O contexto é imprescindível
para avaliarmos essa questão, e aqui apresentarei algumas evidências que mostram
não ser correta a tradução acima, assim como falhas na defesa da mesma feitas
no artigo.
O apóstolo Paulo estaria
realmente falando de esposa, um direito que ele abria mão, e não teria sentido
abrir mão de levar uma colaboradora apenas. Só mesmo o sentido de esposa
explicaria o versículo.
1. São
Paulo não abriria mão de levar consigo colaboradoras, pois Jesus tinha esse costume,
e era mais abnegado que Paulo.
De fato, é plausível
pensar que São Paulo contasse com mulheres irmãs colaboradoras em seu ministério.
Certamente, havia sim aquelas cristãs que ajudavam nos serviços de ministério a
ele e aos outros colaboradores, ao menos em algumas ocasiões, como exceções. Em geral, também,
pode-se pensar sem problemas que ele abriu mão desse direito.
2. São
Paulo não citou o exemplo de Jesus quando falou abertamente de sua condição de
celibatário. Isso mostra que não é sempre o requisito nessas questões, ainda
que fortalecesse seu argumento.
3.
Essa questão no item 3 é a mais frágil. O
contrário é que é de se estranhar: Por que levar a própria esposa em viagem
seria algo tão importante assim a ponto de ter que dizer que poderia
reivindicar esse direito, e ainda citar o exemplo dos apóstolos e dos
irmãos de Jesus? O que há de tão especial em andar acompanhando das respectivas
esposas?
Alguém
percebeu isso? Andar com outras mulheres poderia dar lugar a escândalo, ao
passo que com as próprias esposas isso seria o quase impensável.
4. Sendo
assim, o item 4 já fica respondido.
5. São
Pedro certamente poderia ser viúvo, abrindo mão de casar-se novamente. De fato,
ele afirma que os apóstolos e ele deixaram tudo (cf.Mc 10,28; Lc 18,28) para
seguir Jesus, no mesmo instante que o Senhor Jesus cita, entre outras coisas, a
renúncia a permanecer casado ou contrair casamento, pois incluir deixar esposa
e filhos! Usando o bom senso, Pedro poderia por certo ser viúvo, já que quando
da cura da sua sogra, não aparece sua esposa em casa, o que é minimamente
estranho, e foi sua sogra que, recobrada a saúde, serviu a todos naquele
momento. Assim como Pedro poderia servir-se dos trabalhos das colaboradoras, Paulo
também usava (e poderia usar) desse direito de ministério apostólico.
6. O
problema é que o texto usa o indefinido: “uma mulher” e não diz, como seria
esperado: “nossa esposa crente”. Ele diz: levar conosco uma mulher irmã!
Estranho para a tese de que era uma esposa. Primeiro por que ele diz no plural:
nós: Levar coNOSCO. O mais claro seria: Não temos o direito de levar conosco
nossas mulheres crentes ou nossas esposas crentes, ou nossas mulheres cristãs
ou nossas esposas cristãs, e frases nesse sentido. Mas afirmar que “nós” temos
o direito de levar “uma” mulher cristã é outra coisa, e bem estranha para
tratar-se de respectivas esposas. Além disso, é útil ressaltar, a palavra “uma”
é artigo, e não numeral. Do contrário, estaria aludindo ao direito de levar uma
e não duas ou mais esposas!, o que pioraria mais a questão moral da tese.
7. Paulo
e Barnabé abriam mão do direito de levar esposas? Óbvio que sim. Paulo já havia
deixado claro seu estado de celibatário. Mas era esse o tema: o direito de
levar as esposas? Vejamos: ele cita o direito de a) comer, b) beber e c) levar
uma mulher irmã. E logo após pergunta sobre o direito de ter o sustento devido:
d) deixar de trabalhar para termos sustento. Isso significa claramente que os
apóstolos, todos eles, podiam comer, beber, ter colaboradoras (pois os colaboradores homens eram pregadores do evangelho também, uma tarefa que as mulheres não exerciam da mesma forma, já que o ministério apostólico é exclusivamente masculino) e deixar de
trabalhar para serem sustentados pela igreja. Paulo podia também ser sustentado pela igreja, ter colaboradoras e, portanto, não trabalhar. Mas ele abria mão desses direitos, salvo raras exceções, quando fosse mais necessário. De fato, o “come, bebe,
regala-te” citado, que também tem ligação a 1 Cor 10,7, está em contexto de
reprovação. Paulo não reivindicava comer, beber e divertir-se!!!, e seria
blasfemo citar Lc 12,19 e 1 Cor 10,7 (e outros) para explicar 1 Cor 9,5. O
contexto afasta essa falsa exegese aludida.
Observação: A afirmação de
que Pedro só tinha um irmão e nenhuma irmã vai além do que podemos observar na Bíblia.
Por que os estudiosos
protestantes insistem que a “mulher irmã” é uma “esposa”? (Traduções nesse sentido: “esposa crente”, uma
“mulher cristã como esposa”, “uma irmã como mulher”.).
