Capítulo 3
Tratar de temas correlatos da eleição e predestinação ao apreciar os argumentos de Owen parece ser útil. É o que se fará aqui, à medida que o argumento exigir maiores esclarecimentos.
Assim, morte de Cristo foi predeterminada por Deus (cf. Atos 4, 28). Deus está na eternidade, e até o tempo foi criado por Deus. Assim, para Deus tudo é presente, e o conhecimento das coisas é exaustivo, completo, infalível.
Dessa forma, Deus pode
predeterminar coisas, fazer planos, e fazer certa todas as partes do mesmo,
incluindo as circunstâncias, as contingências e ações livres das criaturas.
Deus é absolutamente livre, e é santo, justo e bom.
O livre-arbítrio não é
eliminado pela predeterminação de Deus, nesse sentido, quando o Senhor faz Seus
planos, como o fez para a salvação da humanidade, em que a liberdade é incluída
no decreto, e assim aquilo que os pecadores fizeram para crucificar Jesus não
foi causado por Deus. Não foi tornado certo pelo decreto, mas foi incluído no decreto
por ter sido antevisto e entrado na determinação de Deus.
Entretanto, nesse caso
específico, da morte de Cristo, a mão e o propósito de Deus predeterminaram
tudo, de forma que nada pudesse frustrar o plano de Deus.
Será isso afirmar que
todas as ações dos homens em todas as circunstâncias são predeterminadas por
Deus? Não. Deus predeterminou a morte de Cristo, usando dos pecados cometidos
livremente pelas criaturas, como sempre nos mostra as Escrituras, sobre o modo
de agir de Deus.
As ações humanas são
todas livres, incluindo as daqueles que levaram à morte o Filho de Deus, mas
são conhecidas de antemão, e incluídas no decreto divino, que conhece todas as
coisas.
Por exemplo, Cristo
disse que ninguém poderia tirar a Sua vida, mas Ele a daria livremente (cf.
João 10, 17-18). Isso não quer dizer que os homens que mataram Cristo foram
forçados fazê-lo pelo decreto divino, nem que o decreto tenha causado a ação de
matar Cristo, nem que o decreto tenha causado algo que eles não quisessem
fazê-lo caso contrário, mas que não poderiam atingir a vida de Cristo se Deus
não o permitisse, e que o decreto incluiu a liberdade que tinham para levar
Cristo à morte, e Cristo mesmo Se entregou no momento oportuno, e os mesmos
fizeram o que quiseram, conforme predeterminação divina, assim bem entendido, e
conforme eles mesmos desejaram fazer.
Somente em um cenário
onde não há livre-arbítrio os atos seriam predeterminados, mas como será visto
em muitas oportunidades nesse estudo do livro, a Bíblia não ensina essa liberdade
predeterminada.
A punição de Deus
inclui até mesmo o afastamento dele e o endurecimento do coração, a ainda assim
o homem pode voltar-se a Deus pedindo Sua graça, como ficará claro mais à
frente.
Voltando à questão da
redenção, e não perdendo de foco o tema da redenção universal, acompanhemos os
argumentos de Owen.
A entrega de Cristo ao
mundo para morrer pelo mundo é obra do Pai, e por isso Ele a predeterminou de
antemão, por Sua mão e propósito. É obra dele. Isso não significa que cada ação
dos pecadores fosse predeterminada no decreto divino, mas que foram inclusas
segundo a sabedoria de Deus para cumprir o que Deus quis.
O envio de Cristo e a
punição posta sobre Ele pelos pecados é obra do Pai, como mostra Owen. Dos
textos que falam desse envio de Cristo, muita coisa pode ser lida no sentido da
redenção universal.
O primeiro é o envio de
Cristo por amor ao mundo, para que o mundo seja salvo por Ele. O mundo é
basicamente apresentado em três sentidos no evangelho, como mundo criado, como
a humanidade e como mundo oposto a Deus. Às vezes os sentidos estão muito
próximos uns dos outros.
Por exemplo, Jesus não
veio condenar o mundo, mas para salvar o mundo. O mundo aqui é a humanidade ou
sistema oposto a Deus? Certamente a humanidade, mas o mundo mau oposto a Deus
também necessita da graça da conversão, e é parte da humanidade.
