terça-feira, 25 de abril de 2017

Eleição e Predestinação em Romanos 9-11

São Paulo inicia o capítulo 9 mostrando sua tristeza e seu desejo pela salvação dos judeus.  O verso 3 trata dos israelitas “segundo a carne”. Essa qualificação é importante, pois tem a ver com todos os judeus ligados pelos laços da natureza física.

Em continuação, no verso 6 é feita a distinção entre os israelitas por natureza e os israelitas por conta da promessa de Deus. Assim, é dito que “nem todos os que descendem de Israel são Israel”, ou mesmo, como está no versículo seguinte, “nem todos os descendentes de Abraão são seus filhos”. Tem-se assim os que são parte do povo judeu e os que nele fazem parte da promessa, ou que devem aceitar a promessa. Mais ainda. Todos são chamados a aceitar a promessa, pois a carne não é garantia de aceitação, mas a fé na promessa de Deus.

A promessa é aquela da descendência de Abraão e Sara, e Isaac e Rebeca. (vv. 9-11) A escolha de um e de outro para a eleição antes do nascimento tem o objetivo de mostrar a liberdade da escolha de Deus, que não depende de obras, mas de Deus mesmo, da Sua misericórdia.

Em Gênesis 25,23 explica a esse respeito: “e Iahweh lhe disse: Há duas nações em teu seio, dois povos saídos de ti se separarão, um povo dominará um povo, o mais velho servirá ao mais novo”. Por isso o verso 12 afirma que “O maior servirá ao menor”. E o 13: “Amei a Jacó e aborreci Esaú”. Jacó representa a nação de Israel e Esaú a nação de Edom. Esse povo recebeu a ira de Deus, enquanto Israel a bênção. Deus escolheu Israel para preparar o povo do Messias.

Essas bênçãos são materiais, tendo a ver com a formação do povo e seu sucesso como nação. O mesmo já havia ocorrido desde o início, com o chamado de Abraão. A serva de Sarai recebe a promessa de grande descendência: “Eu multiplicarei grandemente a tua descendência de tal modo que não se poderá contá-la.” (Gn 16,9)

No entanto, a Aliança seria feita por meio de Isaac, e não do filho de Agar, Ismael. O Senhor diz a Abraão: “Não, mas tua mulher Sara te dará um filho: tu o chamarás Isaac; estabelecerei minha aliança com ele, como uma aliança perpétua, com sua descendência depois dele.” (Gn 17,19) E Ismael recebe também uma bênção: “Em favor de Ismael também, eu te ouvi: eu o abençôo, o tornarei fecundo, o farei crescer extremamente; gerará doze príncipes e dele farei uma grande nação.” E Ismael foi circuncidado, junto com seu pai Abraão. (v. 26)

Dessa forma, entende-se que a Aliança tem como fim a salvação de um povo que irá aderir a Deus por meio da fé e não por meio de obras, ou por laços de sangue. Deus está formando um novo modo de entrar na Sua comunhão. Ele não está passando por uns e os deixando de lado, ao passo que escolhendo outros para Si. Na verdade, Ele está estabelecendo para todos um caminho diferente daquele que o homem imagina.

Em Jacó e Esaú as duas nações foram divididas, e a última não teve as bênçãos que também seriam perdidas pelos edomitas, não fosse a prece de Abraão. Mas, não tem essa situação a ver com a salvação dos povos em questão nem em particular de seus indivíduos.

Então, São Paulo mostra o exemplo do Faraó, em quem Deus mostrou Seu poder, para que o Seu Nome fosse celebrado. Depois, usa o exemplo através das palavras: “farei misericórdia a quem fizer misericórdia e terei piedade de quem tiver piedade”. (Rm 9, 15) E: “De modo que ele faz misericórdia a quem quer e endurece a quem quer.” (v. 18)

Daí nascem os vasos para uso nobre e os vasos da ira. Essa separação tem feito muitos refletir a partir dela sem olhar o contexto inteiro, não só do capitulo 9, mas também dos capítulos 10 e 11. Em primeiro lugar, um oleiro faz vasos para diversos usos, mas nenhum deles é feito para ser destruído, nem para ser descartado. Quem seria louco o suficiente para trabalhar diligentemente em uma obra destinada a ser destruída assim que terminasse de ser produzida? Os vasos recebem diferentes atribuições, diferentes tratamentos, mas a sua produção não é para serem quebrados, mas para servir a algum fim.

Dessa forma, Deus como o oleiro não fez alguém para ser reprovado, mas usa seus vasos para diferentes fins. Deus dá ao homem liberdade para agir por diferentes meios, e andar em diversos caminhos. Somente assim entende-se a paciente espera de Deus para agir em juízo contra esses vasos da ira. Todos são feitos por Deus, mas uns estão como vasos de uso nobre, e outros como vasos de perdição.

Mas, algumas palavras tendem a descobrir, ou melhor, tirar o véu para a compreensão do assunto que está sendo desenvolvido. O verso 22 fala que Deus “suportou com muita longanimidade”, ou seja, suporta pacientemente, “os vasos de ira, prontos para perdição”. Essa atitude de Deus coloca Sua ação fora do âmbito do primeiro endurecimento, já que Ele “suporta” o que já estão endurecidos. A ação de Deus está sobreposta a essa primeira atitude do homem.

É verdade que os vasos do oleiro são obras suas. Contudo, o Senhor usa dessa comparação para mostrar que há entre Sua obra aqueles que serão como os vasos da eleição e outros como os vasos da ira. Assim, os vasos da misericórdia são todos os que são convertidos, tanto entre judeus como entre os gentios, assim como está no verso 24.

Para lembrar daquela distinção do início, de que entre o Povo inteiro segundo a carne há um Povo segundo a eleição da graça, isso é reafirmado no verso 29: “E ainda como Isaías havia predito: “Se o Senhor dos Exércitos, não nos tivesse preservado um germe, teríamos ficado como Sodoma, teríamos ficado como Gomorra. Deus faz assim para não ter o Povo inteiro em queda. Assim, a ação de Deus segundo o Seu santo beneplácito é sempre para salvar. O juízo não é o seu desejo primordial, mas a consequência da resposta do homem.

Deus está revelando que a Sua promessa irá ser cumprida. Ela foi feita desde Abraão, passando por Isaac e por Jacó, e assim para sempre. Ismael e Esaú ficaram fora dessa eleição, não para serem condenados, mas porque não quis Deus que fosse assim, ou seja, que todos os descendentes físicos do patriarca Abraão estivessem destinados à formação do Povo eleito, mas somente aquela parte que viria pela promessa. Deus faz o que quer, e Suas obras são santíssimas. E o faz assim para incluir outros, ou seja, todas as nações, nesse plano que iniciou com o Povo Eleito.

Essa semente da promessa, também, inclusive, tem a parte relativa à carne, pois Isaac é filho legítimo e descendente físico de Abraão. Mas não só isso. É por ele que os demais descendentes terão parte no povo pela promessa da qual esse descendente igualmente natural veio a existir. Não é por ser descendente por meio de Isaac que alguém pode fazer parte do preservado germe, mas pela promessa que tocou a ele.

Entendido isso, leiamos o versos 30 a 32: “(30)Que diremos, então? Que os gentios, sem procurar a justiça, alcançaram justiça, isto é, a justiça da fé, (31) ao passo que Israel, procurando uma lei de justiça, não conseguiu esta Lei. (32) E por quê? Porque não a procurou pela fé, mas como se a conseguisse pelas obras. Esbarraram na pedra de tropeço.
 
