos. São Marcos narra a aparição primeiro a Maria Madalena. De fato, as mulheres viram Jesus nesse momento, mas, pelo que se pode notar, Madalena precedeu as outras nessa ocasião. (cf. Mt 28,9) Mais tarde Jesus aparece a mais dois discípulos. Marcos não restringe o número somente aos onze, mas afirma “os que estiveram com ele”, no verso 10. Assim, inclui os discípulos de Emaús. (cf. Lucas 24, 12-35) Pode-se afirmar que nem sempre estavam junto com os onze. Por isso, ao ver Jesus, foram avisar os outros discípulos. (v. 13) Narra então a aparição do v. 14, à mesa e com a censura de Jesus. No v. 19 o texto remete à ascensão do Senhor. Pelo contexto tem-se a impressão que Jesus aparece aos apóstolos e logo depois vai para os céus, não narrando os 40 dias que ficou na terra. De fato, não era intenção do evangelista mostrar isso, mas resumiu os fatos importantes para essa ocasião.  Essa observação é importante para a intepretação bíblica correta.

As mulheres que haviam estado com Jesus na Galileia vão ao túmulo com os aromas para ungir o corpo. (Lucas 24,1) Elas viram dois anjos. (vv. 4. 24) Os outros evangelhos mostram apenas um, sem que afirmem “somente” um. Apenas não estavam narrando algo que necessitasse de falar dos dois anjos. Omitem detalhes que são completados pelos outros evangelhos.  Elas contaram a notícia aos onze e a todos os demais. Isso pode ter ocorrido na mesma ocasião, ou logo após, quando passaram dando a notícia nos lugares em que os discípulos se encontravam. Estavam várias mulheres ali: Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago, e as outras. Pode-se pensar que os apóstolos e os demais discípulos não estavam todos no mesmo lugar quando as mulheres voltaram do túmulo. De fato, afirma o evangelho que Pedro foi ao túmulo e voltou para sua casa. (cf. Lc 24, 12)

Maria Madalena vai ao sepulcro, encontra-o aberto e corre para avisar Pedro. (João 20,1) Pedro e João vão ao túmulo e creem. Maria Madalena fica próxima do lugar, chorando. (v. 11) Pelo relato, poder-se-ia pensar que estivesse sozinha, mas sabemos que não estava. O evangelista não cita as demais pessoas porque o núcleo que está mostrando nessa cena é a chegada de Pedro e o discípulo amado ao túmulo, e as coisas que aconteceram com Maria Madalena. Também tem-se a impressão de que aparição dos anjos foi imediatamente seguida da aparição do Senhor. (v. 14) Mas, sabemos que foi alguns instantes depois, o que harmoniza com o relato, apenas ele não tem intenção de mostrar o momento exato, cronometrado do evento.

Em todas essas cenas não há menção da mãe de Jesus. De fato, há de entender-se que ela não foi ao sepulcro. A razão disso é que a virgem Maria estava certa da ressurreição do Senhor, e seria falta de fé procurá-Lo no túmulo no terceiro dia. Ele acompanhou Seu Filho Jesus até a cruz. Ela cresceu na fé durante toda a vida que passou com o Senhor. Foi aos poucos entendendo Sua missão, mas não tinha dúvidas quanto à Sua identidade e poder. Mais do que todos, sabia que Sua origem era divina, e sabia não ser possível que a morte o dominasse. Sua fé era grandiosa. Por tudo isso, é improvável que Maria tenha ido ao túmulo, e pelos relatos dos evangelhos não há o mínimo sinal da sua presença com as outras mulheres.

Dos demais discípulos, todos duvidavam de alguma forma, ainda quando tiveram a primeira aparição do Senhor ressuscitado. Contudo, nada disso é dito sobre a virgem Maria, e não há como esperar que tal coisa ocorresse. Ela esperava cumprir o que Deus havia dito a ela. Isso incluía a ressurreição. (cf. Lucas 1,45).

É verdade que a mera omissão de um nome não significa que ele não tenha feito parte da cena. Em Marcos 6,3 são citados irmãos de Jesus. Fala-se da Maria, sua mãe, nomeia seus irmãos, e menciona suas irmãs. Jesus está como centro de ligação. Ele é filho de Maria e irmão de... Naturalmente, pode-se pensar que Maria é mãe dos outros mencionados também. Mas, há problemas bíblicos se isso for concluído com base na passagem. Em nenhuma passagem esses “irmãos” e “irmãs” são chamados de filhos de Maria. Isso é digno de nota. E existem muitos outros motivos que levam a concluir que eles são filhos de outra mulher.

