Em seu livro Apóstolos:
verdade bíblica sobre o apostolado, capítulo 9, o reverendo Augustus afirma que Timóteo
foi enviado por Paulo até Éfeso como delegado apostólico, tinha um ministério
temporário, e que tratou de questões emergenciais, pois não tinha residência
fixa, sendo um itinerante. Para essa conclusão, os versículos mais próximos
foram Tm 3,14-15 e 4,13:
Estas coisas te
escrevo, mas espero ir visitar-te muito em breve. Todavia, se eu tardar, quero
que saibas como deves porta-te na casa de Deus, que é a Igreja de Deus vivo,
coluna e sustentáculo da verdade. (1 Tm 3,14-15)
Enquanto eu não chegar,
aplica-te à leitura, à exortação, ao ensino. (1 Tm 4,13)
Ele interpreta essas passagens como que evidentes e claras do
ministério efêmero de Timóteo, pois dizem que logo São Paulo iria vê-lo, e se
demorasse São Timóteo deveria cuidar da igreja conforme as normas já
comunicadas, e que tinha certas coisas a fazer até que Paulo chegasse.
No entanto, as epístolas em geral apresentam o ministério
vitalício de Timóteo, e do seu papel tanto subordinado a Paulo como superior à
igreja de Éfeso. Portanto, como bispo. Se sua função ali era temporária, e isso
poderia ser uma interpretação plausível, não o era o seu ministério. Essa
constatação transparece no teor geral das duas cartas.
Em 1 Tm 5,22 ele é admoestado a não impor as mãos
apressadamente. Não se trata de envio, mas de ordenação ministerial. Isso supõe
a gravidade do ministério.
Aliás, mesmo as viúvas que faziam votos de permanecer no
estado de viuvez e servir à igreja, eram instadas a permanecer nesse estado ou
então sua abjuração era tida como traição ao Senhor Jesus.
Por isso, São Paulo era favorável ao casamento das viúvas
mais jovens, para evitar escândalos. Tratava-se, portanto, de um voto
vitalício. Se assim eram os votos das viúvas, imagina o caso do ministério
episcopal!
Assim, Timóteo e Tito eram bispos, estavam acima dos presbíteros,
pois ordenados por Paulo, que era apóstolo. E os apóstolos foram ordenados pelo
próprio Senhor Jesus Cristo. Por isso, o termo bispo ficou tecnicamente
restrito ao superior ao presbitério, e o de presbítero ao membro do
presbitério, subordinado ao bispo.
De fato, as obrigações de Timóteo incluíam ordenar presbíteros.
Isso não quer dizer que não pudessem ser os presbíteros apontados pela igreja
local, para depois receber a imposição das mãos, no rito de ordenação, de
Timóteo, que foi para isso enviado por Paulo.
Por isso, afirmar que Timóteo não escolhia presbíteros como
quisesse, mas estava no lugar como de fiscal, para assegurar nomeações segundo
as regras estabelecidas, não é um argumento que contraria o fato de que Timóteo
era quem ordenava os presbíteros de Éfeso.
A questão de que os termos bispos e presbíteros eram usados
para as mesmas pessoas não muda o fato de que havia diferença de funções, como
atestam os ministérios de Timóteo e Tito obre os presbíteros.
Se não é claro que Timóteo foi bispo, ainda menos que tenha
sido mero delegado ou enviado apostólico. Fiquemos, portanto, com a primeira
alternativa.
O reverendo defende a tese de que o modelo apostólico estava
chegando ao fim, e que Timóteo estava na transição desse modelo para o de
colegiado. Assim, ele seria simples delegado de Paulo para uma missão
específica e emergencial, mas que tinha o mesmo grau hierárquico que os demais
presbíteros de que fala a Bíblia.
Tudo isso não está de acordo com o contexto das epístolas,
que foi reconhecido pelo próprio reverendo como, pelo menos, deixando a imagem
de que Timóteo e Tito fossem superiores aos presbíteros e inferiores a Paulo no
grau hierárquico. Pois de fato é isso mesmo.
E o que dizer dos escritos pós-apostólicos, que mostram três
graus na hierarquia, e que afirmam que Timóteo foi realmente bispo, sucessor de
Paulo? Para o autor, isso não prova nada. Por quê?