Dessa forma, explica-se o modo pelo qual devemos atingir a justiça, e encontrá-la: por meio da fé. Israel como povo não procurou dessa forma, e isso fez com que as nações pudessem cumprir o que Israel não pode fazer.

De quem fala São Paulo? Do Povo de Israel inteiro ou dos eleitos nele? Para responder isso, continue a leitura no capítulo 10.

Em primeiro lugar, não se pode falar tão absolutamente de alguns eleitos dentre o povo, como se tal estivesse fechado à inclusão de outros, já que a promessa é aberta a todos, e o germe preservado no presente tem como fim manter a promessa, visando à conversão da inteira nação.

De fato, São Paulo deseja que sejam salvos, e afirma que eles têm um zelo não esclarecido, não conhecendo a justiça de Deus, mas procurando estabelecer a própria. (vv. 1-3) Isso é o mesmo que está em Rm 9, 32, que apontou a pedra de tropeço, e em 10, 11 afirma: “Com efeito, a Escritura diz: “Quem nele crê não será confundido.

Está tratando de Israel, que não creu no Cristo, o Messias, e que esbarrou na pedra de tropeço, que tem esperança de que sejam salvos, que eles tem zelo por Deus, “mas não é zelo esclarecido”, que não conhecem a justiça de Deus, mas estabelecem a própria.

Qualquer um, lendo esse texto de forma isolada poderia concluir que está falando de Israel que está fora da eleição, não tendo como ser salvo. Pois, que proveito teria o grande esforço espiritual para salvar a esses, como São Paulo mostra em Romanos 9, 1-3 e 10,1-3, se esses já fosse do número preparado para a salvação?

Ainda, se esses israelitas estivessem fora do descendente eleito, não haveria porque ter esperança de que fossem salvos.

Desse modo, o assunto é um tanto diferente do que se pode extrair dessas duas hipóteses acima.

A Bíblia afirma que Israel ouviu a pregação do Evangelho, e que não obedeceu. (vv. 15-19) Esse é o texto que prepara para entender a natureza desse endurecimento e qual o objetivo dele.

De fato, em Romanos 11,1 é mostrando novamente que Deus não rejeitou Israel. É o mesmo Israel descrito acima, na mesma situação espiritual.

São Paulo faz a distinção entre o Israel que ainda está endurecido e o Israel que já encontrou a salvação, afirmando que ele também é israelita, descendente de Abraão. Assim, o assunto tem a ver com o Israel natural, e sua salvação.

Com isso, novamente temos o assunto da eleição de um grupo, no verso 4, que será preservado entre os judeus. É “o resto segundo a eleição da graça”.

Como vemos, foi mostrada a situação de Israel e das nações. E agora chega-se ao remanescente judaico.

Em Romanos 11,7 está escrito: “E se é por graça, não é pelas obras; do contrário, a graça não é mais graça.

E no verso 8: “Que concluir? Aquilo a que tanto aspira, Israel não conseguiu: conseguiram-no, porém, os escolhidos. E os demais ficaram endurecidos.

Está vendo? Aqui há a comparação entre Israel como povo inteiro, e os escolhidos israelitas. O primeiro, o Povo de Israel, não conseguiu encontrar a graça, e o segundo grupo, “os escolhidos” conseguiram. Assim, o Israel permaneceu no endurecimento. Alguém, dirá: então, tem-se aí os eleitos e os que estão fora da eleição. Não.

Leiamos o verso 9: “Como está escrito: Deus-lhes Deus um espírito de torpor, olhos para não verem, ouvidos para não ouvirem, até o dia de hoje.” E o verso 11: “Então, pergunto: teriam eles tropeçado para cair? De modo algum.

A totalidade de Israel foi endurecida apenas para provocar o ciúme do povo, e tornar possível a entrada das nações na Aliança com Deus. Isso está escrito nos versos 11 a 15.

E Romanos 11,14 é muito instrutivo nessa questão: “na esperança de provocar o ciúme dos de meu sangue e de salvar alguns deles.”

São Paulo está tratando daqueles que, dentre os judeus ainda não convertidos, que estão endurecidos, e mostra que há esperança de salvação.

A partir daí, usa sempre o condicional: “se perseverares na bondade”, para os que já estão enxertados na Oliveira, e “se não permanecerem na incredulidade”, dos que estão longe da fé, e que fazem parte do povo judeu, podendo ser novamente colocado na Aliança de salvação, enxertados na Oliveira novamente.

Por isso, o verso 28 afirma que os dons e o chamado são irrevogáveis, referindo-se ao Povo de Israel.

De tudo o que foi mostrado na Palavra de Deus, nesses capítulo 9, 10 e 11 da Epístola aos Romanos, no que se refere à salvação, temos alguns ensinos, como:

1) O Povo de Israel continua no plano de Deus.

2) Que parte de Israel foi endurecida, por não receber o Messias Jesus nosso Senhor, e para que os gentios fossem salvos.

3) Que há uma parte eleita pela eleição da graça, como no tempo do profeta Elias Deus preparou 7.000 homens que não dobraram o joelho a Baal. Essa parte recebe o Evangelho agora.

4) Que a parte endurecida agora, irá no fim receber o Evangelho, pois agora são inimigos por causa do Evangelho, mas amados por causa da Eleição. Está tratando do povo de Israel em geral.

5) Os pagãos foram desobedientes, em geral, e agora encontram misericórdia, enquanto que os judeus, em geral, estão na desobediência graças à misericórdia de Deus para com os gentios, para que os judeus “também obtenham misericórdia no tempo presente”, que é o tempo até a vinda de Jesus.

6) Todos foram encerrados por Deus em desobediência, para fazer misericórdia com todos. (Rm 11,32).

Assim, Deus endurece aqueles que rejeitam o Evangelho, mas que isso tem como fim salvar e não condenar. Se alguns são condenados é porque não acolheram e foram desobedientes ao Evangelho.
 
Gledson Meireles.

sábado, 22 de abril de 2017

Santo Irineu e a unidade da Igreja Católica

A Igreja prega uma fé. As Igrejas na Alemanha, na Espanha, na Gália, no Oriente, no Egito, na Líbia, e nas regiões centrais do mundo, não ensinam coisas diferentes. São exemplos citados por Santo Irineu.

Ninguém pode mudar a fé. Mas, alguma coisa pode diferir, conforme mostra o apologista, e como exemplo afirma que um pode trazer mais claramente o significado de coisas expressas em uma parábola, do que outro, e acomodar o significado à doutrina geral. A Igreja Católica possuí uma fé em todo o mundo, afirma Santo Irineu.

(cf. Contra as Heresias, Livro I, cap. 10, 3)

Gledson Meireles.

sexta-feira, 14 de abril de 2017

A doutrina da Igreja na teologia reformada

A Igreja católica ou universal, a qual é invisível, consiste do inteiro número dos eleitos”, e “A Igreja visível, a qual é também católica ou universal sob o evangelho”, consiste daqueles que professam a verdadeira religião, e seus filhos, “fora da qual não há possibilidade ordinária de salvação”. (Confissão de Fé de Westminster, capítulo 25, I e II)

No item 4, afirma que a Igreja visível é às vezes mais ou menos visível, mais ou menos pura. No item 5 afirma que as igrejas mais puras estão sujeitas a erro nelas, mas sempre haverá uma Igreja na terra adorando segundo a vontade de Deus, e que Cristo é a única cabeça da Igreja, e que afirma que o papa não pode ser cabeça “em nenhum sentido”, mas que é o Anticristo. Essa doutrina da Igreja entre os protestantes é geralmente aceita, e é explicada pelos teólogos protestantes conforme será mostrado adiante.

