domingo, 15 de março de 2020

O Cristão Reformado (estudando o livro)

Na continuação do estudo do livro O Cristão Reformado: uma introdução bíblica aos pilares do Protestantismo, Yago Martins, 2018, será tratado o ponto sobre a expiação. O calvinismo ensina a expiação limitada, ou seja, afirmando que Jesus morreu somente pelos eleitos.
 
Vamos testar essa doutrina usando a Bíblia, para vermos se é correta ou não, e até onde ela resiste.
 
Gledson Meireles.

sexta-feira, 13 de março de 2020

O cristão reformado (continuando comentários sobre os temas tratados)

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Quando falamos sobre a Bíblia e a tradição, muitas coisas surgem como divisores entre católicos e reformados. E todos os protestantes, em geral. Parece que os protestantes entendem que, aderir à tradição como regra de fé infalível é somar algo à Bíblia, tê-la até mesmo como menor na escala de regras.

É compreensível que os protestantes, sabendo da inspiração da Bíblia, não queiram acreditar assim, e venham a recusar tamanho apego à tradição. Tradição “extra-bíblica” é vista com muita cautela, muita desconfiança. É sobretudo negada. Por isso, para o protestante a Escritura é também a sua tradição. Em termos teóricos, é claro. Assim o é, pois a prática desse conceito é impossível, o que demonstra erro na teoria. O problema é que, para o cristão católico, a tradição não é extra-bíblica, no sentido de ser algo diferente ou mesmo contrário a ela, mas a tradição é a própria Palavra de Deus que não foi escrita na Bíblia.

É o que diz São Paulo em 2 Ts 2,15, onde os cristãos são instados a crer no que está escrito e no que foi ensinado por via oral. Agora pense: se os apóstolos ensinaram tudo por via escrita, por que o mandamento de reter as tradições? Se tudo o que mais tarde a Igreja deveria crer e praticar estaria na Escritura, por que não o disse ali mesmo, aos cristãos que liam a carta, pois se deviam obedecer ao que estavam aprendendo por via escrita e oral, deveria a parte oral logo ser escrita para não ser perdida e esquecida.

O exemplo do batismo infantil. Para o cristão reformado tudo o que é necessário foi escrito, a tradição de que fala o apóstolo está na Escritura. Para o cristão católico, o que foi ensinado oralmente, e que os apóstolos não escreveram, foi mais tarde escrito por outros, cristãos primitivos, ficando na tradição. Permaneceu em escritos não inspirados, pois a única revelação escrita inspirada é a Bíblia. Dessa forma, deve-se estudar a tradição para conhecer nela a Palavra de Deus. Nem todas as tradições são palavras de Deus, mas apenas o que desde o princípio foi reconhecido assim. Por exemplo, o batismo de crianças. Está na Bíblia, de forma implícita, e está na tradição, explicitamente. Mas a tradição prova que a prática é bíblica. Os batistas seguem o sola scriptura e não aceitam o batismo infantil. Mas há quem continue com o sola scriptura e creia dessa forma, batizando bebês. Já são duas tradições aqui, todas com credos e confissões corroborando a sua intepretação.

Sendo assim, para o cristão reformado batista, não há possibilidade de mudar sua posição por meio da leitura bíblica e ao mesmo tempo fundamentá-la na tradição batista. Acontece o contrário para o cristão reformado presbiteriano, que aceita o batismo de crianças pequenas, e não pode interpretar essa doutrina de outro modo se deseja conformar-se à sua tradição reformada. E praticamente é, pelo menos, quase impossível que aconteça um desses casos.

Outra coisa que o Protestantismo ensina é a total possibilidade de qualquer um ir à Escritura e entender o que está ali para a nossa salvação. Isso parece negar que o católico possa entender esse ensino tão perspicaz, tão claro, de forma que nenhum cristão possa errar sobre ele. Será pelo fato dos reformados negarem comunhão com os católicos, ou pensam que os católicos entendem o ensino básico da salvação, mas adicionam algo à fé, como a tradição por exemplo?

Para os católicos, ninguém pode interpretar a Bíblia como bem entende, segundo o próprio parecer. Isso está proibido em 2 Pedro 1,20-21. Mas, eis que os protestantes entendem isso como se o próprio magistério fizesse interpretação ‘particular’, coisa proibida no texto. O mesmo texto usado por cristãos católicos contra o livre-exame é usado pelos cristãos reformados contra o magistério eclesiástico. Formidável. Contudo, o protestante deve concordar com um dado. Ninguém pode querer fundamentar o que bem entende na Bíblia. Kevin Vanhoozer afirma, falando da perspicácia da Bíblia, que não há carte blanche interpretativa.

