sexta-feira, 7 de abril de 2017

Identificando a Igreja: tempo dos papas Zeferino e Calisto I

Para refutar certas doutrinas ensinadas pelo ex-sacerdote católico Aníbal Reis, em seu livro Cristo sim, padre, não, no capítulo IX, e identificar a Igreja no final do segundo século e início do terceiro, segue o presente artigo. Aníbal Reis afirma que os cristãos “autênticos” chamavam o Catolicismo Romano de “Igreja da Hierarquia”.
 
Alude a uma lenta gestação, mencionando a política, e mais outros aspectos, a começar pelas reminiscências dos judaizantes ou legalistas, ao incluir as obras na salvação.
Fala de “verdadeiras origens do Catolicismo Romano, argamassado sem sua hierarquia eclesiástica prepotente”.
Cita palavras de Hipólito contra Zeferino e Calisto, os papas da época. Zeferino esteve no episcopado de 203 a 220, e Calixto de 221 a 227. A partir das palavras de Hipólito, o autor apresenta uma biografia nada edificante de Calixto, com frases como: “futuro bispo de Roma, futuro santo do romanismo”, mas de Hipólito, que por essas passagens não adula Calixto, e que é o motivo-mor de seu uso por Aníbal, fala de um mártir. (p. 85)
Aníbal faz a distinção, em começo do século 3, pelos anos de 203 a 227, como mencionado acima, entre supostos cristãos “verdadeiros”, sofrendo perseguições e martírio, porém os coloca do lado oposto ao que Zeferino, Calixto e a mencionada concubina do imperador, Márcia, estavam.
Esses supostos verdadeiros “cristãos” estavam escondidos, isolados em vilarejos e subúrbios, bem distantes da capital, e os sacerdotes “apóstatas”, na tese do ex-padre, eram Zeferino e Calixto. Ele não nomeia os cristãos que chama “verdadeiros”, nem os localiza precisamente, nem mostra quem são, mas aponta o dedo para os papas, e os desqualifica.
Contrariamente aos apologistas protestantes atuais, em crescente número, Aníbal chama de Catolicismo Romano a Igreja representada pelo papa Calixto. A fonte de todo ataque até aqui descrito é a obra de Santo Hipólito de Roma.
Aníbal Reis denigre o concílio de Niceia, reputando-o como pernicioso, chama Constantino de “Supremo chefe do Catolicismo”, e lembra o fato do bispo Eusébio, amigo do imperador, estar do lado do arianismo.
Do grande Santo Tomás, chama-o de copista do pagão Aristóteles, e que transformara “a religião em jogo de dialética.” É um salto de séculos esse comentário, pois dos tempos de Hipólito e Constantino, séculos 2 ao 4, pula repentinamente ao décimo terceiro para atacar um dos maiores teólogos da Igreja.
Mas, em toda essa teia de considerações, afirma estar ainda dentro da “longa gestação” do Catolicismo.
Outra acusação é que a Igreja teria feito da Bíblia um livro de segunda categoria, dando aos escritores filósofos maior valor. (cf. p. 88)
Nega o consenso dos padres, afirmando que não existe “nenhum consenso” entre eles.
A terceira parte criticada seria deturpação da eclesiologia, da democracia cristã primitiva, da unidade por laços da comunhão dos santos.
Até a palavra sacramento é desvalorizada como “pagã”. O purgatório é ligado, pelo autor, à metempsicose. A missa é chamada de crime e invenção diabólica, e tida como “repetição” do sacrifício de Cristo. Esse erro, transmitido por um ex-padre, é um dos sintomas que o levaram para fora da Igreja, por não entender, nem ter nunca entendido talvez, o sentido da celebração da missa, que tanto celebrava. Nenhum desses tópicos será tratado no presente artigo, que tem apenas objetivo de uma refutação mais geral.
Ao citar tantas características secundárias da Igreja, chama tudo isso de “petulância e empáfia dos homens”. E, segundo o autor, os teólogos católicos admitem que não há semelhança do sacerdócio até o século 3 com o atual, “nos moldes da seita católica”, como escreve.
Tentando refutar o texto do cardeal-arcebispo  do Rio de Janeiro, D. Jaime Câmara, “Apontamentos de História Eclesiástica”, interpreta Tito 1,5 como provando duas esferas eclesiásticas de governo, bispos e diáconos, apenas pelo fato de que presbítero e bispo também são termos idênticos.
Contudo, o que está no texto de Tito 1,5 é que São Paulo, apóstolo, envia São Tito como responsável para ordenar presbíteros, por meio de certos critérios, o que coloca Tito em posição superior aos que ele vai ordenar.
Tito porá “em ordem as cousas restantes” e constituirá presbíteros ou bispos. Dessa forma, o bispo ou presbítero Tito tem a incumbência de constituir outros cristãos presbíteros ou bispos, que estão sob sua autoridade. A função de Tito tem um grau maior que a do grupo de presbítero que ele governa. Essa é a realidade que escapou na análise de Aníbal, que não meditou bem as Escrituras, e não entendeu a verdade que transcende os próprios termos.
O mesmo no texto de 1ª Tm 5,19 comentado pelo autor, com fins de refutação, o qual apenas afirma que esse tinha o objeto de evitar “mexericos”, e que: “Nem por isso representava que Timóteo fosse superior hierarquicamente aos demais presbíteros.” (p. 93)
São Timóteo é constituído por São Paulo para tomar conta daquela Igreja, e tem a incumbência, e autoridade, de julgar os próprios presbíteros, a partir de denúncia, obedecendo critérios justos apresentados. A posição superior de Timóteo sobre o grupo de presbíteros é evidente. Ele é quem pode aceitar denúncias de cristãos relativas a algum presbítero, e instaurar processo. O contexto da epístola mostra isso claramente.
E, ao fim do capítulo em apreço, cita Hipólito mostrando “a imagem de um clero hierarquizado por “ordenações sacramentais”.” (aspas no original). (p. 94)
O texto é bastante contrário a tudo o que ensina a Igreja Católica, tem um tom radical, de um anti-catolicismo peculiar, extremo, mais incisivo do que há nos artigos atuais.
Ele ensina nesse capítulo, que o Catolicismo formou-se a partir da doutrina dos judaizantes, das suas reminiscências, possui sacerdotalismo apóstata, baseado no sacerdócio levítico e pagão, usa termos pagãos como “sacramento”, inclui as obras na salvação, usurpa o poder, é protegido por imperador pagão ignorante das coisas cristãs, enquanto os “verdadeiros cristãos” são perseguidos, relega a Bíblia a um segundo plano, como livro incompleto, ensina filosofia, e hierarquiza de forma diferente da Bíblia, com vocabulário diferente do Novo Testamento. Tudo isso está no livro Cristo Sim, Padre Não, no capítulo: Três aspectos da apostasia católica romana.
 