Jesus não pediu ao Pai
pelo mundo. Pela humanidade ou pelo mundo maligno? Certamente, pelo mundo
maligno. Por aqueles que no momento estavam contrários ao evangelho, recusando
a aceitação da salvação. E, ainda, por aqueles que resolutamente se colocam
contra a graça, contra o anúncio da salvação. Dessa forma, Cristo não ora por
quem rejeita a graça comum a todos, que chama a todos, que atrai todos, por
oferecerem impedimento após o chamado.
Jesus veio na carne na
semelhança da carne de pecado para condenar o pecado na carne, para que a
justiça da Lei seja cumprida em nós, como está em Rom 8, 3.4. Jesus veio na
semelhança da humanidade pecadora, e por isso pode compadecer-Se por todos os
pecadores, e não somente por muitos.
A propiciação é através
da fé no sangue de Cristo (cf. Rm 3, 25). Isso já inclui a fé como condição
para receber o efeito da propiciação. Cristo submeteu-Se à Lei para salvar os
que estavam sob a Lei (cf. Gl 4,4-5). Foi enviado para salvar (cf. Is 19, 20).
Esse último texto, de
Isaías, está no contexto em que se vislumbra a universalidade, a começar pela
inclusão do Egito, que se converterá, e da Assíria, que se juntará também ao
culto do Deus verdadeiro, ao lado de Israel. Não se fala de indivíduos
escolhidos entre as nações, mas da conversão das nações, em sentido geral.
Em referência a 1 Tm 4,
10, embora Owen explicou que se referia não à obra redentora de Cristo mas à
providência de Deus que atinge a todos, o texto de Tito 3, 4 afirma algo
diverso, corroborando que isso não é relativo à providência geral apenas, mas
alude à obra redentora de Cristo por todos.
De fato, no verso 4
está escrito “nosso Salvador”, e logo
após, “o seu amor para com os homens”. Não se diz imediatamente que o
amor é para os eleitos, ou somente para nós, o que não mudaria o sentido, mas
que é oportuno reassaltar, mas o amor geral, para com os homens, todos eles,
todos os pecadores, de sorte que “nós”,
conforme o contexto, “ele nos salvou”
(cf. Tt 3, 5). Novamente o amor geral e a salvação aplicada nos que creram e
foram batizados.
Entre outras coisas, o
verso 11 afirma que a perseverança no pecado traz a condenação. A prática do
bem (v. 8) e o evitar coisas nocivas ao evangelho (v. 9) são exortações da
passagem. Não são apenas meios utilizados para avivar a quem não poderia perder
a salvação, mas reais meios empregados para exortar contra o perigo da perda da
salvação.
Esse esforço para
aperfeiçoa-se na prática do bem, esse perigo de condenação, a condenação de si
pelo pecado, são coisas dignas de nota, para que o reformado compreenda que
tais noções, ainda que relativamente explicadas do ponto de vista reformado, e
muitas vezes com aparência de explicações satisfatória, ferem a compreensão
clara que essas passagens fornecem.
Owen fala da imposição
autoritativa do ofício de Mediador. Cita o Salmo 2, 7.8 com o objetivo de
mostrar essa qualidade de envio de Cristo pelo Pai. Façamos ainda algumas
considerações no texto para mostrar algo que implica em redenção universal.
Essas passagens não são
assim consideradas na teologia reformada, nem foram citadas por Owen com esse
intuito, mas aqui serão feitas essas abordagens por servirem de argumento maior
contra a expiação limitada defendida por Owen.
O verso 1 fala das
nações, no sentido geral, universal, sem excluir nenhuma nação pagã. O verso 2
menciona os reis da terra e os príncipes, o que também não prevê nenhuma
limitação, mas que se refere fundamentalmente as todas as autoridades do mundo
gentio.
Por isso, o verso 8:
“...Te darei por herança todas as nações”
é expressão que inclui a todos os povos e indivíduos neles, sem implicar em
salvação universal, pois as condições para a salvação são bem estabelecidas.
Essas passagens mostram o propósito universal de Deus em enviar Cristo como
salvador e governante de todas as nações.
