segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Livro: O Cristão Reformado, sobre o Sola Gratia

Comentário: Sola Gratia

 

É verdade que a salvação é pela graça. Jesus é a salvação. A salvação é dada pela graça de Deus. Essa é a doutrina cristã católica.

O Protestantismo quer negar o mérito na salvação, quando ensina o sola gratia. Essa verdade já é ensinada pela Igreja Católica desde os primeiros dias. Ninguém tem mérito diante de Deus para alcançar a salvação. No entanto, o que a Igreja chama de mérito na salvação é o mérito que Deus dá àquele que obedece, Deus recompensa as obras no juízo final. É um mérito que nasce da graça.

Deus dá o céu por graça. O Protestantismo reformado ensina que a fé e as obras são dons de Deus. A fé é gerada no salvo após a regeneração, pela graça, e as obras são a consequência da fé, de modo que o salvo faz boas obras porque foi salvo e não para ser salvo. Essa é uma forma resumida de falar da doutrina reformada.

No entanto, é óbvio que a fé e as obras devem existir na vida do salvo. É esse o ponto ensinado pela doutrina católica, de forma bíblica, e que é realmente ressaltado nas pregações, mas que o reformado entende por outra perspectiva, como visto acima.

Não se trata de ensinar que o salvo é salvo pela graça sem a fé e sem as obras, nem mesmo que a fé salva, ou que as obras salvam, mas apenas Cristo salva por Sua graça. Essas são as ênfases reformadas.

A Igreja Católica costuma frisar as vida da fé e da obediência, como faz a Bíblia. O resultado reformado é o mesmo que é ensinado pelo Catolicismo, e nisso estamos de acordo, nessa etapa da doutrina.

Não somos salvos por pagamento, mas por graça. As obras são graça de Deus. Isso é dito na doutrina católica e na doutrina reformada. No entanto, para o cristão católico devemos procurar fazer as boas obras que Deus quer que façamos, para corresponder com a Sua graça. E isso é uma obrigação do cristão.

O reformado tende a enfatizar a fé e afirmar que a as boas obras vêm como que naturalmente naquele que tem verdadeira fé. Se a ênfase leva à obediência e à produção do fruto das boas obras, não temos o que discordar.

Uma verdade que é desconhecida pelos protestantes, e é importante para entender a doutrina bíblica, é que de fato não há nenhuma obra que possamos fazer para ser aceito por Deus. Apenas depois da conversão é que as obras contam, pela graça, na salvação.

Dessa forma, as obas obras, como ensinadas pela doutrina católica, sempre são aquelas que o fiel faz em graça santificante, ou seja, que o salvo produz, e nunca aquela que o ímpio produz para conseguir ser salvo. As boas obras do fiel são feitas na fé em Jesus Cristo.

O pastor critica a crença de pessoas de correntes do cristianismo que creem em salvação pelas obras e que não entendem a graça. Parece ser difícil encontrar uma denominação cristã protestante que não entenda a graça. E na Igreja Católica, a doutrina da graça é profundamente entendida e ensinada. Basta, por exemplo, ler o doutor da graça, Santo Agostinho, que foi bispo de Hipona, estudar o Catecismo da Igreja Católica, e bons autores cristãos católicos.

Então, a vida de oração, de santificação e de arrependimento é o efeito da salvação, explica o pastor. Correto, e pode-se entender assim na doutrina católica, sem maiores problemas.

 

Comentário: A fé direciona para a graça, a graça direciona para a fé

 

Vemos que a doutrina cristã católica é muito coerente. A sola gratia está ligada à sola fide. A fé é um meio de responder ao que a graça suscitou. E a fé é um ato que foi possibilitado pela graça. Assim, o pecador teve o seu livre-arbítrio iluminado, tornando-se livre para responder. Essa fé exercita é um dom, ao mesmo tempo em que é também do homem liberto da escravidão do pecado. Desse modo, os dois solas estão bem entendidos.

O texto citado, de Atos 11, 21-23, para exemplificar que a conversão foi pela graça de Deus, pois ninguém tinha mérito para alcançar salvação em Cristo, do mérito de condigno, mostra também o que foi explicado acima. Vejamos novamente o texto: “A mão do Senhor estava com eles e grande foi o número dos que receberam a fé e se converteram ao Senhor”.

Então, Deus guiava aqueles pregadores, que pregavam aos gregos, e no seu empenho evangelístico, muitos se converteram. O texto afirma que grande foi o número dos que receberam a fé e se converteram ao Senhor, porque, certamente, não são todos os que estão ávidos por Deus, nem mesmo recebendo a graça suficiente. Entende-se que aqueles que receberam a graça, mas a rejeitaram, não puderam crer e não se converteram.

Ninguém ali merecia nada. O Senhor Deus enviou pregadores do evangelho. Eles ouviram a mensagem da salvação. Muitos não creram. Outros, em grande número, creram e foram salvos. Eles ganharam aquela benção.

O acesso à graça é feito pela fé. Portanto, ainda que seja efeito da graça suficiente, o homem deve crer para que possa receber a graça. O Senhor deseja os que livremente O aceitam. E uma vez na graça, o texto de Romanos 5, 2 prossegue que nos gloriamos na esperança da glória de Deus.

O autor protestante, citando novamente o texto de Romanos 11, 6, depois de afirmar que a salvação e a graça são quase sinônimos, agora mostra que graça é contraposta a obras, assim como à fé em outras passagens: “E se é pela graça, já não o é pelas obras; de outra maneira, a graça cessaria de ser graça.

Quando Deus afirma que não é pelas obras que somos salvos, tudo se entende do que ocorre antes da graça, antes da fé. O que o Catolicismo enfatiza na salvação quando trata de obras é aquilo que segue ao momento da regeneração, pois é somente aí que as obras têm valor para Deus.

Assim, as boas obras no processo de salvação possuem valor, pois estão santificadas pela graça divina. Não entender isso seria o mesmo que o protestante negar que a salvação exija o fruto da fé. Seria como dizer quer mesmo um pecador não arrependido pode ser salvo pela graça, o que nenhum protestante do meio principal da reforma poderia afirmar tamanha heresia.

Entender que as boas obras possuem valor salvífico não é negar a graça, mas ter o correto entendimento das boas obras realizadas na fé e no amor de Deus, o que é tudo efeito da graça recebida.

Da mesma forma que o cristão católico não pode negar essa verdade, o protestante, considerando sua concepção de sola gratia não pode deixar de crer que as obras necessariamente precisam existir na vida daquele que foi salvo. Trata-se em termos práticos do resultado da mesma doutrina.

As boas obras não são concebidas como meios de pagar a graça. Essas são obrigatórias por serem o que Deus planejou para aqueles que dever herdar a salvação.

Quando é dito que se deve receber o que Deus já deu, essa recepção é o momento em que o salvo pratica o que deve ser praticado para viver essa graça. Nesse momento, ele recebe as graças já disponíveis pela graça de Cristo. É esse o ponto que a doutrina bíblica ressalta. Não se trata de afirmar que as obras compram algo, ou que acrescentam algo à graça da salvação, mas que são os meios estabelecidos por Deus para alcançar maiores graças e bênçãos que Jesus Cristo nos deu por meio do Seu sacrifício na cruz.

O que está no mundo espiritual deve ser aplicado naquele que crê. Esse é o momento em que tudo começa a ocorrer, a justificação e o processo de salvação. Entendemos que a santificação também é um processo de graça. E é por esse motivo que a Bíblia afirma que sem a santidade ninguém verá a Deus. É a ênfase católica na santificação.

O texto de Efésios 2, 4-9 trata da salvação já ocorrida, da transladação do estado de pecado e condenação para o de salvação. Não há obra alguma que pudesse levar a esse estado, e por isso a Bíblia afirma que foi por graça: “não de obras, para que ninguém se glorie”. É o momento seguinte que trata das obras, no versículo 10: “Somos obra sua, criados em Jesus Cristo para as boas ações, que Deus de antemão preparou para que nós as praticássemos”.

Quando a Bíblia afirma que não há justiça proveniente da Lei, isso significa que antes da graça não há como guardar a Lei e nem como adquirir mérito para a salvação. Uma vez na graça santificante é possível a guarda dos Mandamentos e os méritos nascem como presentes de Deus pela atuação da graça. Por isso a Bíblia ensina que pela fé a Lei foi estabelecida. Tudo isso é o que o autor protestante explicou ao falar que é preciso somente aproximar-se do trono da graça (p. 209).

 

Comentário: A vida cristã como uma vida de graça

 

Tudo o que temos devemos à graça de Deus. Há a parte humana, mas essa é possibilitada pela graça, auxiliada por ela. É isso que São Paulo afirma em 1 Coríntios 15, 10: “Mas, pela graça que ele me deu não tem sido inútil. Ao contrário, tenho trabalhado mais do que todos eles; não eu, mas a graça de Deus que está comigo.”.

