Eleição Incondicional
05) Vasos
de barro
Quem não aprendeu com o
Sínodo de Dort que Deus teria criado uns para salvação e outros para a
perdição? Mas, você sabia que Deus quer a salvação de todos, e criou o homem livre,
e não determinou que ninguém fosse condenado? Esse assunto será tratado aqui.
Em 2 Timóteo 2,14, o
apóstolo Paulo introduz um assunto bastante interessante que nos ensina muito
sobre a predestinação. Ele dá o conselho para evitar discussões, que “só servem
para perdição dos ouvintes”, e as más conversam que “contribuem para a
impiedade” (v. 16).
Ao mencionar a heresia
espalhada por Himeneu e Fileto (2Tm 2,17), entende-se que a “perdição” causada
por motivos de vãs discussões é a perdição eterna, já que pode se causada pela
adoção de heresias. Esse transtorno da fé de alguns, como está no versículo 18.
Nesse cenário nos lembra os que são fieis de Deus, citando Número 16,5: “O
Senhor conhece o que são seus”.
Então, introduz a bela
comparação da casa cheia de utensílios (σκεύη), uns de ouro e de prata, outros
de madeira e de barro, “aqueles para ocasiões finas, estes para uso
ordinário?”. (2 Tm 2,20) Ou seja, uns para honra (τιμὴν) e outros para desonra
(ἀτιμίαν·).
“Quem, portanto, se
conversar puro e isento dessas doutrinas, será um utensílio nobre, santificado,
útil ao seu possuidor, preparado para todo uso benéfico”. (2 Tm 2,21)
Usando do livre-arbítrio
envolvido pela graça, pode-se através da obediência tornar-se utensílio nobre. Fazer-se
um utensílio nobre ou um utensílio de uso ordinário pela obediência a Deus, é
uma verdade que aponta para a grande importância da vida de fé e boas obras, em
conexão com a santificação e a salvação.
É importante ressaltar
também o verso 25, visto que aprendemos que os adversários precisam do
“arrependimento e o conhecimento da verdade” para libertarem-se dos “laços do
demônio”. (v. 26) Ou o homem está agindo sob Deus ou debaixo das influências do
demônio.
Em Romanos encontramos uma
comparação semelhante, com enfoques específicos, onde a criatura olha para Deus
e não há razão para contestar Sua Vontade, como se um vaso de barro reclamasse
ao oleiro o motivo de fazer um vaso para uso nobre e outro para uso vulgar. (Rm
9, 20-21)
As imagens são diferentes,
mas o sentido idêntico. Em Romanos o apóstolo usa vasos de barro, iguais em sua
forma, diferentes no uso. Essa passagem muito debatida, o que demonstra sua
dificuldade intrínseca, deve ser entendida por outras mais claras, como a de 2
Timóteo comentada.
Mas, não só essa. A própria
continuidade da argumentação, Romanos 9, verso 22, é capaz de lançar luz sobre
o sentido do verso anterior. São Paulo responde à questão da justiça de Deus. “Onde, então, está a injustiça?”. E a
resposta é que Deus, “para mostrar a sua
ira e manifestar o seu poder”, suportou com paciência os objetos da ira
preparados para a perdição.
Lembrando que são vasos
iguais, de mesmo material, o barro, mas de uso diferente. Em 2 Timóteo a
diferença de uso está atrelada à prática das obras e à vida de fé. Isso insere
diferença nos usos dos vasos.
Eles são preparados para a
perdição no sentido de se prepararem assim. Da mesma forma, os que são vasos de
honra são aqueles que se conservam puros e sem heresias.
O que justifica essa leitura
é o próprio verso 22, que afirma que Deus tem suportado com paciência esses
vasos. Na mesma casa, a casa de Deus, há vasos de honra e de desonra, onde é
responsabilidade dos vasos se prepararem para o bom uso, servindo ao Senhor.
Essa é a doutrina das duas passagens em consideração.
Em nenhum momento a razão do
castigo dos ímpios foi a vontade de Deus, nem a implicação de que os vasos
foram criados para a perdição, porque Deus fez o homem bom (cf. Ecl 7,29), mas
exalta-se a justiça de Deus na Sua paciência ao suportar esses vasos.
