Estudando o livro O Cristão Reformado: uma introdução
bíblica aos pilares do Protestantismo, 2018. O conteúdo aqui considerado está em vídeo.
Para
quem está lendo o presente estudo, acompanhando o raciocínio feito à base das
Escrituras Sagradas, está formulando certamente as corretas conclusões da
matéria abordada. Os mistérios continuarão a sê-los quando a Bíblia assim o
quiser. Os limites da razão humana estarão definidos sobre o assunto à medida
que a Bíblia assim o estabelecer. As
relações que se impuserem a respeito de cada questão serão solucionadas á luz
daquele que a Bíblia projetar sobre elas. Essas são algumas considerações que o
cristão católico deve ter ao tratar de tamanho mistério bíblico, como aquele
que envolve a eleição e a predestinação dos santos.
À
medida que as questões foram abordadas no estudo, foram sendo esclarecidos e
trazidos ao lume os motivos recônditos da força que ainda possui a teologia
reformada em suas divergências com a teologia católica ao longo de cinco
séculos. Deve haver algumas razões para que a mesma não tenha caído no
descrédito a ponto de ser professada por tantos e tantos que expressam desejo
de conhecer e obedecer a Palavra de Deus. Doutro modo, ela teria sido
descartada. Dessas razões, talvez uma seja a que aqui pareceu mais notório.
Antes
de revelá-la, é preciso caminhar pelas argumentações que foram dadas pelo autor
no livro. É fascinante conhecer a verdade, dialogar com vistas a abraçar o bem
do Evangelho, a conhecer a Palavra de Deus que nos salva. É o Espírito Santo
que nos converte? Sim, mas não esquecemos a nossa resposta à suas moções. O
leitor conhece e crê em Jesus Cristo, o único salvador? Se a resposta é
positiva, cresça na fé nEle, conhecendo a verdade por Ele ensinada, e revelada
nas Escrituras. Se a resposta é negativa, saiba de Jesus é o Cristo, o Messias
prometido, o Filho de Deus, o único que pode nos libertar das garras do pecado
e nos salvar, e nos levar para o Seu Reino. É para isso que existimos.
Sendo
assim, passemos a caminhar entre os raciocínios que o livro nos apresenta, e
concluamos juntos naquilo que nos é dever concordar, mas divirjamos
robustamente quando a Bíblia e a razão nos disser que não devemos enveredar
nesses caminhos tortuosos que nos levam à perdição. Louvado seja Deus que nos
leva o caminho reto, à luz da Sua Palavra. Enfrentemos os erros, derrubemos os
obstáculos, lancemos a luz da Palavra que manejamos sobre as sombras dos
pensamentos sinuosos. Conceitos abstrusos podem facilmente conter erros
imperceptíveis. Encontremos nos princípios recônditos da verdade o que é mister
possuirmos para deflagrar golpes certeiros e justos nas ideias que não condizem
com a verdade, mas que levam ao engano e que conduzem à desarmonia na beleza
original da doutrina bíblica. Não desvirtuemos o belo quadro da doutrina
revelada, não utilizemos cores e tons não adequados para a manutenção e
conservação da obra como o Senhor, Autor e Consumador da nossa fé nos entregou
para dela cuidarmos e comunicarmos aos outros.
A questão que será estudada é a soberania de
Deus e o livre-arbítrio do homem. A verdade de que Deus é soberano e o ser
humano é livre. Esse assunto foi bastante tecido durante a explicação e
reflexão sobre alguns pontos da doutrina reformada. Aqui será mais uma vez
esticado o assunto, mostrando, na medida do possível, aquilo que está conforme
a verdade, mas de forma mais incisiva, demonstrar as imprecisões, defeitos,
erros, inconsistências e contradições que o pensamento reformado apresenta,
como discorrido nesse singelo estudo. O objetivo é converter para a verdade, é
dialogar para unir, é usar dessa oportunidade para crescer na fé e na graça de
Deus, e não para dividir, ofender, e coisas desse tipo. Não são pessoas que o
estudo tem como matéria, antes uma doutrina, um ensinamento de um determinado sistema teológico. E essa é a
soberania divina e o livre-arbítrio humano segundo a teologia reformada.
Fazendo esse escrutínio, destacar-se-á da doutrina da teologia católica sobre
essa matéria.
A
Bíblia e a tradição apostólica fornecem respostas satisfatórias para a questão
do relacionamento do livre-arbítrio humano com a soberania de Deus. Nem tudo é
compreendido exaustivamente e sem necessidade de esclarecimentos, mas ao mesmo
tempo há uma resposta suficiente capaz de dar sossego ao coração que questiona.