O grego traz: χάρις τοῦ Θεοῦ σὺν ἐμοί que pode ser traduzido: a graça de Deus que está comigo. A palavra grega σὺν (syn) significa “com”, e traz a ideia de sinergia, pois o apóstolo afirma que ele trabalhou mais que os outros, não ele, o que significa, não pela própria capacidade sozinho, mas a graça de Deus com ele: “mas a graça de Deus que está comigo”.

A ideia não é a graça agindo sozinha, mas a graça sendo todo o fundamento, porém, exigindo a participação, a obediência e agindo com o salvo. A forma com que pastor reformado explica essa passada é idêntica à doutrina católica. Ele escreve que São Paulo “está respondendo, por meio do seu esforço, a salvação que recebeu da graça, a qual trabalha com ele nesse esforço evangelístico” (p. 211).

A própria citação de Hebreus 12, 15 confirma a doutrina católica, de que é possível separar-se da graça de Deus pelo pecado. O reformado tem dificuldade de entender satisfatoriamente esse versículo, já que a melhor explicação seria no sentido de que o salvo pode afastar-se da graça, mas certamente voltará a ela.

E quanto à verdade de que tudo é graça de Deus, isso deve ser muito bem entendido. O pastor afirma que não temos mérito algum. Correto, mas isso se diz quanto ao mérito próprio, de condigno, para oferecer algo a Deus, e não ao mérito que o próprio Deus oferece após a salvação, de condigno, por Sua graça, ao servo que Lhe obedece. E quando o pastor afirma que “Não merecemos nenhum “parabéns”, nenhum “obrigado””, talvez se refira às palavras de Jesus em Lucas 17, 10: “Somos servos inúteis”.

Contudo, no evangelho Jesus também afirma: “Disse-lhe seu senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, eu te confiarei muito. Vem regozijar-te com teu senhor” (Mateus 25, 21). Esse elogio e recompensa mostra que a obediência foi recompensada pelo regozijo com o senhor, fazendo a obediência, as boas obras, algo atrelado à salvação. Tudo isso por graça.

No entanto, não se pode negar o mérito que Deus dá aos Seus servos por graça, para que operando a salvação com a graça de Deus possam ser recompensados na vida eterna.

Comentário: Os alertas da graça

 

Os alertas da graça são algo naturalmente entendido na doutrina católica, onde há perfeita harmonia da soberania de Deus com o livre-arbítrio do homem. Fica impossível de conciliar para quem nega o livre-arbítrio.

É possível alguém regenerado pela graça voltar ao pecado. Por isso há os alertas. No entanto, a doutrina reformada basicamente tende a negar essa possiblidade, afirmando que quem encontra a graça é transformado por ela e não se entrega ao pecado.

O pastor afirma que há pessoas “que vivem em contexto religioso de salvação pelas obras” (p. 215), e que creem que podem viver do jeito que querem, fazendo obras para compensar o pecado. Isso é uma heresia grave.

De fato, quem está na graça deve viver de acordo com a graça, e não segundo a carne. Mas a Escritura sugere que isso é possível e por isso admoesta firmemente o cristão. E a explicação de que o salvo não volta ao pecado não faz sentido. Vejamos: “Entretanto, aquele que sabe que é salvo pela fé somente não se entrega ao pecado, porque não há nada que possa ser feito para pagar de volta o dom gratuito de Deus”.

É como esperar que todo salvo irá perseverar, o que não é encontrado na Escritura. Ainda, é pensar que todo aquele que recebe a graça age de acordo com ela, sabendo que a santificação precisa ser a resposta à graça, e que sabendo disso irá sempre agir assim. Se assim fosse, não haveria nenhum alerta. Mas o reformado precisa dar essa explicação, já que não crê que todos possam receber a graça salvífica.

Mas o texto citado, de Atos 13, 43, afirma que os convertidos foram persuadidos “a perseverar na graça de Deus”. E o motivo é que se não há tal ensino muitos podem cair em heresia e em vida em desacordo com a lei do evangelho.

É um erro pensar que a Escritura faz permanecer na graça nos convidando a permanecer. É como afirmar que essas palavras não dizem o que dizem, ou seja, o alerta a permanecer na graça já seria uma garantia de permanecer na graça. Na verdade, a Escritura exorta a permanecer na graça e ensina os perigos de não permanecer.

A própria ideia da exortação bíblica de não receber a graça de forma inútil é uma dificuldade para o reformado. De fato, é possível que muitos recebam a graça de forma inútil, perdendo-a.

É verdade que o cristão regenerado aceita os alertas da graça na sua vida, mas a possibilidade de que muitos a deixem é um fato bíblico. Não é aceito pelo reformado, mas uma verdade bíblica e ensinada pela Igreja Católica.

 

Comentário: conclusões e aplicações

 

Interessante os sentimentos que são contra a salvação pela graça. De fato, há pensamentos que mostram que alguém está fora da graça. É preciso pedir a Deus misericórdia.

Gledson Meireles.

sábado, 28 de dezembro de 2024

Livro: O Cristão Reformado, sobre o Sola Fide

Comentário: Sola Fide

 

A fé sozinha pode salvar, pois é a raiz de toda justificação, como ensina a Igreja Católica. Isso em diversos casos, como nos batizados na infância, os que morrem após a conversão, os que são martirizados. Essa doutrina é católica. É a fé que trará em si a caridade, uma fé sincera. A discussão toda vem somente no caso ordinário, da vida normal da Igreja, onde as obras sempre são mencionadas como influindo na salvação. A afirmação de Lutero de que as palavras de São Paulo “não permitem obras” é um exagero nesse sentido.

 

Comentário: Salvação pela fé no Antigo Testamento

 

            É interessante que o pastor escreve que Deus não perdoa “colocando o pecado embaixo do tapete”, mas pune os pecados no Filho. Isso ele usa para frisar essa substituição. No entanto, a doutrina protestante tradicional afirma que o pecado continua no pecador, ficando sob o manto de Cristo, o que é uma doutrina errônea.

            E, mais adiante, o pastor afirma que o perdão não deixa escapar o pecador impune, pois isso é injustiça. Ele está usando a razão aqui, de forma correta. Mas, os reformados aceitam que o pecado continue no pecador quando esse é justificado, o que é um absurdo.

            E a doutrina de que a salvação no Antigo Testamento se dava por um ato futuro, a vinda e a morte do Messias prometido, quando não sabiam que nome teria, apenas que seria o Emanuel, como está no profeta Isaías, essa fé no Messias vindouro, ainda que não totalmente explícita, podia salvar. Da mesma forma, como explicado antes, a fé implícita de muitos fora do povo de Israel no Antigo Testamento, e fora do Povo de Deus, que é a Igreja, no Novo Testamento, pode salvar.

           

Comentário: Salvação pela fé nos evangelhos

 

            É verdade que a fé alcança a salvação Cristo. Isso está em textos citados pelo pastor, como Marcos 2,4-5; Mateus 9, 22; Mateus 15, 28; Lucas 7, 8, 17, 18; João 7, 38. A Igreja Católica ensina essa verdade de forma magistral, como já provado neste comentário.

 

Comentário: Salvação pela fé na teologia de Paulo

 

            O papa Bento XVI afirmou em audiência geral, no ano de 2008, sobre o assunto da justificação, expresso nos escritos inspirados do apóstolo São Paulo, que esse “põe precisamente no centro do seu Evangelho uma irredutível oposição entre dois percursos alternativos rumo à justiça: um construído sobre as obras da Lei, o outro fundado na graça da fé em Cristo”.

            Nessa pregação, o papa fala da tradução utilizada por Lutero: “Justificado unicamente pela fé”, e explica o que é a Lei e o que são as obras da Lei que não podem justificar.

            Então, a Lei significava a Torá, os cinco livros de Moisés. Isso incluía o núcleo ético e as observâncias rituais e cultuais. E o papa afirma: “Ser justo significa simplesmente estar com Cristo e em Cristo”. E, mais adiante, afirma: “Por isso, a expressão "sola fide" de Lutero é verdadeira, se não se opõe a fé à caridade, ao amor.”.

            O papa não está introduzindo nenhuma novidade, não está aceitando a doutrina luterana, não está modificando a doutrina católica, mas mostrando um ponto em que Lutero acertou, mas somente se isso não deixa de lado as obras. Se essa fé deixa de lado o amor, ela é falsa. Ou seja, se essa fé não revela a necessidade da obediência por amor a Deus, ela não salva.