O apóstolo poderia ter dito:
Onde está a injustiça, se Deus quis criar uns para a honra e outros para a
desonra e ponto!? Mas não.
Onde está a injustiça, se
Deus tem suportado pacientemente esses vasos de desonra? A paciência de Deus
mostra Sua justiça.
A pergunta: “Por que me
fizeste assim?” (v. 20) é uma ilustração. Outra é a do v. 21, quando fala das
diferenças de uso de vasos feitos da mesma massa. Como que perguntando: ‘Por
que me usaste assim?’.
De fato, está falando de
como o Faraó foi tratado no verso 17, passando pela explicação sobre a
misericórdia e o endurecimento, no verso 18, e pela pergunta enfática da queixa
e da impossibilidade de resistir à Vontade de Deus no verso 19.
Em nenhum momento é dito que
um vaso foi feito bom e o outro mal, ou que Deus cria um para usá-lo para o bem
e o outro para o mal. A ilustração tem a ver com a liberdade de Deus em tratar
Suas criaturas, escolhendo umas e não outras, para um determinado bom
propósito, e castigando a outros, como é segundo a Sua justiça. É a liberdade
que leva a isso.
A primeira ilustração
aplica-se bem ao caso de Jacó, a outra na questão referida cabe perfeitamente
ao Faraó. Não há injustiça da parte de Deus escolher uma determinada forma para
o Seu vaso. Também não há injustiça se um vaso Ele trata com honra e outro não.
Todos são criaturas de Deus e Ele faz com Suas criaturas segundo Sua Vontade.
Resta ver o motivo por que trata diferentemente. (2 Tm 2,20) E esse é preparado
pela criatura. (v. 21)
O mesmo foi usado antes para
realçar a justiça de Deus, no caso da escolha de Jacó. Dois meninos nasceram e
um foi escolhido. Deus preferiu a Jacó, mas não faz injustiça a Esaú, já que
não é obrigado por nada.
No entanto, sua rejeição a
Esaú não é para a perdição, como já afirmado, pois Deus não age contrariamente
ao Seu caráter santo.
Tudo isso está de acordo com
o início de todo o assunto, nos versos 11 e 12. Deus é livre nas Suas escolhas,
e antes que houvesse obras da parte de Jacó e Esaú, Ele escolheu o primeiro e
rejeitou o segundo.
Não para salvação e
perdição, como já visto no texto sagrado do Antigo Testamento que está sendo
citado, mas para eleição de Israel como povo, e embora não haja maldição de
Deus para Esaú como outra nação.
Esaú respondia pelos
próprios pecados. Parte-se dos indivíduos para falar das duas nações.
O contexto de Romanos 9 é a
salvação de Israel, irmãos do apóstolo segundo carne. (v. 3) Mas, para explicar
a dureza de Israel, São Paulo fala da promessa, razão da filiação, e não da
descendência meramente natural. (v. 8)
Ilustra a liberdade da
escolha de Deus com o fato de Israel ser servido pelo irmão mais velho Esaú,
como está em Gênesis 25,23, e a escolha de Jacó ao invés do primogênito Esaú,
em Malaquias 1,3, antes que nascessem e tivessem feito o bem ou o mal. Tratando
da posição de cada um no plano da salvação e não no sentido de salvar um e
condenar o outro. Eis a Palavra de Deus.
Deus é livre em mostrar Sua
misericórdia. Dois exemplos são lembrados, a palavra falada a Moisés em Êxodo
33,19, quando o profeta pede para ver a glória de Deus. Então o Senhor profere
as palavras “Dou a minha graça a quem eu dou a minha graça, e uso de
misericórdia com quem eu uso de misericórdia”, segundo tradução literal. Isso
significa que Deus usa de misericórdia com quem Lhe agrada. De fato, tudo o que
Deus faz é santo e nada pode manchar Seus desígnios.
E o caso do endurecimento do
Faraó em Êxodo 9, 16 após o Senhor ter revelado o derramamento dos flagelos,
caso o faraó não libertasse o povo conforme a vontade de Deus. O verso 16
mostra o motivo de Deus não eliminar de uma vez o faraó: mostrar o Seu poder e
glorificar o Seu Nome sobre a terra, “se” o faraó obstinar-se. (v. 17).