Identificando a verdadeira Igreja
Eusébio de Cesareia, historiador da Igreja no século 4, apresenta a heresia de Artemon, no livro 5, capítulo 38, página 197, da História Eclesiástica. Ele afirma que Paulo de Samósata, que foi bispo, tentou implantar novamente essa heresia no seu tempo.
Um dos artigos ensinados pela heresia era que “Cristo é mero homem”. Os hereges afirmavam que essa doutrina era antiga, que os “homens primitivos e os próprios apóstolos receberam e ensinaram essas coisas”.
Outra coisa que diziam, é que essa doutrina teria durado até o papa Vítor, “que foi o décimo terceiro bispo de Roma desde Pedro”. Essa citação de Eusébio é mais uma fonte que prova a sucessão apostólica em Roma, a começar pelo apóstolo Pedro. Os hereges queriam traçar sua doutrina até os apóstolos, e diziam que após o pontificado de Vítor sua doutrina foi perdida.
Mas, veja o que Eusébio afirma: “E talvez o que dizem pudesse ser fidedigno, caso não fosse contradito pelas Santas Escrituras; e depois, também, há obras, de certos irmãos anteriores à época de Vítor que escreveram em defesa da verdade e contra as heresias então prevalecente”.
Eusébio mostra que a alegação dos hereges não tem fundamento, porque a (1) Bíblia não apoia sua heresia, e nem os (2) escritos antes do papa Vítor. Isso mostra que, se a heresia fosse encontrada na sede de Roma, como os hereges alegavam estar sua doutrina defendida, mesmo que por um período apenas, as Escrituras atestariam ("talvez o que dizem pudesse ser fidedigno, caso não fosse contradito pelas Santas Escrituras"), e isso já bastava para demolir o que pretendia ficar estabelecido. Ou seja, se a doutrina está presente na Igreja desde os apóstolos, as Escrituras estarão de acordo, e fornecerão fundamento.

Mas, além disso, havia obras escritas antes do tempo que apresentaram, e que mostram que a alegação é gratuita. Eusébio apresenta, para refutar a heresia, a Escritura e a Tradição. A Escritura como fundamento primeiro, é apresentada como em harmonia ao que é tradicional, ao que é ensinado desde o tempo apostólico, pelo qual a heresia já pode ser desbancada, e a Tradição, que felizmente havia tratado daquele assunto, também é mencionada, pois essa confirma o que a Escritura ensina.
Eusébio, então, cita Justo, Miltíades, Taciano e Clemente, todos defensores da divindade de Cristo. Os hereges que a negavam não tinham predecessores, que queriam. Cita também Irineu e Melito, que ensinam que Jesus é Deus e homem. Até os salmos e hinos “escritos pelos irmãos desde o início” ensinam a divindade de Jesus Cristo.
Nesse passo, Eusébio questiona: “Como, então, poderia acontecer que aqueles até a época de Vítor tivessem pregado o evangelho dessa maneira, tendo sido a doutrina da Igreja proclamada por tantos anos?
É possível, ver com facilidade, que os hereges pretendiam uma antiguidade para sua doutrina, com raízes no tempo dos apóstolos, e ensinada desde o ministério de Pedro.

