sábado, 5 de agosto de 2017

Comentário

 
 

1.  Não se trata somente de que os Padres da Igreja escreveram “sobre autoridade da Igreja e da Tradição” o motivo pelo qual não adotaram o princípio Sola Scriptura, mas pelo conceito que a visão dos padres a respeito dessas duas instâncias não coadunam com o somente a Bíblia. Eles criam na interpretação bíblica sempre mantida na Igreja, o que faz com que a tradição e a autoridade da Igreja andem juntas e de igual modo, com a mesma autoridade da Bíblia.

2.  O que os apóstolos pregaram? É o que está escrito na Bíblia. Como interpretamos sua pregação conservada por escrito? Perguntando à Igreja. Simples.

3.  Uma frase curiosa, e importante, que fala muito da doutrina do Protestantismo: “A Igreja pode errar. Embora tenha autoridade para dirimir controvérsias doutrinárias, seu parecer nunca é infalível, podendo ser corrigido pela autoridade superior – as Escrituras.” Ou melhor, por uma intepretação posterior que alguém ou um grupo fez e que contrapôs à doutrina de antes e afirmou que essa estava equivocada e que aquela, agora encontrada, era a verdade que a deveria substituir. Isso é o que vemos em termos teóricos e práticos.

4.  Outra explicação bastante contundente e de grande importância para o entendimento da doutrina da Sola Scriptura está na seguinte afirmação: “Eu entendo que esta tradição está fundamentada na Escritura (a autoridade suprema) e que embora tal documento pudesse ter erros doutrinários, eles não os cometeram (esta é a diferença entre inerrância e infalibilidade).” Em outros termos, a tradição protestante não é infalível, e por isso pode cometer erros, mas que muitas vezes o consenso unânime, talvez, dos teólogos a respeito de determinados temas, como o conteúdo da Confissão de Fé de Westminster, evidencia que os erros possíveis de serem cometidos pela natureza da fonte não o foram, e que aquela confissão é de cunho bíblico e, portanto, autoritativa em termos de doutrina. Ela não é uma instância igual à Bíblia, nem inspirada, e nem teve origem em uma declaração infalível, mas acertou em seu conteúdo por sua fidelidade à Bíblia. Dessa forma, sua posição é uma expressão da doutrina bíblica. Sendo assim, os cristãos reformados devem a ela sua adesão.

5.  Usando a forma de pensar acima, a tradição infalível pode ser entendida como aquela que expressa a doutrina ensinada por Jesus Cristo e pelos apóstolos e que mostra evidentemente essa sua nota prerrogativa sendo aceita em consenso pelos teólogos da Igreja em união como bispo de Roma, o papa, em explícitas, insofismáveis e solenes proclamações. É uma instância que está sempre de acordo com a Bíblia Sagrada, e só nestes termos é que é reconhecida como infalível por ser parte proveniente da mesma fonte e autoridade divina.

6.  O católico romano não pode por seu próprio juízo determinar qual a verdadeira tradição, ele precisa necessariamente seguir a opinião da Igreja.” Assim como o protestante não pode por seu próprio juízo determinar qual a verdadeira interpretação bíblica, sendo necessário que concorde com o que o Protestantismo e sua respectiva tradição lhe ensina. Se um protestante em sua sã consciência considerar algum ponto fundamental do Protestantismo como errado e herético, ele não poderá simplesmente adotar sua própria interpretação e continuar como bom protestante. Em termos práticos, mais ou menos elásticos, é isso o que acontece. Para continuar fiel protestante ele deve aderir ao conteúdo contrário ao que ele concluiu em seu juízo individual ou deixará de ser um protestante. Desse modo, o argumento só valeria se houvesse (absurdamente, é claro) uma liberdade particular absoluta de cada um em sua consciência determinar o que a Bíblia diz e o que não diz. Absurdo leva a mais absurdos.

7.  Qual a utilidade então de julgar criticamente os escritos dos Pais da Igreja, se no fim das contas seu juízo necessariamente precisa seguir o juízo de uma igreja em particular?” O mesmo valor que cada protestante reconhece em fazer seu juízo particular, da Bíblia e dos escritos da tradição, para por si mesmo compreender e responder pelo que professa.

