segunda-feira, 29 de maio de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma: Pó e cinzas

Refutação: Pó e cinzas

 

A imagem do pó e das cinzas pode indicar o aniquilamento, mas apenas no nível da metáfora, pois indica o afastamento dos ímpios para longe dos santos. Nesse pondo é literal, os ímpios deixarão de existir diante dos salvos, não estarão mais no reino dos céus, não pode, porém, indicar o fim da existência deles. Parece que por aqui o argumento mortalista já está refutado quanto à expressão pó e cinzas.

O argumento do livro aqui, é que São Pedro disse em 2 Pd 2, 6 que os ímpios serão destruídos, reduzidos a cinzas, e ele não diria isso se o público não acreditasse em aniquiliacionismo, “se não quisesse respaldar essa mesma crença”.

É uma boa objeção, da mesma natureza do que foi feito na presente refutação para provar que São Paulo argumentava com base na imortalidade da alma em 1 Coríntios 15. Mas aqui, o problema se junta a outra dificuldade para o mortalismo, já que essas figuras que retratam o castigo dos ímpios são inúmeras e em comparação com a revelação do inferno no Novo Testamento elas não podem significar extinção do ser, provando que o público conhecia bem o sentido delas nesse ponto, e que foi o sentido expresso em outras passagens pelo próprio apóstolo São Pedro. E, assim, o argumento mortalista aqui também não se sobressai.

Em outras palavras, São Pedro cria no inferno eterno, e ainda assim, sem problemas, usada a linguagem bíblica do Antigo Testamento sobre a redução dos ímpios pelo fogo, como se fosse um aniquilamento, como o que acontece com a palha.

Basta ver que a destruição dos ímpios na volta de Cristo, no armagedon, é dita de uma forma instantânea, o que faz muitos afirmarem que os maus serão aniquilados de uma vez, sem passar pelo sofrimento proporcional, sendo mais uma doutrina mortalista. Isso serve para mostrar que há passagens que não estão falando diretamente do inferno, mas da morte dos ímpios na vinda de Cristo. É outro argumento que o mortalismo precisa enfrentar.

Ao citar Sodoma e Gomorra, a destruição dos ímpios não é literal a ponto de dizer que assim como as cidades deixaram de existir os ímpios também deixarão, mas no sentido de que não existirão mais entre os salvos. Isso já está claro, e poderá ser encontrada resposta ao argumento que tentou desfazer essa leitura das passagens no respectivo tópico.

O motivo de não ser literal é que as passagens que falam da alma e do inferno afirmam claramente que a alma existe após a morte, fato que refuta o mortalismo, e que o inferno é eterno, outro fato que aniquilia o aniquilacionaismo na base.

Não se trata de alegorizar a destruição dos ímpios, mas porque o contexto geral o exige. E, por último, o virar pó e cinza é literal, e mostra a realidade da morte, mas não é o fim da questão, pois não diz respeito à extinção do ser, mas ao império da morte por causa do pecado, não afirmando nada em si sobre a questão da imortalidade da alma, que é compreensível quando se estuda a Bíblia inteira.

Gledson Meireles.

terça-feira, 23 de maio de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma: o espírito como respiração

 Refutação: O espírito como a respiração


O entregar o espírito é o mesmo que expirar, o mesmo que morrer, e o ruach é o espírito, como algo provisório, enquanto o ser está vivo e respira. Pois bem. Mas isso em nada nega que o ser humano tem uma parte espiritual imortal. É preciso lembrar que entregar o espírito nas mãos de Deus também indica alguma coisa mais profunda do que apenas a entrega da respiração.

Essas passagens servem para a reflexão sobre o tema da imortalidade da alma, não sendo um texto prova para a doutrina. Mas, também, o mortalismo não pode usá-las para negar a alma imortal, reduzindo tudo a coisa material, como a respiração.

A tradução da Bíblia Ave Maria traz o texto de Mateus 27, 50 como “entregou a alma”, ao invés da tradução mais literal de “entregou o espírito”, ressaltando a doutrina da imortalidade da alma. Isso em comparação com Marcos 15, 37 teria apenas o sentido de “expirou”.