O mesmo é ensinado em
Isaías 49, 6: “Disse-me: “Não basta que
sejas meu servo para restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os fugitivos de
Israel; vou fazer de ti a luz das nações, para propagar minha salvação até os
confins do mundo”.
Os reformados dirão que
essa propagação da salvação é apenas exterior, a todos, para que os eleitos,
muitos entre as nações, sejam despertados e chamados, e assim a expiação seria
feita somente por eles. Outro argumento de Owen para a oferta indiscriminada da
salvação seria o valor todo suficiente da redenção.
No entanto, essa ideia
vem de todo o sistema que foi montado na teologia calvinista, e não a partir do
que o texto está ensinando.
O Senhor afirma da
restauração das tribos de Jacó, e da recondução dos fugitivos de Israel, da luz
das nações, que é profecia sobre Cristo, e anúncio da salvação até os confins
do mundo, como está em Mateus 28, 19-20 e Marcos 16, 15-16.
Não haveria nenhuma
necessidade de anunciar a salvação a todos se essa salvação não fosse para
todos. Ainda, que a base para o anúncio a todos fosse somente porque os eleitos
habitam em todas as nações, ainda assim esse entendimento não seria
satisfatório, quando o Senhor não oferece limite à salvação, o que implica que
não há limite no Seu propósito de oferecer o sacrifício em favor de toda a
humanidade.
E mais. O texto de
Isaías 49, 6 é citado em Atos 13, 47, um verso antes de Atos 13, 48, tão
oportuno para provar a redenção ilimitada.
Como já explicado, esse
texto também está totalmente de acordo com a doutrina da redenção universal, da
eleição e predestinação, como ensina da fé católica, e sem os problemas que a
teologia reformada levanta.
Há algo no verso 45 que
lança luz ao que está sendo apresentado. São Paulo e São Barnabé dizem aos
judeus: “porque a rejeitais e vos julgais
indignos da vida eterna, eis que nos voltamos para os pagãos”.
O grego traz a seguinte
expressão: (mas (epeide) vocês
rejeitam (apotheisthe) ela (auton) e (kai) não (ouk) dignos (axious) vocês julgam (krinete) vós mesmos (heautos) da vida eterna (tes aiouniou zoes).
O texto sagrado afirma
que eles não se julgavam dignos da vida eterna, e não que o Senhor não os
julgava assim, nem que não os incluíra soberanamente no conselho e decreto de
salvação, nem que o decreto causou tal rejeição, nem que o decreto tornou certa
a rejeição da salvação, mas que eles mesmos não se julgaram dignos da vida
eterna.
Diante da salvação
proposta a todos, e do anúncio da salvação igual para todos, sem exclusão de
nenhum ser humano, onde os que estavam
predispostos (tetagmenoi) para a vida
eterna fizeram ato de fé, isso mostra que o Senhor deixou aqueles que
recusaram voluntariamente e claramente o chamado para a salvação, livres para
rejeitar, e aceitou os que voluntariamente receberam e fizeram ato de fé.
De fato, afirmar que a
salvação deverá ser feita até os confins do mundo é garantia de Deus para a
providência de meios salvíficos que fluem da cruz de Cristo a toda e qualquer
pessoa.
Aqueles creram porque estavam ordenados à vida eterna,
ou estavam ordenados à vida eterna porque
iriam crer?
A passagem não permite
total resposta a essa pergunta. No entanto, ao afirmar que os que estavam
ordenados à vida eterna fizeram ato de fé, isso pressupõe o ordenamento antes
do ato de fé, sem problema para a soberania e o livre-arbítrio, já que o Senhor
mostra a Sua misericórdia e quer a salvação de todos, e por isso predestina o
pecador que aceita a graça e entrega-se a Deus, sendo ordenado para a vida
eterna.
Ao mesmo tempo, Deus
reprova o que oferece em si impedimento para a graça, uma vez tocado por ela,
como o contexto mostra claramente. São os que rejeitam a verdade.
Os que se convertiam
eram exortados a perseverar na graça de
Deus, a fazerem sua parte, a continuarem na graça, a usufruírem da graça.
Essa noção está no em Atos 13, verso 43. Primeiro recebem a graça, fazem ato de
fé, e são instados a continuar, a perseverar na graça. Isso implica que os
eleitos perseveram na graça.