            Desse modo, ao finalizar a pregação, o papa fala do amor, onde no juízo final, o Cristo juiz, fará a justiça, que decide-se na caridade, e afirma que no final do evangelho, explicado naquele momento, pode-se dizer: “só amor, só caridade”, o que remete à sola fide, só a fé. Assim, o papa está fazendo o entrelaçamento bíblico da fé e do amor, pois a fé age pela caridade, como está escrito em Gálatas 5, 14, citado pelo papa. Essa fé já é informada pelo amor antes mesmo de agir. É preciso lembrar que Lutero não viu esse pormenor.

            O papa afirma: “Mas não há contradição entre este Evangelho e São Paulo. É a mesma visão, segundo a qual a comunhão com Cristo, a fé em Cristo, cria a caridade” (https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2008/documents/hf_ben-xvi_aud_20081119.html).

            O pastor tenta afastar as boas obras quando diz que São Paulo apresenta a salvação pela fé, não a fé com alguma coisa, não é o que crê e faz alguma coisa, como se fosse “digno segundo suas obras”. Esse ponto mostra que a convicção protestante é a de que se as obras entram na salvação essas seriam a dignidade humana influindo na salvação. Mas não é bem assim.

            As obras feitas na fé, no amor a Deus, possuem a graça, são geradas na graça de Deus, e por isso são meritórias, não causando a salvação, assim como a fé em si não causa a salvação, mas garantem, fé e obras, que o salvo está em Cristo, que é Quem nos justifica. Parece que agora o leitor protestante está mais apto a entender essa verdade do evangelho, que foi ensinada por São Paulo, pois a fé age por meio do amor (Gl 5, 14).

            Quando o pastor afirma que o profeta Habacuque, em seu livro 2, versículo 4, fala da salvação pela fé, e curiosamente afirma que esse seria o bisavô da Reforma, tendo Lutero como pai e Paulo como avô, está afirmando algo como: essa doutrina profetizada só foi ensinada pelos reformadores protestantes. Mas isso não é verdade. Os estudiosos protestantes sabem que a Igreja Católica a ensinou. Muitos afirmam que há mais ênfases diferentes para a doutrina da salvação pela fé nos santos padres, por exemplo.

            Há mesmo aqueles que admitem que o grande Santo Tomás de Aquino falou do valor da fé na salvação. Lutero não estudou a doutrina tomista com profundidade. Muitos outros autores, na Idade Média, falaram da salvação pela fé, conforme a doutrina católica. E, por fim, o concílio de Trento foi bastante claro nesse quesito.

            A afirmação de que a salvação vem somente pela fé não pode ser seguida, por exemplo, de que a salvação é independentemente de seguir ou não a lei do evangelho. Isso pode ser verdade em relação à Lei antiga, mas não à Lei de Cristo. Portanto, todo protestante deve concordar que o salvo deve cumprir a nova lei, como ser batizado, comungar na ceia no Senhor, crer nas doutrinas fundamentais ensinadas por Cristo, como na ressurreição, na vinda de Cristo para o juízo final e etc.

            Toda vez que a fé é contraposta às obras, essas são as obras da Lei. Assim o é em Romanos 4, 6. O pastor usa essa passagem para frisar que as obras não podem salvar, e afiram que qualquer participação de obras na nossa salvação, essa não seria pela fé. No entanto, esquece-se que em Romanos 8, 13 afirma que a vida segundo a carne faz morrer, e a vida segundo o Espírito faz viver, o que mostra a importância das boas obras na vida cristã. Para a vida do cristã as obras influem na salvação.

            Ao negar radicalmente qualquer fagulha de obra na salvação, o pastor reformado não percebe que o mesmo até criando um erro que faz desabar até a sua própria fé reformada.

            Para frisar a fé em oposição às obras da Lei, o pastor tenta mostrar que as obras não podem fazer parte da salvação em nenhum grau possível. Citando Romanos 3, 28, onde a justificação vem da fé e não das obras da Lei, vemos que admite-se que o pecador exerce fé para alcançar a justificação. Fé não é obra. Assim, o justificado pela fé pôde apenas crer e receber a justiça.

            No entanto, para aquele que nega o livre-arbítrio, onde até a fé não seria possível para o homem, e que essa deveria ser recebida inteiramente de Deus, para que seja instrumento para alcançar a salvação, então mesmo as obras poderiam ser consideradas assim, já que cada boa obra seria apenas o reflexo da graça no justificado. Isso faz com que o autor tenha que considerar a realidade da fé do salvo, como suscitada pela graça, mas como ato humano também, o que inclui o valor das boas obras que surgem após a fé.

Do contrário, deve voltar à estaca zero e desconsiderar esse grande valor da fé, por assim dizer, ao tentar esvaziar o valor das boas obras na salvação, uma vez que se as obras não podem entrar na salvação, se não há lugar para qualquer esforço pessoal, esse também invalida o ato de crer, ainda que o mesmo não seja obra. Esse ponto não nega a doutrina bíblica da justificação pela fé e não pelas obras da Lei, mas refuta a doutrina reformada que nega a origem da fé também no ser humano que é levado à fé pela graça de Deus.

            Se o pecador apenas crer, isso será tido como justiça, sem as obras da Lei. No entanto, essa fé é sua, pois foi dom de Deus para ele. Então, agora, poderá agir na prática das boas obras (Ef 2, 8-10), onde a fé age pela caridade (Gl 5, 14) e as obras completa a fé (Tg 2,22).

            Talvez o leitor ainda não percebeu o ponto fulcral dessa diferença. Pense um instante: se o homem tem o livre-arbítrio, e está preso pelo poder do pecado, ele deve ser libertado pela graça para agir livremente e crer, para que alcance a justiça sem as obras da Lei. Uma vez que foi justificado, pela fé, como dom de Deus, não tem do que se gloriar, mas deverá agora ser servo de Deus, agindo com a graça na prática do amor nas boas obras.

            Por outro lado, na doutrina reformada, o ato de fé não seria possível ao pecador, que não teria o livre arbítrio. Assim, deveria ser regenerado antes, para que possa crer, e esse dom de Deus o faria alcançar a justiça, e uma vez justificado agiria conforme a fé, onde as boas obras seriam a consequência da fé recebida, não influindo na salvação. Então, somente a fé influiria na salvação. Mas, se mesmo a fé não foi em nada um ato humano livre, por que não o seriam as boas obras também? Se as obras não podem influir, como influiu a fé? Diria o reformado que essa foi apenas um instrumento. Pois bem, as obras também podem ser instrumentos da graça para isso, e no final o salvo não poderia gloriar-se das obras e nem da fé.

            Obviamente, essa é uma verdade bíblica, pois a fé é um dom de Deus, dado ao pecador livre, e as obras são suscitadas pela graça, onde o salvo não pode gloriar-se de nada, mas pode afirmar que age livremente na graça de Deus, não apresentando nenhuma resistência. Por sua vez, o reformado possui essa incoerência, mantendo a linguagem bíblica da fé e das obras da Lei, onde somente a fé justifica, e ao mesmo tempo apresentando essa doutrina em uma teologia que leva a anular um os elementos que a Escritura apresenta para o processo de salvação.

            Somente quando se compreende o livre-arbítrio é que se pode entender que a fé é um dom de Deus e não dá lugar para gloriar-se, pois essa é exercida livremente e não há obras, que poderiam ser exercidas livremente, a serem contadas. Somente a fé. Uma vez assim libertos, há obras para que possamos praticar e viver na obediência a Deus. Do contrário, o apóstolo teria dito que nem a fé existia por parte do justificado, pois seria um dom de Deus. E ele não faz isso, mas elogia a fé, mesmo que após isso revele que a fé é um dom. Todo esse cenário só faz sentido quando se entende o livre-arbítrio sendo guiado pela graça de Deus.

            O pecador justificado não continua igual no seu interior, mas é transformado pela graça. Justo e pecador não significa que o pecador continua no seu pecado original enquanto é considerado justo, mas que a justiça de Cristo é derramada no seu interior e sua própria justiça é agora feita nessa justiça recebida, de modo que a vida na graça é feita em liberdade e amor, por meio da fé.

 

Comentário: “E os textos sobre obras?”

 

            O pastor tenta explicar Tiago 2. Afirma que se o texto de Tiago for arremessado contra o de Paulo, isso causaria um problema maior. De fato, o pastor está certo, pois ambos são conciliáveis, não estão em contradição um com o outro.

            Mas, logo a seguir, ele afirma: “O que os católicos às vezes tentam fazer é conciliar Tiago e Paulo como se fossem uma coisa só”.