Porém, o significado que liga à doutrina da imortalidade da alma ainda é provável, já que em João 19, 31 Jesus “entregou o espírito” e em Atos 7, 59 Estêvão diz: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito”, e certamente Estêvão não estava pedindo para Jesus receber sua “respiração”, mas sua vida, seu ser. É como dizer: “Recebe-me”.

Esses textos lembram que o espírito retorna a Deus e que há diferença entre homens e animais, pois o espírito dos animais desce à terra com seus corpos, tanto no sentido de energia vital, pois Deus não promete a ressurreição aos animais, como no sentido da individualidade do ser de cada animal. É de se pensar que o animal perece inteiramente na morte, no sentido mortalista, onde sua alma e seu espírito cessam de existir com o corpo.

Porém, Deus guarda algo do ser humano, que é o seu “espírito”, para ressuscitá-lo, para religa-lo em seu corpo e sua alma. Isso supõe que o ser humano continua a existir após a morte.

Pois bem, em Apocalipse 11, 11-12 a Bíblia, utilizando a linguagem holista, afirma que o fôlego de vida ressuscita as duas testemunhas. A passagem não diz que ressuscitou seus corpos, como em Mateus 27, mas é isso o que ocorreu. Também não diz que as duas testemunhas estavam no céu, ou em qualquer lugar, mas é certo que antes estavam no céu. O que o texto se refere é à morte e ressurreição das testemunhas para a vida física em corpo e alma, sem implicações sobre seu estado de morte.

O mortalismo entende que espírito é apenas a energia, e que a consciência e personalidade deixam de existir com o corpo. Então, o espírito deveria criar novamente o ser a partir do nada, com consciência e personalidade.

Por outro lado, a doutrina da imortalidade da alma afirma que a consciência e personalidade subsistem na morte por meio da alma que é imortal. O espírito de Deus fará a alma retornar ao corpo na ressurreição, e essa explicação está conforme a Bíblia.

Quando Adão foi criado, ele não veio de outra dimensão, mas passou a existir naquele instante, vindo do nada. Porém, na morte, não é dito que ele deixou de existir, mas apenas que retornou ao pó. Essa é a esfera física.

O problema é que a Bíblia fala dos mortos no sheol, mostrando que há uma esfera espiritual, e nunca como seres que não existem. Dessa forma, entender o espírito como respiração, fôlego de vida, como apenas uma energia que vivifica, não é a doutrina inteira.

Quanto à afirmação: “Assim como não há vida no corpo que perece sozinho debaixo da terra, não há vida em um “espírito” sozinho à parte do corpo”, ele a apenas quer mostrar que o espírito é essa energia, sem consciência e personalidade, que deverá recriar o ser, trazendo de volta a mesma consciência e personalidade que havia perecido com o corpo. De fato, a passagem de Ezequiel alude à ressurreição, mas não traz toda a questão, de modo que não explica toda a doutrina da ressurreição, não servindo, sem si mesma, descontextualizada, como prova mortalismo, já que também pode ser explicada suficientemente pela doutrina imortalista.

Para o mortalismo e espírito é a respiração, o princípio de vida, mas não tem em si personalidade. Para o imortalismo, o espírito aqui pode ser a energia que une o corpo com a alma, sendo o poder de Deus, pois a alma mantem a consciência e a personalidade, e o espírito refaz o corpo e traz a alma para animá-lo. Dessa forma, a consciência e a personalidade estão na alma, que volta ao corpo. Essa explicação entende a doutrina bíblica geral.

Quando se argumenta que o “espírito” no singular é o espírito de Deus que faz reviver, que ressuscita, como se isso provasse algo contra a imortalidade da alma, essa argumentação esquece que o mesmo espírito cria todos os seres, mas ainda assim a Bíblia indica que há diferença entre o espírito do ser humano e o dos animais. Portanto, a questão não é resolvida ao dizer que o espírito é somente a respiração, ou seja, a energia vital.

Uma pilha em um boneco fornece energia para o boneco se movimentar, mas não traz ao boneco nada mais, não cria nele personalidade, e o boneco não tem consciência.