Charles Hodge, teólogo reformado, na sua Teologia Sistemática, volume 2, trata da Igreja sob o título do “Reino Espiritual de Cristo”. Ele afirma que esse possui dois aspectos, pelos quais é expresso, incluindo a relação de Cristo com Seu povo de forma individual e coletiva, que é a Igreja invisível, e as relações com a Igreja visível, definida como “corpo do povo que professa”.

O texto sagrado de João 3,5 é citado como expressando as exigências de pertencimento ao reino como fé e arrependimento. Também é referida a conversão, como outra forma de expressar a mesma realidade, citando Mateus 18,3, e a pureza de vida em 1 Cor 6,9, e ao fim Gl 5,19-21. Não sendo a profissão externa garantia de pertencimento ao reino espiritual, ou à igreja invisível, afirma que a igreja é composta somente do verdadeiramente e interiormente povo de Cristo. 1 Pedro 3,21 é citado entre os textos que ensinam não ser as cerimônias externas garantidoras da salvação.

Passando a expor a Igreja visível, sob o título do “Reino visível de Cristo”, afirma que a religião é essencialmente espiritual, e assim o reino de Cristo é invisível, exceto ao ponto de que é necessário que esse tenha “manifestações visíveis”. Os cristãos precisam reunir-se para adorar, admitir e excluir membros, administrar os sacramentos, para manter e propagar a verdade. E assim, eles formam igrejas. Essas igrejas são compostas por todos os que professam a verdadeira religião.

Afirma que o “reino de Cristo é católico ou universal”. Sobre a organização diz que nem as igrejas apostólicas eram todas organizadas da mesma forma. Um exemplo é a presença fixa de um apóstolo, como em Jerusalém, em comparação com outras comunidades que não dispunham de um apóstolo vivendo entre elas, o que configuraria uma organização diversa. Umas tinham diaconisas, outras não. Disso, afirma que as igrejas sentiram liberdade para organizar, que a organização é livre, indiferente.

Começando pelas imposições dos judaizantes, por exemplo, afirma que tiveram que resistir, da mesma forma que durante os séculos resistem às coisas intoleráveis impostas por papas, concílios, etc. Então, mostra os termos de admissão na Igreja, que concordam com os termos espirituais que Cristo exige. O segundo ponto é a intolerância com a heresia, e que hereges e escandalosos devem ser excomungados.

Portanto, a doutrina sobre a Igreja, como é ensinada no Protestantismo, enfatiza os termos Igreja visível e Igreja invisível, e a distinção foi proclamada por Lutero, e por outros reformadores protestantes. Berkof, outro renomado teólogo reformado, afirma: “Nem sempre se entendeu bem esta distinção.”

Essa distinção refere-se não a duas igrejas, mas dois aspectos dela, confirmando o fato de haver uma única Igreja. Se o termo invisível é referente aos santos do céu, então é o mesmo que a Igreja triunfante, se refere-se à Igreja no fim dos tempos, inteira, completa dos salvos, então significa a Igreja que estará com o Cordeiro no último dia: todos os santos. Se é à Igreja espalhada no mundo, que não é possível vê-la reunida em um só lugar e contemplá-la, então tem-se o que a Bíblia apresenta, se é a Igreja perseguida, que está escondida aos olhos do mundo, para manter-se viva e anunciando a salvação, tem-se um aspecto que não encontra-se na Bíblia com o termo ou o conceito.

Mas, o que está sob o termo “invisível” não é relativo à Igreja triunfante. Essa é incluída na Igreja invisível também, como Berkhof afirma. Essa distinção é sobre a Igreja na terra, a Igreja militante. Berkhof diz: “Em geral, é feita essa aplicação na teologia reformada (calvinista).”. A Igreja é visível e invisível. O que isso quer dizer do ponto de vista reformado? O invisível identifica o espiritual, em conceito, não pelos olhos, já que não é possível ver o invisível, “e porque é impossível determinar infalivelmente quem não lhe pertence”, afirma Berkhof.

Somente quem foi regenerado, convertido, teve fé verdadeira e comunhão com Cristo é membro da Igreja, que é invisível por ser espiritual. Então, diz Berkhof: “Que o termo “invisível” deve ser entendido neste sentido, vê-se pela origem histórica da distinção entre a igreja visível e a invisível na época da Reforma”.

O objetivo de salientar essa doutrina é refutar a doutrina que explica a Igreja em seu aspecto externo, como instituição, representada pela hierarquia, que distribui os dons espirituais, colocando-se como “sacerdócio mediatário humano”. A Igreja seria o corpo espiritual de Jesus Cristo, de caráter invisível, encarnada de forma “relativa e imperfeita na igreja visível”, sendo perfeitamente encarnada de forma visível no final dos tempos.

Mas, continua Berkhof: “Naturalmente, a igreja invisível assume uma forma visível.” A Igreja invisível está na igreja visível, pela qual se expressa. Como ela é visível? “A igreja é visível na profissão de fé e conduta cristã, no ministério da Palavra e dos sacramentos, e na organização externa e seu governo.” Para entender essa doutrina, é indicada a Confissão de Westminster, que foi comentada no início.

Agora, há outra distinção importante na doutrina Reformada: a Igreja como organismo e a Igreja como instituição. Afirma Berkhof: “Não se deve identificar esta distinção com a imediatamente anterior, como às vezes se faz.” Essa parte toca a exterioridade da igreja, tendo a ver com a igreja visível, como corpo visível.

Isso significa que a Igreja não é somente visível em seus ofícios, mas que a vida dos fieis, o seu testemunho público, em todas as partes, é a visibilidade da Igreja. Essas duas características estão fundadas na Igreja invisível. A Igreja instituição tem como fim formar a Igreja organismo.

A respeito da doutrina católica diz: “Comumente, os católicos romanos reconhecem como igreja apenas a ecclesia organizada hierarquicamente.” E ainda: “E quando os Reformadores romperam em Roma, não negaram a unidade da igreja visível, mas, antes, a sustentaram.


Vejamos agora como o teólogo apresenta a doutrina católica sobre a Igreja. Na introdução do seu estudo da Igreja, afirma da doutrina católica: “Não é Cristo que nos leva à igreja, mas a igreja que nos leva a Cristo”. Sobre a Igreja como communio fidelium ou communio sanctorum “comunhão dos fieis” ou “comunhão dos santos” afirma que a ênfase católica é a Igreja como mater fidelium “mãe dos fieis”, conceito que os reformadores romperam, para introduzir a ênfase da Igreja como organismo espiritual, “como outrora fora feito”. Por isso, na doutrina reformada, o lugar da igreja é minimizado, como mostra Berkhof.
 

A parte em que trata da Igreja na história, antes da Reforma Protestante, afirma: “O surgimento de heresias tornou imperativa a enumeração de algumas características pelas quais se conhecesse a verdadeira igreja católica.”.

Porque as heresias asssolavam, tinha-se a ênfase na Igreja como instituição externa, afirma Berkhof, que recebeu atenção e começou a ser assim concebida: “A catolicidade da igreja recebeu forte ênfase. As igrejas locais não eram consideradas como unidades separadas, mas simplesmente como partes componentes da igreja universal uma e única.[1]

Mostrando a doutrina de São Cipriano e de Santo Agostinho, afirma: “A igreja verdadeira é a igreja católica, na qual a autoridade apostólica tem continuidade mediante a sucessão episcopal.[2].

Afirma que na Idade Média a doutrina da Igreja como comunhão dos santos ficou adormecida. E falando de Hugo de São Vítor, afirma que ensinava: “O rei ou imperador é o chefe do estado, mas o papa é o chefe da igreja.”.