            E agora, perguntamos? E os dois não estão ensinando a mesma doutrina? Obviamente sim. E como, então, o pastor faz a conciliação de ambos os textos?:

            Ele afirma que se um ensina a justificação pela fé e outro a justificação pelas obras, não há como conciliar. No entanto, o pastor esquece-se de um detalhe importante, que é a palavras somente. O texto de Tiago afirma: “Vedes como o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé?”. Ou seja, a apóstolo está ensinando que há justificação pela fé e pelas obras: fé + obras. O pastor não entendeu esse pormenor e tenta fazer que um não poderia ensinar a justificação pela fé e o outro pelas obras.

            Por isso, São Paulo nunca escreve que a justificação é somente pela fé, mas que a justificação é pela fé sem as obras da Lei. Isso indica que há outras obras, nas as da Lei, que influem na fé. E é justamente isso que o apóstolo São Tiago está ensinando.

            Assim, ambos ensina igualmente: a fé age por meio do amor (Gl 5, 14). A fé estabelece a Lei, dando-lhe toda a força (Rm 3,31), os que fazem o bem serão salvos (Rm 2, 7). Se essa Lei ganha a força da fé, então ela deve ser cumprida. Trata-se dos Dez Mandamentos da Lei de Deus, de toda moral cristã, que continua de pé, como ensina São Tiago, e que a fé coopera com as boas obras e as obras completam a fé. Essas duas ações que são ensinadas na Bíblia faltam na teologia de Lutero.

            O pastor explica que São Paulo e São Tiago estão tratando de duas coisas diferentes. Isso está correto.

            Mas, logo ele afirma que um fala da salvação e outro da fé.  São Paulo estaria tratando de como encontrar a salvação e São Tiago trataria de como encontrar a fé. Isso não é bem assim. De fato, a salvação vem ao pecador através da fé, mas a fé não vem ao pecador através das obras. Desse modo, a própria explicação está refutada.

            Ainda, o próprio texto de São Tiago trata de salvação, pois afiram que sem a fé sem as obras é morta, e, portanto, não pode salvar (Tg 2, 15-16).

            Depois, para explicar o texto onde é dito que a fé sem obras é morta, o mesmo afirma que a fé morta não existe, mas é um meio de falar da ausência de fé. Dessa forma, assim como o corpo sem espírito é morto, a fé sem obras é morta. Aqui, São Tiago compara duas coisas, em quatro elementos: corpo e espírito e fé e obras. O corpo seria a fé, o espírito estaria para as obras. Faltando o espírito, o corpo morre. Faltando as obras, a fé morre. É simples.

            No entanto, na explicação do pastor: “A fé morta é ausência de fé”. Isso porque na doutrina reformada aquele que recebe a fé salvífica é eleito, deve gerar fruto, praticar boas obras. O não eleito não receberia nunca a fé. Para estar de acordo com a doutrina calvinista, o pastor explica que a fé morta não é fé. Isso já foi refutado acima, na comparação feita por São Tiago.

            Mas, ainda, o apóstolo afirma que pode existir verdadeira fé e não gerar salvação, porque não há obras: “De que aproveitará, irmãos, a alguém dizer que tem fé, se não tiver obras? Acaso essa fé poderá salvá-lo?” (Tiago 2, 14). Ele afirma que há fé que não salva.

            Em outro texto, escreve: “Crês que há um só Deus. Fazes bem. Também os demônios creem e tremem.” (Tiago 2, 19). Nesse texto, igualmente, São Tiago afirma que pode haver fé e não haver obras, e essa fé não pode salvar. O motivo é que ela é uma fé “morta em si mesma” (Tiago 2, 17).

            O pastor afirma que São Tiago estaria ensinando fé que opera em obras, o que está correto, mas diz que as obras estão contidas dentro da fé, contra a adição fé + obras. Esse ponto não está correto, pois a Bíblia ensina que a fé age por meio do amor, que são duas virtudes distintas. O amor é expresso pela obediência, pelas obras, pois quem ama a Jesus guarda os mandamentos (João 14, 21). Assim sendo, a fé é uma virtude que opera por meio do amor, sendo então que a fé coopera com as obras e as obras completam a fé, como ensina São Tiago. A doutrina reformada está equivocada nessa doutrina.

            Por tudo isso, Lutero não tinham apreço pela santa epístola de Tiago, por ela ser tão clara no ensino das obras, assim como não gostava da doutrina católica.

            Por isso também o texto de Apocalipse 2, 12-13 ensina que no julgamento haverá a exigência das obras.

            E, no fim, o autor protestante concorda na prática que a fé mais obras é preciso existir para mostrar a importância das obras na vida do salvo, e admite que Deus irá exigir obras, como prova da fé, no dia do juízo, o que faz com que, em termos práticos, os protestantes aceitem a verdade da doutrina cristã católica.

 

Comentário: Conclusões e aplicações

 

            Não há nada que o pecador possa fazer para ser salvo, mas uma vez salvo deve andar nas boas obras. Há pessoas que podem deixar a fé morrer se não obedecem. Deus nos trata como filhos amados, em Cristo. As obras não compram o relacionamento com Deus, mas são exigidas nesse relacionamento. A fé é o começo da justificação, da salvação, e mesmo fé pequena salva. Essa doutrina é também doutrina católica. Santo Agostinho afirma que Deus coroa em nós os Seus próprios dons, e isso está no Catecismo da Igreja Católica. Dessa forma, o protestante pode constatar a verdade da doutrina cristã católica. 

Gledson Meireles.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Livro: O Cristão Reformado, sobre o princípio Solus Christus

 

Comentário: Solus Christus

 

O princípio Solus Christus ensina que Jesus é o único meio de nossa Salvação. Mas isso é justamente o que a Igreja Católica sempre ensinou. Então, por que os reformadores afirmaram esse princípio contra o Catolicismo? Porque a forma de entender essa doutrina é diferente entre os protestantes. Isso ficará claro ao estudarmos esse capítulo.

 

Comentário: O centro de todo o evangelho

 

O centro da mensagem do evangelho é a morte e ressurreição de Jesus. Que o leitor seja perspicaz aqui. Que Igreja apresenta a crucificação de Jesus como centro de sua vida, de forma a chamar a atenção universal para esse centro do evangelho? A Igreja Católica Apostólica Romana.

De fato, os cristãos católicos têm  na missa a atualização do sacrifício de Jesus no calvário. Em crucifixos para lembrar da paixão, morte de Cristo pela nossa salvação. Fazem via sacra. Fazem penitência às sextas-feiras em honra desse mistério de Cristo. Fazem o sinal da cruz com grande devoção. A doutrina cristã católica inteira tem o centro em Jesus Cristo, e toda a devoção da vida cristã católica é endereçada a Jesus. Maria e os santos, a Igreja e os sacramentos, todos, só existem em função de Jesus Cristo. Ensinar o contrário é desconhecer a fé católica. Ainda mais. Não aceitar essa piedade é negar o que a Igreja Católica ensina desde sua fundação por Jesus Cristo.

Assim, São Paulo ensinou a Cristo, e Cristo crucificado. Afirmou que completa em seu corpo o que falta nas tribulações de Cristo (Cl 1, 24). Pregou sobre a morte de Cristo pelos nossos pecados e para nossa salvação (1 Cor 15, 1-4).

E, o mesmo apóstolo, ensinou também que a Igreja é coluna e sustentáculo da verdade, que o batismo nos veste de Cristo, que devemos ser imitadores seus e dos santos ministros do evangelho, que devemos orar sem cessar, que devemos viver a fé que age por meio da caridade, nas boas obras, etc. Tudo isso é feito em Cristo.

No entanto, o protestante tende a pensar que sua fé não pode incluir nenhum desses ensinos de Jesus como importantes, de modo que erros surgem aos montes por tamanha incompreensão do evangelho.

Devemos perceber que a linguagem bíblica é aquela que a Igreja Católica utilizar para tratar dos assuntos espirituais. A Bíblia ensina que por meio do evangelho somos salvos (1 Cor 15, 1-4). O que isso quer dizer? É por meio de Cristo ou por meio do evangelho? Obviamente não há distinção aqui, porque o evangelho é a mensagem da salvação por meio de Cristo.

Mas o protestante faz essas distinções sérias. Por exemplo, a maioria dos protestantes afirma que o batismo não salva, porque é o sangue de Cristo que salva. No entanto, poderíamos dizer: é o sangue de Cristo que salva ou é o próprio Cristo? Agora, o leitor entende que não é correto fazer essas distinções impensadas? É óbvio que o sangue de Cristo salva porque foi Cristo crucificado e o derramou pelos pecados. É esse sangue que lava a purifica quando alguém é batizado em nome de Cristo. Assim, o batismo é o momento em que o sangue de Cristo opera espiritualmente na alma do pecador. Essas verdades bíblicas são todas guardadas na santa Igreja Católica.

Vamos questionar mais um pouco: você sabe que todos os cristãos católicos creem firmemente que Jesus morreu e ressuscitou, segundo as Escrituras? E creem nisso para a salvação? E permanecem nessa fé de forma profunda?

