Sabemos que Jesus deu um tratamento especial relativo ao
apóstolo São Pedro, e que ele aparece de forma ressaltada nos relatos
evangélicos, que revelam liderança, chefia. No entanto, ainda assim, os
protestantes questionam como Pedro era pensado. O reverendo Augustus Nicodemus introduz
o seguinte: como Pedro era entendido o papel de Pedro?
1)
Da
parte do próprio Pedro
2)
Da
parte dos demais apóstolos
3)
Da
parte das igrejas da época em que Pedro viveu
Em outras palavras, como Pedro entendia o seu ministério
diante dos outros apóstolos e diante da Igreja em seu tempo, ou seja, diante das
igrejas locais em geral no século I, e como os apóstolos e as igrejas concebiam
o papel de Pedro.
Ao questionamento número um, bem como aos demais, podemos
indicar Atos 15, 7, onde Pedro mostra que ele foi designado por Deus para
pregar o evangelho aos judeus e gentios. Isso já aparenta um papel especial,
pois trata-se de um líder cristão que tem uma missão singular diante de todos,
tanto dos convertidos que provêm de Israel quanto dos que são oriundos do
paganismo. Temos assim uma indicação de que sabia do seu papel de líder:
“Ao fim de uma grande
discussão, Pedro levantou-se e lhes disse: “Irmãos, vós sabeis que já há muito
tempo Deus me escolheu dentre vós, para que da minha boca os pagãos ouvissem a
palavra do Evangelho”.
Esse texto já indica tal papel, não se tratando por si só de
prova cabal. Alguém poderia lembrar-se do ministério de Paulo entre os gentios
e supor que era líder também, igual a Pedro. No entanto, as Escrituras não
supõe tal papel, pois que Pedro e outros apóstolos seguiram com a evangelização
dos judeus enquanto que Paulo e os seus colaboradores seguiram entre os
gentios, indicando os diferentes carismas e seu pacífico entendimento no grupo
apostólico. O caso de Pedro aparece de forma singular.
Pelo texto sagrado vemos que os judeus já conheciam o papel
de Pedro para anunciar o evangelho de salvação aos gentios. Era uma doutrina
conhecida por todos os cristãos. E, aliás, foi ele também o que evangelizou os
judeus por primeiro.
Relativa à segunda questão, mais especificamente, a indicação
de autoridade vem do mesmo fato, incluso acima, em Atos 15,7, onde todos
conheciam a missão de Pedro para anunciar o evangelho.
A terceira questão igualmente tem nessa passagem um início de
elucidação, pois sendo um dado de fé de que Pedro recebeu do Senhor o
ministério para evangelizar os pagãos, assim como havia feito em relação aos
judeus, supõe-se certamente uma posição de autoridade especial e universal na
Igreja.
Diante disso, podemos continuar na análise do pastor Augustus
sobre os temas:
1)
Pedro
era o cabeça da Igreja?
2)
Pedro
exercia primazia entre os seus colegas [os apóstolos] e sobre os cristãos?
3)
Pedro
era o canal pelo qual Deus falava infalivelmente?
A tudo isso o pastor Augustus nega. E, enquanto trata essa
questão, podemos vislumbrar um pouco de sua incompreensão do que seja o caráter
da infalibilidade. Isso aprece onde é citado 2 Pedro 3,15-16, onde Pedro fala
das cartas de Paulo como inspiradas, para afirmar que Pedro não se julgava o
único a receber revelação de Deus.
Contudo, isso não afeta o dogma da infalibilidade, que está em
alto nível, tanto individual como coorporativo, e não é diretamente atrelado ao
dom da inspiração, que é muito maior e essencialmente diverso. São Pedro era
inspirado, mas também o eram os demais apóstolos, não havendo nisso nenhuma
restrição dentro do grupo do seus colegas apóstolos. Todos eram infalíveis
doutrinariamente.
A questão da primazia e da infalibilidade é um tanto diversa,
já que foi entendida na Igreja como um meio de salvaguardar o depósito da fé, e
não de fabricar novas revelações, a forma de iluminar verdades já cridas, e não
um jeito de continuar a revelação. Pedro podia muito bem estar cônscio de seu
papel de primaz na Igreja primitiva, e ainda assim reconhecer o dom da
inspiração no grupo apostólico, da mesma forma que os apóstolos sabiam serem
inspirados, mas conheciam o ponto singular de Pedro ser o porta-voz primeiro,
antes deles, da mensagem de salvação aos pagãos.
De fato, a inspiração e a infalibilidade estão entrelaçados,
pois os apóstolos eram inspirados e infalíveis em sua doutrina. Porém, na
infalibilidade não há esse modo de inspiração, que terminou com a morte do
último apóstolo, mas é um auxílio de Deus em vista da salvação de toda a
Igreja, para que uma verdade não seja perdida, nem qualquer erro seja
acrescentado ao credo cristão.
Quando o reverendo Augustus argumenta
contra a infalibilidade papal por
meio do exemplo da inspiração dos apóstolos, em que Pedro reconhece ser um dos
canais pelos quais Deus falava ao Seu povo, isso apenas demonstra o quão
importante é ir para águas mais profundas (cf. Lc 5, 4, ao largo, ao profundo -
bathos), e entender que que a doutrina
à qual se opõe não é exatamente como pensa ser. E isso pode ser alcançado pela
busca da verdade, e através de diálogo.
Ainda, o reverendo Augustos
interpreta 1 Pedro 2,4-8 como a “interpretação final e definitiva” sobre a
Pedra de Mateus 16,18, o que definitivamente não é o caso. De fato, Jesus é a
Pedra da Igreja em 1Pd 2,4-8, mas Pedro o é em Mt 16,18. Ambos os contextos
devem ser lidos e entendidos internamente, e ver-se-á que uma doutrina não
colide com a outra.
Portanto, a Igreja no século I
entendia Pedro como chefe, mas não ao modo pensado pelo reverendo Augustus.
Pedro era pedra de outro modo, o ponto visível de unidade por meio de seu
ministério especial de chefe.
Outro ponto que é importante
assinalar é que a morte de Pedro não é descrita nos evangelhos, e assim não há
qualquer menção da Igreja agindo para encontrar “um substituto para Pedro”.
Isso de fato ocorreu, por volta dos anos 67-68, mas encontramos essas narrações
em documentos históricos.
O “substituto” existiu, e veio logo
após Pedro ser martirizado. Mas não se tratou de substituto como um novo apóstolo, com prerrogativas iguais às
recebidas por Pedro, com inspiração e infalibilidade doutrinal idênticas, e
etc. Nada disso, reverendo Augustus Nicodemus.
O sucessor, ou substituto, de Pedro,
foi realmente aquele que veio para continuar
a missão de pregação do evangelho, interpretando e aplicando “o legado
apostólico”. Se a isso chamamos sucessor, substituto, ou qualquer outro título
que venha a ser empregado, não importa, já que o sentido, o conceito, está apresentado. O
conceito concorda com o que o reverendo expôs.
Agora, se com isso o senhor quis
refutar a suposta doutrina de que o papa é a continuação do apostolado do Novo
Testamente nos moldes dos apóstolos de Jesus, na pessoa de Pedro, então o ataque
a esse ponto foi desnecessário. Espero mais oportunidade de diálogo.
Gledson Meireles.
Fonte: LOPES, Augustus Nicodemos. Apóstolos, página 59.
Nenhum comentário:
Postar um comentário