Esse é o sentido do motivo
do faraó ter sido levantado para cumprir esse desígnio de Deus. “Haverá
injustiça em Deus?”. A resposta é não.
De fato, o Senhor disse em
Êxodo 3,19: “Eu sei, no entanto, que o rei do Egito não vos deixará ir, se não
for obrigado por mão forte.”
Essa é a razão por que Deus
endureceu o coração do faraó, para o obrigar a deixar o povo sair da
escravidão. Deus sempre age para salvar, libertar, fazer o bem, mostrar Sua
justiça. Assim, o endurecimento do faraó tinha sido previsto por Deus e foi o
motivo do seu endurecimento.
Sabendo que o Faraó
endureceria seu coração, Deus agiu sobre ele fazendo endurecer ainda mais, e o
fixando nessa rebelião, que mesmo diante dos flagelos que viriam não deixaria o
povo sair, até que fosse mostrada toda a intervenção de Deus. Trata-se de um
castigo pelo pecado de desobediência do Faraó.
Michael Horton percebe isso,
e no seu sistema onde somente Deus tem o livre-arbítrio e o homem a livre
agência, um tipo de liberdade diferente para a criatura, ele afirma que as
passagens que falam que Deus irá endurecer o coração do Faraó vêm no começo,
citando Êx 4,21 e 7,3.
No entanto, a primeira
profecia vem primeiro, em Êx 3,19. Deus sabe que o Faraó endurecerá o coração,
e então ato de Deus é obrigar o Faraó por mão forte, a libertar o povo. Ele
então endurece o coração do Faraó por cima do seu coração já endurecido.
Não é totalmente correta a
explicação de Horton, que afirma que o “Faraó estava endurecendo seu próprio
coração em resposta à Palavra de Deus”, e Deus estava fazendo o que disse a Moisés
que iria fazer.
Na verdade, Deus antes mesmo
de endurecer o coração do Faraó, revelou que o mesmo não deixaria o povo sair
(Ex 3,19), e por isso endureceria seu coração.
Portanto, o Faraó já possuía
um coração petrificado. Deus opera em cada coisa de acordo com sua (da coisa)
própria natureza.
Se o coração do Faraó é
ruim, então Deus operará nesse coração segundo ele merece. Essa noção pode ser
percebida igualmente tendo em mente a livre agência, já que Deus não causa o
endurecimento, mas encontra um coração duro, mas afirma que esse coração não
poderia ser de outra forma.
No entanto, a passagem é
totalmente explicada pelo livre-arbítrio, já que Deus prevê uma ação livre do
Faraó e age por cima dela para realizar Seu plano de libertação. As nuances são
semelhantes, mas o livre-arbítrio é mais eloquente. Não somente isso, ele é
correto.
A liberdade de Deus usar de
misericórdia e justiça sobre as pessoas é realçada em Romanos 9,20-21. Por
isso, Deus pôde usar da dureza de coração do Faraó para mostrar Seu poder e
anunciar o Seu Nome sobre a terra. Esse é o sentido do texto, e não o de que
alguém foi criado para a condenação.
Os vasos de Rm 9,22 são
preparados (κατηρτισμένα) para a perdição, enquanto que os do versículo 23 são
que Ele preparou (προητοίμασεν) para a glória, usando a mesma palavra de
Efésios 2,10, sobre as obras que Deus preparou para que andássemos nelas. A
fraseologia é diferente quando se fala da condenação e da salvação. Para a
salvação o Autor é Deus, para a condenação é o homem.
São Paulo afirma que os
gentios procuravam a justiça e a encontraram pela fé, e os judeus procuravam a
Lei que desse justificação e não a encontraram. (Rm 9, 30) Porque não a
procuraram pela fé e “sim pelas obras”. (v. 31)
Para melhor resumir toda
essa questão no texto de Romanos 9, façamos algumas indicações importantes para
conhecimento do contexto dos três capítulos que versam sobre a eleição de
Israel.
Em primeiro lugar temos que
Israel possui dois sentidos no texto sagrado. Em segundo lugar, a eleição aparece
com duas nuanças correlatas, ambas fundamentadas pela promessa e graça de Deus.
Em último lugar, deve-se conhecer a base para a eleição e o motivo do
endurecimento que Deus realiza nos corações.