De fato, o católico pratica exercícios espirituais, que fazem parte da devoção cristã. O terço é um costume geral e exercita o princípio bíblico de orar sem cessar. Nessa oração à virgem Maria o teor principal é a vida de Jesus Cristo. Entre os mistérios de Cristo estão a sua paixão, morte e ressurreição, que são contemplados nos mistérios dolorosos.

Portanto, os cristãos católicos rezando o terço estão tendo no seu coração o cerne do evangelho salvador de Jesus Cristo. Contudo, o protestante dirá que o terço não pode ser rezado, que é repetição, que é endereçado a Maria, que é “outro” meio para ser salvo fora de Cristo. Deve-se dizer que isso é ideia protestante, e não católica. Para o cristão católico, como acima ficou explicado, toda a devoção é feita por causa de Cristo, tem Ele como centro, é endereçada a Ele, tem o fim de nos conformar a Ele, de nos levar a Ele, para a maior glória de Deus.

Essa foi a vida dos cristãos em toda a existência da Igreja. Aliás, o terço tem quase um milênio de existência, e ninguém em sã consciência iria negar a salvação de bilhões de cristãos que praticaram essa sã devoção durante suas vidas, tendo Cristo como centro, e vivendo em comunhão com os santos e todos os elementos da vida cristã, de modo a não acrescentar nada à salvação trazida por Cristo, mas viver os elementos que o próprio Jesus ensinou de modo a viver a riqueza que Ele nos trouxe no Seu evangelho: “Vós conheceis a bondade de nosso Senhor Jesus Cristo. Sendo rico, se fez pobre por vós, a fim de vos enriquecer por sua pobreza” (2 Coríntios 8, 9).

Quando o pastor escreve que “a vida da Igreja é um vida de rememorar a pessoa de Jesus Cristo”, se ele soubesse que isso é a própria vida da Igreja Católica, que tem sua liturgia toda centrada em Jesus Cristo, isso ficaria mais luminoso em sua vida. De fato, a Igreja Católica é muito anterior à denominação reformada, da qual o pastor obteve sua compreensão do evangelho.

A Igreja Católica tem o Pai Nosso como oração mais importante. Lê os evangelhos como textos bíblicos centrais nas celebrações da santa missa. Celebra a Páscoa da ressureição e todos os domingos em honra da ressureição de Jesus Cristo. E todo o ano litúrgico é feito com base nesse mistério. Mesmo os dias dos santos e outras festividades possuem inspiração nessa espiritualidade centralizada na Pessoa do Redentor Jesus Cristo. A forma de viver essa espiritualidade não é compreendida pelos protestantes, mas é o modo que a Igreja Católica vive desde os dias dos apóstolos, com desenvolvimentos feitos segundo o evangelho do Senhor Jesus Cristo.

Assim, a salvação é por meio de Jesus Cristo. Deus o fez pecado por nos (2 Coríntios 5, 21), ou seja, o tornou vítima de expiação. Essa vida de Cristo, a Sua justiça, é derramada no nosso coração, de modo que é feita nossa, e nossa própria justiça deve ser conforme essa justiça de Cristo. Essas são as boas obras que Deus preparou para que andássemos nelas (cf. Ef 2, 8-10.

A ideia de que Deus apagou na cruz o que fizemos e o que ainda vamos fazer, que é parte integrante da doutrina reformada, o que explica aquela ideia de uma vez salvo sempre salvo, e a negação da perda da salvação, essa ideia lembra aquela outra, muito criticada pelos reformadores, da oferta das indulgências, onde os pecados passados e futuros poderiam ser perdoados através da aquisição dos bilhetes de indulgências.

Obviamente essa não é a doutrina católica, não foi ensinada oficialmente pela Igreja em nenhum momento da história, e é duramente criticada pelos reformadores. No entanto, em sua própria doutrina protestante reformada, há essas afirmações que a Escritura Sagrada não faz em nenhum momento.

A salvação em Cristo é pela graça, e nenhum esforço humano pode salvar. Essa doutrina é crida por todos os cristãos, católicos e protestantes, por exemplo. Mas, é preciso notar que as boas obras devem ser realizadas, pois ainda que o protestante tradicional afirme que a fé salva, mas não salva sozinha, e que deve estar acompanhada das obras que são consequência da fé, essas obras devem existir na vida do salvo e serão contadas no juízo final. Não é o lugar de examinar a posição protestantes em comparação com a Bíblia, mas apenas mostrar que para ser coerente o protestante deve viver como ensina a Igreja Católica, praticando boas obras.

E aquela ideia de chegar de mãos vazias em contraposição com a doutrina do Solus Christus no Protestantismo, onde nada poderia ser entregue a Deus para valer a vida eterna, é uma ideia que tem duas partes: uma correta, pois as obras não podem salvar, nada podem acrescentar ao sacrifício de Cristo. Mas, há outra parte: as obras feitas na graça de Deus possuem mérito e serão exigidas no juízo final. Essas obras, necessárias à salvação, como se costuma afirmar, são aquelas que Deus preparou para que andemos nelas, e uma vez preparadas por Deus se tornam obrigatórias, não é mesmo?

Assim, também há a doutrina de que as obras são necessárias, os servos terão suas recompensas baseadas nas obras, e essas obras devem existir para o salvo. Somente Cristo é o salvador, mas Ele ensina a praticar o bem.

 

Comentário: O único meio de salvação

 

A teologia católica ensina que somente Cristo é o Redentor, somente Cristo é o Salvador, somente Cristo é o Mediador. Mas, dirão alguns, e os santos, e a virgem Maria, e sua intercessão, e os títulos de advogados dados aos santos, e os méritos dos santos, e a co-redenção de Maria? A resposta é que tudo isso só funciona na vida da graça santificante em Cristo Jesus. Tudo é uma preparação para que vivamos nas obras que Deus preparou para nós, na obediência aos mandamentos, na recepção dos sacramentos, na vida em comunhão com a Igreja e com todos os santos. É uma espiritualidade nascida das páginas sagradas do evangelho e de toda a Escritura, que é preciso ser vivida por todos os que creem e amam a Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

O pastor, em certa altura da sua obra, escreve o seguinte: “...precisam de homens que foram santos, mas agora estão mortos, aos quais você pede intercessão diante de Jesus para que ele então peça a Deus”(p. 92). Com isso o pastor tenta refutar a doutrina da intercessão dos santos, pensando que os santos são como que salvadores do povo católico. De fato, nada mais longe da verdade. Essa não é a doutrina católica. A intercessão dos santos não se dá no âmbito da salvação, mas acontece na vida da graça, assim como a intercessão dos santos na terra, na oração de intercessão de um irmão pelo outro na igreja, e na intercessão da Igreja por toda a humanidade diante de Deus, em Cristo, o que não constitui a doutrina da redenção.

Quando o protestante afirma que não necessita de ninguém mais para chegar a Deus, negando a intermediação dos santos, está pensando na intercessão em termos de salvação, o que não é verdade. Seria o mesmo que dizer que não precisa da oração de ninguém mais porque já tem o acesso direto a Deus por meio de Jesus. Qualquer um que entenda da doutrina bíblica da intercessão irá perceber o quão desastrosa seria essa atitude.

O mesmo se diz em relação aos santos do céu, pois a morte não os afasta da comunhão. A morte não põe fim no seu amor a Deus e ao próximo. A morte não os separa do amor de Deus. A morte não põe fim à alma. E uma vez mortos, suas obras os acompanham, e na esperança da ressureição, descansam das suas obras, mas já realizam a obra do reinado com Cristo no céu.

O pastor conta experiência que teve entre os protestantes, do mainstream evangélico, em que no culto, muitas vezes, o nome de Jesus não é nem citado. Algo curioso. Impossível na Igreja Católica, pois na liturgia, por mais que o celebrante tente se afastar da sua essência original e oficialmente exigida para a celebração, terá que mencionar o nome de Jesus. Obviamente é possível que muitos o tornem secundário nas apresentações e etc., e nas devoções pessoais, afastando-se do que é comum e natural na teologia católica, pois menos na oração de intercessão a um santo essa deve ser feita em Cristo. Assim é pedido ao santo: rogai por nós. Ou seja, o santo rogará a Deus por nós, e o fará em Nome de Jesus, que é o único pelo qual é possível alcançar a graça de Deus.

O texto de Romanos 2, 12 não pode ser usado para falar da condenação de todas as pessoas que não conheceram Jesus. É verdade que o homem é indesculpável diante de Deus. Mas, se alguém segue os ditames da razão, na fé em Deus, na vida em coerência com essa fé, esse é salvo, porque Cristo alcançou a salvação para essa alma na cruz. De fato, todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, mas essa graça e glória é alcançada em Cristo. Os que servem a Deus sinceramente estão recebendo a graça de Deus por meio de Cristo.