Como a doutrina da Santíssima Trindade ultrapassa a razão, mas não a contradiz.
Deus é um, mas nele há três pessoas. Outra coisa seria afirmar uma pessoa em
três pessoas, o que contrariaria toda a regra do raciocínio humano e estaria
definitivamente refutado. Ou ainda, afirmar um Deus em três deuses, algo não só
impossível de conceber, mas diametralmente oposto à revelação. Entretanto, a
natureza de Deus e a relação das pessoas divinas no ser do Deus único comportam
coisas que estão além da compreensão, embora não contraditórias. De fato, Deus
é um só em três pessoas divinas iguais e realmente distintas. A três pessoas
compreendem uma só natureza, uma só substância, um só Ser divino. Isso nos
basta. O pensamento humano não consegue abranger completamente o mistério,
entendendo-o completamente, mas pode compreendê-lo satisfatoriamente e sem
sacrifício intelectual, sem negar o concurso normal do funcionamento da mente
humana. Alcançado o limite racional, completa-o o dado da fé. Antes, a razão
humana descansa na fé.
Coisas ocultas e coisas reveladas
Deus
não revelou tudo nas Escrituras, mas revelou o suficiente para sermos salvos. O
conhecimento que temos de Deus é suficiente para concluirmos coisas e Seu
respeito, de modo a estarmos certos do Deus único que servimos.
Dessa
forma, embora nem todas as coisas fossem escritas, tudo o que foi implica em
definir o modo de pensarmos sobre Deus e Sua doutrina. Deus impõe limites
certos e precisos, e orienta a razão para a luz da Palavra revelada. O que foi
revelado condiciona o pensamento de forma a não concluirmos algo contra a
revelação, mas condizente com ela. As nossas conclusões não podem estar em
antítese à Palavra de Deus, pois assim estarão provadas falsas.
Um
exemplo de coisa oculta tem a ver com a trindade. Essa doutrina não foi conhecida
no Antigo Testamento, mas foi ali indicada em várias manifestações de Deus. Em
Jesus foi revelada. No entanto, o que permanece oculto tem a ver com a precisa
relação que existe entre as pessoas divinas. Por isso é chamado mistério. É
preciso ter esse dado, que designa um princípio para usarmos mais adiante.
A respeito da liberdade do homem o Catecismo
da Igreja Católica, no parágrafo 1731, ensina que essa consiste no poder que há
na razão e na vontade para agir ou não agir. Quando o homem está na verdade e
na bondade, ele pode crescer através da sua liberdade, e somente quando estiver
ordenada para Deus é que essa liberdade é aperfeiçoada. Compreendido isso,
passamos à segunda parte dessa verdade. Ela se chama responsabilidade. O
Catecismo ensina que a liberdade é o fundamento da responsabilidade. Se o homem
não fosse livre, não poderia ser responsável pelos seus atos. Disso será
tratado ainda mais, mas é preciso que esse fundamento esteja estabelecido na mente
do cristão antes de partir para as considerações ulteriores no campo que está
sendo investigado, que é o da soberania e do livre-arbítrio.
Ademais,
o homem pecou por ser livre, e “a graça de Cristo não entra em concorrência com
a nossa liberdade” (Catecismo, n. 1742). Essas verdades simples, claras,
sólidas e profundas devem ser guardadas nosso pensamento. Da verdade para a
verdade, ou seja, com ensinamentos verdadeiros racionemos para estarmos na
posse de conhecimentos verdadeiros, transcorrendo no caminho da verdade.
Nem
sempre é fácil reconhecer os limites da razão. E não somente isso. Não é fácil
identificar onde está o limite. Dessa forma, muitos confundem a limitação da
razão sobre algo com contradição. Assim acontece quando alguém racionando sobre
a trindade e concebe o seguinte pensamento: “mas como pode três pessoas ser uma
só?”, “como pode um mais um mais um ser igual a um?”. De fato não pode. Esse
simples pensamento está correto, é razoável. O que não está, porém, é o entendimento
da questão, como já foi colocado antes, neste estudo. Deve-se entender o
conceito doutrinal, que afirma um só Deus em três pessoas, e não uma pessoa em
três! A definição afirma que em Deus há três pessoas, e isso a razão não
alcança, mas não encontra contradição. Não entendendo a definição, trabalha-se
com dados incorretos, e não a compreende por estar em campo alheio. Reconhecer
que o que está além da razão não significa que está em contradição com a razão.
