O bispo Papias, Padre Apostólico, mostra que a tradição
apostólica guardada pelos presbíteros era de importância fundamental:
“Mas quando encontrava alguém que
tivesse sido seguidor dos presbíteros em qualquer lugar, fazia questão de inquirir quais eram as declarações dos
presbíteros. O que foi dito por
André, Pedro ou Filipe. O que foi dito por Tomé, Tiago, João, Mateus ou
qualquer outros dos discípulos de nosso Senhor. O que foi dito por Arístion e
pelo presbítero João, discípulos do Senhor; pois não penso que eu me tenha
beneficiado com os livros tanto quanto
me beneficiei com a voz viva dos que ainda vivem.”[1]
Eusébio afirma que Papias escreveu outros relatos como “tradições não escritas recebidas, assim como certas
estranhas parábolas de nosso Senhor e sua doutrina e algumas outras questões um
tanto fabulosas demais.”[2]
Para Eusébio Papias incluiu em suas narrações intepretações
que não condiziam com dados da tradição apostólica, mas que eram opiniões suas,
não compreendidas em sua acepção mística e de figuras, mas literalmente, como
fez ao apresentar o reino milenar: “Nesses ele
afiram que haverá certo milênio após
a ressurreição e que haverá um reinado corpóreo de Cristo nesta terra; coisas
que parece ter imaginado, como se fossem autorizadas pelas narrações
apostólicas, não compreendendo
corretamente aquelas questões que propunham misticamente e suas representações”.[3]
Pela menção de Eusébio o milênio não era a doutrina mais
difundida na Igreja, e nessa questão a interpretação espiritual era aquela
reconhecida como parte da tradição apostólica. Assim, Eusébio pensa que Papias
não compreendeu bem essa distinção quando escreveu sobre o milênio, e o fez
erradamente como se esse dado estivesse na tradição dos apóstolos. Menciona,
então, Santo Irineu, que havia adotado, por influência de Papias, por esse ser
escritor antigo, assim como muitos, que adotaram a interpretação milenar
literal de Papais.
Sabendo, contudo, que Irineu foi reconhecidamente correto na
doutrina, pois no Livro 4, capítulo XXI, Eusébio escreve, depois de citar
vários escritores da Igreja: “Musano, também, e Modesto
e, por fim, Irineu, cujas opiniões
corretas acerca da fé saudável têm chegado a nós nas obras escritas por
eles, conforme a receberam da tradição
apostólica.”[4]
Isso mostra que, ainda que certa interpretação não fosse aceita geralmente na
igreja, e que estivesse contida na obra de uma padre, esse ainda era
considerado saudável em sua doutrina, pois aquela opinião era aceitável, embora
ainda discutível, e que esperava o tempo para ser, se possível, cabalmente compreendida.
É por isso que santo Irineu escreveu a respeito do milênio e reconhece que
outros não adotavam aquela compreensão, e que esses eram igualmente fieis,
corretos na doutrina. Essa constatação é uma prova de que o milenarismo ali
ensinado não foi entendido como indiscutível doutrina apostólica por santo
Irineu, mas uma interpretação possível, que em seu fundamento não era entendida
como herética, e naquele momento não havia sido recusada pela Igreja.
É importante notar o valor da tradição em Papias. Muitas das
informações que traz estão pautadas unicamente na transmissão que outros
fizeram a ele, e que o mesmo tinha registrado, e guardado na memória, como ele
escreve alhures. Diversos dados são passados, os quais não possuem a rigidez
técnica usada posteriormente para compreender cada um, como nós os
compreendemos hoje.
Assim é que, ao falar da escritura do Evangelho por São
Marcos afirma: “Assim Marcos não errou em nada ao
escrever algumas coisas como ele as recordava; pois teve o cuidado de atentar
para uma coisa: não deixar de lado nada que tivesse ouvido nem afirmar nada
falsamente nesses relatos.” Não menciona alguma consideração a respeito
da inspiração sob a qual São Marcos estava ao fazer o seu trabalho, mas a falta
dessa informação específica no relato não indica mais que o mesmo não tinha em
foco tratar da inspiração bíblica, mas mostrar conteúdos que eram guardados na
Igreja por tradição.
Gledson Meireles.
[1] Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica,
Livro III, XXXIX.
[2] Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica, Livro
III, XXXIX.
[3] Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica, Livro
III, XXXIX.
[4] Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica, Livro IV,
XXI
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