quinta-feira, 19 de setembro de 2024

O Cristão Reformado: eleição incondicional

Refutação da doutrina reformada sobre a eleiçaõ:


Capítulo 3

Eleição Incondicional

 

Deus nos abençoou e nos escolheu para sermos santos, nos predestinou para sermos Seus filhos em Cristo, segundo Sua livre vontade, nos gerou pela Palavra (1 Pd 1, 23), fomos selados com o Espírito, que é o penhor da herança eterna (cf. Efésios 1, 1-14), e formos predestinados a sermos a imagem de Jesus Cristo (cf. Rm 8, 29). Portanto, o eleito deve dar testemunho de vida cristã em obediência a Cristo, na obediência da fé, como está em Romanos 1, 5.

O momento que temos o penhor da vida eterna se dá pelo recebimento do Espírito Santo. A eleição que temos é concretizada quando o Espírito Santo é derramado em nossos corações (cf. Rm 5, 1-5). Por isso, reconhecendo que a eleição, a predestinação e a salvação são momentos distintos, não se deve afirmar que somente os salvos foram eleitos em Cristo, já que o penhor da salvação não se dá biblicamente pela eleição, mas quando o homem crê. E muitos creem e vivem com Cristo e não são finalmente salvos, não sendo eleitos.

Não se pode afirmar que todo o que crê foi eleito no sentido de que recebeu com certeza a graça eficaz. A eleição em Cristo em Romanos 8, 29 refere-se aos que irão realmente perseverar, e mostra que o plano de Deus irá desde a eleição até a glorificação ser aplicado neles. Esse é o plano de salvação.

O plano de Deus é suficiente para todos, garantido em Sua justiça a todos, mas eficaz nos que aceitarem. Os demais foram apagados do livro da vida, ou serão apagados, já que rejeitaram radicalmente a graça.

Esse dado bíblico já mostra o fato da graça suficiente. A recusa da graça suficiente foi o motivo de não receberem a graça eficaz. Portanto, houve o recebimento da graça, e houve a reposta livre.

O eleito irá ser imagem de Jesus, e, portanto, irá tornar-se santo. Deus chama e muitos não respondem. Somente os que respondem são justificados e somente os que perseveram serão glorificados.

Os que ele distinguiu de antemão, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que este seja o primogênito entre uma multidão de irmãos. E aos que predestinou, também os chamou; e aos que chamou, também os justificou; e aos que justificou, também os glorificou.” (Rm 8, 29-30)

O texto afirma que Deus chama e justifica aqueles que chama. No entanto, não afirma que existem pessoas que Ele não chama. Uma coisa é afirmar que os que chamou ele justificou. Mas, todos são chamados em Cristo. Há o momento em que o homem responde ao chamado e vai até Cristo, e somente assim é que há justificação. Ainda, os justificados precisam viver a fé, e assim, somente depois de crer é que há a glorificação. Uma vez que há o chamado geral e o chamado eficaz, entende-se que há plausibilidade para dizer que Deus chama a todos. No entanto, há um motivo para a eficácia do chamado apenas dos eleitos.

A aplicação dessas bênçãos no tempo vem após a conversão pela fé. O texto está apenas mostrando o plano de salvação de Deus para os eleitos. Certamente, do ponto de vista eterno, da perspectiva de Deus. A visão do futuro referente aos eleitos não limita a redenção da cruz somente aos que finalmente serão glorificados.

Em sentido amplo essa eleição está disponível a todos em Cristo, mas será aplicada somente aos eleitos conhecidos de antemão que não oferecerão obstáculo à graça. Não se trata de que o livre-arbítrio determinará a graça, ou que a graça limitará o livre-arbítrio, pois aqui há o mistério de como há perfeita cooperação da liberdade com a graça. Deus é soberano e fez o homem dotado de livre-arbítrio.

A Bíblia afirma: “O que impede que eu seja batizado? Se crês de todo coração pode sê-lo” (Atos 8, 36-37). A descrença é o principal impedimento. E aí vemos o livre-arbítrio respondendo à graça. No plano temporal aparece o livre-arbítrio sendo necessário para a realização da salvação pelo poder da graça de Deus. Isso supõe o decreto eterno.

O eunuco foi chamado, quando lia o profeta Isaías, aprendeu do diácono Filipe, foi levado a Jesus Cristo, creu em Jesus, e, depois disso, foi batizado. Então foi justificado e hoje certamente está glorificado.

Segue aquela ordem de João 6, pois aprendeu das Escrituras, que é a Palavra de Deus, reconheceu que Jesus é o Cristo e foi salvo. Sendo assim, o eunuco era um dos eleitos. Na cruz pode-se afirmar que todos são eleitos em Cristo, mas eficazmente somente os que não apresentarem o impedimento pela descrença ou pelo pecado. De fato, a descrença ou o pecado não confessado e arrependido pode afastar de Deus.

Em Romanos 8, 29-30, como em Atos 13, 48 são tratados os eleitos. O chamado da graça eficaz é tratado nessas passagens. Não se trata de dizer que não há outro chamado. O chamado geral é o chamado para a salvação a todos. Nesse chamado há a graça suficiente para que todos respondam ao chamado.