8.  Como bem observamos, a tradição virou um saco onde Roma coloca o que bem entender.” Na verdade não. O Protestantismo faz o mesmo, com outros nomes, sob moldes diversos, com suas internas divisões e discussões, etc., mas faz. Um exemplo é a tradição dispensacionalista (muitos protestantes não aderem a ela), surgida no século XIX, e defendida por muitos como a interpretação correta da Bíblia, e de origem apostólica. Com isso, para os seus defensores, tem-se que o dispensacionalismo apenas tornou-se evidente nesse tempo, mas não que surgiu aí, e que a forma como apareceu é que é moderna, não a sua existência e natureza, que vem dos inícios do Cristianismo. E tantos grupos fazem o mesmo, da mesma forma básica, com nomes diferentes, é claro, mas agindo igualmente, tendo a fé Sola Scriptura, mas com novos dogmas e tradições surgindo com o tempo, e permanecendo dentro dos limites do Protestantismo. E ainda reclamam quando o papa proclama no século XIX a assunção de Maria e afirma que essa doutrina não é nova, mas vem do início da Igreja.

9.  Isso só demonstra como a igreja católica antiga não era romana.” Essa é uma das afirmações mais impressionantes, e que fazem parte de uma visão histórica da Igreja muitíssimo peculiar.

10.             Caso fosse, o cânon (uma questão vital) teria sido objeto de algum concílio ecumênico ou algum decreto papal considerado infalível.” Essa outra afirmação revela, de forma contundente, como alguém pode compreender de Catolicismo, em um nível acima do fundamental, mas ainda não conhecer bem, pois do contrário tornar-se-ia católico. Ele insere algo no catolicismo como de vital importância de acontecer, mas que não é o que o catolicismo internamente entende ser a importância da questão. Isso demonstra que o autor não entende o catolicismo a partir desse nível.  E outra coisa: se foi em Trento a decisão infalível sobre o cânon, e isso é prerrogativa da Igreja “romana”, então a mesmo a tese do início do romanismo a partir de 1054 é furada. É muito tempo a ser considerado ao século XI ao XVI em questão tão vital para a Igreja Romana e mesmo assim não ter ocorrido.

11.             Tais critérios foram aplicados – o que só demonstra que tal igreja não era romana.” Essa afirmação demonstra novamente o alcance do conhecimento do autor a respeito do Catolicismo. Supõe-se que toda vez que uma questão surge, para defini-la pensa-se logo em consultar um magistério infalível e pronto: está resolvido.

12.             Nenhum apóstolo deixou uma lista de livros canônicos. Coube aos pais utilizando meios comuns de prova reconhecer quais escritos eram de fato canônicos.” Todo católico crê nisso. O problema é que a opinião pessoal não definiu o cânon, mas as opiniões, por assim dizer, de concílios que expressavam o parecer de comunidades cristãs inteiras a respeito do conteúdo da Bíblia. Como Cartago e Hipona acertaram, e forma formalmente sendo endossados a partir daí até Trento, temos que a tradição foi o meio para conhecer o conteúdo exato da Bíblia.

13.             Ainda a afirmação de que a tradição e a Igreja são subordinadas às Escrituras não é suficiente para mostrar a diferença de pensamento católico e protestante sobre o caso. De fato, no Catolicismo, como o próprio Catolicismo entende, e não como os apologistas e teólogos protestantes entendem o Catolicismo, a Bíblia é suprema e a tradição e o magistério devem respectivamente estar harmoniosos com seu conteúdo e subordinado à sua autoridade. Uma doutrina não é aceita se contradizer a Bíblia, conforme os critérios católicos.

14.             Todavia, a luz das evidências de que dispomos, temos boas razões para acreditar que o cânon do Novo Testamento reúne todos os livros de origem apostólica acessíveis atualmente.” E isso não foi resultado de um ou outro padre da Igreja definir o cânon, nem de opinião particular de quem quer que seja, mas da proclamação formal e solene da Igreja sobre o cânon.