A doutrina da Igreja sofreu bastante na época da reforma, entre os protestantes, como igualmente ocorreu no século 18.

Apresentando a doutrina católica, o teólogo afirma: “No sentido estrito da palavra, não é a ecclesia audiens que constitui a igreja, mas, sim, a ecclesia docens.

A respeito da catolicidade da Igreja, afirma Berkhof: “Não é fácil indicar com precisão onde se acha esta igreja católica visível”.

Quando trata das marcas da Igreja em geral, ensina o teólogo protestante: “Sentia-se pouca necessidade destas marcas quando a igreja era claramente uma só.[3]

E mais: “A consciência desta necessidade já estava presente na Igreja Primitiva (...)”.

E mais adiante, vem uma afirmação que coroa o entendimento protestante sobre a Igreja: “Nesse tempo, a única igreja existente não só foi dividida em duas grandes partes, mas o próprio protestantismo se dividiu em diversas igrejas e seitas.”.[4]

Entre os reformados, os teólogos Beza, Alsted, Amesius, Heidanus, Maresius, falavam de uma marca da Igreja: a pregação da sã doutrina, enquanto outros, como Calvino, Bullinger, Zanchius, Junius, Gomarus, Mastricht, e Marck afirmavam além disso a administração correta dos sacramentos, e outros, a saber, Hyperius, Martyr, Ursinus, Trelcatius, Heidegger, Wendelinus “o fiel exercício da disciplina”. Berkhof analisa tudo isso, e chamando a primeira marca “por excelência da igreja”, confirma as três marcas.
 
Gledson Meireles.



[1] O estudo já publicado no blog em várias partes, ainda não concluído, para a identificação da Igreja, mostra isso de maneira clara.


[2] O teólogo esqueceu-se de mostrar mais. São Cipriano ensinava a necessidade de unidade, de responsabilidade de toda a Igreja, e mais em cada cátedra episcopal, em prol da unidade universal. Para isso, mostra que o modelo deixado por Cristo, como está no evangelho de Mateus 16,18, onde o Senhor inicia a unidade a partir de um: Pedro. Assim, enquanto todos os apóstolos são iguais em honra a poder, a unidade tem início em um só dos apóstolos. O princípio do papado, que é de origem divina, por estar nas Escrituras, não poderia ser mais claramente estabelecido.


[3] Que a Igreja é uma só, e de fato era assim no tempo apostólico, e fato claro mostrado nos artigos: Identificando a Igreja.


[4] As heresias que existiam não quebraram a Igreja, que foi dividida assim em 1054, e mais tarde em 1517. Ainda assim, a Igreja Católica original permanece em seu posto e possui unidade. Para isso, o artigo pode ajudar: http://heresiasrefutadas.blogspot.com.br/2017/04/a-igreja-catolica-romana-e-una.html.

 
 
 

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Igreja Católica e sociedade ocidental

No livro História: uma abordagem integrada, estão os seguintes dados:
 
"Com o fim do Império Romano, a Igreja assumiu o papel das instituições públicas: eram os padres que educavam, arbitravam as questões legais, informavam, orientavam a economia, enfim, conduziam a vida social."
 
"Com o fim do Império Romano, a Igreja Católica assumiu o papel das instituições públicas, educando as pessoas, arbitrando as questões legais e orientando a economia."
 
Sobre o cisma grego de 1054:
 
"As divergências a respeito das questões doutrinais já haviam causado o Cisma do Oriente, a primeira ruptura do cristianismo, ocorrido em 1054, que resultou na criação da Igreja Cristã Ortodoxa Grega."
 
 
(PETTA, Nicolina Luiza de., OJEDA, Eduardo Aparício Baez e DELFINI, Luciano. História: uma abordagem integrada, 1ª edição, vol. único, Editora Moderna, 2005, pp. 45 e 67)

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Identificando a Igreja: tempo dos papas Zeferino e Calisto I

Para refutar certas doutrinas ensinadas pelo ex-sacerdote católico Aníbal Reis, em seu livro Cristo sim, padre, não, no capítulo IX, e identificar a Igreja no final do segundo século e início do terceiro, segue o presente artigo. Aníbal Reis afirma que os cristãos “autênticos” chamavam o Catolicismo Romano de “Igreja da Hierarquia”.
 
Alude a uma lenta gestação, mencionando a política, e mais outros aspectos, a começar pelas reminiscências dos judaizantes ou legalistas, ao incluir as obras na salvação.
Fala de “verdadeiras origens do Catolicismo Romano, argamassado sem sua hierarquia eclesiástica prepotente”.
Cita palavras de Hipólito contra Zeferino e Calisto, os papas da época. Zeferino esteve no episcopado de 203 a 220, e Calixto de 221 a 227. A partir das palavras de Hipólito, o autor apresenta uma biografia nada edificante de Calixto, com frases como: “futuro bispo de Roma, futuro santo do romanismo”, mas de Hipólito, que por essas passagens não adula Calixto, e que é o motivo-mor de seu uso por Aníbal, fala de um mártir. (p. 85)
Aníbal faz a distinção, em começo do século 3, pelos anos de 203 a 227, como mencionado acima, entre supostos cristãos “verdadeiros”, sofrendo perseguições e martírio, porém os coloca do lado oposto ao que Zeferino, Calixto e a mencionada concubina do imperador, Márcia, estavam.
Esses supostos verdadeiros “cristãos” estavam escondidos, isolados em vilarejos e subúrbios, bem distantes da capital, e os sacerdotes “apóstatas”, na tese do ex-padre, eram Zeferino e Calixto. Ele não nomeia os cristãos que chama “verdadeiros”, nem os localiza precisamente, nem mostra quem são, mas aponta o dedo para os papas, e os desqualifica.
Contrariamente aos apologistas protestantes atuais, em crescente número, Aníbal chama de Catolicismo Romano a Igreja representada pelo papa Calixto. A fonte de todo ataque até aqui descrito é a obra de Santo Hipólito de Roma.
Aníbal Reis denigre o concílio de Niceia, reputando-o como pernicioso, chama Constantino de “Supremo chefe do Catolicismo”, e lembra o fato do bispo Eusébio, amigo do imperador, estar do lado do arianismo.
Do grande Santo Tomás, chama-o de copista do pagão Aristóteles, e que transformara “a religião em jogo de dialética.” É um salto de séculos esse comentário, pois dos tempos de Hipólito e Constantino, séculos 2 ao 4, pula repentinamente ao décimo terceiro para atacar um dos maiores teólogos da Igreja.
Mas, em toda essa teia de considerações, afirma estar ainda dentro da “longa gestação” do Catolicismo.
Outra acusação é que a Igreja teria feito da Bíblia um livro de segunda categoria, dando aos escritores filósofos maior valor. (cf. p. 88)
Nega o consenso dos padres, afirmando que não existe “nenhum consenso” entre eles.
A terceira parte criticada seria deturpação da eclesiologia, da democracia cristã primitiva, da unidade por laços da comunhão dos santos.
Até a palavra sacramento é desvalorizada como “pagã”. O purgatório é ligado, pelo autor, à metempsicose. A missa é chamada de crime e invenção diabólica, e tida como “repetição” do sacrifício de Cristo. Esse erro, transmitido por um ex-padre, é um dos sintomas que o levaram para fora da Igreja, por não entender, nem ter nunca entendido talvez, o sentido da celebração da missa, que tanto celebrava. Nenhum desses tópicos será tratado no presente artigo, que tem apenas objetivo de uma refutação mais geral.
Ao citar tantas características secundárias da Igreja, chama tudo isso de “petulância e empáfia dos homens”. E, segundo o autor, os teólogos católicos admitem que não há semelhança do sacerdócio até o século 3 com o atual, “nos moldes da seita católica”, como escreve.
Tentando refutar o texto do cardeal-arcebispo  do Rio de Janeiro, D. Jaime Câmara, “Apontamentos de História Eclesiástica”, interpreta Tito 1,5 como provando duas esferas eclesiásticas de governo, bispos e diáconos, apenas pelo fato de que presbítero e bispo também são termos idênticos.
Contudo, o que está no texto de Tito 1,5 é que São Paulo, apóstolo, envia São Tito como responsável para ordenar presbíteros, por meio de certos critérios, o que coloca Tito em posição superior aos que ele vai ordenar.
Tito porá “em ordem as cousas restantes” e constituirá presbíteros ou bispos. Dessa forma, o bispo ou presbítero Tito tem a incumbência de constituir outros cristãos presbíteros ou bispos, que estão sob sua autoridade. A função de Tito tem um grau maior que a do grupo de presbítero que ele governa. Essa é a realidade que escapou na análise de Aníbal, que não meditou bem as Escrituras, e não entendeu a verdade que transcende os próprios termos.
O mesmo no texto de 1ª Tm 5,19 comentado pelo autor, com fins de refutação, o qual apenas afirma que esse tinha o objeto de evitar “mexericos”, e que: “Nem por isso representava que Timóteo fosse superior hierarquicamente aos demais presbíteros.” (p. 93)
São Timóteo é constituído por São Paulo para tomar conta daquela Igreja, e tem a incumbência, e autoridade, de julgar os próprios presbíteros, a partir de denúncia, obedecendo critérios justos apresentados. A posição superior de Timóteo sobre o grupo de presbíteros é evidente. Ele é quem pode aceitar denúncias de cristãos relativas a algum presbítero, e instaurar processo. O contexto da epístola mostra isso claramente.
E, ao fim do capítulo em apreço, cita Hipólito mostrando “a imagem de um clero hierarquizado por “ordenações sacramentais”.” (aspas no original). (p. 94)
O texto é bastante contrário a tudo o que ensina a Igreja Católica, tem um tom radical, de um anti-catolicismo peculiar, extremo, mais incisivo do que há nos artigos atuais.
Ele ensina nesse capítulo, que o Catolicismo formou-se a partir da doutrina dos judaizantes, das suas reminiscências, possui sacerdotalismo apóstata, baseado no sacerdócio levítico e pagão, usa termos pagãos como “sacramento”, inclui as obras na salvação, usurpa o poder, é protegido por imperador pagão ignorante das coisas cristãs, enquanto os “verdadeiros cristãos” são perseguidos, relega a Bíblia a um segundo plano, como livro incompleto, ensina filosofia, e hierarquiza de forma diferente da Bíblia, com vocabulário diferente do Novo Testamento. Tudo isso está no livro Cristo Sim, Padre Não, no capítulo: Três aspectos da apostasia católica romana.
 
