Passando o período de
vida dos apóstolos, que termina com a morte do apóstolo São João, entramos na
era pós-apostólica, a começar do ano 100 em diante. A Igreja é guiada pelo
Espírito Santo através dos homens que conviveram com os apóstolos, foram seus
colaboradores e seus imediatos sucessores, ou seja, aqueles que nasceram no
tempo dos apóstolos e continuaram a realizar as funções que os apóstolos
realizaram e apontaram.
Os padres apostólicos
são Barnabé, Clemente, Hermas, Inácio, Policarpo e Pápias. Há outros escritos,
como a Didaquê, que por ter origens,
reconhecidas por muitos, no século I, está entre os escritos dos padres
apostólicos, e também a Carta a Diogneto. Esses homens cristãos católicos e
seus escritos revelam como a Igreja viveu no século segundo, após os apóstolos.
Seus escritos não foram inspirados pelo Espírito Santo, e eles já apontavam
para as obras dos apóstolos, por exemplo, como fonte de autoridade inspirada.
Portanto, são esses os
nomes que representam a Igreja no século II, e quem quer aprender sobre o
ensino cristão nesse tempo deve ler esses escritos e estudar como viviam os
cristãos de então.
É válido e muito
proveitoso tirar as lições para a fé das controvérsias que existiram, das
heresias que surgiram em fins do século I e início do século II, e saber como a
Igreja reagia contra elas. Isso já foi feito na série Identificando a Igreja,
que tratou do século I, no período inspirado, e que está na Bíblia Sagrada. A
partir daí, temos os líderes da Igreja lutando contra as inovações doutrinais,
mas não mais com inspiração como os apóstolos, mas, antes, seguindo a doutrina
deixada pelos apóstolos.
Das várias
controvérsias uma foi a de Cerinto. Ele era um gnóstico, aparecendo nos fins do
século I, e afirmando que Jesus não é o Cristo ou Messias. Em sua doutrina,
Jesus seria um homem e o Cristo seria o espírito que desceu como pomba em seu
batismo, e que o abandonou após a paixão. Como visto, Cerinto lia as Escrituras
e dava interpretações totalmente diversas às suas passagens. É bastante claro
que Certino não identificava a Igreja da época, embora pregasse sobre Deus e
sobre Jesus, e falasse a respeito das passagens do evangelho. A doutrina de que
Jesus foi meramente humano possuído por um espírito chamado “Cristo” é uma
heresia, e qualquer um que lê os evangelhos percebe que essa interpretação não
cabe em nenhum lugar, pois Jesus Cristo é o Filho de Deus e o Espírito Santo
desceu sobre Ele no batismo, permanecendo para sempre.
Surgiu também um judeu
chamado Elchasai, que não cria no apóstolo São Paulo e afirmava que Jesus era
um profeta antigo que voltou. Ensinava a circuncisão, o sábado e outras
prescrições do judaísmo. Seus seguidores foram os elcasaítas.
Os cristãos seguiam a
doutrina exposta pelos padres apostólicos, e não estavam entre os seguidores de
Cerinto, ou de Elchasai ou entre os ebionitas. Dessa forma, é possível
identificar a Igreja no século II.
Basta imaginar de que
lado o leitor estaria se vivesse no século I: dos apóstolos ou dos gnósticos,
judaizantes, nicolaítas etc.? E se vivesse no século II:
São esses os padres e
escritores cristãos que expressam a doutrina da Igreja no século II. Os
hereges, ou seja, aqueles cristãos que ensinavam doutrinas divergentes da
doutrina geral da Igreja, não são os representantes legítimos da fé cristã, e
isso é fácil perceber.[1]
Então, no século II,
temos outros vários homens cristãos, muitos santos e doutos, que defenderam a
fé cristã, e deixaram obras que mostram a doutrina da Igreja sendo pregada em
sua época. São Aristides, São Justino,
Taciano, Atenágoras, Teófilo de Antioquia, Hermas, e Santo Irineu, que deixou
obras valiosas sobre a doutrina da Igreja e as refutações das heresias que
estavam espalhando-se em sua época. Estamos nos anos 100.
No século III temos
Orígenes, certamente o maior erudito antes de Santo Agostinho. Também Santo
Hipólito de Roma, Tertuliano, que por algum tempo foi bom cristão católico, mas
que por seu rigor acabou aderindo às doutrinas rigoristas do movimento cristão
montanista, e assim tenha separado-se da santa Igreja. Ainda, foram defensores
da fé Minúcio Félix e São Cipriano, Arnóbio, Lactâncio e Comodiano.
As heresias que
apareceram foram o gnosticismo, o grupo herege dos cerintianos, os nazarenos,
os milenaristas (esses estavam em diversos grupos), a heresia de Marcião e o
Montanismo. O milênio era aceito por muitos padres da Igreja, mas sempre como
doutrina teológica válida e não como dogma. Até hoje há cristãos católicos que
pregam o milênio.
Nas primeiras décadas
do segundo século, nasceu Marcião. Foi um cristão que tornou-se monge, depois
presbítero. Consta que era fervoroso. Mais tarde, começou a pregar uma doutrina
estranha na Ásia, e depois em Roma. A Igreja de Roma o condenou e expulsou da
cidade no ano de 144.
Sua doutrina consistia
em ressaltar a redenção. No entanto, ele criou dois deuses, um do Antigo
Testamento e outro do Novo, e negou os evangelhos sinóticos, aceitando apenas o
de João, e somente os escritos de São Paulo apóstolo. É claro que tal ensino
não pertencia ao patrimônio cristão deixado por Jesus e pelos Doze, e Marcião
estava inovando. Dessa forma, deixou a Igreja Católica, e sem intenção começou
a Igreja Marcionita, que durou até o sexto século.