Essas coisas já foram
tratadas acima, mas com fins de fecharmos o argumento serão reunidas aqui no
contexto de Romanos 9, 10 e 11.
São Paulo fala de Israel
segundo da carne e segundo a promessa, afirmando que o verdadeiro Israel da
promessa está reservado pela graça, pois a recusa de muitos não significa a rejeição
do povo de Israel por parte de Deus. (Rm 11,1) Dessa forma, o contexto trata do
Israel natural e do Israel da promessa. (Rm 9,8)
Também temos que a eleição é
baseada na graça de Deus. Quando se diz que é pela graça, e que as obras não
são causa da eleição. (Rm 9,12-13) O caso de Jacó e Esaú é apresentado para
falar da liberalidade de escolha de Deus, assim como o fato do faraó egípcio
ter sido endurecido tem a ver com a justiça de Deus.
Sabendo a distinção entre o
Israel segundo o sangue e o Israel segundo a eleição da graça, temos a correta
interpretação de todo o texto. Isso está em Rm 10, 6, onde Israel é comparado
aos eleitos. Há em Israel um número eleito segundo a graça para provar que a
eleição de todo o povo continua de pé. (cf. Rm 11,1)
Chegamos então ao
endurecimento que Deus opera nos desobedientes. Ele o faz para salvar. Isso
está em Romanos 10, 7-8.
São Paulo afirma que ainda são chamado esses
que caíram por causa da incredulidade. Há em Israel os que
estão endurecidos (Rm 11,7), mas não o foram para ficarem assim, mas para a
salvação dos gentios. (v. 11) E estão endurecidos por que não creram.
Então, quando o tempo dos
pagãos for completado, os demais serão convertidos em grande número. São Paulo
fala do trabalho de pregação para levar alguns desses à salvação. (v. 13). Não
está aqui falando do remanescente eleito, mas dos outros que certamente estão
no endurecimento de coração.
São esses que serão
enxertados na raiz santa, onde já estão os pagãos convertidos. Essa parte de
Israel, em maioria, foi cortada pela incredulidade, e está endurecida, enquanto
que os gentios estão firmes na fé e enxertados na oliveira santa.
Nesse contexto é revelado,
mais uma vez, o livre-arbítrio dos que estão na graça, a possibilidade da perda
da salvação e a eleição de Deus pela graça.
O versículo 22 fala da
bondade e da severidade de Deus. Os que estão enxertados são exortados a
vigiar, para que não sejam cortados.
Da mesma forma, os que estão
na incredulidade possuem a esperança de serem pela fé enxertados de novo, “se
não persistirem na incredulidade”.
Estamos em contexto
salvacional, onde a eleição pela graça é permeada em todo texto.
Portanto, aprendemos da
Bíblia, que nos leva a toda boa obra e salvação, que Deus encerrou todos na
desobediência para usar de misericórdia com todos.
A eleição do remanescente e
de todo o Israel está baseada na graça de Deus, pois “Quem lhe deu primeiro,
para que lhe seja retribuído?”. Por tudo isso, é importante conhecer essa
distinção dos dois Israel, das duas eleições, do sentido da graça, e do motivo
do endurecimento, pois esse é sempre a segundo a misericórdia de Deus. A Deus
toda a glória. (Rm 11,36).
04) O
problema da negação do livre-arbítrio
A teologia reformada
ensina que o homem tem a liberdade escolher o que lhe agrada conforme suas
disposições. Porém, perdeu a capacidade de escolher o bem supremo de acordo com
sua natureza original.
Ainda assim é
responsável pelas suas ações, porque sua incapacidade em fazer o bem é de
origem moral, auto-imposta, feitas em Adão.
“Há uma certa
liberdade que é possessão inalienável de um agente livre, a saber, a liberdade
de escolher o que lhe agrada, em pleno acordo com as disposições e tendências
predominantes da sua alma”, como afirma Louis Berkhof.
“Mas o homem perdeu a
sua liberdade material, isto é, o poder racional de determinar o procedimento,
rumo ao bem supremo, que esteja em harmonia com a constituição moral original
da sua natureza.”