Por sua vez, os que não
aceitaram “encheram-se de inveja”,
uma paixão bastante negativa, um pecado diante da pregação do evangelho também
feita aos gentios, “e puseram-se a
protestar com injúrias contra o que Paulo falava”, o que mostra o motivo
por que não foram convertidos. A pregação a todos foi vista por eles como
motivo de inveja e protestos e injúrias, o que revela a rejeição da graça ali
anunciada, e revela o livre-arbítrio de cada um.
Por isso, diz
abertamente a Palavra de Deus, aquelas palavras eram dirigidas em primeiro
lugar a esses que estavam rejeitando a pregação apostólica, pois eles não
quiseram, a rejeitaram e, desse modo, julgaram-se indignos da vida eterna,
dando razão à mudança de público no anúncio da salvação (cf. Atos 13, 45). Eles
mesmos se puseram fora do escopo do anúncio da Palavra que era para eles em primeiro lugar.
Os elementos que temos
é o anúncio da Palavra de Deus aos judeus ali presentes, o que é conforme o
propósito e eterno conselho de Deus. Deus não enviaria a Palavra da salvação a
um público que não devesse receber a graça da cruz.
Temos a rejeição da
Palavra por aqueles que a ouviram e eram objeto do anúncio, e, portanto, se julgaram
indignos da vida eterna. Isso mostra que o decreto de Deus inclui o livre-arbítrio
para responder à graça.
Ainda, vemos que é
necessário perseverar na graça recebida. E por fim, vemos que os que estão
ordenados à vida eterna recebem a Palavra com alegria, com glória (v. 48).
Por tudo isso, antes de
pensar num decreto de eleição e predestinação que ordena uns e deixa outros de
fora por puro beneplácito divino, essas revelações orientam a doutrina
metafísica da eleição, de que o Senhor quer salvar mesmo aqueles que rejeitam a
graça, e ordena à vida eterna os que perseveram nela. Isso mostra que Cristo
morreu por todos, pois não receberiam a graça do chamado se a mesma não tivesse
sido adquirida por Cristo.
Em outras palavras, o
anúncio universal prova a redenção universal. A perseverança na graça leva à
graça da perseverança final.
Ainda, o texto mostra
que eles rejeitaram o que foi preparado em primeiro lugar para eles, o que só
pode estar na eterna vontade e propósito de Deus a salvação dos mesmos. Por
isso, a salvação foi oferecida a eles, mas puderam finalmente rejeitá-la. Foi,
então, o propósito de Deus frustrado? De jeito nenhum, pois a recusa da graça
foi antevista e permitida por Deus, o que faz com que quem assim aja esteja
fora do decreto de predestinação.
Por tudo isso, Deus
somente exclui da salvação os que após a oferta da mesma, pela graça oferecida
por Cristo, ainda a rejeitam, fazendo-se indignos da vida eterna adquirida pelo
Redentor na cruz. Portanto, a redenção é universal.
Portanto, Owen mostra
que Deus prometeu dar um Salvador e um Mediador a Seu povo, dando a Ele a
plenitude de todos os dons e graças, a perfeição e excelências espirituais,
preparou Jesus para Sua obra e ofício, e entrou em aliança com Ele,
protegendo-O e assistindo-O, e garantindo o sucesso da Sua obra. Pois bem.
Então, Owen afirma que
toda a obra foi para juntar a Igreja gloriosa dos crentes, entre judeus e
gentios, de todo o mundo, derramando Seu amor e os frutos desse amor sobre os
eleitos em fé, santificação e glória, colocando sobre Cristo a maldição da Lei
e o castigo correspondente, onde Cristo morreu em nosso lugar.
Tudo isso é entendido
como sendo objetivo da mente de Deus para ser feito apenas por um número de
pessoas e não por toda a humanidade, o que é o erro de Owen. Tudo o que e a
Escrituras mostram abrem o plano de salvação a todos, e aplica nos que creem,
sem limitar a redenção.
Cristo morreu pela
humanidade, foi feito pecado na cruz, ou seja, tornou-Se o sacrifício do
pecado, tendo sobre ele a maldição da Lei, sofrendo a condenação da lei em nome
da humanidade, para que todos pudessem ter nEle a redenção, a salvação, a
purificação, a santificação, a justificação e a glória.