Identificando a verdadeira Igreja
Eusébio de Cesareia, historiador da Igreja no século 4, apresenta a heresia de Artemon, no livro 5, capítulo 38, página 197, da História Eclesiástica. Ele afirma que Paulo de Samósata, que foi bispo, tentou implantar novamente essa heresia no seu tempo.
Um dos artigos ensinados pela heresia era que “Cristo é mero homem”. Os hereges afirmavam que essa doutrina era antiga, que os “homens primitivos e os próprios apóstolos receberam e ensinaram essas coisas”.
Outra coisa que diziam, é que essa doutrina teria durado até o papa Vítor, “que foi o décimo terceiro bispo de Roma desde Pedro”. Essa citação de Eusébio é mais uma fonte que prova a sucessão apostólica em Roma, a começar pelo apóstolo Pedro. Os hereges queriam traçar sua doutrina até os apóstolos, e diziam que após o pontificado de Vítor sua doutrina foi perdida.
Mas, veja o que Eusébio afirma: “E talvez o que dizem pudesse ser fidedigno, caso não fosse contradito pelas Santas Escrituras; e depois, também, há obras, de certos irmãos anteriores à época de Vítor que escreveram em defesa da verdade e contra as heresias então prevalecente”.
Eusébio mostra que a alegação dos hereges não tem fundamento, porque a (1) Bíblia não apoia sua heresia, e nem os (2) escritos antes do papa Vítor. Isso mostra que, se a heresia fosse encontrada na sede de Roma, como os hereges alegavam estar sua doutrina defendida, mesmo que por um período apenas, as Escrituras atestariam ("talvez o que dizem pudesse ser fidedigno, caso não fosse contradito pelas Santas Escrituras"), e isso já bastava para demolir o que pretendia ficar estabelecido. Ou seja, se a doutrina está presente na Igreja desde os apóstolos, as Escrituras estarão de acordo, e fornecerão fundamento.

Mas, além disso, havia obras escritas antes do tempo que apresentaram, e que mostram que a alegação é gratuita. Eusébio apresenta, para refutar a heresia, a Escritura e a Tradição. A Escritura como fundamento primeiro, é apresentada como em harmonia ao que é tradicional, ao que é ensinado desde o tempo apostólico, pelo qual a heresia já pode ser desbancada, e a Tradição, que felizmente havia tratado daquele assunto, também é mencionada, pois essa confirma o que a Escritura ensina.
Eusébio, então, cita Justo, Miltíades, Taciano e Clemente, todos defensores da divindade de Cristo. Os hereges que a negavam não tinham predecessores, que queriam. Cita também Irineu e Melito, que ensinam que Jesus é Deus e homem. Até os salmos e hinos “escritos pelos irmãos desde o início” ensinam a divindade de Jesus Cristo.
Nesse passo, Eusébio questiona: “Como, então, poderia acontecer que aqueles até a época de Vítor tivessem pregado o evangelho dessa maneira, tendo sido a doutrina da Igreja proclamada por tantos anos?
É possível, ver com facilidade, que os hereges pretendiam uma antiguidade para sua doutrina, com raízes no tempo dos apóstolos, e ensinada desde o ministério de Pedro.