Muitos hoje, que negam a divindade de Jesus, procuram basear-se nos mesmos argumentos, uma vez que dizem ser sua doutrina a mesma da Bíblia. Eles apresentam suas intepretações, que contrariam a fé da Igreja, como Eusébio diz, contrariam todas as obras dos cristãos durante os séculos, todos os concílios, e etc., mas ainda não deixam de ensinar heresia por ter juízo particular sobre suas próprias interpretações das Escrituras contra a posição da Igreja Católica.
Depois, Eusébio cita o fato de Vítor ter excomungado Teódoto pela heresia de negar a divindade de Cristo. De fato, os hereges sempre usam a Sagrada Escritura para tentar uma aprovação de sua doutrina pela Igreja. Eles “adulteram a simplicidade daquela fé contida nas Sagradas Escrituras”. (p. 199)
O rigor para permitir a volta de hereges à Igreja era bastante acentuado, como mostra Eusébio ser o caso no exemplo que lembra do papa Zeferino, que após muita dificuldade recebeu um herege arrependido.
Há, ainda, outra característica que os hereges possuem. Eusébio afirma que se alguém comparar suas obras, poderá ver que há “grande variações entre eles.” Depois de argumentar com essas e outras coisas, Eusébio os considera demoníacos.
A esse momento já pode-se ver que a linhagem apostólica da Igreja em Roma inicia-se com o apóstolo Pedro, e que até o tempo de Vítor foram sucedidos 13 papas, “desde Pedro”, ou seja, depois de Pedro, e assim Vítor é o décimo quarto a contar com o apóstolo.
Essa é a forma de contar de Eusébio, que já mostrou isso no Livro III, capítulo IV: “Quanto a Lino, mencionado em sua segunda epístola a Timóteo como seu companheiro em Roma, já se declarou ter sido o primeiro depois de Pedro a obter o episcopado de Roma.”.
Para esclarecer mais: o historiador Eusébio considera o estabelecimento e liderança da Igreja, em primeiro lugar, que foi realizado por Pedro, e depois a elevação do bispo da igreja daquela cidade após Pedro na pessoa de Lino. Por isso, Lino é chamado o primeiro, não por ter sido o primeiro a liderar ali, mas o primeiro que recebeu o episcopado do apóstolo Pedro. Contanto assim, Pedro é o primeiro bispo ou papa de Roma, e Lino é o segundo bispo ou papa, e assim por diante.
Pelo que podemos ver, na História Eclesiástica, Eusébio mostra que a Bíblia é a regra de fé conforme a interpretação desde os apóstolos, confirmada na Igreja, pelos escritos legítimos que mostram a doutrina sempre ensinada, o que inclui a tradição com igualdade de valor.
Os papas Zeferino (14º) e Calixto (15º) após Pedro (1º), são mostrados como aqueles que estão na linhagem dos que ensinam a verdadeira doutrina, como essa em questão aqui: a divindade de Cristo.
Para melhor aproximação dos fatos, e identificação da Igreja, continuemos com alguns esclarecimentos. Estamos nos anos 203 a 227. A partir do ano 150, surgiram, e floresceram, heresias de maior magnitude: os gnósticos (esses já existiam em várias modalidades no primeiro século), os marcionitas, os montanistas, os monarquianos.(Conforme dados de FRANGIOTTI, Roque. História das Heresias: conflitos ideológicos dentro do Cristianismo, ed. Paulus, São Paulo, 2016.)
A heresia de Noeto, que afirmava a identidade do Pai e do Filho, foi levada a Roma por Práxeas, um cristão confessor. Tertuliano refutou Práxeas. O primeiro já era adepto do Montanismo, que Práxeas atacava, mas correto na doutrina da Trindade, que era negada por Práxeas.
Sabélio tentou implantar também em Roma a doutrina negadora de Cristo Deus. Mas, foi excomungado pelo papa Calixto. Hipólito fez duras críticas ao papa Calixto antes que isso ocorresse, chegando a tornar-se líder, colocando-se contra o papa, sendo assim o primeiro antipapa. Depois, volta à unidade católica.
Esses fatos mostram que, havia cristãos que caíram em heresias, negando a divindade de Jesus, e esses estavam agindo contra as autoridades de seu tempo, que eram os papas Zeferino, e depois Calixto. Dessa forma, os ataques de Hipólito devem ser lidos como provenientes de um homem tomado de zelo e escrito em momentos de desilusão com as atitudes do papa. Tanto Hipólito quanto Calixto morreram mártires.
A doutrina do papa Calixto, que defendida a divindade de Cristo, depõe a favor da sua ortodoxia, e revela que os inimigos é que estavam fora da unidade de fé da Igreja. Tertuliano havia sido católico, caiu na heresia do montanismo, mas continuava correto na doutrina da trindade e tantas outras. Seu maior erro foi o rigorismo daquela seita. Com isso, identifica-se em que lado está representada a Igreja Católica, pelos anos de 190-227: do lado dos papas Vítor, Zeferino e Calixto, e não com Noeto, ou Práxeas, nem com os sabelianos.
Gledson Meireles.
 



 

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