Por sua vez, o ser vivo possui o espírito de Deus que o mantem vivo, como a pilha que está energizando o boneco, mas a personalidade de cada ser vivo é única, e, exceto nos animais irracionais, no homem possui personalidade que vem de algo imaterial, espiritual e imortal, que é a alma.

Para o mortalismo a personalidade e a consciência é indivisível da matéria, é produzida pela matéria, como nos animais. Mas o homem transcende à matéria, pela sua razão e no desejo da eternidade, o que falta aos animais. Isso já indica a espiritualidade e imortalidade da alma. Mas, o que prova isso é a Bíblia, que mostra que na morte há encontro com Cristo qualitativamente superior do que a do salvo vivo na terra.

Portanto, o espírito é algo relativo à vida, ao ser, que é entendido nessas passagens, e não apenas a matéria do fôlego, da respiração.

Na criação o espírito cria o homem transformando e animando a matéria criada por Deus. Assim, a alma vivente foi feita recebendo o espírito. A passagem de Zc 12, 1 revela que Deus cria o espírito dentro do homem. Essa passagem mostra que não é a respiração, não é algo “dentro do nariz” que está sendo criado, mas o espírito dentro do homem. Isso é o que indica a dualidade da natureza humana, e portanto o espírito não é somente respiração.

Gledson Meireles.

terça-feira, 9 de maio de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma

Refutando o tópico: Tirar a alma, parte 2


Exemplos interessantes que mostram o quanto é diferente a linguagem hebraica daquela do platonismo grego. No entanto, não se deve ir muito além do que os textos admitem, como é feito na argumentação com as palavras do profeta Jonas, já que “tirar a alma” é tirar a vida, ou seja, supondo que a vida sai do corpo e vai para algum lugar, ao lado da outra expressão hebraica onde a alma morre, o que o mortalismo não supõe que ela sai do corpo e morre, mas que morre no corpo e com o corpo. Basta apenas admitir que essas passagens trazem um sentido diferente e mais material de alma, ou seja, de vida física, o que não é problema.

Em Pr 22, 22-23 o desposar a vida é tirar a vida física, como em outras passagens. O eu, a personalidade, não é o corpo, mas está com o corpo até o momento da morte. Ele permanece na “alma”, que não é o que é referido nessa passagem.

A linguagem bíblica é holista, como o mortalismo assevera muitas vezes. Assim, veja que em 1 Sm 28, 3 o texto diz: “Samuel tinha falecido” e “Tinham-no sepultado em Ramá”. Não diz que sepultaram seu corpo em Ramá, mas que Samuel foi todo ele sepultado em Ramá. Então, ele morreu por inteiro não sobrando nada? De fato, não.

Veja que no verso 8 Saul diz: “Predize-me o futuro, evocando um morto; faz-me vir aquele que eu te designar”. Ele não diz: evocando a alma de um morto, mas evocando o morto, como se fosse ele inteiro. Viria Samuel em corpo ressuscitado para falar com a necromante? Não.

O verso 11 continua: “Evoca-me Samuel”. Não diz, evoca-me a alma de Samuel, mas “evoca-me Samuel”, ele todo. Não viria somente a sua alma? Sim.

O verso 13 indica algo espiritual na figura de Samuel que aparece: “Vejo um deus que sobe da terra”. Mas logo a linguagem é a mesma: Saul compreendeu que era Samuel e prostrou-se com o rosto por terra (v. 14). E mais, no verso 15: “Samuel disse ao rei: ...”

A alma é para o mortalismo apenas o conjunto das funções vitais do organismo. Mas é preciso compreender que esse conceito é incompleto. A alma é também imortal. Preste atenção que todos sabiam que os mortos continuavam a existir, e era possível até mesmo entrar em contato com eles. A cultura hebraica não introduz uma noção de corpo e alma clara como na cultura grega, mas afirmando algo relativo à pessoa, tanto viva quanto morta, o contexto demonstra do que se trata.

Dessa forma, em nenhum momento foi citado o corpo ou a alma de Samuel, mas o contexto inteiro, ao referir-se à pessoa do profeta Samuel, mostra que às vezes se trata do corpo e outras vezes que se trata da alma, daquele que faz o morto continuar existindo em consciência, ainda que o texto não lhe dê um nome específico e nem o use sistematicamente. As objeções feitas sobre essa passagens serão todas respondidas no respectivo tópico.