Muitos hoje, que negam a divindade de Jesus, procuram basear-se nos mesmos argumentos, uma vez que dizem ser sua doutrina a mesma da Bíblia. Eles apresentam suas intepretações, que contrariam a fé da Igreja, como Eusébio diz, contrariam todas as obras dos cristãos durante os séculos, todos os concílios, e etc., mas ainda não deixam de ensinar heresia por ter juízo particular sobre suas próprias interpretações das Escrituras contra a posição da Igreja Católica.
Depois, Eusébio cita o fato de Vítor ter excomungado Teódoto pela heresia de negar a divindade de Cristo. De fato, os hereges sempre usam a Sagrada Escritura para tentar uma aprovação de sua doutrina pela Igreja. Eles “adulteram a simplicidade daquela fé contida nas Sagradas Escrituras”. (p. 199)
O rigor para permitir a volta de hereges à Igreja era bastante acentuado, como mostra Eusébio ser o caso no exemplo que lembra do papa Zeferino, que após muita dificuldade recebeu um herege arrependido.
Há, ainda, outra característica que os hereges possuem. Eusébio afirma que se alguém comparar suas obras, poderá ver que há “grande variações entre eles.” Depois de argumentar com essas e outras coisas, Eusébio os considera demoníacos.
A esse momento já pode-se ver que a linhagem apostólica da Igreja em Roma inicia-se com o apóstolo Pedro, e que até o tempo de Vítor foram sucedidos 13 papas, “desde Pedro”, ou seja, depois de Pedro, e assim Vítor é o décimo quarto a contar com o apóstolo.
Essa é a forma de contar de Eusébio, que já mostrou isso no Livro III, capítulo IV: “Quanto a Lino, mencionado em sua segunda epístola a Timóteo como seu companheiro em Roma, já se declarou ter sido o primeiro depois de Pedro a obter o episcopado de Roma.”.
Para esclarecer mais: o historiador Eusébio considera o estabelecimento e liderança da Igreja, em primeiro lugar, que foi realizado por Pedro, e depois a elevação do bispo da igreja daquela cidade após Pedro na pessoa de Lino. Por isso, Lino é chamado o primeiro, não por ter sido o primeiro a liderar ali, mas o primeiro que recebeu o episcopado do apóstolo Pedro. Contanto assim, Pedro é o primeiro bispo ou papa de Roma, e Lino é o segundo bispo ou papa, e assim por diante.
Pelo que podemos ver, na História Eclesiástica, Eusébio mostra que a Bíblia é a regra de fé conforme a interpretação desde os apóstolos, confirmada na Igreja, pelos escritos legítimos que mostram a doutrina sempre ensinada, o que inclui a tradição com igualdade de valor.
Os papas Zeferino (14º) e Calixto (15º) após Pedro (1º), são mostrados como aqueles que estão na linhagem dos que ensinam a verdadeira doutrina, como essa em questão aqui: a divindade de Cristo.
Para melhor aproximação dos fatos, e identificação da Igreja, continuemos com alguns esclarecimentos. Estamos nos anos 203 a 227. A partir do ano 150, surgiram, e floresceram, heresias de maior magnitude: os gnósticos (esses já existiam em várias modalidades no primeiro século), os marcionitas, os montanistas, os monarquianos.(Conforme dados de FRANGIOTTI, Roque. História das Heresias: conflitos ideológicos dentro do Cristianismo, ed. Paulus, São Paulo, 2016.)
A heresia de Noeto, que afirmava a identidade do Pai e do Filho, foi levada a Roma por Práxeas, um cristão confessor. Tertuliano refutou Práxeas. O primeiro já era adepto do Montanismo, que Práxeas atacava, mas correto na doutrina da Trindade, que era negada por Práxeas.
Sabélio tentou implantar também em Roma a doutrina negadora de Cristo Deus. Mas, foi excomungado pelo papa Calixto. Hipólito fez duras críticas ao papa Calixto antes que isso ocorresse, chegando a tornar-se líder, colocando-se contra o papa, sendo assim o primeiro antipapa. Depois, volta à unidade católica.
Esses fatos mostram que, havia cristãos que caíram em heresias, negando a divindade de Jesus, e esses estavam agindo contra as autoridades de seu tempo, que eram os papas Zeferino, e depois Calixto. Dessa forma, os ataques de Hipólito devem ser lidos como provenientes de um homem tomado de zelo e escrito em momentos de desilusão com as atitudes do papa. Tanto Hipólito quanto Calixto morreram mártires.
A doutrina do papa Calixto, que defendida a divindade de Cristo, depõe a favor da sua ortodoxia, e revela que os inimigos é que estavam fora da unidade de fé da Igreja. Tertuliano havia sido católico, caiu na heresia do montanismo, mas continuava correto na doutrina da trindade e tantas outras. Seu maior erro foi o rigorismo daquela seita. Com isso, identifica-se em que lado está representada a Igreja Católica, pelos anos de 190-227: do lado dos papas Vítor, Zeferino e Calixto, e não com Noeto, ou Práxeas, nem com os sabelianos.
Gledson Meireles.
 



 

segunda-feira, 3 de abril de 2017

A Igreja Católica Romana é una

Em primeiro lugar será apresentado o conceito de unicidade da Igreja, segundo a doutrina bíblica condensada no Catecismo da Igreja Católica, que é o texto explicativo oficial, por meio do qual se pode compreender a doutrina cristã.

 “Esta é a única Igreja de Cristo que no Símbolo confessamos una, santa, católica e apostólica”, afirma o Catecismo citando a Lumen Gentium 8. O texto é do artigo 9, que tem como título: “Creio na santa Igreja Católica”, parágrafo 3, onde se lê: “A Igreja é Una, Santa, Católica e Apostólica”. (CIC, n. 811)
Desses atributos somente o da unidade ou unicidade será tratado no presente artigo. O Catecismo continua: “A Igreja é una pela sua fonte: Deste mistério, o modelo supremo e o princípio é a unidade de um só Deus na Trindade de Pessoas, Pai e Filho no Espírito Santo”. A Igreja é una pelo seu Fundador. E logo mais o texto traz: a Igreja é una pela sua “alma”, que é o Espírito Santo (CIC, n. 813). Portanto, a unicidade decorre da verdade de Cristo, pela qual a Igreja só poderá ser una, já que a verdade não contradiz a si mesma.

Além da unicidade, a Igreja apresenta, porém, mas naturalmente, grande diversidade. Essa diversidade “provém ao mesmo tempo da variedade dos dons de Deus e da multiplicidade das pessoas que os recebem” (CIC n. 814). Mas, todos os dons servem para a unidade da Igreja. A Igreja professa “uma única fé recebida dos Apóstolos, a celebração comum do culto divino, sobretudo dos sacramentos, a sucessão apostólica, através do Sacramento da Ordem, custodia a concórdia fraterna da família de Deus”.

 A história registra os fatos que levaram a variadas cisões no Cristianismo. A esse respeito o Catecismo desenvolve sob o título “Feridas da Unidade”. “Comunidades não pequenas separaram-se da plena comunhão com a Igreja católica, por vez não sem culpa de homens de ambas as partes.”(CIC, n. 817). Então, várias vezes saíram da Igreja Católica indivíduos e, como mencionado antes, grupos de tamanhos variados, que ou ingressaram em outras igrejas, ou constituíram-se em outras igrejas, permanecendo a Igreja original em sua unicidade.

 Tentativas de superar divisões fazem parte do dever cristão de dialogar sem abrir mão da verdade, procurando atrair os que estão fora, para a união cristã-católica. Essa tarefa é indicada no número 821 do Catecismo.
 Essa nota característica da Igreja Católica, a unicidade, é pouco compreendida, como expressam as críticas que são feitas a ela. Para se entender melhor a realidade da unicidade da Igreja dever-se-ia iniciar por pensá-la a partir de dentro, num olhar interno e particular, onde fossem consideradas toda a teologia, suas doutrinas, governo, organização, estruturas e dimensões, assim como suas origens históricas, que explicam e auxiliam no entendimento dessas características. Para tanto, a base doutrinal estabelecida acima deve servir de orientação.

 Se essa for a aproximação mínima da análise, o conceito de unicidade se tornará mais compreensível. Considerando dois grandes grupos cristãos o Catolicismo e o Protestantismo, às vezes, encontram-se afirmações que tratam o Protestantismo como Igreja Protestante, num uso genérico de Igreja. Essa aproximação traz problemas, já que o Catolicismo conta com uma única Igreja que tem sua origem no século 1, numa história perpassando dois milênios, ao lado de algumas igrejas, que consideram-se “católicas”, contudo, de origem recente (séculos 19 e 20).

 Por sua vez, o Protestantismo não possui uma igreja que possa traçar sua sucessão, de 1517 até os dias atuais, sem mudança doutrinal e unida na fé recebida do primeiro Reformador Matinho Lutero. Portanto, esse é um ponto importante na análise.