Ellicott afirma que o motivo
é que São Paulo menciona Pedro. Por ter sido casado, o apóstolo Pedro sendo
citado tornaria a referência uma “prova” de que a mulher irmã era sua esposa!!!
Assim, entendeu o autor do
artigo, dizendo que esse fato “elimina qualquer
chance de Paulo estar falando de uma mulher que não fosse a esposa”.
Vejamos as palavras do
comentarista: “Mas como o apóstolo ilustra seu
significado por uma referência a Pedro, que sabemos que teve uma esposa, essa
interpretação é inadmissível.”
No Pulpit Commentary aparece a alusão de que a conduta de andar com
mulheres cristãs como colaboradoras pudesse levantar suspeita sobre a conduta
moral dos apóstolos: “mas apóstolos e verdadeiros
cristãos nunca teriam sido culpados de qualquer conduta que pudesse dar base
para levantar suspeitas.”
No Gill´s Exposition of the Entire Bible estaria a refutação e a
demonstração de que é “ilógico e tendencioso” entender “colaboradora” no lugar
de “esposa”. É apresentado o correto entendimento da passagem:
“que
é mostrar o direito que ele e os outros tinham, de serem inteiramente mantidos
pelas igrejas, considerando que isso é uma forma de aliviar as igrejas de tal
carga”.
E logo após, uma
interpretação superficial do texto:
“acrescente
a isso que, se os apóstolos levassem com eles, onde quer que fossem, mulheres,
sejam ricas ou pobres, que não fossem suas esposas, não seria de boa fama e
poderia prejudicar seu caráter e reputação”.
Superficial porque o
comentarista se esquece que Jesus e os apóstolos tinham o mesmo costume que ele
aponta como motivo de não ser de boa fama e prejudicial para o caráter e
reputação dos apóstolos!!!
A tradição de que fala
Clemente de Alexandria, e que Eusébio usa em sua obra História Eclesiástica,
Livro III, capítulo 30, está evidentemente errada, pois é dito que Paulo não
levava sua esposa para “facilitar seu ministério” e que ele menciona sua esposa
em uma das suas epístolas, interpretando ser o lugar esse de 1 Coríntios 9,5!!!
Ambos os intérpretes antigos caíram nesse erro, já que no capítulo 7 da mesma
epístola São Paulo apresenta claramente, sem qualquer sombra de dúvidas, que
ele era celibatário.
Quando Clemente usa uma
tradição que entra em contradição com os dados bíblicos, devemos fazer o quê, se
não rejeitar?
Matthew Henry afirma que
essa passagem inclui o “direito de se casar” no argumento de Paulo.
O Enduring World Bible Commentary afirma: “Paulo,
como todos os apóstolos, tinha o direito de levar uma esposa crente.”
Esse de fato, como foi provado, e o será ainda mais adiante, não é o assunto em
questão em todo o capítulo.
Coffman´s
Commentaries of the Bible entende isso: “O
que está em vista, como observou Morris, não são os direitos dos apóstolos se
casarem, o que ninguém no primeiro século teria levantado qualquer dúvida.”
Mas, entende que todo contexto pode-se afirmar que Pedro, sendo citado,
continuou casado: “Assim, é certo que Pedro não
abandonou o estado de casado para cumprir seu cargo apostólico,”
No William Barclay´s Daily Study Bible tem a explicação de que a
reivindicação de Paulo era respectiva ao “apoio da igreja” tanto para si como
para uma esposa.
Adam Clarke afirma que esse
verso traz o sentido de que São Paulo mostrou que todos têm o direito de se
casar: “Quando o apóstolo fala de levar uma irmã,
uma esposa, significa primeiro que ele e todos os outros apóstolos, e
consequentemente todos os ministros do evangelho, tinham o direito de se casar.”
Mas, se assim fosse, e
sabemos que não foi e não é, ele estaria refutando a ideia de que os apóstolos
não tinham esse direito, e afirmando que eles tinham, quando se sabe que no
primeiro século não houve tal dúvida, como está no Coffman´s Commentaries of the Entire Bible.
Além do mais, o versículo é
considerado por Clarke como “uma prova decisiva
contra o celibato papista do clero”, e considera errada a explicação de
que se tratava de colaboradoras dos apóstolos: “nem
poderiam ter levado mulheres jovens ou outras mulheres para acompanhá-las dessa
maneira sem dar a ocasião mais palpável de escândalo”.
Esquece também que Jesus e
os apóstolos já haviam feito o mesmo. É um erro comum entre esses teólogos.
Será que esses comentaristas creriam que nesse caso a companhia de tantas
mulheres levantam dúvidas e criam ocasião de escândalo para nosso Senhor e seus
discípulos? É patente o erro de interpretação desses comentaristas.
E se for considerada a
opinião de Clemente, de que os apóstolos levavam suas esposas “não como esposas, mas como irmãs”, a coisa fica
ainda mais difícil de explicar para quem usa Clemente como quem “entendia o
versículo da maneira protestante”.