Ainda, é verdade que o fato de uma Maria ser chamada de mãe de Tiago, ou de mãe de Tiago e José, não exclui outros filhos. Há ainda, pelo menos, Simão e Judas e outras irmãs. Contudo, essa Maria não é mãe de Jesus.

 

Refutação do artigo

 

1.     De fato, “nenhum pai judeu daria o mesmo nome para duas filhas.” Portanto, essa passagem pode estar usando o termo “irmã” no sentido de “parente”, e essa outra Maria era membro da família de Jesus, sendo sua prima. Talvez também no sentido de cunhada. De alguma forma ela era parte da família de Maria e José.

 

2.     Os dois Tiago do grupo de apóstolos são o filho de Zebedeu, e o filho de Alfeu com essa Maria citada como irmã da mãe de Jesus. Alfeu e Cléofas sendo, certamente, a mesma pessoa, com seus nomes grego e aramaico. Como Pedro era também Cefas, levando alguns protestantes a entender que são duas pessoas, o mesmo pode ter ocorrido com Alfeu. E esse Alfeu mais provavelmente não é o mesmo Alfeu pai de Mateus ou Levi, que também traz dois nomes. E esses dois nomes também não são semelhantes, embora referindo-se à mesma pessoa. Há quem acredite que se trata da mesma pessoa os dois Alfeus mencionados, mas é importante notar que os dois apóstolos, que seriam irmãos nessa interpretação, não são elencados como parentes, pelo modo que são apresentados nas litas de apóstolos ou em outras partes dos evangelhos.

 

3.     Objeta-se que Lucas não teria razão para usar nomes diferentes referentes à mesma pessoa. Isso não se impõe, já que o evangelista também não teria o motivo de chamar Maria mãe de Jesus de “mãe de Tiago ou José” ou “mãe de Tiago”, que é praticamente variante da forma consagrada que os evangelhos empregam ao se referir à virgem Maria. Chega a contradizer as outras passagens dos evangelhos.

 

4.     A Maria de Clopas é uma pessoa pouco comentada na Bíblia, mas citada em relação a Clopas, que indica ser alguém conhecido, a ponto de identificar sua esposa. Porém, nem mesmo sobre ele há referências no Novo Testamento, fazendo-se assim um personagem quase desconhecido para os leitores da Escritura. A afirmação de que Maria não pode ser a mãe do Tiago de Alfeu parece ultrapassar o que os dados que surgem do estudo permitem. A forma de referir-se a Maria como mãe de Tiago e José é uma evidência de que não se tratava de mãe de Jesus, pelo motivo de ser uma forma destacada de todas as outras que falam da virgem Maria. Então, essa Maria mãe de Tiago não pode ser a mãe de Jesus. Mas, pode ser sua prima, ou irmã em sentido lato.

 

5.     Antes de responder a isso, eu tenho uma pergunta melhor: por que raios esses mesmos evangelistas teriam omitido por completo o fato da mãe de Jesus estar ao pé da cruz, como diz João?” Os outros evangelistas não citaram a mãe de Jesus como São João, porque a citação dela em João 19,25-27 se dá pelo motivo da entrega dela ao discípulo amado, coisa que os outros evangelistas não fazem. Quem leu a introdução deste artigo já pode compreender isso. Geralmente, por conta de outras preocupações do autor em descrever certas ocasiões, omite-se personagens que, à luz de outras passagens, são mostradas no local em que o evangelista, por sua forma de narrar, omitindo alguns detalhes e pessoas, deu a entender que não estava. Deve-se ter em mente a intenção do autor no momento e entender porque ele permite essas omissões.

