sábado, 19 de dezembro de 2015

Santo Irineu e a tradição

Santo Irineu, em seu livro III, capítulo 4, parágrafo 1, mostra que os cristãos devem ater-se à tradição dos apóstolos. Ele diz que não é necessário procurar a verdade entre outras pessoas, pois é possível obter isso da Igreja. Os apóstolos depositaram nela a verdade, como que uma riqueza em um banco, de modo que qualquer um pode ter a verdade por meio da Igreja.

Nas questões disputadas, sobre assuntos de importância, e desse modo podemos pensar, por “questões importantes”, que são coisas relativas à fé e que tocam a salvação, Santo Irineu afirma ser necessária a tradição. Ele refere-se, para isso, como meio de saber da tradição, às igrejas mais antigas, que tiveram contato com os apóstolos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

E a pergunta retórica que faz é de uma importância magnífica nesse contexto de relação entre Escritura e Tradição. Ele diz: “Pois como seria se os mesmos apóstolos não tivessem nos deixado escritos?”. Essa questão mostra que as Escrituras eram o fundamento da fé, juntamente com a Tradição, e que o princípio cristão que englobava essas duas formas de transmissão da Palavra de Deus era totalmente estabelecido, pois não poderia haver um questionamento assim por alguém que cresse na possibilidade de que após a era apostólica somente os ensinos vindos por meio das Escrituras é que seriam autoridade infalível, como norma de fé, e única via, e ligassem todos os cristãos, se por essa afirmação a tradição seria algo comparável à brincadeira infantil do “telefone sem fio”.

Para santo Irineu, pelo contrário, se os apóstolos não tivessem deixado as Escrituras, nenhum escrito, de fato, seria possível ter a Palavra de Deus preservada ao consultar as igrejas antigas, aquelas comunidades que tiveram contato direto com os apóstolos, e por elas receber a doutrina verdadeira, e assim dirimir a questão nas disputas. Essa é uma possibilidade real, totalmente apresentada por Santo Irineu, caso as Escrituras não existissem. Por isso, ele mostra que é dever dos cristãos perguntar à Igreja sobre a verdade, pois nela está depositada, desde os apóstolos, pelos mesmos apóstolos, a verdadeira doutrina.

Então, ele continua da seguinte forma, com a pergunta: “Não seria necessário, [nesse caso,] seguir o curso da tradição que eles transmitiram àqueles a quem eles confiaram as Igrejas?”. Ou seja, seria necessário, se não tivéssemos a Bíblia, seguir a tradição e examiná-la para ver a doutrina que os apóstolos deixaram aos bispos nas respectivas igrejas. Essa tradição contém a Palavra de Deus, assim como a Bíblia, e ainda que tendo as Escrituras é correto e útil e necessário obter a verdade da Igreja, que a possui, como guardiã. É isso que Santo Irineu ensina.

Se a pergunta fosse feita a alguém que cresse no princípio Sola Scriptura, onde somente a Escritura guarda o ensino infalível, e que é a única forma a ser buscada para dirimir questões, então a resposta deveria ser que se os apóstolos não tivessem deixado as Escrituras não haveria mais como saber da verdade, e a resposta seria da impossibilidade de saber do verdadeiro evangelho. Muitos creem isso atualmente, mas não no tempo de Santo Irineu, e nem por Santo Irineu. Sua exposição é bastante clara nesse sentido. (cf. Livro III, cap. 4, parágrafo 1)

Continuando no parágrafo 2 esse ensino é tornado ainda mais reluzente. Santo Irineu exemplifica a vida da Igreja entre os bárbaros que não possuem as Escrituras. Em outras palavras, ele fala das nações, que falam outros idiomas, os bárbaros, as quais não têm a Bíblia para reger a sua fé e moral. Para isso seguem o curso da tradição. Ele afirma que esses bárbaros são cristãos, pois creem em Cristo, e têm a salvação em seu coração, pelo Espírito Santo, mas não possuem a Palavra em papel e tinta, “mas cuidadosamente preservando antiga tradição”, que em resumo significa que creem em Deus, o único, criador do céu e da terra, por meio de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que por amor nasceu da virgem, unindo o homem a Deus, sofrendo sob Pôncio Pilatos e ressuscitando, subiu aos céus e virá na glória, que virá julgar e mandar para o fogo eterno os condenados; esses bárbaros os são em relação ao idioma, mas não no que concerne à fé, pois aí eles são sábios. Tudo isso sem ter a Bíblia. Eis a força da tradição, mostrada por Santo Irineu.
Against Heresies, Livro III. Disponível em: newadvent.org.

Gledson Meireles.

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