Cristo morreu em lugar
da humanidade inteira, e isso não torna a humanidade salva pelo fato da morte
de Cristo, pois a doutrina do evangelho impõe a condição da fé a todos, e
promete a eficácia do sacrifício redentor e os frutos do sacrifício a todos os
que creem, forem batizados e perseverarem na fé tratando da doutrina geral da
salvação, o que diverso de afirmar que o sacrifício foi feito para que alguns creiam.
A doutrina bíblica é
que o sacrifício de Cristo será experimentado pelos que creem e não que fará alguns crerem para dele
participarem. Essa é a conclusão da doutrina de Owen, mas não é conclusão
necessária, como ficará bastante clara no estudo do livro.
Todas as coisas
apresentadas, formidavelmente por Owen, sobre o envio de Jesus e o preparo do
Pai para o sacrifício redentor do Filho, é verdadeiro, mas há algo na essência
da morte substitutiva de Cristo, que Owen introduz e que causa problema para a
harmonização de muitíssimas passagens bíblicas, que são justamente aquelas que
se colocam como problemas a serem resolvidos pelos calvinistas, e que o próprio
Owen se pôs a responder exaustivamente em seu livro.
Por isso, a morte
substitutiva não é substancialmente o que o reformado pensa sobre ela. Existe a
substituição, mas ela tem um caráter diverso. De fato, Cristo não morre por
alguns, garantindo somente a salvação desses, mas morre por todos, cumprindo
toda a justiça de Deus, entregando o Seu sacrifício por amor dos pecadores,
para que todos os que tiverem fé em Cristo possam ser salvos. Isso já supõe o
livre-arbítrio, o que é negado radicalmente na teologia reformada.
Isso supõe igualmente a
redenção universal, pela infinita suficiência do sacrifício, que antes de
prevenir que algo seja desperdiçado,
que uma gota do sangue precioso do Salvador seja desperdiçada, previne do erro
de se pensar que alguém tenha sido deixado fora, e que parte do valor da
redenção não tenha sido usado. De fato, se nem todos são salvos isso não
diminui a suficiência do valor do sacrifício, nem tira nada do sacrifício em
si. Pelo contrário, não oferecer a todos algo infinitamente suficiente para
salvação de todos, mas apenas uma promessa indistinta a todos, quando nem todos
possuem a promessa, é o que estabelece o problema.
Antes de pensar que
Deus não tenha atingido o objetivo ao salvar a todos pelos quais Cristo morreu,
Ele garante a oferta a todos e a salvação de todos os que creem. A promessa de
Cristo, o Seu objetivo, permanece de pé e será levado até o fim.
Certamente, lendo
passagens como Is 60, 1-2, onde o povo de Israel é símbolo dos eleitos, que
serão salvos entre Israel e todas as nações, Owen extrai o ensino de que o
plano de redenção estaria dirigido somente a esses que são tirados entre as
nações, “porque tua luz é chegada, a
glória de Iahweh raia sobre ti”, “a escuridão envolve as nações, mas sobre ti
levanta-se Iahweh”.
Essa passagem trata da
reunião do povo de Israel, onde por um tempo as nações devem servir o povo
eleito, se não serão destruídas: “Com
efeito, a nação e o reino que não te servirem perecerão, sim, essas nações
serão reduzidas à reuina. (v.12). O mesmo sentido pode ser lido em Is 61,
6.
Portanto, antes de
provar a redenção limitada a alguns, o contexto pode levar a outro problema,
que é a leitura literal como feita pelo dispensacionalismo, que entende tal
parte como o plano de salvação somente para Israel literal, e não para os
eleitos, como entende Owen. Portanto, nenhuma dessas leituras é possível, já
que o Senhor não limita a cruz de Cristo a parte da humanidade, mas sempre a
apresenta como feita em favor da humanidade inteira, judeus e gentios.
A passagem, portanto,
significa os eleitos, já em plena posse da glória, usufruindo da redenção de
Cristo, enquanto os que estão fora foram aqueles que não serviram ao Senhor e
não entraram na aliança.
Está escrito: “Teu povo, todo constituído de justos,
possuirá a terra para sempre, como um renovo de minha própria plantação, como
obra das minhas mãos, para a minha glória” (Is 60, 21).
