sexta-feira, 24 de julho de 2020

A admoestação de Hebreus 10, 26-39


Em Hebreus, capítulo 10, temos um grande ensinamento sobre o sacerdócio de Cristo, o sacrifício salvífico, a nova aliança. Nesse ensino todo, há uma verdade que os cristãos católicos creem, e anunciam, e que tem a ver com a salvação e o perigo de perdê-la pela recusa de continuar seguindo a Cristo, pela deserção da Igreja, pelo pecado mortal.
Isso está claramente ensinado nos versículos 26 a 39, um grande contexto sobre essa verdade.  “Se abandonarmos voluntariamente, já não haverá sacrifício para expiar este pecado”. Eis uma admoestação ao Povo de Deus. Se alguém abandona por sua própria vontade o convívio com Cristo, já não há fora da Igreja nenhum sacrifício capaz de dar o perdão dos pecados. A passagem é cristalina ao afirmar que há possibilidade de sair do convívio com Deus pelo voluntário abandono. É o fiel que pode decidir isso, e não Deus que o afasta.
Continuando essa verdade, o versículo 27 fala do “juízo tremendo e o fogo ardente que há de devorar os rebeldes”. A recusa em continuar é uma rebeldia. Somente por vontade própria, por um coração rebelde, o cristão pode negar a graça. Ainda, o autor compara a transgressão da Lei de Moisés, que era punida com a morte, e afirma que existe pior castigo para quem “calcar aos pés o Filho de Deus”.
Assim, o abandono voluntário, a rebeldia, o calcar o Filho de Deus, significam a mesma coisa, e o castigo é pior que a morte. Com essa afirmação sagrada refuta-se a doutrina que nega o fogo do inferno, afirmando o aniquilamento dos ímpios, pois se o castigo é pior que a pena de morte, infere-se que esse fogo devorador é um castigo espiritual tremendo, e não parece ser temporário. Mas não é o lugar de tratar desse pormenor.
Ainda, o mesmo verso 29 afirma o pecado de “profanar o sangue da aliança, em que foi santificado”. É o cristão que foi santificado pelo sangue de Cristo e volta atrás. “E ultrajar o Espírito Santo, autor da graça”. Calcar os pés a Cristo, profanar Seu sangue, ultrajar o Espírito Santo, é o mesmo pecado mortal. É importante notar que a Escritura afirma que o sangue “em que foi santificado”, no qual foi santificado. Trata-se de verdadeiros cristãos que receberam a salvação, o perdão dos pecados pelo sangue de Jesus, e foram iluminados pelo Espírito Santo, com a graça que dom de Deus.
A passagem inteira mostra que o afastamento dessa bênção salvífica é possível. Continuando, o texto esclarece ainda mais quando diz que “o Senhor julgará o Seu povo”. Não está falando do mundo, dos ímpios, dos incrédulos, dos infiéis, mas do Seu povo. Aqui é refutada a doutrina dispensacionalista de que há a Igreja e o Povo de Deus, que seria somente o judaísmo, como já foi refutado em outra parte ao estudar uma passagem da epístola aos Romanos, pois existe somente o Povo de Deus que é a Igreja. Também não é correto afirmar que nesse tempo a salvação será pelas obras, e por isso há possibilidade de perder a graça salvífica e ser condenado, pois a Escritura fala somente de uma nova aliança, definitiva, sem qualquer mudança de plano salvador.
Essas são tentativas de fugir dos ensinos do texto, já que ele é claro ao afirmar que é possível perder a salvação.
O verso 32 diz: “Lembrai-vos dos dias de outros, logo que fostes iluminados”, o que evidencia a salvação, e o verso 35 fala da necessidade da perseverança “para fazerdes a vontade de Deus e alcançardes os bens prometidos”. Outra vez, trata-se de bens eternos, da salvação. Não há lugar para duas leituras, com se fossem oferecidos bens temporais para um plano, e bens eternos para outro, como quer uma interpretação dispensacionalista.
Nem significa somente galardão pelas obras, distinto da salvação. O contexto mostra que é da salvação que o autor sagrado está falando. E continua, deixando muito claro para o que deixa a fé, e que perde o agrado de Deus, pois contrasta-se a ruína e a salvação. Perder o ânimo, desistir, deixar a fé, para a ruína, ou manter a fé para a salvação. Não poderia afirmar que os que caem na ruína estão salvos como os outros, pois não é uma leitura possível, como quer o dispensacionalismo. Também não significa uma mera aparência de fé, de falsos cristãos, que apostataram aparentemente, pois nada disso é dito no contexto. A passagem é claramente uma admoestação para a Igreja da possibilidade de perder a graça da salvação.
O reformado dirá que a possibilidade apresentada no início é apenas uma retórica, e que o “se a abandonarmos voluntariamente” não pode jamais existir, porque o eleito não abandona nunca, ou se abandona ele volta e persevera. Essa interpretação vem de outra fonte e não do texto sagrado, e contradiz todo o contexto, que é claro por si, com foi mostrado acima. Parece ser irrefutável a interpretação acima.
Com essa verdade, não se nega o dom da perseverança final, não se nega a eleição e a predestinação para a salvação, mas ensina-se que há livre-arbítrio, há possibilidade de cair da graça e perder a maior das bênçãos, que é a salvação, e, portanto, pode haver verdadeiros crentes que voltam atrás e negam a fé.
Gledson Meireles.

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