“O homem é incapaz
como resultado da escolha pervertida que fez em Adão”. (Louis Berkhof)
O mesmo ensina Wayne Grudem,
pois afirma que das passagens da Escritura que falam da falta de bem espiritual
no homem a Escritura “não está negando que os incrédulos possam fazer o bem na
sociedade humana em alguns sentidos”.
Afirma que os que não têm
Cristo podem fazer escolhas, mas “não têm liberdade no sentido mais importante
de liberdade – que é a liberdade para fazer o que é certo, e para fazer o que é
agradável a Deus”. (GRUDEM, Wayne, p. 498)
Portanto, o cristão
reformado comumente entende que o livre-arbítrio é a capacidade de escolher e
discernir o bem, estar voltado para o bem, poder escolher entre o bem e o mal,
no sentido mais importante, entre a salvação e a perdição.
Negando isso, porque o
pecado acorrentou a vontade, então nega o livre-arbítrio, pois esse não está
neutro, e está inclinado ao mal. Essa inclinação o reduziria a nada, a mero
nome.
O bem que o homem faz está
sob a influência da graça comum. No entanto, tudo o mais, a liberdade de
escolha, chamada de livre agência, é crido na teologia reformada. De forma
geral, muito do que o cristão católico crê sobre o livre-arbítrio, o cristão
reformado atribui à livre agência.
Mas, pode-se questionar essa
liberdade de acordo com a natureza, que escolhe segundo as inclinações da
mesma. Por isso, a doutrina reformada crê que a natureza deve ser trocada antes
que o salvo possa escolher a Deus. A regeneração viria antes da justificação.
Pensemos no sentido da
definição de liberdade dada pela doutrina reformada. O homem incrédulo é livre
para agir de acordo com as disposições da sua natureza decaída. Da mesma forma,
o homem salvo é livre no âmbito da sua nova natureza recebida na regeneração.
No primeiro caso, o
homem é livre para pecar, e no segundo é livre para servir a Deus. Na
escravidão do pecado não poderia passar a agir de maneira santa e agradável a
Deus ou, em outras palavras, executar algo que poderia efetivar a relação com
Deus.
Da mesma forma, o
homem salvo não poderia absolutamente agir de forma a desfazer sua filiação
divina, e sua comunhão com Deus, nem mesmo pela incredulidade, já que sendo
eleito de fato não poderia senão agir conforme a nova natureza, e mesmo que
caísse na mais crassa devassidão, ainda assim retomaria o bom caminho já que
infalivelmente Deus opera nele o bem querer, e não poderia por quaisquer meios
imagináveis cair da graça.
Esse é o traço
decisivo para pensar no livre arbítrio e na questão da livre agência e sua
diferença essencial.
Ainda deve-se recordar
que nessa doutrina reconhece-se que Adão teve o livre-arbítrio, mas que o teria
perdido pelo pecado.
Considerando esse
cenário, o cristão católico pode reconhecer alguma verdade, mas deve corrigir
essa visão de forma a evitar as conclusões heréticas.
De fato, cremos que o
homem possui o livre-arbítrio, podendo agir ou não agir. Sem a graça divina, o
homem é livre, no entanto pela concupiscência deixada pelo pecado original,
está inclinado totalmente ao mal, de forma a encontrar prazer no pecado e não
poder por si mesmo voltar-se para Deus e o escolher.
Do mesmo modo, o
homem salvo continua sendo livre, mas sendo impulsionado pela graça, está apto
a responder a Deus no uso do seu livre-arbítrio, podendo escolher o bem e
evitar o mal ou mesmo rejeitar a graça de permanecer no mal.
Antes da conversão
não há possibilidade de entrar no reino de Deus e ter comunhão com ele, já que
morto pelo pecado está sem a graça divina, perdida pelo pecado original.
Após a conversão, o
homem pode continuar a obedecer livremente a Deus, como pode igualmente
revoltar-se em desobediência contra o Senhor. Assim, tem-se que por sua
iniquidade pode cair da graça. Isso é o que está em Hebreus 6, 4-8, e que o
calvinismo não pode explicar totalmente.
A explicação de que
nessa passagem não se fala do crente verdadeiro não é convincente. Pois, como
um falso crente não pode mais voltar ao arrependimento? O texto trata da
apostasia da fé, e como poderia um falso crente apostatar da fé? A revelação
não fala de aparências.