Em nenhum lugar a Bíblia fala que alguém é eleito para crer, mas mostra que somente os que creem recebem as bênçãos de Deus em Cristo. Isso é importante. Assim como em João 1, 12 os que creem recebem o poder de serem filhos de Deus, e em João 3, 16 Deus ama o mundo inteiro e entrega o Filho para que o que crê tenha a vida eterna.

Desde o verso 15 não está escrito que o levantamento de Jesus na cruz foi para fazer todo homem crer, nem que teve intenção de gerar a fé salvadora nos eleitos, mas para que todo o que crê tenha a vida eterna. Essa afirmação já supõe o livre-arbítrio que responde à graça. Aqui encontra-se o mistério.

“Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (João 3, 17).

Alguns podem pensar que o mundo refere-se aos eleitos, e que o mundo é apenas o todo que será representado pela parte salva. Sendo os eleitos salvos, então o mundo foi salvo em sentido expandido, não significando que todas as pessoas foram salvas, mas somente as que creram. Essa é a visão reformada.

No entanto, o mundo nessa passagem não pode se referir aos eleitos, porque logo é dito que será salvo o que crê, e o que não crê já está condenado, não porque não foi eleito, mas porque não teve fé (cf. v. 18). E não adianta tentar justificar afirmando que o decreto eterno deve ser buscado para entender a questão, pois o decreto segue estritamente o que a Escritura revela, e a mesma afirma que Jesus não veio condenar o mundo, mas salvá-lo.

Ainda, o mundo não se refere aos eleitos porque o Filho veio ao mundo e os homens preferiram as trevas, não amaram a luz porque suas obras eram más, falando da maioria que não acreditou em Cristo (v. 19). Os que praticam o pecado é que se tornam escravos, e que são objetos de ira, e que recebem a condenação. É preciso bastante atenção para a afirmação bíblica de que Jesus veio ao mundo e os homens preferiram as trevas. Assim, esse mundo não está estritamente falando dos eleitos, mas de todos.

Os versos 20 e 21 afirmam que os que praticam o mal não vão a Cristo, mas os que praticam a verdade, esses vão a Cristo. Os que praticam a verdade certamente são os que já estavam à espera de Jesus, e por isso suas obras eram feitas em Deus. E foram a Cristo para serem salvos e terem a vida eterna. Estando já na graça suficiente, que é dada a todos, responderam à graça eficaz. São preparados pela graça e pela resposta do livre-arbítrio antes de conhecerem a Cristo.

Entretanto, entre a doutrina reformada e a doutrina católica temos dois diferentes cenários. Para os reformados Deus elege para a fé, onde muitos pecadores que estão totalmente incapacitados de irem a Cristo são salvos, enquanto outros são deixados. Esses que foram deixados não receberam a fé.

Para os católicos, Deus elege os que não impuseram obstáculo à graça, depois de a terem provado, depois de terem sido postos em posição de capacidade para responder ao apelo da graça.

Antes, todos os pecadores que estão totalmente incapacitados de irem a Cristo recebem a graça para conhecerem o Salvador, onde muitos aceitam e são salvos enquanto outros a rejeitam, prontamente, ou a aceitam e depois desistem.

Aqueles que, após o chamado da graça, não oferecem obstáculo a ela, esses são eleitos. Os demais são reprovados. Os eleitos são conhecidos em Romanos 8, 28-30. Esses são considerados no decreto eterno de eleição e predestinação. Na eternidade, Deus deu-lhes a graça eficaz.

Michael Horton afirma que Deus não previu fé e obediência, mas elege mesmo na desobediência. Isso significa que Deus não poderia prever a fé porque sem a graça ninguém teria fé.

O problema é que, para a fé reformada, Deus elege apenas alguns dentre os desobedientes, e essa é a questão crucial que a Bíblia não mostra. A não ser que se está aqui falando apenas da graça eficaz. Não há quem não tenha recebido graça suficiente.

De fato, entre todos os pecadores Deus elege os que recebem o dom da fé e dão frutos, enquanto deixa aqueles que, após serem agraciados, recusam a graça que experimentaram.

Somente os que recusam ao chamado de Deus é que são deixados. Não há escolha arbitrária de uns e reprovação de outros, antes que a graça suficiente seja experimentada de alguma forma por todos.

Em Deuteronômio 7, 6 e 9, 4-5 Deus elege Israel pelos motivos de perversidade das nações e por causa da Sua promessa aos Patriarcas, não por causa da Sua liberdade em escolher nações igualmente perversas.

A Palavra não afirma que Deus escolheu um povo e deixou os demais por seu beneplácito e vontade. Isso o reformado precisa entender. Não existe qualquer passagem bíblica que prova tal afirmação.

Primeiro veja o que a Bíblia fala como razão divina para a escolha de Israel nessas passagens. De fato, são passagens que a teologia reformada utilizada para formular sua teologia. Mas as mesmas não dizem o que os reformados tendem a concluir.

Sabendo que todas as nações são desobedientes, conhecendo a atitude de rebelião das nações, Deus escolheu por meio da promessa que tinha feito desde o início ao patriarca Abraão, antes da formação do povo, e a razão imediata para não os abandonar era a perversidade das demais nações. Não apenas a cabeça dura de Israel, mas as abominações constantes dos gentios. Eis o contexto.