Portanto, Jerusalém é
símbolo da Igreja (cf. Is 62, 1), não podendo essa profecia ser lida no sentido
literal dispensacionalista, como lidando somente com Israel, pois também gentios
são enxertados no único povo de Deus (cf. Rm 11), nem limitando a redenção a
alguns, como faz Owen, como se o plano de salvação fosse somente a Jerusalém,
ou à Igreja, o Povo Eleito, mas anunciando a salvação preparada para todos,
para toda a humanidade, onde os que a receberão são simbolizados nos pobres, nos quebrantados de coração, nos
cativos, nos que estão presos, nos enlutados (Is 61, 1-5).
Mais uma vez, a
redenção universal alcançando a muitos e formando a Igreja, pois somente os que
crerem terão os frutos da redenção aplicados em si.
Assim, a salvação e o
julgamento dos povos são representados em Is 63, 7, “por tudo o que Iahweh fez por nós”, por Israel, que espiritualmente
significa a Igreja, não limitando o plano de redenção à Igreja, mas mostrando o
desfecho final em favor da Igreja, que aceitou a Cristo e foi purificada e
salva por Ele: “Com efeito, ele disse:
Sem dúvida, eles são o meu povo, filhos que não me trairão; assim ele se fez
seu salvador” (v. 8).
Então, abrindo um
parêntese, um emblemático verso, a saber, o de Isaías 63, 17, nos dá grande luz
em muitas das nossas argumentações sobre a verdade de Deus. O texto diz: “Por que fazes com que nos desviemos dos teus
caminhos? Por que endureces nossos corações para que não te temamos? Volta, por
amor dos teus servos e das tribos da tua herança”. O contexto é todo
dirigido a Israel.
O profeta clama a Deus,
questionando por que o Senhor faz que o povo se desvie, por que endurece o
coração do povo. Para o leitor reformado, esse entenderia que Deus estaria
fazendo desviar o povo e endurecendo o seu coração por pura e simples vontade,
segundo decreto e conselho eterno de Deus, diante do qual ninguém pode
questionar.
No entanto, o contexto
leva a outro entendimento, não podendo o texto ser lido fora do tema em
questão. Ainda, o texto está afirmando o que está afirmando, de acordo com a
teologia católica, que o lê naturalmente.
O verso 8 foi citado
anteriormente. O verso 9 trata do resgate do Senhor em relação ao Seu Povo, e o
verso 10 afirma: “Mas eles se rebelaram e
magoaram o seu Espírito santo. Foi então que ele se transformou em seu inimigo
e guerreou contra eles.”
Novamente, temos Deus
punindo o Povo rebelde, que antes foi tratado com amor (cf. Is 63, 8-9) e agora
se havia se rebelado contra o Senhor, que por causa disso tornou-Se seu inimigo
(cf. Is 63, 10). Nesse sentido, após esse pecado, o Senhor fez o povo
desviar-Se dele, afastando-o, e endurecendo o seu coração, após a rebeldia, que
foi o pecado de afastamento de Deus.
Ainda assim, o profeta,
em nome do povo arrependido, fala com o Senhor “por que fazes com que nos desviemos”, ou seja, ele mostra que está
na graça do Senhor suplicando pela graça anterior, que tinha perdido, que o
povo havia negado, pedindo ao Senhor a graça da conversão.
Temos aqui um exemplo
patente da bondade de Deus, da soberania do Senhor, do livre-arbítrio do homem,
da graça suficiente, da graça dada sobre graça, mostrando o Senhor bom e
misericordioso, aberto a todos. Podemos agora fechar o parêntese, que já serviu
para iluminar a questão da redenção universal.
Na redenção, as causas
secundárias, as ações dos homens, foram excessivamente contra suas intenções, e
fizeram somente o que foi determinado fazerem, como está em Atos 4, 28. Cristo
entregou Sua própria vida, conforme João 10, 17-18.
De passagem, citando o
texto de 1 Timóteo 4, 10, onde Deus Pai é chamado de Salvador de todos os
homens, especialmente dos que creem, o autor explica a passagem afirmando que
não se fala aí da redenção, efetuada por Cristo, mas da “salvação e preservação
de todos” pela Providência de Deus.