Como resolver isso, se o protestante vai à fonte e entende que o texto confronta a ideia de magistério infalível? Certamente o melhor é compreender a posição do reformado, voltar ao texto é verificar se é isso mesmo que a Bíblia ensina.

O cristão reformado entende que sua posição de cristão o possibilita beber da fonte, ler a Escritura e dela ter Palavra de vida eterna, sem intermediários. O magistério eclesiástico seria um empecilho, e seus membros seriam como que um corpo que procura ser superior à Palavra, por conceder autoridade e sentido à Bíblia, dando à sua interpretação o caráter normativo. Assim, magistério estaria fazendo uma interpretação toda sua, o que não obrigaria a ninguém mais. Seria só mais uma interpretação particular. Se esse é o caso, não há como ser obediente ao magistério.

No entanto, o magistério eclesiástico é aquele que deve zelar pela interpretação correta a Escritura, onde o sentido bíblico original é compreendido e ensinado, e por isso o magistério tem o dever de proteger contra falsas intepretações, aquelas que negam o sentido verdadeiro da Bíblia. Por isso, o magistério é servo da Bíblia, e não aquele que confere autoridade a ela, pois a autoridade da Bíblia é intrínseca, dela mesma, proveniente da sua natureza de Palavra de Deus.

O cristão católico respeita a Bíblia com a maior das reverências, e tem sua tradição, e o cristão reformado a tem também. A aproximação dela é que é diferente.

Os judeus de bereia. Em Atos 17,11 está escrito que os judeus de Bereia foram mais nobres que os de Tessalônica, por examinarem as Escrituras para certificar-se se as coisas eram da forma que São Paulo estava pregando. Esse é um dos textos básicos do Protestantismo, citado por teólogos, interpretado na tradição protestante como exemplo do livre-exame. Dessa forma, uma interpretação contrária a isso está contrariando a tradição reformada.

O cristão católico não interpreta Atos 17,11 assim. A razão é que os apóstolos eram inspirados, ensinavam oralmente e por escrito a mesma fé, e não aceitariam ser confrontados por interpretações particulares.

Os bereanos não tinham o Novo Testamento, para lerem e interpretarem as palavras de um apóstolo em comparação com outro ou com o restante da Bíblia, analisando se estava tudo correto, antes de aceitar o conteúdo da fé. O que tinham era o Antigo Testamento. Quando Paulo pregava, iam às Escrituras e verificavam se o apóstolo estava de fato ancorado nelas. Antes de converterem-se. Antes de serem convertidos. Muitos deles, fazendo isso, foram convertidos. Portanto, eram judeus não-convertidos fazendo exame das Escrituras, e não cristãos. Basta ler todo o capítulo e verá que essa é a intepretação correta da passagem, que não ensina o livre-exame.

Outro texto é o de 2 Tm 3,14-15. A Escritura é toda inspirada. Não está escrito que só ela é a regra de fé. As interpretações que assim o fazem vão além do que está escrito. Nada obsta que exista a tradição que explique a Escritura, o que não faz da Escritura algo menos que Palavra de Deus. A passagem não nega a tradição. Afirmar que a Escritura é inspirada, útil e que prepara para toda boa obra não nega a tradição. A tradição não pode ensinar nada que não esteja na Escritura, ou que seja contrário a ela. Portanto, o texto alinha-se com a existência da tradição.
 
Gledson Meireles.

segunda-feira, 9 de março de 2020

O Cristão Reformado (alguns tópicos sobre o livro)

Estudos do livro O Cristão Reformado: uma introdução bíblica aos pilares do protestantismo, do pastor batista Yago Martins,   2018.

O estudo da doutrina cristã é importantíssimo para os dias atuais. Sempre o foi. Hoje, talvez mais do que nunca. Tempos de ridicularização do Cristianismo, pelos de fora, e de grande indiferença por parte de muitos, talvez pelos próprios membros. Mas sempre houve, e há nos dias atuais, e sempre haverá, segundo a promessa do nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo, os membros fieis da Igreja.