Afirmar que a salvação é do Senhor, ou que a salvação vem do Senhor (Jonas 2, 9) é afirmar o mesmo que a doutrina católica. Isso não quer dizer que nada no povo é considerado por Deus para a salvação, como se contasse só a vontade de Deus para eleger.

Pelo contrário, Deus faz tudo com bondade e justiça, e considera a situação de cada povo para fazer suas escolhas. O contexto mostra o modo pelo qual a salvação vem do Senhor, a forma com que ela atinge o povo, a maneira com que ela é entregue ao povo.

A condição humana pecadora é basicamente idêntica para todos, mas a presciência de Deus não teve atenção à fé e à obediência voluntária de ninguém, mas apenas a resposta à graça. É impossível ter fé sem a graça. Assim, Deus previu aqueles que respondem ao chamado, com abertura de coração a Deus, depois de estarem sob a moção da graça.

Isso é algo diferente, pois não é do livre-arbítrio somente que faz brotar a resposta, mas do livre-arbítrio iluminado pela graça, sustentado e auxiliado pela graça. A graça antecede o livre-arbítrio logicamente, mas age nele enquanto o mesmo concomitantemente responde positiva ou negativamente ao chamado de salvação.

Uma coisa é saber de antemão quem é bom ou quem é mau, e outra é saber de antemão, dentre os maus, quem irá responder livremente e perseverar após ter sido tocado pela graça do chamado e experimentado o momento livre para decisão.

Deus de antemão conheceu os que responderam à graça e pela graça quiseram permanecer. A graça eficaz é dada sobre a graça suficiente recebida.

Diz a Escritura: “Ou não tem poder sobre o barro para fazer da mesma massa um vaso de uso nobre e outro de uso vulgar”, falando dessa comparação do vaso e do oleiro, que diz respeito ao uso dos vasos e não à criação dos mesmos.

Esse seria o lugar de Deus afirmar que o oleiro cria vasos para uso nobre e vulgar como Ele cria pessoas para salvar e condenar, mas a Escritura usa a comparação de outra forma.

Deus é comparado ao oleiro no uso que faz dos vasos da ira, tendo paciência para com eles, e do uso que faz dos vasos de honra, mostrando as riquezas da sua glória (vv. 22-23).

Primeiro, porque a Escritura nunca diz que Deus cria algo mal, o que seria contradizer o que toda a revelação ensina, e, portanto, aqui em Romanos 9 não está afirmando a criação de alguém para o inferno, pois Deus não prepara nada para o mal. Por isso, a Escritura não diz que Deus preparou os vasos da ira, mas já fala dos vasos “preparados”, enquanto que, quando diz dos vasos de honra afirma que Ele (Deus) preparou.

É certo que o calvinismo considera que Deus ativamente não condena, mas que permite a condenação. No entanto, afirma que a condenação é feita depois do decreto de Deus determinar a reprovação certa do indivíduo, para que o indivíduo caminhe para a perdição, o que torna o problema insolúvel. Isso ficará mais compreensível quando voltarmos a esse texto em outras argumentações para esse tópico da eleição.

Se Deus apenas escolhesse alguns da massa caída em pecado, onde todos estão em igual condição, sem fazer uma consideração universal, sem dar a graça para que o pecador responda livremente ao chamado, em uma obra de preparação para a salvação de todos, pois todos são parte integrante da massa caída, mas que assim estão porque no pecado de Adão perderam a graça santificante, não seria justo, já que todos não estão no pecado por culpa própria, mas nasceram nesse estado por culpa de Adão e Eva, sendo uma dívida contraída.

Assim, o início desse estado pecaminoso, a concupiscência, não pode por si só levar alguém ao inferno antes que seja oferecida a graça para que livremente possa escolher entre a vida e a morte.

Isso está no princípio do amor e da justiça, e o amor é a base para Cristo vir salvar os pecadores. A doutrina reformada nega esse ponto ao ensinar que o pecado original por si só já é motivo da condenação ao inferno, e que os pecados, ainda que possuam graus, sendo mais ou menos graves, todos são passíveis da condenação ao inferno, o que tornaria a distinção inócua para fins dessa discussão.

A bondade de Deus não permite que pecadores nesse estado sejam condenados. Somente após negarem a verdade, por sua própria atitude livre, e assim ficarem endurecidos, perseverarem contra a graça.

E essa condição é real quando há possibilidade de responder e ter acesso à salvação. E tal condição não nasce ou é consequência de um decreto eterno. Antes ela é a causa levada em conta na escrita do decreto eterno de condenação. Deus não decretou que alguns não responderiam ao chamado, mas decretou que seriam reprovados os que não respondessem.

O leitor compreende que a diferença entre a doutrina católica e a doutrina reformada é tão sutil que muitas vezes não é possível perceber onde está a mesma, e tantas vezes parece coincidir com as afirmações reformadas. É por isso que às vezes parece que os reformados têm razão, por afirmarem as mesmas doutrinas católicas.

No entanto, logo a seguir percebe-se que a teologia reforma faz certas afirmações que contrariam a revelação bíblica. E então, a mesma revelação bíblica contem o antídoto contra conclusões dos reformados.

O que foi dito aqui parece não ter sido suficiente para convencer o reformado. Talvez não seja possível chegar a isso, por vários motivos. Mas, esse convencimento é possível, se o leitor reformado seguir as argumentações uma por uma até o fim.