 Também não há denominação e/ou igreja no Protestantismo que possa traçar uma linha histórica ininterrupta como organização, ainda que incipiente e primitiva, a ponto de assemelhar-se à Igreja Católica Apostólica Romana no que diz respeito à presença constante desde os tempos iniciais do Novo Testamento.

 Karl Weiss (1998, p. 11) afirma: “Católicos e evangélicos representam as duas maiores vertentes no Brasil”. O autor continua explicando que o Catolicismo se estrutura sob um único chefe e os evangélicos se subdividem em denominações com administrações particulares. Por essa informação pode-se já perceber o nível de coesão católica e protestante.

 Partindo para uma pesquisa mais detida e particular, a fim de revelar a unidade Católica e compará-la à unidade Protestante, arbitrariamente escolhe-se citar como exemplo uma dada denominação dentro do ramo Protestante, a denominação Reformada, em específico a Igreja Presbiteriana do Brasil, para ajudar na análise.

 Obviamente uma igreja por menor que seja possui unicidade em si. Uma Igreja Presbiteriana “x” terá em comparação consigo mesma, uma unidade e unicidade, a qual não é quebrada por alguma divergência entre membros da mesma, nem pelo abandono de muitos deles. Na ocorrência de exemplos dessa natureza, a Igreja se colocará como defensora de sua identidade, quando questionada ou atacada em sua doutrina, esclarecerá o que for da sua competência, e tomará medidas cabíveis para manter a unicidade que lhe é própria. O mesmo se pode dizer das Igrejas Batistas locais, das Igrejas Pentecostais e etc.

 No entanto, há certamente alguma divergência importante entre uma Igreja Presbiteriana “x” e outra Igreja Presbiteriana “y”, a ponto de as duas não estarem em comunhão plena, apresentando desde o plano administrativo e governamental até o doutrinal, questões que comprometem sua comunhão. Numa visão mais abrangente, porém, estão unidas em certos pontos fundamentais próprios da teologia Reformada, salvaguardando sua pertença a tal ramo protestante, o que a faz ser Presbiteriana. E alargando mais o âmbito de consideração, essa igreja está em união com as igrejas que defendem as doutrinas básicas do Protestantismo, caracterizando-se como uma Igreja Protestante, quer dizer, não-Católica. [Ainda que a característica de Igreja Católica tenha sido desejo dos Reformadores.]
 Entende-se assim, que nos pormenores, as divergências vão acentuando-se de grau em grau, a ponto de haver debates tão acirrados e divisórios que permitem ser comparados àqueles que há entre católicos e protestantes. Basta pensar que uma Igreja Presbiteriana pode defender posições fundamentais em comum com uma Igreja Batista, mas as duas tradições continuam a possuir características diversas que não permitem unificá-las. Portanto, não são unas.
 
Há divisões entre batistas a ponto de serem criadas convenções que de alguma forma aproximam diferentes igrejas locais, mas que deixam tantas outras fora dessa aliança. E cada uma evoca a tradição batista como a linha orientadora de sua posição.

 Dessa forma, não há possibilidade de que uma Igreja Presbiteriana ou Batista, situada em uma dada localidade, mas que não possua união plena com outras comunidades da mesma tradição, ter a característica da unicidade num espectro que atinja a universalidade. É por esse motivo a existência de simplificação do ramo das Igrejas Presbiterianas como uma denominação, assim como no caso Batista, ou Luterano, e etc., exigindo algum grau, mínimo, de unicidade e união.
 Então, é correto afirmar que uma Igreja Presbiteriana é una, mas que tal unicidade não atinge a denominação Presbiteriana, o que a deixa mais frágil quando em comparação ao Protestantismo como um todo. Não há uma unicidade Presbiteriana, nem Luterana, nem Batista, nem Pentecostal, nem Neopentecostal, em termos de denominação, o que torna impossível a unicidade Protestante.

 No caso do Catolicismo a questão é bastante diversa. A denominação Católica, como poderia ser dito, possui unidade e unicidade. O Catolicismo é, no maior rigor do termo, uma única Igreja: a Igreja Católica. Essa unicidade abrange os aspectos mais profundos e importantes, ou seja, aspectos fundamentais do Cristianismo, os quais constituem a doutrina e a moral que são professadas e anunciadas, o que reflete-se também nas questões administrativas e governamentais nos seus mais diversos níveis.

 Tal unicidade não é minada pela presença de membros que apresentam visões heterodoxas, nem por cismas que na história têm ocorrido inevitavelmente. Da mesma forma que uma Igreja Presbiteriana, como exemplificado, utiliza de seus meios próprios para manter sua unidade doutrinal, a Igreja Católica possui os seus para garantir a sua unicidade. O que difere ambos os exemplos é que as menores comunidades católicas particulares estão em união de fé com sua Paróquia, que por sua vez está unida à respectiva Diocese e etc., resultando na união com a Sé Romana e, assim, com todas as comunidades ou igrejas católicas presentes no mundo, constituindo a unicidade católica.

 É realmente uma Igreja una, pois possui a mesma fé na Bíblia Sagrada, guarda a mesma Tradição, que é comum a todo o Catolicismo, obedece ao mesmo Magistério Eclesiástico, onde quer que se encontre a igreja particular.

 Se uma dada igreja se considera católica, por ter-se originado na Igreja Católica, e por algum motivo se desligado dela, não estando mais unida na mesma fé e governo, não pode tal fato influir na unicidade que a Igreja Católica mantém, e que foi justamente o motivo para que a parte divergente dela se desmembrasse. Mesmo os Reformadores Protestantes consideravam-se membros da Igreja Católica. Por essa realidade, a Igreja Católica é una, e essa unicidade atinge todos os continentes terrestres, apesar das diferentes culturas e tradições, e das diversas tradições católicas, e dos diferentes ritos.
 Essa característica católica às vezes é atacada por meios injustificáveis, mas que talvez sejam produzidos por incompreensão da questão. Assim, já houve na história quem afirmasse que as diferentes ordens (Agostiniana, Beneditina, Franciscana...), e a diversidade de ritos (romano, maronita...) fossem exemplos contra a unicidade. Esse argumento é assaz frágil, talvez por isso não seja muito utilizado.

 O argumento da existência de cismas, como o Ortodoxo, de 1054, e outros, surgidos no século 19, assim como os debates próprios de quaisquer grupos que permanecem em união com a Igreja, como o são entre os liberais e os tradicionais, ou entre os tradicionais e os carismáticos, todos no interior da mesma Igreja, é certamente tão frágil quanto ao citado acima. De fato, não há um Catecismo específico para cada partido divergente sobre algum ponto discutível na Igreja.
 No caso aludido do Presbiterianismo, as divisões alcançam níveis mais profundos, impedindo mesmo a unicidade. Além dos debates próprios por questões triviais potencialmente suscetíveis em cada denominação, há aquelas de maior problemática. A união, por exemplo, sobre a doutrina do batismo, não evita a desunião quanto ao pedobatismo, dividindo as igrejas que batizam os recém-nascidos das outras que não aceitam a prática, mesmo pertencendo ao grupo Reformado, ou seja, da mesma denominação. A distância doutrinal será maior quando se compararem a tradição calvinista, a tradição batista e a tradição luterana sobre o batismo. A unicidade é de fato inexistente entre os ramos citados. Não há caso semelhante na Igreja Católica. Tais exemplos constatados tornam mais patentes sua unicidade.

 A origem da Igreja Católica é a sua fundação por nosso Senhor Jesus Cristo por volta do ano 33, em Jerusalém. A Igreja primitiva, nascida em Jerusalém, foi crescendo até alcançar todas as partes do mundo. Não significa que somente a comunidade de Jerusalém seja a Igreja “primitiva”, mas que todas as igrejas particulares ou locais, que nasciam pelo trabalho missionário dos apóstolos e bispos naquele primeiro século, constituem a Igreja Primitiva.