Tendo isso em mente, pode-se
apontar vários pontos de contato entre as duas doutrinas. Ambos, o cristão católico
e o cristão reformado crêem no livre-arbítrio de Adão.
Também crêem que o
homem pode fazer livres escolhas, e por isso é responsável pelo seus atos.
Crêem igualmente que
o homem não pode iniciar o processo de salvação, não pode sair do estado de
pecado e passar à amizade com Deus por suas próprias forças. A graça é
necessária.
Uma vez salvo,
continua a agir livremente, mantendo responsabilidade por suas ações diante de
Deus. Ambos crêem que Deus faz o chamado pela graça, e que o homem pecador
resiste naturalmente à graça de Deus, e deve ser por ela convencido.
Também crêem que uma
vez chamados pela graça, recebem o dom da fé, crêem em Cristo, arrependem-se
dos pecados, confessam a fé em Cristo e são salvos. Em linhas gerais esses são
pontos de concordância.
Partamos agora à
consideração nos quesitos de discordância. O cristão católico crê que o homem é
livre e somente pode ser convertido com o auxílio da graça de Deus.
Sendo chamado pela
graça, responde livremente, quando as cadeias do pecado são desfeitas. Pode
resistir à graça, ser convencido por ela, mantendo a possibilidade negá-la.
Recebe a nova
natureza, agora liberta da escravidão do pecado e em amizade com Deus, para
poder servi-Lo de coração. O cristão reformado nega a possibilidade de negar a
graça.
Da regeneração
entende ser o primeiro passo, antes da justificação, pois entende que o homem
sai do domínio do pecado e passa para o domínio de Deus. Como do pecado não
podia passar para Deus, assim uma vez servindo a Deus não pode voltar ao pecado.
A livre agência manteria apenas as ações segundo as determinações de Deus.
Para o incrédulo,
restaria apenas agir conforme as determinações para obedecer a natureza
pecaminosa.
O livre-arbítrio, por
sua vez, reconhece que o homem convertido pode agir contra a vontade de Deus a
ponto de perder a graça, pois conhecendo o bem e o mal pode voltar para o lugar
de onde veio. Se apostatar perde a graça totalmente. O texto de Hebreus ensina
isso.
Assim, ele é
responsável por agir livremente. É livre antes da graça, continua a ser após
auxiliado pela graça. A diferença do salvo é que que agora ele pode crescer na
liberdade.
Qual doutrina
coaduna-se com a revelação bíblica? Algo que indica a correta interpretação é a
facilidade que a doutrina verdadeira tem em ser provada pelas Escrituras, tanto
no texto em si, como no contexto próximo, como no teor geral das Escrituras.
Isso não quer dizer que algum texto não seja difícil, aparentemente obscuro ou
que não haja dificuldade. Isso ocorre, mas à luz de uma leitura atenta
consegue-se entender satisfatoriamente, e refutar a visão ou opiniões opostas.
Por outro lado, a
interpretação errônea tem consigo a dificuldade que a doutrina falsa tem em
fundamentar-se nos textos bíblicos, tendo que explicar muitas e muitas
passagens bastante claras em si, por meio de outras, e não passagens difíceis
ou que contenham alguma ambiguidade. Encontram muitas barreiras para serem
aceitas. Mas conseguem.
O texto de Hebreus 6,
4-8 é um exemplo, pois facilmente é entendido em considerando o livre-arbítrio.
Mais sobre essa questão será tratado em outros subtítulos.
03) A fé que salva é um dom
Agora
vejamos se Deus dá o dom da fé a todos ou nega o dom da fé a alguém. João 1,12
afirma que a todos os que receberam Jesus, Ele deu o poder de tornarem-se
filhos de Deus. Eles primeiros creram, quando tantos não creram, como está no
verso 11. Não é hora de explicar o motivo por que não creram, apenas o fato.
Mas,
tenhamos a passagem de Mateus 16, 17, onde é revelado a Pedro a identidade de
Jesus como o Cristo Filho de Deus. Essa revelação não partiu da natureza
humana, mas foi dada por Deus. Assim, São Pedro acreditou.
Em
Mateus 11, 25 também temos a revelação de que Deus esconde coisas aos sábios e
entendidos, e as revela aos pequeninos, para que creiam. Antes de lhes serem
revelados não creriam.