O que está além da razão aponta para o seu limite. O que está contra a razão
revela um absurdo. A primeira realidade é natural. Essa última é inadmissível.
É
compreensível que haja mistérios, como ficou provado acima. No entanto, o
mistério é algo que pode ser entendido em parte, até mesmo em grande parte, mas
não totalmente. Apelar para o mistério quando a revelação chega a um certo
limite, onde Deus não quis mais revelar, e onde a razão encontra seu termo, é
algo plenamente justo.
Há,
porém, certas questões que possuem dados claros e disponíveis, que levam lógica
e necessariamente a uma compreensão, mas que muitos não querem efetivar a
conclusão exigida. Pelo contrário, desejam e afirmam parar nas afirmações, sem
intencionar uma relação entre elas. Se os dados são revelados nas Escrituras,
isso é um caso grave, pois o ensino está revelado e ainda assim é rejeitado. Se
não elementos são escriturísticos e que levam a algo que confronta a Escritura,
a situação é gravíssima.
É possível não concluir?
Parece
possível deixar uma questão aberta. Onde várias possibilidades são
apresentadas, e não há nenhuma entre elas que se imponha, é compreensível essa
atitude. Mas, não improvável que não haja conclusão, ainda que essa não seja
apresentada. Imagine o leitor a soma de dois mais dois. Logo o resultado vêm à
mente. De qualquer forma, um resultado aparece. Se não for 2, implica em erro,
mas a conclusão é alcançada. Imagine se fosse afirmado que dois mais dois
constituem apenas elementos que convergem para um resultado que desconhecemos,
que não sabemos explicar essa relação, que vislumbramos, mas que não podemos
resolver a operação porque há outro dado que nos previne disso. Isso não se
conformaria à razão. Não parece haver na revelação nada semelhante a isso.
Diante
de tantas passagens bíblicas, principalmente daquelas que apresentam uma
informação clara e que contrariam certa doutrina, o defensor da doutrina, não
disposto a dobrar-se diante do texto ou dos textos, apela para um futuro distante
afirmando coisas do tipo: “no céu saberemos”. Essa atitude depõe muitas vezes
contra o propositor. Há muitas coisas não reveladas, livres para serem
debatidas, e que aceitam várias respostas, contanto que não contradigam os
dogmas cristãos. No entanto, quando os dados são suficientes e abundantes, não
se pode privar de acatá-los em sua inteireza, e aceitar suas conclusões. Basta
pensar na elaboração da doutrina da justificação pela fé, onde isso é feito
magistralmente. Não podemos ir além do que está escrito, como ensina a
Escritura (cf. 1 Cor 4, 6), nem parar diante dos dados revelados, negando-os. Alguém
poderia dizer que isso é um modo inapropriado de solucionar o mistério, e que o
prudente seria não ir adiante. Isso é verdade, desde que o limite seja preciso,
como já apontado no caso da doutrina da Santíssima Trindade.
A
essa altura pode-se prever que haja concordância de que há mistérios, ou coisas
que não podem ser totalmente explicadas. Permanece incompreensível a exata relação
da soberania com o livre-arbítrio, constituindo um mistério.
O
homem não é um robô, mas é livre, age com vontade própria, e é responsável por
suas ações.
A negação da razão por Lutero
Certamente,
ao negar o valor da razão, Lutero influenciou muito do que o Protestantismo
estabeleceu em termos doutrinais, e da forma como apresenta as doutrinas. É
certo que Lutero não pôs em prática suas ideias referentes à razão, como
ninguém o pode. É um erro contrapor fé e razão. A fé e a razão são duas asas de
uma ave, como afirma o papa S. João Paulo II. Voltando à doutrina da trindade,
pode-se afirmar que não se chega a ela pela razão pura, mas a partir da
revelação bíblica pode-se entendê-la através da mesma razão. De fato, as
Escrituras apresentam o Pai como Deus, o Filho como Deus e o Espírito Santo
como Deus, e afirma a existência de um só Deus. A razão funcionando
corretamente dirá que as premissas 1. “as três pessoas do Pai, do Filho e do
Espírito Santo são reveladas na Bíblia como divinas” e “a Bíblia revela a
existência de um único Deus”, portanto as três pessoas formam um só Deus ou em
Deus há três pessoas. É um silogismo. Com os dados da Sagrada Escritura, pela
razão chega-se a compreender o mistério da fé da Santíssima Trindade.