Oportunidades de apologética não faltam. É pequeno o número de interessados, isso sim. Mas não importa, pois é o Espírito Santo que converte o pecador, e não deixará faltar a graça de Cristo para que uma conversão sincera seja operada, onde quer que seja e em qualquer tempo. Deus quer que todos sejam salvos. (1 Tm 2,4) E essa é mais uma oportunidade para escrever algo sobre a fé, tendo em vista um novo estudo, lançado há pouco, representando a fé protestante de forma sucinta, profunda, clara e com pretensões bíblicas.

Aqui não será feita uma refutação, ponto por ponto, à obra aludida, mas tem a objetivo de pelos menos fornecer a interpretação católica, ainda que de forma breve, dos principais pontos abordados no livro. E o presente estudo destina-se aos protestantes. Quem sabe alguém, ávido pela verdade, tenha o interesse de confrontar o que aprendeu com aquilo que ainda não sabe, ou seja, com a doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana. Portanto, serão feitas considerações sobre o que caracteriza a doutrina protestante, segundo o que o livro apresenta, mostrando o que a doutrina católica ensina, com fundamentação bíblica.

A leitura literal da Bíblia, eis a força da verdade. O sentido literal é o mais profundo, o verdadeiro, a base para todos os outros. Não se trata de literalismo, hiperliteralismo, e coisas afins, que tiram conclusões do que não está no texto, e conclui o que o texto não diz, mas uma leitura serena e natural do próprio texto sagrado. O restante é tudo fundamentado nesse aspecto.

Assim, veremos o que o cristão reformado tem em comum, e de diferente, com o cristão católico. Veremos que doutrina coaduna com as Escrituras, se a reformada ou a católica. E mais: veremos se o autor conhece realmente o Catolicismo, quando apresenta a defesa da fé reformada em face do que ensina o catecismo católico. É uma oportunidade de crescer na fé e de conversão.

O protestante que estiver aberto a vencer as barreiras psicológicas, como o ódio ao Catolicismo, que é uma delas, por exemplo, para conhecer o que a Igreja Católica ensina, deve tentar entrar no problema da divisão doutrinária e na busca da verdade bíblica. É certo que o protestante crê estar com a verdadeira doutrina e a correta interpretação bíblica. Mas não pode deixar de reconhecer que há divisão doutrinária entre os protestantes, e que isso tem sido algo de estudo e, certamente, preocupação entre os teólogos do Protestantismo.

Vanhoozer afirma que tal problema, o das diferenças doutrinárias, está “em evidência há algum tempo”. (p. 62) E não pense que trata-se de usos e costumes, como muitos pensam ao falar de doutrina. Não é isso, mas algo mais profundo, e afeta o modo de leitura bíblica entre protestantes. Afeta a fé de muitos reformados. Kevin Vanhoozer fez um trabalho referencial visando a resolução do problema protestante ao recuperar o sentido dos cinco solas. Dessa forma, a consideração das respostas teológicas atuais em face dessa temática é imprescindível para o entendimento das características do cristão reformado.

E é nesse terreno que a obra O Cristão Reformado, do pastor batista Yago Martins, constrói sua apresentação. E por fazê-la de forma eminentemente bíblica, ou seja, partindo da interpretação das Escrituras para fundamentar os solas da Reforma e os pontos fundamentais do Calvinismo, é que faz-se necessário considerá-la, a fim de que, de certa forma, o perfil do cristão católico seja melhor conhecido pelos protestantes.

O que o protestante certamente não sabe, é que sua posição diante do conhecimento bíblico é idêntica ao do católico. Ambos devem aproximar-se da Escritura, lê-la e aprender dela. E não é a consciência individual aqui uma autoridade. Ela age, interage, e não se torna autoridade em termos interpretativos. Sob a ótica da reforma talvez isso pareça acontecer, para quem olha de fora, e até para quem está no entrelaçamento mesmo dessa experiência. Porém, nada disso ocorre assim. Contemporaneamente é essa uma das críticas que o Protestantismo deve responder. Kevin Vanhoozer contribui nesse sentido, no seu livro Autoridade Bíblica (...).

O Protestantismo possui no seu seio variedade interpretativa, mas os teólogos procuram fornecer os meios de identificar qual a essência da mensagem da Reforma, de modo a abarcar toda a realidade protestante, a representar toda a doutrina reformada. Fazendo isso pode-se considerar o resultado dessa busca, sendo possível fazer certas contraposições e comparações com a doutrina católica. E com isso o protestante poderá entender melhor a mensagem anunciada pela Igreja Católica Apostólica Romana.