A Bíblia está guiando cada raciocínio, e os argumentos analisados partem da própria teologia calvinista, e são elaborados por abalizados teólogos. Assim, a refutação dos mesmos afeta o cerne da teologia reformada.

Consideremos agora o que diz Roger Olson, teólogo protestante de confissão batista, com sua teologia arminiana, em relação à eleição incondicional.

Roger Olson discorda um pouco de Cottrell quando esse diz que Deus, na Sua autolimitação, retém o controle soberano.

Olson acredita que esse pressuposto não é assegurado pela sugestão que o autor fez, e não vê conciliação entre não exercer o poder determinista e estar no controle de tudo, e prefere afirmar que Deus está no comando.

Então, o arminianismo de alguma forma argumenta contra o controle total, o que torna sua defesa problemática diante do calvinismo.

É um fato que devemos compreender, já que os argumentos arminianos em relação à teologia Reformada são, às vezes, diversos daqueles levantados pela doutrina católica. E, muitas vezes, são inócuos ao calvinismo, ao contrário dos argumentos católicos, que abalam e demolem os fundamentos da fé reformada.

Outra definição arminiana encontrada em Olson é que o livre-arbítrio libertário, como gostam de chamar, é “a vontade não totalmente governada por motivos e capaz de agir de maneira contrária ao que age”, reconhecendo o mistério, mas afirmando que não é impossível ou ilógico.

O arminianismo, então, ensina a soberania divina autolimitadora. Interessante que, por confrontar o calvinismo, a definição arminiana é que a vontade não é toda governada por motivos, já que o calvinismo afirma o contrário.

Isso significa que Deus deixa de usar o controle em certos momentos ou lugares, para dar ação livre à vontade das criaturas. Assim, a vontade possui momentos que podem agir sem motivos.

Parece ser isso que é explicado pela teologia arminiana aqui, onde o livre-arbítrio pode prescindir de motivos e Deus concede um espaço onde não há controle.

Deve-se afirmar novamente que, embora o arminiano esteja correto na defesa do livre-arbítrio, os argumentos são diversos do que se pode aprender da doutrina católica. Essa argumentação arminiana não é a mesma que o catolicismo emprega no estudo dessas questões, como já visto acima. A visão arminiana dessa espécie de autolimitação de Deus é fraca diante da argumentação calvinista.

No entanto, quando a Igreja Católica ensina a total soberania de Deus, e também apresenta o livre-arbítrio, a solidez da argumentação católica é eficaz contra os equívocos do calvinismo.

Estudando Romanos 9, 9-33, temos que o contexto imediato é o da explicação da promessa de Deus. Sara terá um filho (Rm 9, 9), conforme Gn 18, 10.

O próximo exemplo é o de Jacó e Esaú, como exemplo da “liberdade de escolha de Deus” (v. 11), mostrando nos vv. 12-13 as promessas de Gn 25, 23 e Ml 1, 3. Temos a promessa e a liberdade da eleição.

Então, surge a pergunta: “Haverá injustiça em Deus?”, com resposta biblicamente e logicamente negativa. A injustiça foi sugerida na escolha de Jacó em detrimento de Esaú, e esse foi o motivo da pergunta retórica.

Obviamente não há injustiça em Deus, pois Ele, conforme Gn 33, 19, tem misericórdia e compaixão a quem Ele quer. O verso 16 é profundo, pois afirma que a escolha depende apenas de Deus, em especial, “da misericórdia de Deus”. Esaú e Jacó não havia feito nada para merecer a escolha. Não há nada que possa levar Deus a agir, senão Ele mesmo.

Outra vez, surge o exemplo para mostrar a misericórdia, falada antes, afirmando que o Faraó foi suscitado por Deus para que o poder divino seja mostrado e o Nome de Deus anunciado em toda a terra, como está em Ex 9, 16.

O texto do Êxodo trata do castigo de Deus sobre os egípcios, e Deus não destrói o Faraó para que ele veja e reconheça o poder divino e o Nome de Deus seja glorificado em toda a terra.

O exemplo do Faraó serve para mostrar, de alguma forma, tanto a misericórdia como a justiça, no endurecimento do coração. Deus poderia castigar logo o Faraó, mas não quis, para mostrar o Seu poder. Agora entendemos a paciência de Deus, o controle soberano do Senhor, e toda a Sua sabedoria, sem infringir o livre-arbítrio que deu ao homem.

Em nenhum momento sugere que o Faraó tenha sido determinado a agir com coração endurecido, mas que o mesmo endureceu primeiro seu coração. Essa foi a causa da sua reprovação.

Por isso, voltando o olhar para o decreto divino, deve-se pensar que essa possibilidade tenha sido permitida por Deus, que deu ao Faraó a liberdade de vontade, e isso foi considerado e incluído no decreto eterno, de modo que tudo o que decorre daí foi aceito pela Soberania de Deus, na mente de Deus, desde toda a eternidade, conforme sua sabedoria, bondade e justiça.

Quem pode resistir ao poder de Deus? Diante da pergunta, vem a resposta com a comparação do oleiro, que faz da mesma massa vasos para usos diferentes (v. 20). O oleiro tem poder sobre o barro, então Deus tem poder sobre o homem. E ainda esse poder vai além, pois Deus é origem de todas as coisas.