 De fato, não é por ter os apóstolos por membros que a Igreja de Jerusalém gozou de autoridade ou influência sobre as demais, como se fosse mero acaso, coincidência ou fato isolado próprio do tempo. Esse acontecimento contradiz a doutrina de que as igrejas eram autônomas e governavam-se sem influências externas. Assim, o Concílio de Jerusalém depõe a favor do governo único para toda a Igreja, contra a noção de igreja autônoma tão difundida por muitos.

 Apesar desses fatos bíblicos e históricos, o Protestantismo geralmente acostumou-se a relatar origens diversas para a Igreja Católica, com o objetivo de afastá-la da ortodoxia e, se fosse possível, deixá-la longe da sua raiz em Jesus Cristo. Felizmente, o que não foi possível realizar.

 Karl Weiss (1998, p. 15 e 16) fala da unidade da Igreja afirmando que “nos primeiros anos do Cristianismo, havia somente uma comunidade cristã”, e que “com o tempo, o cristianismo foi estruturando-se e organizando-se nos mais diversos lugares”, e apesar da existência de algumas heresias e dissensões, a mensagem cristã permanecia essencialmente “nos padrões dos ensinamentos do Senhor Jesus Cristo”.

 O autor refere-se ao ano 208 aproximadamente. Nesse tempo, Weiss afirma que já surgia uma igreja paralela, referindo-se à adoção de heresias, que eram denunciadas por muitos cristãos. E, depois de tal introdução, afirma que o catolicismo “começou a tomar forma no ano 325”. Isso significaria que tudo o que o autor chama de “heresia”, teria sido concentrado e já se tornado visível nessa “forma” quando Constantino aceitou o Cristianismo. Essa é a tese.

 A obra de Weiss cita o ano 300 como iniciador dos “desvios”, quando os bispos teriam começado a ser chamados de papas, o ano 310 quando as orações pelos mortos foram iniciadas, o ano 320 com o uso de velas, o ano 325 com o concílio ecumênico, e etc.

 Santos (1999, p. 8) afirma algo substancialmente idêntico quando, falando da Igreja, diz que no período de 33-196 “não houve mudanças significativas, especialmente nada que se caracterizasse como anti-bíblica”. Depois cita o ano 197 como iniciador da heresia que negava a divindade de Cristo. Abrindo um parêntese, sendo tal heresia um fato isolado, e não de toda a Igreja, isso não advoga contra a unicidade da mesma. Outras “mudanças” teriam ocorrido em 217 quando Calixto aderiu à heresia citada, em 270 com a vida em mosteiro, 370 com o culto aos santos, 470 com a oração pelos mortos e sinal da cruz e etc.

 Pela comparação dos dados acima, para Weiss a oração pelos mortos teria iniciado em 310, enquanto que para Santos em 470, uma considerável diferença. No entanto, para os protestantes essa divergência de datas não irá mudar a questão, pois negam a doutrina, a saber, a oração pelos mortos.

 Por essas informações, tem-se que, segundo A. Santos, a Igreja não conheceu afastamento do Evangelho antes do ano 196, pois era bíblica. Depois, segundo seus julgamentos, fatos diversos contribuíram para que desvios viessem a aparecer. No entanto, o teólogo Weiss considera que nessa época as heresias não haviam desvirtuado a Igreja, apontando o século IV como o verdadeiro início.
 Os autores reconhecem que não podem apontar uma data para a origem da Igreja Católica, a não ser os anos em que Nosso Senhor viveu e pregou o Evangelho publicamente. Assim, tecem teorias que em um ano tal as coisas começaram a “mudar”, e em outro momento tal a Igreja “começou a tomar forma”.
Os períodos são tão diversos, que no artigo citado anteriormente sobre os “Pais da Igreja”, é dito que a Igreja nasceu com Constantino, no século quarto, e ficou plenamente formada com Gregório no sétimo século, o que soma-se a um período de mais de trezentos anos para uma suposta “formação”.
Há opiniões de que não havia preocupações com uniformidade doutrinária a não ser depois de Trento, no século XVI, onde a Igreja teria realmente “nascido”. No entanto, quando se questiona tal posição, afirma-se que sempre houve esforço da Igreja para manter a uniformidade! Dessa forma, a organização eclesiástica, ou o início para existir como religião organizada, só teria sido possível em Trento! Certamente tal opinião não tem o aval da História.
Subjaz o desejo de explicar o início da Igreja Católica de modo a justificar a Reforma Protestante. O reconhecimento da antiguidade da Igreja Católica desde o primeiro século é patente. Isso é revelado quando Weiss fala de formação paralela de uma igreja na igreja primitiva, ou da igreja dos primeiros séculos, ou antes do século 4, ou do reconhecimento de Santos de que: “Não podemos negar, contudo, ser ela originária da igreja cristã primitiva” (p. 1), ou seja, da igreja de Jerusalém. É uma tentativa de provar que a Igreja teria perdido a pureza do Evangelho.
Outro aspecto interessante, muitas vezes apresentado, diz respeito à doutrina encontrada nos escritos patrísticos. A Igreja sabe que não há uniformidade em cada ponto doutrinal na Patrística, mas há um consenso, no qual todos são unidos, e que revela a continuidade da doutrina cristã católica desde o primeiro século. Exagerar as divergências que podem ser encontradas na Patrística a ponto de afirmar sua “falência”[1], comparando-a à divisão protestante, ou tentar provar algo que poderia dar suporte à teologia do Protestantismo, é uma falácia.
Há certo reconhecimento desse fato por fileiras fundamentalistas, anti-católicas, que afirmam ser “os Pais da Igreja: uma porta para Roma”[2], por saber que muitos protestantes sinceros e de alto conhecimento teológico se converteram e obedeceram a Cristo, reconhecendo a verdade da Igreja Católica. O artigo citado menciona casos dessas conversões, e por isso alerta os fundamentalistas a terem cuidado com os escritos dos Padres, pois ensinam a mesma doutrina da Igreja Católica.
Há os que consideram os Pais da Igreja, dando-lhes algum crédito, e por isso tentam fazer seus ensinos parecer o Protestantismo, mas outros os acusam de idolatria, por serem convencidos pelas evidências que os Padres eram, obviamente, católicos.
Sem entrar no mérito dessas outras questões, e retomando o tema da unicidade, fica mais fácil entender a força da unicidade católica tendo em mente sua antiguidade, que remonta a nosso Senhor Jesus Cristo, e é reconhecida, de alguma forma, mesmo pelos protestantes.
Diante dessa verdade resta somente concluir com um artigo do credo: “Creio na Igreja, una, santa, católica e apostólica.” Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

Gledson Meireles.

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Referências:
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Edições Loyola. Editora Vozes, 1993.
CLOUD. David. Os Pais da Igreja: uma porta para Roma. Disponivel em: http://solascriptura-tt.org/PessoasNosSeculos/PaisIgreja-PortasParaRoma-DCloud.htm.

 MATÉRIA extraída de uma ou mais obras literárias. (Falência da Patrística) http://www.cacp.org.br/catolicismo/artigo.aspx?lng=PT-BR&article=171&cont=1&menu=2&submenu=4
 
SANTOS, Adelson Damasceno. Catolicismo: verdade ou mentira? A. D. Santos. Editora. Curitiba, 1999.
WEISS, Karl.  A Igreja que veio de Roma: heresias e contradições. Editora Gráfica Universal. Rio de Janeiro, 1998.