São cinco séculos se separação. No meio católico não é comum ouvir sermões ou ler estudos sobre os solas, nem os cinco pontos do calvinismo. São coisas do protestantismo, e do calvinismo em particular. Mas, há na doutrina católica a apreciação sobre tudo isso, obviamente de forma diluída em outra estrutura. Aliás, foi partindo da doutrina cristã católica que, de certa forma, os solas foram extraídos para, negativamente, contrapor à doutrina católica.

E a doutrina católica é eminentemente bíblica. As outras instâncias da tradição e do magistério estão entrelaçadas harmonicamente e constituem Palavra de Deus. Mas é a Escritura a fonte suprema, direta, exclusivamente deixada e entrega à Igreja Católica para levá-la ao céu. Por isso, um livro que trata da Bíblia e defende uma doutrina diferente daquela ensinada no catecismo da Igreja, é uma obra a ser considerada com grande atenção, pois usa do fundamento mesmo da sua doutrina. Eis o motivo de estudar o livro O Cristão Reformado. E uma vez mergulhando no estudo da fé protestante conhecer a fé católica. Quem sabe quantas conversões poderão vir dessa exposição.

Aos leitores do livro citado. Não serão feitas grandes citações do texto, mas apenas o exercício com o conceito apresentado no texto. O que esse traz poderá ser conhecido, naturalmente, apenas por inferência, por aqueles que porventura não o leram. Melhor seria adquirir o livro para estudo.

Nesses artigos não será possível uma profunda matéria sobre a doutrina cristã católica. No entanto, deixará o convite para melhor conhecê-la. É para o cristão reformado que deseja conhecer o cristão católico.

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Em primeiro lugar o cristão reformado deve entender que a Igreja Católica está sujeita à Palavra de Deus, assim o ensina, assim o crê, assim de fato é. Para ser católico deverá crer dessa forma.

O que diferencia da crença reformada é que nessa pensa-se que a Igreja Católica ensina ser ela superior à Bíblia. No entanto, tal ensino não existe. Tal coisa não tem lugar no Catolicismo.

Afirmar que a Igreja escreveu o Novo Testamento da Bíblia, que formou o cânon bíblico, que a Igreja foi responsável por conservar a Bíblia, durante os séculos da era cristã, em ambos os testamentos, significa explicar o modus operandi de Deus, o modo histórico como Deus nos deu a Sua Palavra, e não por pensar que a Igreja, por esse motivo, acredite ser superior à Escritura. Até imaginar isso revela o desconhecimento desse ponto do ensino cristão católico. E são muitos que acreditam que esse seja o ensino católico.

Sendo assim, e sabendo que tal não é o ensino bíblico (o de ser a Igreja superior à Escritura), e que também não é o ensino católico, não tornam-se cristãos católicos. Não se tornam católicos por não conhecerem bem o catolicismo. Por pensar que assim é, e conhecendo que a Bíblia não ensina isso, muitos são afastados do catolicismo.

Aqueles que aventuram-se mais a desvendar a doutrina da Igreja, aproximam-se dela. Por que a verdade atrai.

Então, para fins de conhecimento, saiba que o cristão católico crê conforme a doutrina oficial da Igreja, explicada no catecismo, e esse ensina que (1) Deus confiou as Sagradas Escrituras (Bíblia) à Igreja, que (2) Deus manifestou-Se pelas palavras dos autores bíblicos (inspiração), que a (3) Escritura deve ser interpretada no “Espírito em que foi escrita”, ou seja, pelo Espírito Santo, (4) que a Igreja “discerniu” o cânon bíblico, ou seja, que descobriu os livros sagrados no meio de tantos outros não sagrados. Foi Deus quem guiou todo o processo. A Bíblia não é Palavra de Deus porque a Igreja assim o diz, mas por ser a Palavra de Deus a Igreja a serve.

O cristão católico venera a Sagrada Escritura. Tem-na como ela é: a Santa Palavra de Deus. Ela é Cristo. Entendamos bem o sentido desse conceito. E faz da palavra de São Jerônimo a palavra da Igreja: “...ignorar as Escrituras é ignorar Cristo”. Tudo isso está no Catecismo da Igreja Católica, parágrafos 105, 111, 120, 123, 133. Portanto, supor que a Igreja acredita que é superior à Bíblia é desconhecer a fé católica.
Gledson Meireles.