Da mesma massa há vasos feitos para diferentes usos, e assim Deus usa do homem para diferentes propósitos, como fez com o Faraó, que o negou e endureceu o coração, como está revelado desde o início do livro do Êxodo. Deus usou esse vaso mau tendo paciência com Ele para que mais tarde mostrasse sua justiça.

Deus enderece o coração do Faraó posteriormente como castigo pelo proceder do Faraó, que já vinha tendo atitude hostil a Deus.

Ainda, isso mostra que não há injustiça, pois Deus suporta os vasos da ira para mostrar Sua ira e manifestar Seu poder, e mostra misericórdia com os vasos da misericórdia (v. 22-23). Os tempos e os modos são usados por Deus como Ele sabiamente quer.

Os vasos da misericórdia somos nós, que ele chamou não só dentre os judeus, mas também dentre os pagãos (v. 24). Para isso, o autor cita Oseias 2, 1, onde Deus chama os gentios de povo e Os 10, 22-23 e Isaías 1, 9, onde Israel recebe a promessa de que um rebento será salvo.

O rebento refere-se aos filhos da promessa. Os gentios que não buscavam a justiça a alcançaram, todos eles tendo a justiça à sua disposição, devendo somente crer para entrar no Povo de Deus, enquanto Israel que procurava a Lei que justifica, não a encontrou (cf. v. 30), porque procurava a justiça pelas obras.

Em todo o contexto não há eleição de uns e condenação de outros fundados no mero beneplácito divino. O cenário é bastante outro. Há motivos para salvação e condenação.

Pode ser objetado que essa é a forma de ocorrer no tempo, mas que no decreto as coisas são vistas de forma invertida. Deus teria elegido e predestinado os filhos da promessa, que seriam iguais em pecado a todos os demais pecadores, e agora, no tempo, eles estavam apenas usando os meios que Deus preparou para levá-los ao fim desejado, que é a salvação.

Mas, a situação não é simples assim. Deus não age senão na verdade, que é Sua própria personalidade. O caráter de Deus é o fundamento da Sua ação.

Quando os gentios encontraram a justiça pela fé, tudo já supõe que foram livres para atingir esse objetivo, assim como os judeus agiram em liberdade para procurar a justiça pelas obras.

Nada disso foi decretado por Deus, o que tornaria toda a realidade uma mera encenação. O reformado entende que as coisas não podem ocorrer dessa forma. Então, como é muitas vezes objetado, o reformado não consegue compreender como isso acontece, já que tem a livre agência como algo que realmente é produzido pelo ser humano, que age livre de qualquer coerção, e responde pelos seus atos.

Em outras palavras, a noção de livre agência, posta dessa forma, é o exemplo do livre-arbítrio, ao mesmo tempo em que a doutrina reformada nega o livre-arbítrio. O teólogo reformado cai nesse buraco e não consegue sair dele.

O reformado ainda não conseguiu desfazer-se de tantos condicionamentos, o que é compreensível, pois se trata de algo profundo e de delineações bastante sutis. O que está sendo tratado ainda conterá muitas análises bíblicas que irão corroborar essa realidade desde o início.

Em relação a Ezequiel 18, 31, assim diz o Senhor: “Repeli para longe de vós todas as vossas culpas, para criardes em vós um coração novo e um novo espírito. Por que haveríeis de morrer israelitas?”.

Nesse momento o livre-arbítrio é considerado por Deus, e o pecador é exortado a converter-se a fim de criar um novo coração e um novo espírito, que é efeito da graça, pois é Deus quem cria o coração e o espírito quando o homem crê e obedece.

Então, “Não sinto prazer com a morte de quem quer que seja – oráculo do Senhor Javé! Convertei-vos e vivereis!” (Ez 18, 32).

Em todo o contexto, claramente soteriológico, vemos que Deus considera o livre-arbítrio do homem e exorta a que nos convertamos a Ele. Tudo isso supõe que a graça já está à disposição, o conhecimento da Palavra já nos é oferecido, cabe-nos voltar para Deus, deixar as culpas para trás e criar coração e espírito novos com essa graça.

Esse é o ensino bíblico expresso nessas passagens. Em nenhum lugar Deus elege uns e deixa outros por pura vontade. O leitor pode reler os textos para reconhecer que Deus não elege e salva a bel prazer.

Deus também nunca ordena o impossível, nem faz apelos apenas para que os que foram eleitos respondam e os que foram reprovados sejam mais ainda castigados. Esse não é o cenário bíblico.

O que as passagens provam é que a graça precede a conversão, mas que há espaço para o livre-arbítrio, que deve responder para que a conversão se efetive. O povo deve responder a Deus para ter novo coração.

Na perspectiva divina Deus sabe quem responderá ao chamado, e quem O rejeitará. No entanto, não poderia Deus ter decretado que certo indivíduo aceitará o chamado e outro não, quando faz o convite: “Convertei-vos e vivereis”, sabendo que Ele mesmo decretou que um não irá aceitar o convite que Ele faz. Esse cenário seria contraditório e desequilibrado.

Agora, se temos que Deus deu ao ser humano o livre-arbítrio, e soube de antemão quem iria agir a favor ou contra seus apelos de salvação, e ainda quis realizar esse plano, pois a criatura deveria ter a liberdade total para escolher ou não a Ele, então temos que de fato tudo ocorre pela Vontade de Deus. E nesse cenário tudo é compreensível e equilibrado.