É preciso compreender que a Bíblia usa uma apresentação holista do ser humano, mas admite a separação corpo e alma, pois de outra forma não seria possível conceber algo espiritual relativo aos mortos. Dessa forma, a forma de expressão bíblica para tratar do corpo e da alma é holista, mas ao mesmo tempo em que indica a dualidade da natureza humana. Assim, Samuel morreu, foi sepultado, foi evocado, apareceu e falou com o rei. Tudo isso, dito de outro a forma, seria que Samuel morreu e seu corpo foi sepultado, sua alma foi evocada, sua alma apareceu e falou com o rei. Esse padrão é comum na Bíblia.

Dessa forma, não se pode a partir do uso do termo algo relativo às coisas físicas e materiais concluir que não exista no ser humano algo espiritual que separa-se do corpo na morte.

Gledson Meireles.


quarta-feira, 3 de maio de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma, considerações do capítulo 2

Refutando afirmações nas considerações do capítulo 2 

Ao tentar provar que a alma é meramente um aspecto do ser, restrita a tudo o que o corpo pode experimentar, há o texto de Ap 6, 9-11, tratado no tópico, que não possui o que foi pretendido para o argumento. Ali, as almas aparecem fora do corpo. Além do mais, já participam da promessa. Isso é bastante considerável.

Os textos que geralmente são apresentados como indicando a alma imortal são poucos. De fato, apenas alguns, como 1 Reis 17, 21; Jó 14, 22; Mateus 10, 28 e Mateus 16, 25. É preciso entender as implicações.

O texto de 1 Reis fala do princípio de vida ao dizer que a alma voltou ao corpo para ressuscitar um morto. No texto de Jó aparece a carne que sofre e a alma que lamenta. Em Mateus há o famoso texto onde a alma não morre, e o outro onde é dito que a alma deve ser salva, no sentido de vida que terá sido dada de volta na ressurreição para sempre.

São alusões à alma espiritual, mas o contexto bíblico geral, que aparece no conjunto das refutações feitas aqui é que prova a imortalidade da alma.

Podemos afirmar que assim como 1 Rs 17, 21 fala da alma como vida, voltando ao corpo, o que denota o princípio espiriutal, a alude à imortalidade da alma, vemos que em Tg 2, 27 está escrito que o corpo sem espírito é morto. Assim, a alma é o espírito que dá vida. O corpo sem alma é morto, o corpo sem espírito é morto.

O mortalismo ensina o monismo, onde o ser humano não é divisível. Dessa forma, quando São Paulo fala do combate entre espírito e carne isso seria apenas as duas orientações éticas que o ser humano experimenta em si, em sua condição pecaminosa.

Mas, na questão da morte, isso parece exigir uma resolução. Se o homem já está submisso à Lei de Deus pelo espírito (cf. Rm 7, 26), enquanto ainda está escravo da Lei do pecado pela carne, deve-se questionar o que ocorre quando morre o salvo. Se essa libertação é apenas um penhor o salvo leva para um dia ser ressuscitado, como exige a interpretação mortalista, então nenhum salvo estaria usufruindo dessa libertação ainda, visto que a carne ainda está sujeita à Lei do pecado.

No entanto, se a Lei do pecado na carne equivale a dizer que todo o ser deve sofrer a morte sem existência para que um dia seja salvo na ressurreição, isso mostra que de fato essa submissão à Lei de Deus seria útil somente enquanto vida, e tendo resultados somente na ressurreição.

Por outro lado, a doutrina da imortalidade da alma, como tradicionalmente é defendida pela Bíblia e diante de quaisquer objeções apresentadas, ensina que o salvo já está liberto da lei do pecado, pois serve Lei de Deus em seu espírito, e na morte já pode usufruir da glória com Cristo, à espera do dia em que seu corpo será liberto da Lei do pecado.

O morto está livre do pecado, e assim ensina Romanos 6, 7, pois o salvo está morto para o pecado: Pois quem morreu, libertado está do pecado. Essa libertação é feita pela crucificação do velho homem (v. 6). Cristo morreu pelo pecado, e agora está vivo, como ensina o v. 10.