Na segunda metade do
século II, Montano, cristão da Frígia, inicia um movimento de reforma da
Igreja. Certamente, para ele a hierarquia não agradava mais, assim como a moral
mais caridosa e compreensiva da Igreja. Com isso, os montanistas foram
distanciando-se da Igreja Católica, apesar de sua doutrina não ser essencialmente
diferente, e formaram uma igreja à parte, condenada pelos papas do final do
século II e início do III. Os escritos de Montano não foram preservados, e no
século VII, ao que parece, o movimento recebeu sua última condenação.
Alguns poderiam pensar
que o Montanismo, por ser mais radical, e estava disposto a voltar às origens,
embora a Igreja Católica fosse ainda tão jovem, pois o movimento ganhava forma
em seu meio pelos anos 170 em diante, relativamente pouco tempo após o período
dos apóstolos, fosse a verdadeira continuação da Igreja.
Mas, as profecias do
líder Montano, suas afirmações a respeito de si mesmo como profeta em quem o
Espírito Santo habitava, sua recusa em conceder o perdão relativo a vários
pecados graves, como o adultério, e outras atitudes ultra-rigoristas levaram-no
para longe da Igreja Católica.
Por muito tempo a
igreja montanista permaneceu, mas teve seu fim a partir do século VII. Nunca
foi universal, não teve participação na estruturação doutrinal fundamental da
Igreja, não conservou escritos, não conseguiu impor-se contra a santa Igreja
Católica, não sobreviveu com suas notas características por tanto tempo.
Por esse motivo, não é
correto afirmar que a Igreja Montanista fosse a verdadeira (pois nem existe
mais hoje), nem que o movimento guardasse pureza de doutrina (que era em geral
a mesma doutrina católica com adições de pontos de mais rigor), nem que tenha
sobrevivido com outro nome, ou diluído em outra forma, e outras explicações
nada plausíveis, pois a Igreja de Jesus não é tão estrita a nomes de destaque,
nem tão frágil, nem é liderada por figuras que surgem no interior da Igreja
Católica e que opõem-se e encontram resistência das autoridades da mesma
Igreja.
De fato, se o
Montanismo fosse a Igreja de Cristo ou que tivesse em seu meio os verdadeiros
cristãos, seguindo os pontos fundamentais da fé pura, esse teria prevalecido
contra a Igreja Católica e não o contrário. É fato histórico que o montanismo
não contribuiu para a fé cristã como a Igreja Católica da qual saiu e combateu.
Em seu tempo os bispos podiam dizer que Montano saiu “por que não era dos
nossos”, como afirma o apóstolo São João. Esses são fatos objetivos que
explicam sua posição no cenário cristão, que é o de heresia.
Por isso, os cristãos
católicos eram aqueles que permaneciam na única Igreja do tempo apostólico, e
continuaram assim durante o segundo século, enquanto que os gnósticos,
cerintianos, nazarenos, marcionitas, montanistas, e outros, foram cristãos que
deixaram a comunhão da Igreja Católica e passaram a formar grupos distintos,
igrejas distintas (por vários motivos, como os comentados acima), que duravam
algum tempo, até por séculos, mas desapareciam. Esses não podem ser os
representanes da Igreja fundada por Cristo, tanto pela doutrina que pregavam, como
pelas características que assumiam, como também pelos resultados históricos que
tiveram, e por outros motivos que, conforme as Escrituras não são parte da
santa Igreja Católica.
Dessa forma, no segundo
século, é possível identificar a Igreja de Jesus, e é aquela que desenvolvia
sob a direção de homens que conviveram com os apóstolos, que foram seus
sucessores, que defenderam a fé, que deixaram escritos preciosos para o
conhecimento da Igreja naquele período, e não aqueles dos quais foi falado
acima, e que não prevaleceram, e foram desunidos entre si, e em relação à
Igreja dos padres e doutos cristãos.
Gledson Meireles.
[1]
Se alguns, porventura, levantaram a questão (absurda) de que os hereges eram de
fato os cristãos verdadeiros, e que seus escritos foram destruídos ou perdidos,
e que suas doutrinas foram desvirtuadas, até certo ponto, pelos apologistas
oponentes, teríamos um quadro curioso.
Dessa maneira, as
fontes ditas “cristãs” teriam sido obnubiladas, esquecidas, destruídas ou
perdidas, e as fontes que temos, e que todos saber ser legítimas, seriam
vítimas da dúvida e da má vontade, enquanto que as supostas fontes verdadeiras
estariam peremptoriamente ocultas e nunca conhecidas pela posteridade, e seriam
delas que a certeza adviria. Os que defenderiam essa tese fundamentariam suas
doutrinas em fontes que ninguém conhece, e não existem mais, e talvez não existiram jamais.
Além do mais, os grupos
autores dessas fontes, os quais temos certeza que existiram, não sobreviveram
por muito tempo. Alguns até atingiram séculos de existência, mas chegaram ao
fim, sofreram modificações profundas, foram exterminados, mesclaram-se com
outros movimentos, transformaram-se, sumiram. Essas características não são
notas da Igreja Católica fundada por Jesus Cristo, pois nem os seus escritos
contemplam a mensagem de Cristo, nem suas interpretações estão em consonância
com Bíblia, sendo fácil identificar diferenças patentes. Por isso,
objetivamente seria uma loucura aventar tal tese.
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