A eleição é pela presciência, e Deus não vê o pecador por si só respondendo, pela sua própria força de vontade, mas vê o envolvimento do pecador após o despertar da graça, como age o pecador em relação à própria graça a ele oferecida, como acontece no tempo.

Então, e somente então, Deus elege. Assim, sua eleição é certa. Somente Deus sabe como agir e faz Sua graça eficaz ter todo o seu efeito sem limitar a liberdade. Esse é um mistério de misericórdia.

Essa eleição reflete o que foi decretado eternamente. Para o reformado, Deus prevê somente Sua decisão e misericórdia de salvar alguns. No entanto, para o cristão católico, Deus prevê e conhece os que se dispuseram e permanecerão aos cuidados da graça para os eleger e predestinar. Essa é a Vontade Deus.

Ele prevê aquilo que será o fato da relação entre soberania e livre-arbítrio, em sua perfeita harmonia, conforme Sua vontade. Ele sabe que muitos terão a graça, mas preferirão o mundo, e por isso decidiu que não teriam a graça eficaz. Isso ocorre na eternidade.

O amor de Deus para com todos O impele a oferecer a salvação a todos, e amar mais os que respondem mais à sua amorosa e misericordiosa graça. Mas, dirão alguns, os que respondem mais são os que receberam maior graça. Mas é aí que a relação entre soberania e livre-arbítrio se encontra, não havendo total conhecimento de como funciona perfeitamente essa relação. A graça de Deus vence sempre, mas o livre-arbítrio nunca é limitado e desconsiderado.

Esses foram os que Deus de antemão conheceu, predestinou, justificou e glorificou (cf. Rm 8, 28-30). Se o amor maior de Deus por uns os faz melhores, é certo que, de forma misteriosa, a rejeição da graça e o endurecimento do pecado gera a ira de Deus.

Se isso é assim, então de fato eles rejeitaram a graça de Deus, e Deus não quis vencer essa rebeldia, já que estava no limiar da consideração do dom do livre-arbítrio que Ele mesmo concedeu.

Para o católico a reprovação foi permitida por Deus, mas apesar dessa desgraça Deus tirou a maior das bênçãos, dando Cristo como salvador do pecador. Deus permitiu a queda em Seu decreto. E, a partir da queda, Deus nos deu o Salvador.

Para o reformado a queda é decretada, mas no sentido de determinada a ser permitida, pode-se afirmar. Deus determina que a queda seja permitida a ocorrer. É algo estranho, mas é assim que o reformado entende.

No fim último, foi o decreto de Deus que determinou a queda, e a permissão entra aí como uma forma de não cair no exagero, apenas para explicar seu acontecimento no tempo, o que faz a fé reformada aproximar-se da verdade católica, no entanto sem concordar com ela nesse ponto, o que é problemático.

É um modo que o reformado tem de evitar o exagero na doutrina calvinista, levando a adotar afirmações católicas em suas formulações doutrinais, de modo a aparentemente estar correta em todas as etapas.

Então, afirma a teologia reformada que a queda foi permitida, mas antes, dizem os teólogos, Deus tornou certa a queda por um decreto que levava Adão a livremente pecar.

E mais. Afirmam que o decreto faz consequentemente com que o pecado seja praticado, e não que cause o pecado.  Desse modo, os reformados imaginam que não estão tornando Deus a causa do pecado, mas somente o homem, porque foi o homem quem pecou. No entanto, o homem estava determinado a pecar, não podendo agir de outra forma.

Se Deus deixasse o homem em seus próprios desejos e vontade, todos se perderiam. Essa verdade é compartilhada por católicos e reformados.

No entanto, sabemos que a graça permite o homem escolher a verdade enquanto deixa-o livre nessa escolha, enquanto que o reformado acredita que o homem é escravo do pecado, e que ao ser chamado pela graça não poderia responder se Deus não desse a última palavra.

Isso quer dizer que o homem escravo do pecado diria não à graça, sempre e finalmente, mas Deus garante que no final ele responderá sim. Dessa forma, somente o que Deus quis eleger responderá sim. É uma anulação do livre-arbítrio.

Enquanto que, na fé católica o homem escravo do pecado sempre diria não à graça, por si mesmo, pela sua condição de escravo do pecado, pela sua natureza maculada pelo pecado, mas pelos efeitos da graça ele tem a possibilidade de escolher e responder ou sim ou não a Deus. É um cenário diferente.

O homem, por sua natureza pecaminosa e caída, sempre está em rebelião contra Deus, ainda que chamado pela graça. No entanto, na graça ele pode vislumbrar a misericórdia de Deus e é capacitado a converter-se ou não.

Entendemos melhor Atos 7, 51: “Homens de dura cerviz, e de corações e ouvidos incircuncisos! Vós sempre resistis ao Espírito Santo. Como procederam os vossos pais, assim procedeis vós também.

Se o homem não fosse livre, esses não poderiam realmente responder, e iriam sempre resistir à graça, como creem o reformado. Deus deveria decretar que alguns fossem convertidos pela graça.

No entanto, como o livre-arbítrio é um fato, esses homens de que fala o verso 51 estão resistindo ao Espírito Santo que os chama à conversão. Há um conflito entre a vontade do Espírito Santo, que os quer bem, e a vontade pecaminosa desses homens, que resistem ao Espírito. Somente a doutrina católica explica satisfatoriamente essa passagem.