Em Thomas Coke Commentary on the Holy Bible insiste-se na ideia acima
refutada, de que o apóstolo não levaria uma mulher, que não fosse a própria
esposa, como ajudante: “É muito improvável que o
apóstolo tenha pensado em levar com ele, nestas peregrinações sagradas, uma
mulher de quem ele não fosse casado”.
Quando tenta destituir Simão
e Judas do grupo dos apóstolos apenas por sua menção em especial, deveria, de
qualquer forma, destituir Pedro também, já que aparece “como que” fora do
grupo: “(1) os outros apóstolos,(2) os irmãos do Senhor) e (3) Pedro.”
Será que por isso Pedro
também “não era do número dos apóstolos”? (Para acumular mais erros no entulho
de mentiras que surgem de interpretações esdrúxulas, haverá que afirme, para
manter a coerência do erro, que esse não era Pedro!!!!)
Basta ler com calma: os
outros apóstolos são os que não são parentes de Jesus. Os irmãos do Senhor são
aqueles Seus primos e parentes, e Pedro é o líder dos apóstolos, frequentemente
distinto dos demais por essa prerrogativa. Isso explicar o modo de mencionar.
No Schaff´s Popular Commentary on the New Testament, contém um dos
grandes erros de interpretação, pois afirma que esse verso testemunha “a obrigatoriedade do celibato dos ministros de Cristo,
que é o verdadeiro sentido deste versículo”, quando o assunto que São
Paulo está tratando não tem nada a ver com isso.
No Comentário de Dianne
Bergant e Robert Karris está o mesmo erro, já que estranhamente inclui na
argumentação do apóstolo o direito do “gozo dos prazeres da carne”, o que nem
de longe consta no arrazoado.
O mesmo erro parece ser o do
Comentário Bíblico São Jerônimo, que inclui a “irrelevante menção de uma
esposa”, que na verdade não é esposa, e por isso não é citação irrelevante!!!,
nem tem a ver com os versos que usou para exegese. Isso já foi demonstrado
antes.
Se todo o contexto do
capítulo gira entorno das questões que envolvem o direito dos apóstolos de
serem mantidos pelas igrejas, nada tem a ver a questão do casamento em si.
Do contrário, o apóstolo
estaria reivindicando o também o direito de “experimentar os prazeres sexuais”
como os demais apóstolos, os irmãos do Senhor e Pedro. Em palavras mais
eufemísticas ficaria assim: “Não temos
também, como os outros, o direito de casar?”. Nada mais longe da verdade. É
um assunto que não cabe no contexto inteiro. No máximo seria plausível isso: “Não temos também, cada um, como os outros, o
direito de levar sua esposa por conta da igreja?”.
No argumento contém: a) o
direito de comer e beber, b) o direito à dispensa de trabalhar, com o exemplo
de b1) ir à guerra com os próprios recursos, b2) plantar uma vinha e comer dos
frutos, b3) apascentar um rebanho e alimentar-se do leite do rebanho, c) o
princípio de que o trabalhador tem direito de receber a sua parte (versículo 10),
d) o direito de colher da comunidade os bens materiais (versículo 11), e) os
que anunciam o evangelho devem viver do evangelho, f) o direito a salário de
quem trabalha por iniciativa própria, os g) direitos que a pregação do
evangelho confere, entre outros exemplos secundários.
Assim, todos esses pontos
estão em relação às necessidades materiais que a comunidade podia oferecer aos
pregadores do evangelho.
O casamento não é um direito
que o evangelho confere ao pregador, pois é um direito de todos os cristãos sem
distinção alguma.
Por outro lado, é possível
chegar à mesma conclusão usando outra perspectiva: os direitos de comer e beber
às custas da igreja é conferido aos apóstolos, o direito de não
trabalhar e viver às custas da igreja é conferido aos apóstolos, e o
direito de levar uma mulher irmã, portanto cristã, que auxilia nas coisas
materiais e demais afazeres necessários é conferido aos apóstolos. Obs.:
novamente não se trata de direito de casar, ou do direito de levar a mulher
consigo nas viagens missionárias por conta da igreja.
Isso não tem a ver, diretamente,
com o direito da igreja de suprir as necessidades das “esposas” dos apóstolos,
pois assim certamente seria falado também dos filhos e etc., e pelo contexto,
se lido nessa perspectiva, parece que nenhum apóstolo tinha filho, ainda após mais
de 20 anos de igreja!!!, ou que andavam com suas mulheres enquanto os filhos
eram deixados em casa!!!
De uma exegese mal feita
surgem problemas como esses.
Todo o argumento traz
direitos que atingem ao apóstolo, sem a conotação de viver a vida matrimonial. Dessa
forma, São Paulo não estava reivindicando o direito de ter esposa mantida pelas
igrejas, o que estenderia à sua família (filhos), mas apenas os direitos que
conferiam à pessoa do apóstolo nas questões acima tratadas.
Gledson Meireles.