 

Que sinais o texto mostra para provar essa afirmação? Um deles é o que diz São Mateus ao citar as mulheres. Ele o faz de modo a entender que entre as mulheres que cita, não deve ser entendida a mãe de Jesus, pois tem o objeto de falar das que “haviam seguido Jesus desde a Galileia para o servir”. Entender a Mãe de Tiago e de José como identificando a Sua mãe, confunde não só esse pormenor, mas também introduz uma identificação mais perturbadora ainda, como se dissesse: “Essas mulheres haviam seguido Jesus para o servir, entre elas estava Maria a mãe de Tiago”. Ninguém entenderia que se tratava de sua mãe. Todas as passagens evidenciam que essa Maria não era a mãe de Jesus, mas a de Tiago e de José. (cf. Mt 27,55-56; Mc 15,40-41; Lc 23, 55-56; Lc 24, 1.9-10)

 

6.     Se a narrativa da apologética católica estiver correta, significa simplesmente que Mateus, Marcos e Lucas ignoraram solenemente a presença da mãe de Jesus, que seria obviamente a presença mais importante.” Por meio de outra perspectiva, reconhece-se a maior importância da virgem Maria, de alguma, forma, se não restringir-se a entender somente segundo a narrativa católica. Correto, mas isso não implica em que ela não podia ser omitida da cena, esquecida pelo autor, ignorada “solenemente”. De fato, ela não é citada pelos evangelhos sinóticos.

 

7.     Essa omissão não é “trágica”, mas muito comum nos evangelhos. Os evangelistas citam pessoas segundo o objetivo que têm em narrar certos fatos. Como os sinóticos não falam da entrega de Maria ao discípulo amado, ela não é citada. Os outros se limitam a falar das mulheres que ajudaram Jesus desde a Galileia. Isso já foi provado na introdução acima, em outro artigo sobre o assunto, que pode ser acessado aqui.

 

 

8.     Observe que embora nem todos mencionem os mesmos nomes, todos eles mencionam os mais importantes e omitem os menos importantes.” Por essa perspectiva, Maria Madalena seria a mais importante dessas mulheres. Nesse caso, a identificação da outra Maria torna-se mais harmoniosa ainda. De fato, essa parente de Jesus estava sempre com Ele, entre as outras mulheres, seguindo e servindo Jesus, sendo citada várias vezes. Também era mãe de um dos apóstolos chamado Tiago. Descobre-se aqui o motivo de citar essa parente de Jesus em todos esses lugares. Os evangelistas não esqueceram de citar a mãe de Jesus, mas o que descreviam não exigia que o fizessem.

 

9.     O problema que poderia deixar de existir ao citar Maria mãe de José de outra forma, implica nesses problemas maiores, já indicados acima. Causa confusão e evidência não ser essa a intepretação correta.

 

10.                        Nas narrações do dia da ressurreição é praticamente impossível encontrar menção à mãe de Jesus. Os evangelistas citam a outra Maria, que é Maria mãe de Tiago, que seria estranho tratar-se da mãe de Jesus. Que ela estava aos pés da cruz, isso é contado no evangelho de João, mas que tenha ido ao túmulo pela manhã não consta nada. É infimamente provável, para não dizer absolutamente improvável, que ela estivesse entre as outras mulheres.

 

11.                        A omissão de pessoas relevantes para a história. Como já afirmado, essa omissão se dá com relação a eventos contextuais, e não relativos à história da salvação em geral.

 

12.                        Há portanto explicação do porquê a mãe de Jesus não aparecer em certas narrativas, e se ela fosse chamada de forma diferente, como entende o artigo em consideração, isso implica em problemas insolúveis.

 

13.                        Associar a Tiago como vendo o “primogênito” de Maria morrer, não é explicação satisfatória. Essa explicação nega as evidências acima, e mostra-se estranha. De fato, os evangelistas já mencionam Maria mãe de Tiago antes da morte de Jesus, na crucificação.

 

14.                        Se Tiago estivesse diante da cruz, e fosse o discípulo amado, duas coisas tornar-se-iam, pelo menos, estranhas também. Ele como incrédulo ficou até o fim, acompanhando Maria. Os outros “irmãos” incrédulos seriam menos corajosos que ele. E no próprio texto, isso é mais importante, afirma: “Está aí o seu filho”-“Eis aí sua mãe” (cf. João 19,26-27) a quem JÁ SERIAM filho e mãe, e que A PARTIR daquele momento é que Maria foi para a casa do filho que SEMPRE teria andado com ela (seria mais do que uma verdade óbvia em relação ao parentesco), o que torna a explicação mais improvável ainda. Não somente improvável à luz da própria passagem, mas não explica, e contradiz o que foi explicado acima. Em nenhum momento pode ser imaginado que esse Tiago, suposto ser irmão do Senhor e não apóstolo, incrédulo, não seria um bom filho, que não tivesse cuidados especiais para com a mãe, já que estaria frequentemente com ela, até ao pé da cruz.
 
Gledson Meireles.
 

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