Essa possibilidade não poderia ser desejada por Deus, como se fosse anterior a qualquer liberdade dada aos homens, apenas para mostrar Sua justiça, onde Ele teria decretado que esses homens resistissem ao Espírito. Nada disso.

Deus criou tais homens livres, com uso do livre-arbítrio, e conhecendo perfeitamente todas as possibilidades de uso da liberdade, e vendo o futuro como se estivesse presente, soube perfeitamente que tais homens ouviriam as moções do Espírito Santo e a pregação do evangelho, obviamente dada pela graça suficiente, e ainda nesse estado de chamado de graça iriam resistir ao Espírito, decretando essa realidade. Foram esses homens que determinaram sua vontade, causando sua resistência, e não o decreto. O decreto de Deus incluiu esse cenário e considerou essa rejeição como motivo de reprovação.

Por isso, a passagem menciona que muitos resistiram ao Espírito Santo, e pelo contexto mostra que a resistência foi definitiva.

Não há ensino de que a graça é apenas momentaneamente resistível, e que no final sempre ela venceria nos que foram predestinados, e que por isso seria sempre irresistível.

Não há passagem que ensine isso, e não houve até o momento textos da Bíblia que possam dar base para formular essa doutrina.

Assim, a eleição de Jacó e rejeição de Esaú, antes de nascer, para provar a liberdade de escolha de Deus, é uma passagem usada para a eleição incondicional.

No entanto, esse texto não tem sentido soteriológico, mas mostra apenas a eleição de Israel, e também não tem implicações soteriológicas, caso contrário contradiria o que já foi expresso acima, em todas as demais passagens bíblicas. Portanto, seu sentido místico deve estar conforme toda a revelação, e não apenas fundamentado em alguns textos isolados.

Mais adiante voltaremos a ler essa passagem com maior profundidade. O que o reformado deve entender é que a passagem não diz e não conclui que Deus decreta a salvação de uns e decreta a permissão da condenação de outros por puro beneplácito. E isso tem sido provado a cada passo, com as devidas argumentações bíblicas e demonstrado a falta de qualquer prova para a asserção calvinista.

Esse ponto da eleição é também patrimônio da doutrina cristã católica. Não há o que objetar ao se afirmar que Deus salva por pura misericórdia por meio da sua graça, sem quaisquer obras e méritos da parte do homem. Essa é doutrina católica desde sempre, pois está na Escritura Sagrada. Santo Tomás de Aquino a explicou extensamente. A mesma já havia sido esboçada por Santo Agostinho.

O que envolve esse ponto em discussão tem a ver com as afirmações calvinistas desde o século dezesseis, principalmente quando a questão foi resolvida no século dezessete no Sínodo de Dort, realizado na cidade de Dortrecht, em 1618-1619, pois quando já separados da Igreja Católica os protestantes reuniam-se para tratar da suas questões internas. Esse sínodo cristaliza a tradição reformada, em aspectos importantes e fundamentais para o desenvolvimento dessa teologia protestante.

Anos antes, a Igreja Católica havia dado suficiente contribuição para essa questão, quando em 1607 impôs parâmetros ortodoxos para prevenir a heresia, deixando aberta a discussão no campo católico, sem anatematizar nenhuma escola teológica.

Na Holanda a Igreja Reformada possuía a Confissão de Fé Belga e o Catecismo de Heidelberg, como dois documentos de orientação doutrinal, de persuasão calvinista. A partir das discussões introduzidas pelo também calvinista Jacó Armínio (1560-1609), surgiram então questões que levaram, como era seu desejo, mas que só aconteceu após sua morte, à realização de um sínodo, como mencionado antes, que atingiu esfera internacional.

Ali nasceram os cânones sinodais, o que ficou conhecido como os cinco pontos calvinistas, em contraposição aos pontos formulados pelos seguidores de Armínio em 1610, como uma representação, chamada Remonstrance, nomeando seus defensores de remonstrantes. Esse são os atuais arminianos.

Portanto, nos cânones estabelecidos ficou a doutrina reformada de acordo com a interpretação dada por João Calvino e condenada aquela de Jacob Arminius. De fato, a Institutas da Religião Cristã escrita por Calvino é expressão reconhecida de autoridade da teologia reformada, como afirma Earle E. Cairns.

Tendo essa contextualização histórica, continuaremos a tratar o ponto sobre a eleição incondicional que é um dos cânones reformados. Sobre esse ponto não teria nada a objetar se a afirmação fosse apenas que as obras não são causa da eleição. No entanto, esse cânone ensina que Deus dá o dom da fé aos que foram eleitos e predestinados desde a eternidade pelo decreto divino, mas não dá esse dom aos que foram deixados para a perdição.

Alguns receberão a verdadeira fé e outros não. Uns poderão até apresentar um tipo de fé momentânea ou por algum tempo, mas logo apostatarão, porque são do número dos perdidos que não receberão nunca o dom da fé que é instrumento de salvação.

Esse particular está em contradição com a doutrina católica que ensina que todos recebem a graça suficiente para serem salvos. De fato, a fé é oferecida a todos, mas por causa da recusa de muitos, esses não exercem fé e recebem a dura condenação. É um caso de séria divergência.