Com isso, o reformado
pensa ter respondido à questão referente à redenção universal, afirmando que o
texto não diz respeito à cruz, mas à Providência de Deus, que é relativa a
todas as coisas, as todas as pessoas, incluindo, logicamente, a Igreja.
Dessa forma, um texto
que usamos para provar que Cristo morreu por todos, é interpretado pelos
calvinistas como não tratando desse assunto, como não constituindo prova da
expiação ilimitada, e como não servindo para provar que todas as pessoas são
alvo da graça da cruz.
Contudo, o autor apenas
afirma que é assim, mas não fornece nenhuma prova da sua interpretação, não
expõe nenhum princípio hermenêutico, não faz qualquer exegese de 1 Tm 4, 10,
apenas afirma que não se trata da redenção, mas da providência. Uma afirmação
que serve de autoridade para os reformados, que aceitam essa interpretação, e
não podem agir de outra forma, uma vez que se aceitarem a expiação ilimitada
deixam de ser calvinistas, ou ao menos não são mais reformados como Owen o foi.
Outra coisa é que essa
interpretação fornece uma explicação razoável para o reformado que tem que
lidar com textos que mostram que Deus é Salvador de todos. É uma forma de
responder a essa dificuldade.
No entanto, a leitura
natural da passagem mostra que Deus é Salvador, que nos salvou pela cruz do Seu
Filho, é que essa redenção é efetuada em favor do mundo inteiro.
Pergunte o leitor, se é
reformado ou não, de onde vem a autoridade para interpretar esse texto assim?
Certamente da tradição reformada.
Pense nisso. Quais
então sãos as bases pelas quais essa interpretação se assenta? E, por fim, cada
uma das razões apresentadas estão de acordo com a verdade, com o princípio
bíblico de cada passagem estudada, como da mesma de 1 Tm 4, 10?
Essa interpretação
convence você? Por quê? Deus é o Salvador de todos apenas pela Providência? E
por que no texto Deus é chamado de nosso salvador, falando a cristãos?
Agora estaria apenas
tratando da especialidade de Deus em tratar os eleitos, providencialmente? Não
é mais comum e natural que a Bíblia fale de redenção, de salvação, de salvador,
em relação à cruz? Por que nessa passagem não é referente a isso?
Não foi Deus considerado
em Atos 20, 28, ter adquirido a Igreja com o Seu próprio sangue, na Pessoa do
Filho? A própria teologia reformada deve conceder que a divindade de Cristo é
aludida aí, e que o sangue de Cristo é o sangue de Deus, pela união
hipostática, onde a Pessoa de Jesus é divina, e Sua humanidade está unida à Sua
divindade. Então, com essa acepção, temos o Senhor Deus salvador da Igreja pelo
Seu sangue. Por isso, 1 Timóteo 4, 10 fala de Deus Salvador no sentido da
redenção universal.
Se a obra inteira de
John Owen não responder satisfatoriamente a essas questões, e não provar o
motivo dessa passagem não ser lida em relação à cruz de Cristo, temos então,
nesse passo, de fato, um texto que refuta a doutrina reformada.
Agora, passemos ao
estudo do texto, para formar uma base sólida pela qual possamos analisar o
livro de Owen.
Em 1 Timóteo 4, 1, o
assunto é a apostasia da fé no fim do mundo (vv. 1-3). É estabelecida a
doutrina para que corrija as heresias (v. 6). O verso 7 fala das fábulas, que
devemos rejeitar. O verso 8 trata da piedade, que é útil para tem a promessa da
vida presente e futura. Está tratando de coisas espirituais, da salvação, da
graça, para o fim temporal e para a vida eterna. Trata portanto dos exercícios
espirituais.
E então, temos o verso
10: “Se nos afadigamos e sofremos
ultrajes, é porque pusemos a nossa esperança em Deus vivo, que é o Salvador de
todos os homens, sobretudo dos fieis”. Não se trata apenas da providência,
como se apenas os sofrimentos do mundo, os ultrajes, fossem o assunto em
questão. Os fieis põem a esperança em Deus, e o contexto inteiro é salvífico.