Quanto à soberania e livre-arbítrio: o
que não conseguimos entender?
Não
conseguimos entender o modo pleno da relação entre as duas verdades. Deus é
soberano e o homem é livre. O mistério está em como acontece essa relação.
Sendo tudo isso verdadeiro, Deus não infringe a liberdade humana, nem o
livre-arbítrio do homem atrapalha os planos de Deus.
A
Teologia Reforma ensina que Deus é totalmente soberano. De alguma forma,
pode-se afirma que ensina que o homem é totalmente livre. Essa última
afirmação, porém, é qualificada, explicada pormenorizadamente, questionada,
escrutinizada, e no final das contas negada. Com isso acontece? Não será porque
a teologia reformada tem a prudência de não afirmar mais do que a Escritura
afirma? Não será porque os reformados deixam Deus falar e não adicionam nada
além do que Ele quis revelar? Pelo menos esse é a intenção do ponto de vista
reformado. Cumpre ver se isso de fato ocorre.
Pois,
como já foi afirmado antes, a teologia cristã católica afirma que Deus é
plenamente soberano e o homem plenamente livre, pois criado à imagem e
semelhança de Deus, que possui o livre-arbítrio, o homem participa dessa
prerrogativa de ser um ser dotado de livre-arbítrio. A diferença é que os
termos assim funcionam em todo o sistema católico. Parece não acontecer o mesmo
no sistema reformado.
Como
já visto anteriormente, a liberdade é a causa da responsabilidade. Uma vez que
o homem é livre, ele é também responsável. Caso por algum motivo esteja
perdendo sua liberdade diminui também sua responsabilidade. Uma vez perdida a
liberdade cessa igualmente a responsabilidade. São duas coisas entrelaçadas.
Uma implica na outra.
No
entanto, é comum os reformados tratar da liberdade do homem sob o conceito da
responsabilidade. É algo que parece furtar-se do uso do termo liberdade do
homem, da liberdade humana. Prefere-se para isso falar da responsabilidade do
homem. Isso porque por trás dos arrazoados está a negação do livre-arbítrio.
Isso
já foi mostrado no estudo, e devidamente refutado. Entretanto, nesta
continuação espera-se que o tema seja, embora não exaustivamente, porque o tema
requer muito mais estudo, pelo menos, suficientemente, basicamente,
fundamentalmente, definitivamente, liquidado e refutado. E, após isso, que o
leitor seja convencido dessa verdade.
A
suficiência acima aludida tem a ver com aquilo que é suficiente para formar a
opinião de quem está estudando o tema, e prepará-lo para ulteriores
aprofundamentos no sentido correto. Por isso, não é exaustivo.
Na
criação do homem já está estabelecido o livre-arbítrio. Deus comunica Sua Lei a
Adão e Eva, os põe à prova. Isso demostra o livre-arbítrio de ambos. (Gênesis
3)
A
queda no pecado original e a sanção imposta por Deus sobre o primeiro casal
humano demostra sua liberdade e responsabilidade. Foram totalmente responsáveis
pelo pecado cometido porque eram livres.
No
entanto, a teologia reformada, ainda que considere a luminosa clareza dos
textos bíblicos sobre a liberdade humana, continua negando o livre-arbítrio, e
procuram algum modo para entender o motivo do homem ser responsável diante de
Deus. Por si só isso revela algo importante: se o homem é livre é também responsável!
Por que procurar entender a razão da responsabilidade humana? Se a teologia
reformada reconhece que a Bíblia apresenta a real liberdade humana, por que
esforçar-se para entender sua responsabilidade?
De
fato, o vídeo não tem no seu título a soberania e a liberdade do homem, mas a
soberania e a responsabilidade do homem. O autor refere-se muitas vezes mais à
responsabilidade do que à liberdade. Parece mais comum na teologia reformada.
Chega a dar a noção de que são palavras sinônimas. Mas, não são.
Essa
predileção pelo uso do termo responsabilidade nesse contexto será revelado mais
adiante. Mas já se pode adiantar algumas ideias sobre isso. Na doutrina
católica o homem tem o livre-arbítrio e por isso é responsável. Na doutrina
reformada procura-se entender essa responsabilidade ensinada na Bíblia.
Contudo, o que muitos textos citados ensinam diretamente é a liberdade, e não a
responsabilidade do homem. Certamente isso acontece porque para os reformados o
homem é livre dentro de basicamente duas circunstâncias para a qual foi criado.