15.             (continua) Os gnósticos diziam que a Escritura estava corrompida quando a doutrina da Bíblia não estava de acordo com a interpretação deles, que alegavam ser a tradição oral, e que quando os apologistas católicos os refutava mostrando a tradição apostólica, esses nem assim ficavam convencidos, pois achavam ser eles os verdadeiros intérpretes e possuidores da tradição correta. Na verdade, o que Santo Irineu afirma é que a doutrina gnóstica não concordava com a Bíblia nem com a tradição, duas instâncias, e por isso era herética a novidade gnóstica. Se Santo Irineu usava a Bíblia para refutar os gnósticos era porque a Bíblia era regra de fé. Se eles não aceitavam, e santo Irineu recorria à tradição, é porque a tradição guardava a verdade incorrupta, sendo assim, também, regra de fé, pois do contrário não seria prudente usar de outro artifício mais fraco já que o herege não ficou satisfeito com o melhor. Outra coisa é que os gnósticos não diziam que a Escritura era obscura e incompleta, apenas, mas que estava corrompida, o que somente hereges fazem. E existe entre os adeptos do protestantismo que usam desse método para provar o contrário de outras doutrinas que a Igreja sempre pregou, usando a falácia de que tal e tal passagem foi corrompida.

16.             O que John Behr explica da passagem de Irineu, conforme o artigo, não está de acordo com a mesma passagem de Irineu.

17.             O grande erro dos católicos romanos é afirmar que um protestante não poderia usar o mesmo sistema de argumentação.” Será mesmo?

18.             Novamente, Irineu torna coincidente a doutrina apostólica e o conteúdo das Escrituras.” E sempre foi.

19.             Além disso Irineu recorria às igrejas apostólicas, em especial, à Igreja de Roma para refutar os hereges.” Correto. Curioso isso. O Protestantismo não faz isso, nunca faria, e é totalmente contrário a isso.

20.             Irineu não disse que a Igreja Romana é infalível, nem que o bispo de Roma é infalível, e que o que ele disse está restrito ao seu tempo. Muito bem, esse é o argumento. Agora, é verdade que o que Irineu disse está conforme a doutrina da Igreja de Roma como infalível, do seu bispo como infalível, o que certamente também leva logicamente a estar Roma em perfeita guarda da sã doutrina no tempo de Irineu. Nada do que ele diz pode ser usado contra a doutrina católica, mas pode ser usado, com bastante tranquilidade, contra a protestante.

21.             Tendo em vista que os ensinos de Roma mudaram radicalmente com o passar dos séculos, é simplesmente anacrônico argumentar que as igrejas precisariam concordar com o que Roma ensina HOJE.” Se nos detivermos no princípio elencado por S. Irineu, isso não acontece. O que ele disse significa que é fácil identificar, pela sucessão apostólica, onde foi introduzido o erro. E, relativamente, é mesmo.

22.             Diria que nenhuma igreja protestante pode usar o mesmo que Irineu. Mas o apologista afirmou: “Irineu sem dúvidas sustentou contra os hereges um conceito de sucessão apostólica consistente com a fé reformada.” É o que os reformados entendem. O que Ratzinger afirma é que a doutrina foi “formulada” na controvérsia gnóstica, e não que foi aquele o momento em que ela surgiu. São coisas diferentes.

23.             De fato, a importância do ofício vem da preservação da verdade, pois foi esse o motivo da criação do ofício.

24.             A alegação de que o argumento de Irineu faz sentido “em seu tempo” mas não depois, muito menos no nosso tempo, é uma fuga inteligente, e é usada, de forma lógica, quando o debate acirrado chega a um ponto difícil. Assim foi que em uma ocasião, debatendo com um protestante, a respeito da Epístola de São Tiago, onde fala da unção dos enfermos (para utilizar a linguagem técnica católica), no meio da argumentação, para me responder, o protestante afirmou que aquela passagem de Tiago teve seus motivos “no seu tempo”, não sendo mais necessário depois mandar chamar os presbíteros da Igreja para ungir alguém com óleo e etc. É um meio de explicar, mas que mostra a que ponto chega a imaginação.

25.             Por fim, o recurso à tradição em Santo Irineu mostra o mesmo valor para provar a verdade que o recurso às Escrituras. Basta raciocinar em termos reformados e tentar dizer que se as provas não estiverem nas Escrituras (com seu valor de provas verdadeiras, totalmente e unicamente infalíveis, e sem sombra de dúvidas), onde encontra-las então? A resposta reformada é: dessa forma, em lugar nenhum, a não ser nas Escrituras. Pelo raciocínio de Santo Irineu as coisas não são assim, pois se a Bíblia não pudesse ser encontrada a tradição valeira para fins de prova e regra de fé.
 