Embora os reformados neguem o livre-arbítrio, eles crêem que o homem é livre, possuindo livre agência, até mesmo algumas vezes usando o termo livre-arbítrio, sendo responsável pelas suas escolhas, e ensina que todos indistintamente estão em rebelião contra Deus.

Essa explicação não tem, aparentemente, diferença da doutrina católica. No entanto, afirma que somente os eleitos serão convertidos no meio dessa massa caída, por terem sido alvos da salvação na eternidade.

O problema é que a teologia reformada ensina que a liberdade que o homem segue sua natureza, caída ou regenerada, o que introduz problemas sérios quando analisada detalhadamente, pois isso não é o mesmo que livre-arbítrio. Isso é de fato negar o livre-arbítrio. Não é igual ao livre-arbítrio que eles rejeitam, nem igual ao livre-arbítrio que a doutrina católica ensina. Em alguns momentos os reformados conceituam livre agência como o que se entende como livre-arbítrio, e em outros nega-o frontalmente em suas apresentações.

Para entender melhor, é afirmado que o decreto de Deus visaria salvar muitos dentre os perdidos, deixando os demais seguirem o próprio caminho, ensinando que o decreto não está impelindo ninguém para tal e nem impedindo que venha a se converter. Portanto, essa explicação encontra lugar no coração de muitos porque ela tem aparência de verdade e usa linguagem que transmite um conceito verdadeiro.

É verdade que Deus não impele ninguém ao mal, nem que impeça de ouvir e aceitar o Evangelho. Mas, sabemos que os que não aceitam a salvação são livres para assim agirem. Eles recebem o apelo do Evangelho, são alcançados pela graça do chamado e, já postos pela graça em condição de responder a Deus, são capazes de aceitar ou recusar a graça. É igualmente verdadeiro que Deus não impede que o homem salvo escolha o mal, nem que force o ímpio a vir a Cristo.

Também não se trata da graça preveniente colocar o pecador em estado de neutralidade para capacitá-lo a escolher entre o bem e o mal, mas de suprir pela força suficiente da graça o que ele não tem, e habilitar o pecador inclinado ao pecado a vislumbrar o bem da graça e poder assim nesse estado pecaminoso aceitar a graça ou resisti-la. Muitos resistem.

É óbvio que Deus é soberano, e poderia vencer qualquer resistência. Não o faz em todos. Qual o motivo? É de se esperar que seja assim se os seres humanos são livres. Também, é de supor que a justa medida da graça eficaz é exercida de modo a convergir com o livre-arbítrio.

Se o reformado disser que a graça não anula a livre agência, como Olson afirma de uma opinião de Boettner, o que se deve entender é que sendo a livre agência uma consequência do decreto divino para agir conforme a natureza, que é pecaminosa, a partir da queda, decretada também, causando por si mesma o pecado, se o decreto de predestinação faz a graça vencer a resistência do pecador, sem anular sua liberdade, mas mudando seu coração, em última análise isso seria o mesmo que dizer que Deus fez o coração ser pecaminoso até o momento em que Ele mesmo faria esse coração tornar-se santo, que não faz sentido de forma alguma, diante da revelação bíblica, e do bom senso, entretanto explica de fato que na teologia reformada na há livre-arbítrio. O livre-arbítrio é negado, tal afirmação encontra esse problema conforme apontado acima.

Para os católicos, a liberdade é considerada por Deus para receber a graça eficaz. Para a teologia reformada as coisas não são bem assim. Os ímpios deixados segundo as inclinações de sua própria natureza agem contra Deus livremente porque não estão no decreto divino de salvação, e não recebem a graça da salvação porque Cristo não teria morrido por eles, e a fé nunca estaria disponível para eles. Esse ponto será refutado no respectivo lugar durante o estudo, mas já pode ser percebido que não possui equilíbrio com a revelação bíblica.

Os ímpios possuem natural rebelião contra Deus por viverem na natureza pecaminosa, mas não lhes seria oferecido nada que os pudesse tirar desse estado, já que não existiria meio disponível, pois a morte de Cristo não teria comprado nada, em termos de salvação, para essa parte da humanidade.

No entanto, quando lemos as Escrituras não encontramos esse cenário. Isso é típico do calvinismo, e não da Bíblia. Encontramos ensinada na Bíblia a doutrina cristã católica da salvação adquirida na cruz em favor de todos, em todas as Escrituras, e nada que soe de acordo com essas terríveis afirmações acima. Calvino afirmava que Deus predestina para a condenação pelo seu próprio prazer e pela Sua Vontade. É o que continua a ser afirmado pelos reformados desde as decisões do Sínodo de Dort.

Por causa disso, muitos pensavam que não importava a vida que levassem, pois se fossem do número dos eleitos seriam salvos, se dos reprovados seriam condenados. Foi um equívoco de muitos, mas pensavam na lógica usando as premissas reformadas, como fazem alguns.

Não há muitos que creem totalmente nessa afirmação, já que logo afirmam que é necessária uma vida de boas obras também. Esse assunto já foi tratado, e deve-se lembrar que essa doutrina, fruto de conclusões contidas em certas premissas reformadas, não encontram apoio nem no meio reformado histórico. A santidade é necessária na vida cristã. Nesse ponto, o reformado concorda com o católico.


Gledson Meireles.

 

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