Por isso, a Escritura afirma que os que pecaram sem lei perecerão sem a lei, assim como os que pecaram com lei. De fato, pela lei natural são julgados os que não têm lei, e pela lei de Moisés são julgados os que estão sob a Lei. E agora, todos estamos sob a Lei de Cristo.

Ninguém pode ser salvo se não crer em Cristo. Para o reformado, uma tribo distante, em região pagã, que vive o seu paganismo, crendo em Deus e fazendo o que sabe ser o correto para agradar a Deus, em sua ignorância, será toda condenada, ainda que se esforce para seguir as leis do seu coração no cumprimento do que acredita ser a vontade de Deus. E o motivo é que não puderam ouvir a pregação e crer no único Salvador, Jesus Cristo.

No entanto, os pecadores pecam em Adam, nascem no pecado, fora da graça e da glória, não podendo alcançar a graça senão por Cristo. Assim, cada pecador não tem culpa pessoal, mas peca em Adão como cabeça da humanidade. Desse modo, Deus dá a graça suficiente para todos, pois essa foi alcançada por Jesus na cruz, e todos podem ser salvos pro Cristo. Mas como crerão em Cristo se Ele não for conhecido?

Ora, sem fé é impossível agradar a Deus, pois para se achegar a ele é necessário que se creia primeiro que ele existe e que recompensa os que o procuram” (Hebreus 11, 6).

Embora todos devam crer por intermédio da Palavra de Deus pregada, e essa pregação levará o Nome de Jesus, único Salvador, há certamente muitos que não terão oportunidade de ouvir a pregação. No entanto, a Lei está no coração, não está longe, no céu, nem no abismo, mas dentro de cada ser humano. Desse modo, se o ser humano crê que Deus existe e recompensa os que O procuram, esses têm a fé, dom de Deus, e podem ser salvos. São salvos por Cristo, por desejo, por fé implícita.

Se se lê literalmente cada palavra em João 17, 20 e Romanos 10, 13-15, também é preciso igualmente ler Hebreus 11, 6. Assim, é um fato que a Escritura afirma a salvação de quem não ouviu a mensagem do evangelho diretamente por falta de oportunidade.

O Solus Christus não pode ser usado para crer na condenação de quem não teve culpa pessoal para crer em Jesus. Somente os que rejeitam a pregação e verdade do evangelho até o fim cometem o pecado contra o Espírito Santo, único imperdoável.

A ideia de John Piper de que “Jesus não exerce o poder legítimo sobre o coração da pessoa diretamente”, mas apenas “por meio dos seus seguidores” é algo errôneo (p. 95).

Essa doutrina é contrária à doutrina bíblica de que Deus deseja a salvação de todos. É contrária ao que ensina o Catecismo da Igreja Católica, de que Deus não está preso aos meios que Ele instituiu ordinariamente. Assim, o batismo é necessário para a salvação, mas Deus salva aqueles que não puderam ser batizados, como o ladrão da cruz.

Assim, Deus salva aqueles que não puderam ouvir a mensagem, agindo diretamente no coração, convertendo e dando o dom da fé. Esse ponto é importante, pois a doutrina da Igreja Católica a respeito da importância da Igreja como Corpo Místico de Cristo para a missão de salvação da humanidade reconhece a salvação daqueles que por ignorância não souberam do evangelho de Jesus, mas creram em Deus e viveram e acordo com a vontade de Deus, segundo o que puderam aprender.

Por outro lado, a Igreja, conforme essa doutrina reformada apresenta pelo pastor, tem um papel fundamental para a salvação, de modo que onde a Igreja não chegou, onde não houve pregadores do evangelho, onde o nome de Cristo não foi conhecido, para que Deus pudesse agir para converter o pecador e dar-lhe a salvação, então todos seriam condenados.

Essa necessidade absoluta da Igreja para a salvação é algo tão curioso que volta-se contra a própria doutrina protestante, quando a mesma critica a doutrina católica sobre a Igreja, e nega as leis da razão, condenando os que não tiveram oportunidade de agir de outra maneira, porque não houve pregador que anunciasse a boa nova da salvação.

A doutrina que ensina a condenação de quem não teve a graça suficiente é heresia. Vemos em Atos dos Apóstolos que Cornélio viu um anjo e foi até Simão Pedro e ouviu o evangelho da salvação. Mas, antes disso, sabemos que Cornélio estava na graça de Deus. A doutrina reformada diria que Cornélio estava em pecado e seria condenado se morresse antes de encontrar-se com Pedro. E a doutrina católica afirma que ainda que Cornélio morresse assim, antes da pregação, seria salvo, pois demonstrou abertura para a pregação do evangelho.

Os reformados diriam que se Cornélio morresse antes seria algo já determinado por Deus, que o condenou, matando-o antes de ouvir a mensagem da salvação. Caso, contrário, nada poderia tê-lo impedido de ouvir a mensagem e ser salvo, sendo um dos eleitos, como de fato aconteceu.

Mas, a Escritura afirma a respeito de Cornélio: “Era religioso; ele e todos os da sua casa eram tementes a Deus. Dava muitas esmolas ao povo e orava constantemente”(Atos 10, 2).

E o anjo diz a Cornélio: “O anjo replicou: “As tuas orações e as tuas esmolas subiram à presença de Deus como oferta de lembrança” (Atos 10, 4).

Essa passagem ensina que as obras agradam a Deus. Cornélio era religioso, temente a Deus, homem de oração, assim como todos os da sua casa. Esperavam a revelação do evangelho, e foram salvos por Cristo. Contudo, é certo que já estavam na graça, que os prepara para o recebimento do evangelho.

Eis que o pastor afirma que um texto da Bíblia pode conduzir à salvação, comunicando a salvação em Cristo somente. Podemos afirmar que já ouve salvação arrependimento dos pecados, a pessoa que contemplaram uma imagem de Cristo crucificado e entenderam a verdade ali ensinada. Os protestantes teriam dificuldade de aceitar essa verdade, mas é totalmente possível.

Desse modo, é ordinariamente necessária a pregação de Cristo. Mas, como a Bíblia afirma que sem a fé é impossível agradar a Deus, e que os que creem em Deus e que Ele é recompensador, esses podem agradar-Lhe. Agradando a Deus, estão salvos.

Aqui temos duas interpretações. Uma dos reformados e outra da Igreja Católica. Cada uma está baseando sua conclusão em textos da Bíblia. De fato, toda heresia também nasce da má compreensão da Bíblia. O que o leitor pode notar é que a compreensão católica é legítima, mais antiga, de acordo com a exegese bíblica brevemente apresentada acima, e conforme a razão, o nosso senso de justiça.

A interpretação reformada é contrária à doutrina católica, o que já é um sinal de alerta. Ela é recente, outro sinal desfavorável. Ela nega a compreensão de 1 Tm 2, 4 e Hb 11, 6, o que a refuta totalmente. E por fim, contraria a razão, o que a enfraquece ainda mais.

Comentário: A base da vida do cristão

 

Jesus Cristo é o fundamento da Igreja. É Cristo a Pedra Angular. Ele é o firmamento. Nós somos as pedras da construção sobre a Rocha. Pedro é o primeiro, o líder, o que foi posto no lugar de Chefe, para apascentar, para ser pedra de unidade. Por isso o seu nome, que vem de Kepha, Pedra, e tornou Cefas e Petros em grego, Pedro. Ele é a rocha colocada por Cristo. Crendo em Pedro estamos crendo em Cristo. Assim, Pedro não pode errar na fé, devendo ser infalível, pois Jesus Cristo é Deus, e não permite que São Pedro erre na fé ensinada à Igreja Católica.

Comparando “o centro comunitário de ortodoxia a partir do que a Escritura revela”, que geraria a unidade entre as discordâncias protestantes, essa unidade é muito maior no meio cristão católico, e não é difícil de perceber, basta uma rápida olhada. Então, até na unidade assim reconhecida, o Catolicismo se mostra mais unido.

Recebendo Cristo somos unidos na fé. A fé cristã católica, entregue aos santos, mantida intacta sempre na santa Igreja Católica. O presente estudo deixa isso bastante nítido, com tamanha beleza de doutrina vinda de Jesus, o Senhor.

 

Comentário: Conclusão e aplicações

 

A seguir, algumas conclusões e aplicações a partir do que foi comentado, com a doutrina bem entendida, com certos ajustes e correções, para que o leitor cresça na fé.