Se está sob a soberania de Deus, então tudo o que faz está predestinado e
preordenado para que faça, e se vive debaixo da servidão do pecado, viverá como
foram predestinados para viverem. Mas, ainda que necessariamente tudo o que foi
predestinado acontecerá, ele é responsável por isso. Desse modo fica difícil
entender o motivo da responsabilidade. O que antes estava fácil, sob a luz da
Bíblia, através da explicação católica, agora torna-se confuso e sombrio por
meio da teologia reformada. O que não continha nenhuma dificuldade importante
para crer e entender, agora é coberto de fumaça escura e densa. Quando o
mistério estava na relação entre a soberania e o livre-arbítrio, agora está
entre a soberania e o homem destituído do livre-arbítrio. As coisas ficaram
confusas.
A soberania de Deus na doutrina
reformada
Deus
é o soberano do universo, e nada pode acontecer que escape do Seu poder. Essa é
uma verdade. No entanto, a doutrina reformada introduz elementos que não podem
ser introduzidos nesse bojo.
Citando
o Salmo 33, 9 que diz: “Porque ele disse e tudo foi feito, ele ordenou e tudo
existiu”, o reformado entende que todas as coisas, incluindo todas as ações do
homem, o que abrange os pecados, estão aí inclusos nessa passagem.
Contrariamente
a isso, o texto está tratando da criação do mundo, onde Deus cria por Sua
palavra, ele “disse e tudo foi feito”. Os vv. 6.7.8 todos tratam da criação. Não
há lugar para entender mais do que isso. Ainda não está tratando da
providência, mas da criação.
Em
Mateus 10,29 o Senhor afirma que nem um pardal cai no chão sem o consentimento
de Deus. Todos os cristãos creem nisso, pois sabem que pela Sua providência na
ocorre fora do plano divino ou que possa atrapalhá-lo, cancelá-lo, frustrá-lo.
Ainda assim, é ir além do que o texto diz incluir todas as coisas como sendo
obras de Deus. Espera-se que está ficando clara a questão, mas ainda é
necessário ir mais profundamente.
Em
Atos 17,28 e Romanos 11,32 temos, resumidamente, que tudo o que fazemos é por
meio de Deus, e que tudo é para Deus. Dessa forma, a teologia reformada entende
que o início o meio e o fim de tudo o que acontece no universo é controlado por
Deus, está no seu decreto de predestinação, e acontece segundo a Sua vontade.
O
problema é que esses textos citados estão no contexto de salvação. Os cristãos
salvos, que estão na graça de Deus, vivem em Deus, se movem em Deus e existem
em Deus. O sentido tem a ver com essa verdade salvífica. Não se concebe o
pecador vivendo em Deus, agindo em Deus, existindo em Deus. É o filho de Deus
que assim se expressa, e não aqueles que não creem em Deus e estão apartados
dEle.
O
outro texto, o de Romanos, também está no âmbito da salvação. Ele mostra o
plano de Deus em encerrar todos no pecado a fim de salvar a todos. E após um
hino de louvor por isso, afirma que tudo é de Deus, por Deus e para Deus. Os
cristãos católicos entendem a criação e todo o bem e toda a graça são de Deus,
existem por meio de Deus e são para Deus. Isso exclui todo mal físico e moral,
todo pecado, toda iniquidade. Por isso não se pode afirmar que tudo o que
acontece é por meio de Deus. Para o reformado parece que as coisas não são
assim. É o que fica nas entrelinhas dos arrazoados que virão.
Ao
citar Provérbios 16, 4, já estudado antes, é afirmado que Deus criou o ímpio
com o fim de condená-lo, o que não é ensinado na Escritura. A passagem apenas
refere-se ao ímpio como criação de Deus, e que até suas más ações serão punidas
por Deus, engrandecendo Sua soberania. Deus não o fez para ser condenado, mas
ele será por sua própria culpa.
O
controle absoluto de Deus em Sua soberania não concorre com a liberdade humana.
Essa verdade não é levada em consideração nos esquemas reformados. De fato, ao
mostrar a liberdade do homem, ressaltando sua responsabilidade, como ensino
altamente expresso na Bíblia, e ao apresentar a soberania de Deus, como o
controle absoluto de Deus sobre todas as coisas, como ensino também Bíblico, o
reformado é levado a apelar ao mistério a questão da responsabilidade humana.
Isso foi revelado acima, agora está chegando o momento de entender melhor como
essa afirmação causa problema.