Porque os escritos históricos, ainda que não controvertidos,
que não apresentem nada contrário à fé, que não contradigam, por exemplo, que
Timóteo tenha sido superior ao presbitério de Éfeso, mas que comprovem que isso
de fato ocorreu, ainda assim, por meio de outras interpretações, que não estão
de acordo com os escritos dos Padres da Igreja, essas interpretações são
acatadas, e o testemunho patrístico, nesse caso, descartado. Por quê? Porque
nesse modelo de interpretação, a força de argumento histórico é secundária. Por
quê? Porque os pais da Igreja nem sempre foram fieis ao ensino apostólico.
Está percebendo que, por meio da dúvida está sendo estabelecida uma doutrina? Essa é a conclusão a que se pode chegar. Aliás, ela vem de uma
interpretação, que em primeiro lugar não está totalmente sólida, mas que tem
suas “probabilidades”, segundo o contexto bíblico, e contradiz certos aspectos
do mesmo, e que em segundo lugar não encontra respaldo histórico.
Ainda assim, é a interpretação acolhida, já que o respaldo
histórico é secundário, porque às vezes não reflete a verdade. Se fosse assim,
poder-se-ia mudar tudo! Felizmente não é.
Por isso, a interpretação dos protestantes reformados, e
reconhecida pelo reverendo Augustus, é que Timóteo não recebeu a imposição das mãos em 1 Tm 4,14 e 2 Tm
1,6 como ordenação ao ministério, mas que foi apenas uma imposição para
“separá-lo para a obra de Deus”, como foi feito com Paulo em Atos 13,1-3. Ele
estava apenas indo a uma missão, e a imposição das mãos ali era para prepará-lo
para a obra de evangelização. (cf. p. 179)
As passagens mostram que o presbitério impôs as mãos sobre
Paulo. Naquele momento ele ouviu profecias a seu respeito, sobre seu carisma.
Também sabe-se que Paulo impôs as mãos sobre Timóteo. Da exegese desses
versículos pode-se dizer duas coisas: ou trata-se de uma mesma ocasião, em que
Paulo e o grupo de bispos impuseram as mãos na ordenação de Timóteo, ou pode-se
afirmar também que Paulo ordenou Timóteo, e que quando da sua missão em Éfeso o
grupo de presbíteros impôs as mãos sobre ele, quando Paulo o havia enviado.
O que fica claro pelas cartas é que a imposição das mãos de que
trata todo o contexto não é o de envio, mas o de ordenação ministerial, e que
Atos 13,1-3 não conta na explicação do sentido das imposições de mãos em 1 e 2
Timóteo.
Ainda, essa é corroborada pela tradição cristã, como sabido, que
assim é comprovação da interpretação de sempre, ligando ao tempo apostólico.
Quanto à interpretação do reverendo, essa supõe uma
probabilidade de que a imposição das mãos sobre Timóteo a) não tratou-se de
ordenação. Contudo, isso não constitui certeza, mas apenas algo provável. Mais:
os escritos dos Padres da Igreja, que desmentem essa interpretação, são tidos
como secundários, ainda que concorde com a interpretação tradicional não são
aceitos como autoridade, por possivelmente estarem errados, e por isso supõe-se
que estão, deixando assim a leitura tradicional.
Então, mesmo que Timóteo que:
1)
teve
autoridade de constituir presbíteros
2)
cuidou
para que os presbíteros recebessem justos salários
3)
julgou
denúncias contra eles
4)
tinha
autoridade de aplicar disciplina
5)
e
de treinar homens para transmitir o evangelho
como o próprio autor admite, e, que a imposição das mãos nas
epístolas evidenciam a ordenação ministerial, ainda assim, com tudo isso, que
está em conformidade com o papel de bispo, e que está comprovado pela história e
tradição da Igreja, ainda assim prefere-se ver nessas passagens apenas que Timóteo e Tito foram simplesmente delegados e enviados
apostólicos em missão temporária.
Tem-se aqui um exemplo de interpretação particular, que
consagrou-se na tradição reformada.
Gledson Meireles.
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