Não cremos em nós mesmos para a salvação, mas somente em Jesus Cristo. A nossa santificação é necessária para ver a Deus: “Procurai a paz com todos e ao mesmo tempo a santidade, se a qual ninguém pode ver o Senhor” (Hebreus 12, 14), e essa paz e santidade só são possíveis pela graça de Cristo. Jesus é nossa esperança. A fé em Cristo é a única forma para que o homem possa ser salvo. Mesmo os mais distantes pecadores, em longínquos lugares da terra, que buscam a Deus, o Pai, esses podem receber a graça que flui da Sua misericórdia, porque foi alcançada pelo sangue de Cristo.


Gledson Meireles.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Livro: O Cristão Reformado, sobre o Sola Scriptura

Comentário: Sola Scriptura

Se formos interpretar o Sola Scriptura de acordo com a doutrina católica, podemos afirmar que tudo deve estar na Bíblia, explicitamente ou implicitamente, e nada do que for ensinado na Igreja pode estar contra a Bíblia. Dessa forma, tudo pode ser provado, demonstrado, satisfatoriamente explicado, usando apenas a Escritura.

Os protestantes, a partir do padre Martim Lutero, do padre Zwínglio, do capelão João Calvino, e dos reformadores do século 16 em conjunto, formularam o princípio Sola Scriptura, de modo que tudo deve estar na Bíblia, nada fora dela, e nada contra ela. No entanto, esse princípio teve como objetivo negar a autoridade infalível da Igreja e da tradição. E é justamente nesse ponto que a doutrina protestante diverge da doutrina católica.

A Bíblia em si, a Palavra de Deus, ensina que a Igreja é coluna e sustentáculo da verdade, e ordena a guardar as tradições apostólicas ensinadas oralmente. Portanto, como a Bíblia é infalível, ao ensinar que a Igreja é coluna e sustentáculo da verdade, a Igreja também é apresentada como infalível, e ao instituir a tradição como obrigatória para a fé, tem-se também que a tradição tem ensinos infalíveis.

Os padres da Igreja ensinaram assim. Nenhum cristão católico pensa estar acima da Bíblia, pois ela é a Palavra inspirada de Deus. Os padres da Igreja também eram devotos da Escritura Sagrada.

O cânon da Bíblia foi escolhido pela Igreja Católica Apostólica Romana. Os livros do Novo Testamento foram sendo escritos a partir do ano 50 d. C., e sua autoridade apostólica foi reconhecida entre as igrejas nas quais eram lidos e conhecidos, de modo que foram circulando entre as comunidades cristãs do primeiro século, durante a vida dos apóstolos. Outros companheiros dos apóstolos também escreveram, como Marcos e Lucas.

Esses escritos autoritativos foram sendo considerados pelos cristãos em geral, mas com o passar do tempo, no meio de outras obras, alguns desses não ganharam status de inspirados por parte de alguns. Assim, duvidaram da 2ª Epístola de São Pedro, a Espístola doe Judas, a Epístola de Tiago, o Apocalipse, e outros, enquanto também pensavam ser inspirados os livros de Pastor de Hermas, a 1ª Epístola de São Clemente de Roma, e outros, de modo a surgirem muitas divergências entre os cristãos.

Obviamente, cada texto inspirado é escrito sob a moção do Espírito Santo, já nascendo como Palavra de Deus, de autoridade plena, digno de obediência e devoção. Desse modo, cada escrito, dos 27 livros do Novo Testamento, surgiram com toda autoridade, por terem sido escrito sob a inspiração do Espírito Santo.

No entanto, muitas informações foram sendo perdidas, de modo que não era possível ter certeza, em certos lugares, se um escrito era de origem apostólica, ou que continha o ensino apostólico, sendo inspirado por Deus, de forma que, como expresso acima, livros inspirados eram discutidos junto com outros não inspirados. O mesmo ocorria com livros do Antigo Testamento, pois vários escritos não inspirados, mas lidos com devoção, estavam junto com os livros inspirados, de modo que causavam dúvidas entre muitos.

O leitor está ciente que no momento em que o escritor inspirado escreve, a sua obra é a Palavra de Deus, por sua inspiração. Mas, se em algum lugar esse escrito é negado, aqueles cristãos estarão negando parte da revelação, que por si mesma tem autoridade, mas que não está sendo reconhecida, por vários motivos. E esses obstáculos, muitas vezes desculpáveis, foram retirados pela autoridade da Igreja Católica, que com seus concílios estabeleceu os princípios para a correta identificação dos livros santos, e definiu a lista, que é chamada cânon, a lista dos livros sagrados, nos anos de 393 d. C., 397 d. C. Assim, a Igreja definiu o cânon bíblico.

Por isso, está correto que a Bíblia tem autoridade por si mesma, pois é a Palavra de Deus, é assim está acima da Igreja, o povo de Deus, e é estudada e interpretada pelo magistério, que é servo de Deus, servo da Palavra de Deus, juntamente com a tradição, que contem a Palavra de Deus por meio de diversas formas, de modo que a Igreja deve reconhecer o que é tradição apostólica.

Então, como cristãos católicos, reconhecemos que a Bíblia tem autoridade sobre a Igreja, e não a Igreja sobre a Bíblia.

Quando se diz que o magistério, e a tradição apostólica, precede o cânon, precede a Bíblia, isso é compreendido historicamente, pois a Igreja ensinou oralmente e depois alguns apóstolos e outros escritos inspirados escreveram o que Deus desejava que fosse escrito.

Assim, é historicamente, e teologicamente certo, que a Igreja nos deu a Bíblia, pois foi o meio usado por Deus para isso.

Sendo assim, a Igreja não “criou” o cânon, no sentido de criar os livros inspirados a partir de escritos que não eram inspirados, mas reconheceu o cânon, identificou os livros inspirados, e os distinguiu dos não inspirados, escritos esses que vieram do primeiro século, dos apóstolos e outros discípulos que estavam com os apóstolos, e assim, a Igreja definiu o cânon, de modo que não é mais possível acrescentar ou retirar livros dele. Assim, essa definição é infalível.

 

Comentário: Expectativa canônica

Interessante a explicação sobre a expectativa do surgimento de uma nova Escritura, já que surgiu a Nova Aliança, na tese de Köstenberger e Kruger.

 

Comentário: A consciência apostólica

Os apóstolos certamente sabiam que estavam escrevendo a Palavra de Deus, pois escreviam o que pregavam aos povos. Também é certo que seus escritos tinham na maioria das vezes o caráter apologético, de modo que doutrinas pacificamente aceitas não eram escritas, enquanto os pontos discutidos ganhavam toda atenção.

Assim, a doutrina da ressurreição, da justificação pela fé, da encarnação, da vinda de Cristo, são abundantes no Novo Testamento, porque eram combatidas pelos hereges. Foram escritas para o ensino da Igreja contra os erros.

O cânon já existia desde quando foi escrito, mas não era conhecido. Isso só foi possível no século quarto. Assim, estritamente falando, o cânon é expressão, a definição do número de livros inspirados, que a Igreja conheceu com infalível certeza a partir do quarto século. Antes disso, havia dúvidas, como já explicado acima.

O autor protestante costuma usar o termo cânon no sentido da realidade dos livros inspirados, que são originados como Palavra de Deus, e não se tornam depois de que foram escritos. No entanto, o cânon como é discutido na academia se trata da lista oficial e definida pela Igreja Católica a respeito dos livros sagrados, de modo que cânon é o reconhecimento geral dos livros bíblicos.

No primeiro sentido o cânon bíblico já existia no primeiro século, pois assim que o último livro foi escrito o cânon foi fechado. Mas, para o conhecimento de todos, de maneira total e infalível, não gerando dúvidas, só foi possível a partir do século quarto. Nesse sentido, o cânon nasceu no século quarto. Isso não significa que os livros se tornaram inspirados naquele tempo, pois já foram escritos de forma inspirada. Significa somente que agora é possível saber quais livros são inspirados para toda a Igreja. O pastor protestante não refutou a doutrina católica, mas a apresentou.

De fato, a Igreja Católica não inventou a ideia de cânon da Escritura. Os apóstolos sabiam de sua própria autoridade. Nesse ponto, crendo assim, o que é verdade, pois o ensino e os escritos dos apóstolos eram inspirados, eram canônicos, o protestante deve agir coerentemente, e crer que não há livre exame no Novo Testamento, de modo que os cristãos não podiam legitimamente confrontar os apóstolos em seu ensinamento, pois seriam refutados e deveria estar sob a autoridade dos mesmos. Assim, os judeus de Bereia o fizeram por não serem cristãos ainda, e com certeza os convertidos abaixaram a cabeça diante da autoridade dos apóstolos de Cristo.

Já está claro que os apóstolos e discípulos inspirados escreveram e sabiam estar ensinando a Palavra de Deus, e isso é aceito pela Igreja Católica. Não é isso que é o cânon, quando discute-se o assunto. O cânon é o momento em que a lista é definida e apresentada.