O
mesmo encontra-se em Gálatas 1,15, quando o apóstolo fala da sua eleição para o
ministério apostólico, desde o seio da sua mãe, que o chamou pela graça. Nessa
ação de Deus encontra-se o dom da fé, que é dado ao homem para que creia.
O
fato de muitos não crerem está na sua liberdade e responsabilidade. Por isso,
em 2 Coríntios 2,4 fala da cegueira espiritual causada pelo Demônio naqueles
que se perdem.
Portanto,
como ensina a Bíblia, o Catecismo da Igreja Católica transmite essa verdade de
que a fé é um dom de Deus. A graça de Deus vem ao coração do homem, e o
Espírito de Deus move o coração e o converte a Deus. (Catecismo da Igreja
Católica, n. 153)
No
entanto, também ensina que a resposta do homem a Deus também é fé, que é
nascida do homem, livremente, como ato humano. A graça abre os olhos do coração
(cf. Ef 1,18, Catecismo n. 158) e o homem recebe a fé respondendo com a sua fé
agora na graça de Deus. Nesse particular a doutrina reformada mantem a verdade
católica.
Então,
Cristo atrai o homem a Si. Todo aquele que o Pai Lhe deu. Assim, Deus Pai
entrega a Jesus os que devem ir a Ele para serem salvos, e Cristo tem a
incumbência de não deixá-los perder. Essa verdade será explicada adiante.
2)
Embora
os reformados neguem o livre-arbítrio, eles crêem que o homem é livre, possuindo
livre agência, responsável pelas suas escolhas, e que todos indistintamente
estão em rebelião contra Deus. Essa explicação não tem, aparentemente,
diferença da doutrina católica. No entanto, afirma que somente os eleitos serão
convertidos no meio dessa massa caída, por terem sido alvos da salvação na
eternidade. E a liberdade que possuem segue sua natureza, caída ou regenerada,
o que introduz problemas sérios quando analisada detalhadamente, pois não é o
mesmo que livre-arbítrio.
Para
entender melhor, é afirmado que o decreto de Deus visaria salvar muitos dentre
os perdidos, deixando os demais seguirem o próprio caminho, não os impelindo
para tal e nem impedindo que venham a se converter. No entanto, essa explicação
encontra lugar no coração de muitos porque ela tem aparência de verdade e usa
linguagem que transmite um conceito verdadeiro.
É
verdade que Deus não impele ninguém ao mal, nem que impeça de ouvir e aceitar o
Evangelho. Mas, sabemos que os que não aceitam a salvação são livres para assim
agirem. Eles recebem o apelo do Evangelho, são alcançados pela graça do chamado
e, já postos pela graça em condição de responder a Deus, são capazes de aceitar
ou recusar a graça. É igualmente verdadeiro que Deus não impede que o homem
salvo escolha o mal ou que force o ímpio a vir a Cristo.
Para
a teologia reformada as coisas não são bem assim. Os ímpios deixados segundo as
inclinações de sua própria natureza agem contra Deus livremente porque não
estão no decreto divino de salvação, e não recebem a graça da salvação porque Cristo
não teria morrido por eles, e a fé nunca estaria disponível para eles.
Eles
têm natural rebelião contra Deus por viveram na natureza pecaminosa, mas não
lhes seria oferecido nada que os pudesse tirar desse estado, já que não
existiria meio disponível, pois a morte de Cristo não teria comprado nada para
essa parte da humanidade.
Quando
lemos as Escrituras não há esse cenário. Encontramos ensinada a doutrina cristã
católica, por todas as Escrituras, mas nada que soe de acordo com essas
terríveis afirmações acima. Calvino afirmava que Deus predestina para a
condenação pelo seu próprio prazer, pela Sua Vontade. É o que continua a ser
afirmado pelos reformados desde os cânones de Dort.
Muitos
pensavam que não importava a vida que levassem, se fossem do número dos eleitos
seriam salvos, se dos reprovados seriam condenados. Não há muitos que creem
totalmente nessa afirmação, já que logo afirmaram que é necessária uma vida de
boas obras também. Isso já foi tratado em outra postagem. Para os que creem,
esses não encontram apoio nem no meio reformado histórico.