Essa
questão ficará manifesta quando se tratar do problema do mal moral. O mal das
calamidades, dos castigos, das punições, como as destruições das cidades Sodoma
e Gomorra, das guerras, das pragas e etc., são entendidos com punições de Deus
em resposta ao pecado da humanidade, e a Bíblia é enfática em mostrar isso.
No
entanto, ao tratar do pecado, do mal moral, a Escritura é igualmente enfática
em mostrar que Deus não tem nada a ver com isso, e que o homem é o autor do
pecado. Assim formulado, o cristão reformado não tem nada a objetar, e poderia
assinar em baixo, sem retrucar. Seria esse um ponto de acordo. Isso se as
coisas não fossem mais desenvolvidas no estudo, com serão ainda.
Entendendo a tensão entre soberania e
liberdade
Com
já afirmado antes, o entendimento completo sobre o modo em que a soberania de
Deus e a liberdade do homem funcionam juntas não é possível. Há uma compreensão
parcial. Entretanto, essa compreensão é satisfatória e suficiente.
É
citado o texto de Gênesis 45, 4-8, onde José é vendido por seus irmãos como
escravo e levado ao Egito. O texto revela que Deus enviou José para lá, como
salvação do seu povo. Fica então observadas a liberdade humana daqueles irmãos
de José que, fazendo o mal, venderam o próprio irmão, e por outro lado a
soberania de Deus que usou daquela circunstância para fazer o bem ao povo de
Israel, levando José a ser bem sucedido governante no Egito.
Tendo
o conceito de livre-arbítrio e soberania nas suas justas definições, a cena é
muito facilmente e belamente compreendida. Deus agiu soberanamente naquela
situação em que os homens agiram totalmente livres também. E dessa forma, Deus
levou o Seu plano de salvação adiante, apesar das adversidades provenientes da
maldade humana. O pecado daqueles homens ficou subordinado à soberania, e o
plano de Deus não foi frustrado. E ainda, a intervenção de Deus é sempre para o
bem, em vista da salvação, e para a concessão da Sua graça, ou para a justa
retribuição dos pecados, da iniquidade, da maldade da humanidade, quando
derrama justamente Sua ira. Não há lugar para que o pecado seja fruto e
resultado de uma ação de Deus ou de uma predestinação, ou pré-ordenamento
divino. Contudo, é isso o que parece ensinar a teologia reformada. Se não,
espera-se resposta corrigindo algum erro ou inexatidão aqui expostos.
Em
continuação, comentando a mesma passagem, a doutrina católica tem a correta
explicação da cena, mostrando Deus ativamente agindo para salvar José, quando
José tinha ativamente contra si os seus irmãos. As duas ações ocorreram
simultaneamente, ativamente, conforme a revelação, e Deus venceu. Com esse
resultado a teologia reformada concorda, e não poderia ser diferente. Porém, as
falhas que ela apresenta antes de chegar a esse termo serão manifestas adiante.
Citando
Êxodo 9, que fala do endurecimento do Faraó, a teologia reformada frisa
auto-endurecimento do Faraó e Deus endurecendo o Faraó, aceitando ambas as
ações, uma proveniente da liberdade do Faraó, e outra sendo feita por Deus como
punição. Nesse ponto, mais uma vez, a doutrina reformada parece estar de acordo
com a doutrina católica, mas não está. Isso fica claro quando a explicação de
um teólogo calvinista, que tenta conciliar as duas coisas de forma mais suave,
não é aceita. De fato, John Piper teria explicado a passagem como que o Faraó
endurecendo o seu coração, e Deus permitindo que ele fizesse isso. Como essa
explicação não condiz com o fato da Bíblia mostrar Deus efetivamente
endurecendo o coração do Faraó, ela não é aceita. Mas, ainda assim, parece que
a concordância com a doutrina católica permanece. Engano. A diferença é sutil,
por isso difícil de ser detectada.
Chega
enfim, à interpretação de Atos 2, 23; 4, 27-28; 1 Ts 2,11, que revela o ponto
fulcral de discordância em tudo o que está sendo tratado, mas que
superficialmente, e até mais ou menos profundamente, mostra-se como
concordante. A divisão é mais profunda do que parece.
Ao
comentar essas passagens, a teologia reformada ensina que até mesmo o pecado
foi predestinado por Deus, enquanto os homens que o executaram continuam sendo
responsáveis. Jesus foi enviado pelo Pai para morrer pelos pecadores, e os
pecadores são responsáveis por Sua morte; espírito da mentira é enviado a
pessoas para que creiam na mentira, e a doutrina reformada ensina que os homens
cometem o pecado por própria culpa e responsabilidade, mas por trás disso tudo
Deus cumprindo Sua Vontade e controlando soberanamente, tanto os atos dos que
crucificaram Jesus, quando o pecado dos que tiveram a operação do erro para
crerem na mentira, fazendo com que Deus tenha feito os homens caírem no pecado.