Gledson Meireles.

Um comentário:

  1. Olá Gledson Meireles

    Boa noite

    Parabéns pelos excelentes artigos em defesa da Fé Católica Apostólica Romana.

    O conceito de Sola Scriptura faz parte de um dos 05( cinco) Solas do protestantismo, porém os famosos Cinco Solas estão incompletos e nesse ponto os reformadores erraram sim pois faltam ainda 02(dois) Solas que são os Sola Spirictus Santcus e o Sola Ecclesia pois até mesmo raciocinando que a Santa Tradição depende da Escritura mesmo assim a Santa Igreja na História repassa e ensina tais ensinamentos para as pessoas então até mesmo nesse entendimento vemos a vital importância da Santa Tradição porém além da Santa Tradição e da Sagradas Escrituras tem o agir de Deus que naturalmente vem antes tanto da Santa Tradição quanto da Escrituras.

    A Palavra de Deus é a ação de Deus e é a base do que está escrito na Bíblia então chega-se a conclusão que a Palavra de Deus não é a única ação de Deus mas também faz parte das ações de Deus pois o fato de Deus colocar a fé e a Graça Santificantes nos crentes também são ações de Deus assim como Deus inspirar os crentes já no Antigo Testamento para escrever a Bíblia também é ação de Deus e Jesus ter vindo à terra foi uma ação de Deus, Jesus e do Espiríto Santo então as ações de Deus estão sempre interligadas da mesma forma estão os Solas que existem em ligação um com o outro. O Sola Christus só foi possível pela ação de Jesus ter vindo ao mundo e só continua pois o próprio Cristo deixou o Espírito Santo para conduzir a Santa Igreja. Os solistas scripturistas podem argumentar que essa minha explicação se encontra nas Escrituras mas antes de estar na mesma os apóstolos receberam pela oralidade e repassaram. Pois no tempo dos santos apóstolos i.e. na Santa Igreja Primitiva o Cânon ainda não havia sido fechado e como sempre a correta e perfeita compreensão vinha da Palavra de Deus pela correta transmissão pela oralidade e por parte do Cânon que existia.Então se as Sagradas Escrituras e a Santa Tradição estão em harmonia perfeita e se o que está em uma está na outra uma não pode nunca ser superior a outra visto que ambas dependem da ação de Deus na Santa Igreja.

    Uma outra questão é o fato de "estar escrito" em relação a esse tema na Bíblia ( Livros Sagrados)temos o que "está escrito" que é uma manifestação visível porém o que "não está escrito" também é Palavra de Deus pois tanto o que "está escrito" quanto o que "não está escrito" dependem da ação de Deus logo tem que estar em perfeita e santa harmonia.
    Quando lemos o que está escrito a ação de Deus está ali e é obrigatoriamente anterior e superior ao que está escrito e lhe serve de base fundamental e faz a ligação com o que "não está escrito" para aí sim em harmonia com a presença do Espírito Santo nos crentes possibilitar o CORRETO ENTENDIMENTO do que Deus quer falar para os crentes no Senhor(Ecclesia).

    Então para que haja a correta compreensão e uma unidade doutrinária há sim a ação de Deus nos crentes ( Corpo de Cristo) com a participação da Santa Tradição ambos em harmonia, por isso o Sola Scriptura é insuficiente pois o mesmo depende mesmo na visão protestante de outros 03(três) Solas pois um dos Solas é dar a Glória devida a Deus, então a Graça(Sola Gratia) e a Fé(Sola Fide) que também são ações de Deus dependem da ação do Espiríto Santo(Sola Spirictus Santcus) e da Santa Igreja( Sola Ecclesia)para que cada um desses Solas cumpra seu papel.
    A Santa Igreja é o Corpo de Cristo composta por membros e cada um tem um missão, da mesma forma os 07(sete) Solas cada cumpre uma missão específica e bem definida.

    Para compreender a Doutrina Bíblica não basta apenas "ler a Bíblia" e isso lembra a famosa frase protestante "Leia a Bíblia", mas sim entender as ações de Deus na Santa Igreja onde a Palavra de Deus é uma dessas ações.

    Um grande abraço e muitas felicidades

    Luiz

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