Nas questões disputadas, sobre assuntos de importância, e
desse modo podemos pensar, por “questões importantes”, que são coisas relativas
à fé e que tocam a salvação, Santo Irineu afirma ser necessária a tradição. Ele
refere-se, para isso, como meio de saber da tradição, às igrejas mais antigas,
que tiveram contato com os apóstolos de Nosso Senhor Jesus Cristo.
E a pergunta retórica que faz é de uma importância magnífica
nesse contexto de relação entre Escritura e Tradição. Ele diz: “Pois como seria se os mesmos apóstolos não tivessem nos
deixado escritos?”. Essa questão mostra que as Escrituras eram o
fundamento da fé, juntamente com a Tradição, e que o princípio cristão que
englobava essas duas formas de transmissão da Palavra de Deus era totalmente
estabelecido, pois não poderia haver um questionamento assim por alguém que
cresse na possibilidade de que após a era apostólica somente os ensinos vindos
por meio das Escrituras é que seriam autoridade infalível, como norma de fé, e
única via, e ligassem todos os cristãos, se por essa afirmação a tradição seria
algo comparável à brincadeira infantil do “telefone sem fio”.
Para santo Irineu, pelo contrário, se os apóstolos não
tivessem deixado as Escrituras, nenhum escrito, de fato, seria possível ter a
Palavra de Deus preservada ao consultar as igrejas antigas, aquelas comunidades
que tiveram contato direto com os apóstolos, e por elas receber a doutrina
verdadeira, e assim dirimir a questão nas disputas. Essa é uma possibilidade
real, totalmente apresentada por Santo Irineu, caso as Escrituras não
existissem. Por isso, ele mostra que é dever dos cristãos perguntar à Igreja
sobre a verdade, pois nela está depositada, desde os apóstolos, pelos mesmos
apóstolos, a verdadeira doutrina.
Então, ele continua da seguinte forma, com a pergunta: “Não seria necessário, [nesse caso,] seguir o curso da
tradição que eles transmitiram àqueles a quem eles confiaram as Igrejas?”.
Ou seja, seria necessário, se não tivéssemos a Bíblia, seguir a tradição e
examiná-la para ver a doutrina que os apóstolos deixaram aos bispos nas respectivas
igrejas. Essa tradição contém a Palavra de Deus, assim como a Bíblia, e ainda
que tendo as Escrituras é correto e útil e necessário obter a verdade da
Igreja, que a possui, como guardiã. É isso que Santo Irineu ensina.
Se a pergunta fosse feita a alguém que cresse no princípio Sola Scriptura, onde somente a Escritura
guarda o ensino infalível, e que é a única forma a ser buscada para dirimir
questões, então a resposta deveria ser que se os apóstolos não tivessem deixado
as Escrituras não haveria mais como saber da verdade, e a resposta seria da
impossibilidade de saber do verdadeiro evangelho. Muitos creem isso atualmente,
mas não no tempo de Santo Irineu, e nem por Santo Irineu. Sua exposição é
bastante clara nesse sentido. (cf. Livro III, cap. 4, parágrafo 1)
Continuando no parágrafo 2 esse ensino é tornado ainda mais
reluzente. Santo Irineu exemplifica a vida da Igreja entre os bárbaros que não
possuem as Escrituras. Em outras palavras, ele fala das nações, que falam
outros idiomas, os bárbaros, as quais não têm a Bíblia para reger a sua fé e
moral. Para isso seguem o curso da tradição. Ele afirma que esses bárbaros são
cristãos, pois creem em Cristo, e têm a salvação em seu coração, pelo Espírito
Santo, mas não possuem a Palavra em papel e tinta, “mas
cuidadosamente preservando antiga tradição”, que em resumo significa que
creem em Deus, o único, criador do céu e da terra, por meio de Jesus Cristo, o
Filho de Deus, que por amor nasceu da virgem, unindo o homem a Deus, sofrendo
sob Pôncio Pilatos e ressuscitando, subiu aos céus e virá na glória, que virá
julgar e mandar para o fogo eterno os condenados; esses bárbaros os são em
relação ao idioma, mas não no que concerne à fé, pois aí eles são sábios. Tudo
isso sem ter a Bíblia. Eis a força da tradição, mostrada por Santo Irineu.
Against Heresies, Livro III. Disponível em: newadvent.org.
Gledson Meireles.
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