Tudo
isso assim posto, a tensão reconhecida pela teologia reformada está na relação
entre a soberania e a responsabilidade humana, pois uma vez que todas as ações,
de todos os homens, ímpios e salvos, são predestinadas, pré-ordenadas, e
efetivamente levadas a cabo por Deus, não há revelação da razão pela qual o
homem ainda é livre, dotado de vontade naquilo que faz, escolhendo livremente,
e ainda sendo responsabilizado por aquilo que fez cumprindo o decreto de
predestinação. De fato, a Escritura não responde a isso. E por que não? Já está
respondido acima, mas agora é ora de uma resposta mais clara, embora não
resumida.
Primeiro
será apresentada a resposta bíblica, depois uma refutação geral. A resposta da
Bíblia é que o Deus soberano não desfaz o livre-arbítrio humano, e somente
efetiva Seu plano com a consideração da livre ação dos homens. Ainda aqui, as
coisas precisam de esclarecimentos. Continuemos.
O
passo de 2 Tessalonicenses 2, 11, melhor contextualizado em 2, 9-12, ensina que
os homens que acreditarão na mentira do Anticristo são aqueles que não
cultivaram o amor, que os teria salvo, diz a Escritura. Por isso, continua a
Palavra de Deus, por causa desse pecado, Deus enviará um poder para que caiam
nas seduções do Anticristo, e por não crerem na verdade, e abraçarem o mal,
serão condenados. Dessa forma, o espírito do erro, o poder de engano, a operação
do erro será enviada sobre aqueles que escolheram o mal, não porque foram
predestinados para o mal, mas porque elegeram para si o que era mau aos olhos
de Deus, e tiveram sobre si o espírito do erro como punição. Isso acontece por
causa do pecado dessas pessoas, após o pecado e não antes. Eles não creem no
erro porque foram predestinados para isso, e não recebem o espírito do erro antes
de terem essa condição de dar ouvidos à mentira, mas depois. Deus pune seres
livres por seus atos pecaminosos. Deus não foi predeterminou isso. Esse ponto é
determinante, e a passagem deixa isso claro.
Da
mesma forma, Jesus foi mandado para morrer pelos pecados, por mãos de
pecadores, mas Deus usou das ações livres dos homens e as incluiu no Seu
decreto, para que assim fossem feitas segundo Seu propósito e predeterminação.
Os que a executaram foram desse modo livres, usando do livre-arbítrio, e por
isso são responsáveis. Eles não são responsáveis por algum mistério, mas porque
são livres. E essa liberdade que cumpriu a predestinação de Cristo foi real,
nasceu deles, sem predeterminação de seus atos, mas o Senhor quis deixa-los
agir livremente, vendo-os em Sua onisciência, em sua presciência, sabendo que
iriam agir assim nessas circunstâncias, enviou Cristo como Salvador.
Por
tudo isso, não há como fugir das conclusões. Se Deus predestina o mal, e
responsabiliza o homem que infalivelmente cumprirá essa predeterminação,
tornar-se-ia Deus o autor do pecado. Pela doutrina católica Deus não predetermina
o mal moral ou pecado, mas deixa livres os homens e puni aqueles que Lhe
desobedecem. São culpados por serem livres. Na doutrina reformada eles são
culpados por uma razão misteriosa.
Enquanto
em todo o cenário tratado o homem agia livremente ao passo que Deus também agia
livremente, quando toca a questão da salvação a teologia reformada afirma que
Deus somente age, e o homem é completamente passivo. Um outro desequilíbrio da
doutrina. A doutrina católica continua a ensinar que o homem é habilitado pela
graça, mas age com livre-arbítrio para responder. A doutrina reformada, negando
o livre-arbítrio afirma que o homem não age, senão Deus que tudo faz, mas ainda
o considera responsável.
Quando
alguns chegam ao extremo do calvinismo, e esposam o ponto de vista
hipercalvinista, ensinando abertamente a heresia de Deus como autor do mal
moral ou pecado, estão apenas levando as premissas às suas lógicas conclusões.
