Santo Irineu, em seu livro III, capítulo 2, versos 1 e 2,
enfrentou heresias em que, uma vez confrontadas com as Escrituras, o seus
defensores negavam as próprias Escrituras. Afirmavam que as Escrituras eram,
entre outras coisas, imprecisas, não autoritativas, e não podiam ser entendidas
por quem não conhecesse a tradição. Essa era a tradição segundo a opinião dos
hereges gnósticos, e não a tradição apostólica. Isso será provado abaixo. Para
essa seita a doutrina teria vindo aos cristãos por viva voce e não por escritos.
Em debates a respeito da autoridade da Bíblia Sagrada e da
Tradição Apostólica, essa exposição de Santo Irineu certamente pode ser usada,
com a ideia acima, contida na opinião dos gnósticos, sem as devidas
qualificações, para intimidar os cristãos católicos que creem na validade da
tradição ao lado das Escrituras como de valor idêntico, por serem modos de
transmissão legítimos da Palavra de Deus. Mas, uma coisa deve ser entendida.
Santo Irineu afirma que aquela heresia negava que os ensinos tivessem vindo por
meio escrito, o que não é o que ocorre na doutrina cristã católica, nem mesmo
na doutrina cristã protestante. Muito pelo contrário. Assim, aquela heresia não
coaduna-se com nenhum dos lados referidos do debate.
Entretanto, quando a Igreja, por meio dos apologistas da
época (pois Santo Irineu refere-se a ele e outros na exposição da verdade, como a posição oficial da Igreja), afirmava a tradição dos apóstolos para provar a doutrina verdadeira
àqueles que afirmavam crer na tradição, no ensino de viva-voz, então, Santo
Irineu escreve: “Mas, novamente, quando referimos a
eles àquela tradição a qual origina-se dos apóstolos, [e] a qual é preservada
por meio da sucessão dos presbíteros nas Igrejas, eles objetam a tradição...”. (tradução minha)
De fato, nem mesmo a tradição apostólica eles seguiam, pois, diz Santo Irineu,
esses achavam-se mais aptos a encontrar e a ensinar a verdade do que os
apóstolos, os quais eram acusados por esses hereges quanto à sua fidelidade no
ensino da doutrina verdadeira. É uma lástima já naqueles tempos, onde os hereges
acusavam os próprios apóstolos do Senhor, e consequentemente os bispos [presbíteros]
que os sucederam de não ter transmitido puramente o ensino.
E, se isso é um absurdo, blasfêmia é afirmar que o mesmo
Senhor Jesus não tivesse ensinado a verdade incontaminada. Até mesmo a esse
ponto chegaram os gnósticos em suas invectivas contra a Igreja Católica no
tempo de santo Irineu. Então, conclui o defensor da fé, que esses hereges não
criam nem nas Escrituras, nem na tradição. (Livro III, cap. 2, 3)
Essa contextualização é necessária para mostrar que Santo Irineu
não igualou Escritura e tradição como se referissem à mesma coisa. Pelo
contrário, citou ambas as vias de ensino da Palavra de Deus, sendo as
Escrituras aquela Palavra deixada pelos apóstolos por escrito, e a tradição o
ensino que os apóstolos deixaram oralmente, e que foi preservado pelos bispos
nas igrejas. Embora ambas tenham a mesma verdade, o mesmo conteúdo, por ser
Palavra de Deus, não são uma única via, mas duas. E Santo Irineu ensina ambas.
Gledson Meireles.
fonte: Against Heresies. Disponível em: newadvent.org.
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