Comentário: A Igreja não construiu, mas recebeu o cânon

Os sinais de apostolicidade, a leitura comum na Igreja, A Igreja esforçou-se por encontrar os textos apostólicos. O pastor afirma que isso não significa que a igreja os definiu. Obviamente está se referindo ao fato de que o texto é inspirado mesmo antes que alguém o conheça. É claro. Mas a definição que estamos falando é o momento em que o catálogo completo e indubitável é feito, de modo que a Igreja pode afirmar que são esses os livros e não outros. Isso é definição.

Assim, é verdade que a Igreja recebeu o cânon, mas o caminho para isso foi árduo. No tempo de Santo Irineu, por exemplo, o cânon não era conhecido. Os livros inspirados já existiam, estavam todos escritos, circulavam pelas igrejas, mas ao lado de outros, que também eram reputados como sagrados, trazia um problema impossível de ser resolvido naquele momento, ou seja, de definir o cânon. O pastor estuda a palavra apodexometha, que significa receber, para explicar que a Igreja não criou o cânon mas o recebeu, o que é a própria explicação católica de toda essa história. Assim, não há nada de novo, apenas o fato de que os protestantes não conhecem esse ponto da doutrina católica.

A ideia de que a Igreja deu caráter sagrado aos livros, que escolheu arbitrariamente os livros, que foi um processo “de cima para baixo” da Igreja, que entregou os livros para a comunidade, é uma ideia errada, combatida pelo pastor, mas que também é combatida pela Igreja Católica. Assim, o autor está refutando uma ideia que não é a doutrina católica.

Pois bem. A Igreja Católica Apostólica Romana definiu o cânon. Esse cânon, conhecido por Deus, foi dado à Igreja. A santa Igreja o recebeu. Assim, com o consenso da Igreja, expresso em seus muitos concílios, Deus entregou o cânon à Igreja e essa o definiu infalivelmente.

 

Comentário: O único registro fiel da tradição

Quando a Bíblia ordena a guardar as tradições, essas foram ensinadas pelos apóstolos, oralmente, e não escritas naquele momento. Assim, esses ensinos foram sendo transmitidos, pelos bispos, naquelas igrejas antigas, à posteridade, de modo que a autoridade da Igreja distingue a tradição apostólica em meio a muitas tradições.

Entre os escritos patrísticos, os sínodos, concílios, documentos papais, há a tradição apostólica, Nem tudo o que é escrito reflete a tradição apostólica, embora seja tradição geral da Igreja Católica.

Assim, quando a Bíblia manda seguir as tradições, como em 1 Coríntios 11, 2 e 2 Tessalonicenses 2, 15, essas tradições não foram escritas, pois do contrário o apóstolo não as teria mencionado por nome, mas as identificado uma por uma. Então, há tradições que não foram escritas, mas que os cristãos, seguindo a Bíblia, como os textos acima, guardaram. Isso pode ser acessado por meio do ensino da Igreja oficial, nos seus concílios. Assim, o cânon que foi definido em Cartago, em 397 d. C., é o mesmo de hoje, pois foi o que os apóstolos deixaram.

Então, como acessar o cânon bíblico? Pela leitura da Bíblia? Não diretamente, pois não há a lista dos livros inspirados escrita na Bíblia. Mas, uma vez que a Bíblia manda ouvir a Igreja, descobrimos o cânon ouvindo a Igreja, em seus concílios, e acessamos o cânon bíblico inteiro. Por tudo isso, o Sola Scriptura, da forma em que ensinado no Protestantismo, está refutado.

 

Comentário: O livre-exame da Escritura

Então, precisamos mais do que temos na Bíblia? Não, se isso significa que há algo que esteja falando na Palavra de Deus. Mas, sim, de alguma forma, como foi ensinado acima: o cânon da Bíblia não foi escrito infalivelmente na Bíblia, mas essa instrui a ouvir a Igreja, que é infalível, e uma vez que a Igreja ensina o cânon, temos certeza do mesmo.

O mesmo ocorre com todas as doutrinas que são discutidas e definidas em concílios. A Bíblia aponta a autoridade da tradição, e da Igreja, em seu magistério.

O texto bíblico possui um significado próprio, e esse é ensinado pela Igreja, nos pontos discutidos, aqueles que geram dúvidas, que não são claros a todos. Isso ficou claro acima.

O mesmo problema é posto pelo pastor aqui. Ele tenta refutar a ideia de que a Igreja confere autoridade ao texto, o que não é verdade. A Igreja interpreta a Bíblia para descobrir o seu sentido. Ela está à serviço da Palavra de Deus.

O processo de interpretação, que é possível a todos, é entregue de forma oficial por Jesus à Igreja: Quem vos ouve, a mim ouve. Essas palavras possuem sentido desde os dias dos apóstolos até a parusia.

A exegese do grego, a oração ao Espírito Santo para que nos revele a verdade, a comparação com as histórias interpretativas da tradição, que qualquer um pode fazer, com a formação necessária, é claro, não está com a promessa de Jesus à Igreja inteira, por meio do seu magistério. De fato, os apóstolos foram os únicos que receberam a autoridade para ensinar e batizar, e assim o passaram aos sucessores.

A Igreja docente é que possui a promessa de ser coluna e sustentáculo da verdade, e assim, quando há dúvidas, é necessário recorrer à tradição, ao magistério, e não se ater à própria interpretação nem a qualquer interpretação nova que surja por alguém em contraposição à autoridade legítima.

O pastor fala da perspicuidade da Escritura. O homem comum dotado de mínima habilidade de leitura pode entender as doutrinas da Escritura, e as doutrinas mais difíceis são poucos.

Portanto, em primeiro lugar, os protestantes devem reconhecer que para a salvação os cristãos católicos já possuem o conhecimento da Palavra de Deus.

O autor protestante, citando Chesterton, afirma de passagem: “que ironicamente era católico”. Não se trata de ironia, mas Chesterton conseguiu compreender a verdade católica, e todos os que a compreendem se convertem à fé cristã católica.

O pastor fala de “cristãos da cidade de Bereia”, citando Atos 17, 11. No entanto, eles ainda eram judeus não cristãos. Os judeus de Bereia tinham as Escrituras, mas a revelação a respeito de Cristo veio dos apóstolos. Após a pregação apostólica, eles examinaram as Escrituras e se converteram.

Nenhum cristão podia discordar da interpretação dos apóstolos, já que eles eram inspirados, tinham consciência de sua autoridade, e estavam certos daquilo que ensinavam. Os de fora, judeus e pagãos, podiam discutir com os apóstolos, e uma vez convertidos se colocavam sob a sua autoridade, que era conferida pelo próprio Jesus Cristo.

Não aceitando isso, o pastor contraria sua própria compreensão da inspiração dos apóstolos, que o mesmo expõe em seu texto.

 

Comentário: A suficiência da Escritura

A respeito da suficiência da Escritura, ao citar 2 Timóteo 3, 14-4,5, em si mesma a Bíblia é suficiente. Mas, e para o leitor? Se for mal compreendida, pode ser motivo de perdição, porque aqueles que são ignorantes das coisas de Deus distorcem as Escrituras para sua própria ruína (cf. 1 Pedro 3, 16).

Desse modo, é preciso ter o sentido correto da doutrina bíblica. Assim, o texto de Efésios 4, 11-16 ensina a suficiência da Igreja, o que está conforme já explicado acima. E ainda assim, os que não ouvem a Igreja estão fora do rebanho de Cristo. A Bíblia aponta para a Igreja Católica, e a Igreja Católica ensina o que está na Bíblia.

 

Comentário: Conclusões e aplicações

O cânon foi definido em concílio. Antes disso, havia dúvidas. Dessa forma, a Igreja reconheceu e recebeu o cânon. As tradições são poucas que estão fora da Bíblia, mas são importantes, por serem Palavra de Deus e serem ordenadas na própria Escritura. Assim, algumas doutrinas, a forma de batizar, o sinal da cruz, o modo essencial de celebrar a liturgia, certas festas litúrgicas, e etc, que são todas bíblicas, estão mais claras na tradição, são de origem apostólica. É preciso obedecer a Bíblia, e assim devemos crer na tradição e na Igreja.

 

Comentário: Para concluir, cinco aplicações para a vida:

Os cristãos católicos têm a Bíblia na mais alta conta. Pelo exposto acima se vê como é que devemos entender o Sola Scriptura segundo a doutrina católica. Os pronunciamos infalíveis da Igreja ensinam as verdades bíblicas. A Palavra de Deus é a norma. Tudo o que a Igreja Católica ensina está conforme a Bíblia.

Esse estudo foi feito a partir do capítulo um do livro O Cristão Reformado, do pastor Yago Martins.

Gledson Meireles.