Se Deus 1. Predetermina tudo inclusive o pecado, e é soberano mesmo sobre o
pecado, e 2. O homem cumpre o que foi predeterminado, agindo livre e
responsavelmente, conclui-se que Deus é o autor do pecado, e o homem é
responsável porque Deus o fez responsável, o responsabilizou por aquilo que
necessariamente fez.
As
premissas 1 e 2, se estivessem corretas, só poderiam ser entendidas assim. No
entanto, o calvinismo, a teologia reformada principal, afirma que, ainda que as
duas premissas sejam verdadeiras, a conclusão não pode ser feita, mas permanece
um mistério. É o mesmo que foi mostrado antes, em relação à operação dois mais
dois, quando o resultado é conhecido, mas não pode ser afirmado. Quando a
doutrina católica reconhece o mistério na relação entre soberania e liberdade,
a doutrina reformada afirma que há mistério entre a soberania e a responsabilidade,
embora as premissas não apontem para o mistério.
Dessa
forma, a teologia reformada afirma que 1. Deus é soberano e predestina até as
ações más dos homens, e que 2. os homens possuem vontade livre para escolher e
agir, sendo responsáveis pelos seus atos, e Deus não é o autor das Suas ações.
É fácil ver que as premissas não levam à conclusão acima. Se os homens não
podem definitivamente agir de outra forma, pois não têm livre-arbítrio, como
poderia ser responsável? Deixando de responder, assemelha-se à doutrina
católica.
A
doutrina católica ensina que 1. Deus predetermina tudo levando em conta o
livre-arbítrio humano, e que 2. o homem age completamente livre, e não pode
frustrar os planos de Deus. Sendo Deus a causa primeira de tudo o que acontece,
nada pode ocorrer fora do poder divino. No entanto, Deus pode agir diretamente
e por meio de outras causas. Dessa forma, criando o homem com a possibilidade
de originar a partir de si mesmo ações deliberadas, sem qualquer
predeterminação, as suas escolhas estão sob sua responsabilidade, e quando peca
é ele o autor do pecado, e não Deus. Ele serve-se do poder que Deus lhe
outorgou, e sendo o homem imperfeito suas ações são manchadas por sua natureza
pecaminosa, são defeituosas no seu autor humano. Assim sendo, Deus é a causa
primeira de tudo, mas não é autor do mal, porque a criatura utilizou sua
liberdade de forma abusiva, causando defeito na obra por ele produzida.
A
noção de causa primeira e causa secundária é mantida também pela teologia
reformada, o que mostra sua semelhança com a teologia católica. No entanto,
afirma que mesmo as ações das criaturas, que são as causas secundárias, estão
predeterminadas por Deus, que efetivamente e não passivamente, faz com que elas
aconteçam. A permissão de Deus, na doutrina católica, é uma permissão diferente
na doutrina reformada. Deus pode permitir realmente, mas o reformado entende
que, por exemplo, Deus permite o homem cair em pecado, mas o leva por meio de
várias causas a esse fim e o responsabiliza, entendendo assim um mistério. Em outras palavras, é o homem que escolhe o mal, mas o mal que a que foi predestinado. Enfim, essa
doutrina não peca por recorrer ao mistério explicativo. Ela não pode concluir o que ensina.
Enquanto
que para a doutrina católica, Deus pode permitir a queda, o que significa não interferir
absolutamente em nada, deixando a criatura agir em sua liberdade, sem qualquer predeterminação
e pré-ordenamento, a doutrina reformada não vislumbra nada fora do decreto, e quando questionada afirma que é mistério.
Tudo
o que foi descrito acima mostra que a teologia reformada ganha sua força pela
semelhança que possui com a verdadeira doutrina católica. Ela afirma quase
todas as verdades que estão presentes em todas essas questões da soberania e
liberdade. Ela afirma a soberania de Deus, quase da mesma forma que a Igreja
Católica. Da mesma forma, afirma a liberdade de homem, em termos quase
idênticos ao do livre-arbítrio, afirma a providência, a eleição e a
predestinação. Afirma que Deus não é o autor do pecado, e que o homem é o único
responsável. Afirma que a salvação vem de Deus, e que a condenação é culpa somente do homem. A sua diferença essencial é em relação ao livre-arbítrio, definido
de forma diversa, e à sua não-conclusão, posto conter premissas errôneas. É uma
teologia que possui lógica, mas que opta por não usá-la em certos pontos
importantes, que revelaria sua natureza desequilibrada.
Fonte:
O
conteúdo que serviu para esse estudo de resposta está no vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=Qqx9GjsVhL0.
Nenhum comentário:
Postar um comentário