sábado, 13 de fevereiro de 2016

Lutero e a revolta dos camponeses

 A guerra dos camponeses foi um evento ocorrido no interior do Protestantismo, quando o poder civil alemão esmaga a revoltada massa de camponeses anabatistas que seguia o espírito da Reforma, mas cheia de ideias extremistas e, não raramente, destoantes da doutrina de Lutero.

A posição de Martinho Lutero é entendida pelos seus defensores como a opinião de que, não tendo a influência e o poder político em suas mãos, não podia acarretar o que ocorreu ali, na guerra onde acabaram morrendo milhares de pessoas. Aquilo ocorreria com ou sem a sua opinião.[1] Suas palavras não podiam fazer os príncipes agirem ou não, sendo isso de uma importância pouco significativa.

Caso se o papa pedisse a paz, por exemplo, escrevendo aos príncipes para deixarem o movimento sem punição, isso supostamente seria acolhido com total unanimidade. O mesmo que ocorreria se o papa pedisse o massacre daqueles revoltosos. Assim, o papa e a Igreja estariam culpados pelo que ocorreu com os camponeses, não tendo como defender-se, pois o poder estava em suas mãos. Isso é o que está por detrás da argumentação, como se na história essa fosse a regra sempre acatada, nunca quebrada. Ou pelo menos raramente. Sabe-se não ser isso correto, mas não é o lugar para tratar questão. Vejamos a posição de Lutero, o pai do Protestantismo, nesse contexto.

Por essa via, seria injusto pensar segundo a cultura moderna e julgar a posição do Reformador naquela situação complicada, em tempo de conturbação como eram aqueles do século 16, o que é um princípio correto. Podemos afirmar, sobre isso que: os camponeses ultrapassaram o limite da justa reivindicação, e passando a agir violentamente, causando transtorno da ordem social, deviam ser freados pela força militar do império, para garantir a paz. Suas ideias eram heréticas, e o movimento não era somente social, mas reformador. Nada mais normal o poder temporal ser usado para conter a violência.

Para quem atualmente arrepia-se ao pelo menos imaginar uma medida mais enérgica para conter as heresias no passado, efetuadas pelo poder temporal com o apoio do papa, e que veem em Lutero o homem para o seu tempo, é preciso saber como ele pensava a respeito dos camponeses, e o que teria feito se fosse o governante, ou pudesse usar ele mesmo o poder, e de fato como fez ao ensinar e aconselhar os príncipes a agir.

Lutero afirma[2] que os camponeses tinham expressado sua boa vontade em ser ensinados e corrigidos, e por isso não ia julgá-los, conforme Mt 7,1. Mas logo eles esqueceram de sua promessa, passando a cometer crimes como cães raivosos, ao modo de “cachorros doidos”. Os 12 Artigos que os camponeses apresentaram era de que não passava de mentira, sob o nome do evangelho. E escreve Lutero: “eles estão fazendo a obra do diabo”.

Por isso, Lutero muda sua opinião, e adota outro tom em sua obra, conforme acredita ser o seu dever. E para tal, passa a fazer o que acha certo: “Eu então devo instruir os governantes como eles devem conduzir-se nessas circunstâncias”. Por essas palavras, não parece ele que sabia da guerra, de nenhuma medida tomada pelo poder secular contra a revolta dos camponeses.

Pelo pecado deles, diz Lutero, esses devem sofrer a pena de morte do corpo e da alma. Pela pilhagem que estavam fazendo nos conventos e castelos, eles devem ser mortos, e o primeiro que o fizer está agindo bem. Ensinou a matar os revoltosos aberta ou secretamente.

Aludindo à doutrina pregada pelos anabatistas, afirma que o batismo não faz o homem livre em propriedade e corpo, mas na alma. E tratando-os como hereges, escreve: “Bons cristãos eles são! Eu penso que não há diabo deixado no inferno; todos eles entraram nos camponeses.”

Quanto à sua posição a respeito do poder secular, seja ele cristão ou mesmo pagão, é que os perturbadores e desobedientes devem ser punidos. Afirma: “Esse não é um tempo para dormir. E não há lugar para paciência ou misericórdia. Esse é o tempo da espada, não o dia da graça.”

Dependendo de Lutero, após a revolta dos camponeses, a sorte deles teria sido diferente? Basta pensar.

Agora, como Lutero não foi o responsável direto de tudo isso, e chegou a criticar os príncipes por sua crueldade naquele empreendimento, isso é visto com bons olhos, o que não seria de forma alguma se se tratasse da Igreja Católica. De fato, Lutero é facilmente perdoado e defendido, pois está “longe” de ser como os “papistas”. Não é mesmo?






[1] Cf. http://beggarsallreformation.blogspot.com.br/2007/11/luther-and-peasants-revolt.html.


[2] http://www.scrollpublishing.com/store/Luther-Peasants.html.

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