Não se trata da
providência comum, como o autor repete em outro lugar da obra, onde Deus trata
de homens e animais (Salmo 36, 6). Não se trata de esperança para a vida
física, mas para tudo. Dessa forma, a esperança em Deus Salvador inclui a
redenção.
Ele é o Salvador de
todos, especialmente dos que creem, o que confirma a redenção universal. As
fadigas e sofrimentos são postos em Deus que nos salvará, não apenas nos
auxiliando, ajudando, prevenindo, preservando, protegendo, entre tantas fadigas
temporais, mas nos levando para o Seu reino de glória. Ele é Salvador de todos,
pois a obra da cruz de Cristo foi por todos, mas salva somente os que creem e
aceitam a obra da redenção.
Talvez um texto que
deve ser rapidamente comentado é Isaías 53, 2. Tal passagem não tem a ver com a
aparência humana de Cristo, mas sua aparência na cruz, após ter sofridos todos
os ultrajes. É bastante simples.
Owen, então, considera
de algumas afirmações. Cristo morreu por:
1.
Todos os pecados de todos os homens.
2.
Todos os pecados de alguns homens.
3.
Alguns pecados de todos os homens.
Então, afirma que, se
for a terceira opção, ninguém será salvo. Se for a primeira, porque há punição
pela descrença, que é pecado, e que Cristo morreu por ela. A segunda é a
posição calvinista, onde só os eleitos tiveram seus pecados perdoados na cruz.
A resposta é que a
primeira está correta, pois Cristo morreu por todos os homens, perdoando todos
os pecados, mas só irá aplicar a redenção nos que creem por seu livre-arbítrio
auxiliado pela graça. O perdão somente será dado ao que crer.
Deus enviou Seu Filho
ao mundo para que vivamos por Ele (1 João 4, 9). Esse texto pode iluminar a
questão. Deus enviou Jesus “ao mundo” para que nós vivamos por Ele. Então, o
mundo refere-se a todos, e nós formamos a Igreja. Cristo veio a todos, e nós
que cremos já estamos vivendo a vida da graça por intermédio dEle.
A promessa do Pai ao
Filho e o pedido do Filho ao Pai é dirigido ao fim particular de trazer filhos
a Deus. Devemos considerar essa comparação. Como os sacrifícios antigos eram
realizados para perdoar os pecados do Povo de Israel, o Povo Eleito, agora é
feito por todos os povos, tanto Israel e como as Nações, o mundo inteiro.
Assim como os
sacrifícios serviam para perdoar todo e qualquer israelita, e não somente um
grupo entre os israelitas naturais, mas todo o israelita e todo o que tivesse
entrado no povo e praticasse a Lei, os prosélitos, assim o sacrifício de Cristo
é para todos os povos e servirá eficazmente para os que aceitarem a Jesus
Cristo como salvador, formando a Igreja.
É possível agora
responder aos questionamentos de Owen. Por que nem todos são livres da punição?
Por causa da incredulidade. É a incredulidade um pecado ou não? Se não, por que
deverão ser punidos por ele? Se sim, Cristo sofreu por ele ou não? Se assim,
por que esse pecado dificulta mais que os outros? Se não, Ele não morreu por
todos os pecados.
A resposta está correta:
é por causa da incredulidade que muitos não são salvos. A incredulidade é
pecado? Sim. E por isso é um pecado que pode ser perdoado, bastando crer e
arrepender-se. Está refutado o arrazoado de Owen.
Aliás, o pecado contra
o Espírito Santo é o único que não tem perdão, não porque Cristo não morreu por
ele, pois isso seria exceção, mas porque é o pecado de recusa a aceitar a
Cristo, de recusa à verdade, e de impenitência final, o que bloqueia o perdão.
Apenas a conversão e o arrependimento seriam suficientes para perdoar esse
pecado.
Mas, continuemos. A
incredulidade impede que o pecador se configure a Cristo, que receba algo de
Cristo. É uma rejeição. Assim, não há como receber a seiva para alimentar-se da
graça, e continuar crescendo na graça, pois, corta-se a raiz pela qual a graça
é comunicada, que é a fé.
Por isso, a
incredulidade impede já de início, à diferença de outros pecados. Cristo morreu
por todos os pecados de todos os homens, mas é preciso crer e arrepender-se
para ser perdoado.
Gledson Meireles.