Se todos os salvos devem considerar-se mortos para o pecado e vivos para Deus “em Cristo Jesus”, então de alguma forma essa vida de Cristo já vale para os vivos e para os mortos, pois a salvação em Cristo já está garantida, Cristo está vivo, e os cristãos podem usufruir dessa realidade. Esse é outro problema para o mortalismo que afirma que ninguém usufrui da salvação após a morte, pois não existiria, mas isso seria somente na ressurreição.

O homem exterior e o homem interior em 2 Cor 4, 16 é também lembrado nesse ponto, já que se fala da tribulação presente e das coisas que são procuradas pelo salvo, que são invisíveis e eternas (v. 18). Parece mesmo afirmar que já agora os salvos mortos, que renovaram seu interior dia a dia (v. 16), vivem para Deus nas coisas que procuraram, que agora são invisíveis. Dessa forma, já explica-se a glória das almas pela sua união com Cristo.

Há algo no homem que é muito profundo. São Paulo afirma que deleita-se na Lei de Deus no “no homem interior” (R 7, 22). Mas há nos membros (μέλεσίν) outra lei que luta contra a lei da mente (νοός).

No verso 18 chega a dizer que nada de bom habita “em mim”, mas não no sentido de não habitar o bem na pessoa inteira. A passagem é mais clara, pois São Paulo esclarece que essa parte não é o todo da pessoa, mas “na minha carne”: “Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita o bem, porque o querer o bem está em mim, mas não sou capaz de efetuá-lo”. O mal está em um lugar na pessoa, e o bem em outro.

Se há o querer fazer o bem, e ao mesmo tempo outra força que exerce tamanho poder que faz praticar o mal, ou seja, que faz certamente querer o mal, esses dois desejos na mesma pessoa devem vir de duas partes diferentes, de dois aspectos do ser, mas que não podem, ao que parece, serem o ser total, como se o mesmo não pudesse ser separado em partes. Essas duas orientações éticas são mostradas como arraigadas em partes da pessoa humana.

De fato, se o bem não habita nos membros, os membros não podem constituir o ser inteiro, já que se diz que o querer o bem está “em mim” também. Fica claro que existem duas partes sob duas leis. Obviamente, a pessoa como um todo sofre essa luta, na dualidade, no holismo bíblico.

No verso 26 temos que servimos à Lei de Deus na mente e à lei do pecado na carne. O homem interior é a mente, é o espírito, é a alma. O homem exterior, então, é o corpo, é a carne, são os membros.

O verso 23 é muito emblemático para a dualidade da natureza humana, e parece ultrapassar a simples realidade de aspecto, introduzindo mesmo a distinção e o caráter separável de corpo e alma.

O contexto inteiro afirma que há em nós uma Lei (Rm 7, 21) que nos faz desejar o bem, mas se encontra em nós outra Lei, e o que resulta é o mal. Nós nos deleitamos, segundo o homem interior, na Lei de Deus, mas encontramos em nossos membros outra lei, que luta contra a lei da mente. Isso é bastante profundo. A carne está sujeita á lei do pecado e luta contra a mente que está submissa à lei de Deus.

Obviamente a integralidade da natureza humana explica esse conflito, quando um querer é substituído por outro, gerando outro ato, o pecado, onde um aspecto na nossa natureza está manchado e mais levado ao pecado, produzindo essa tendência que mancha e atinge todo o ser, proveniente da carne, mas que outro aspecto possui a lei santa de Deus.

Se isso for somente relativo aos aspectos distintos, mas não separáveis, parece haver um problema quando o assunto é a morte.

Se a Escritura afirma em Rm 8, 23 que esperamos a redenção do corpo, isso parece voltar a atenção a essa realidade de que a mente já está santificada pelo Espírito Santo que habita em nós. Parece indicar que a mente está em maior profundidade, a ponto da lei de Deus ser chamada da lei da mente e contraposta à lei que está nos membros.

Disso resulta que, se existisse um monismo, a morte aniquilaria aquilo que possui as primícias do Espírito, aquilo que já está preparado, aquilo que foi renovando-se dia a dia, como homem interior, e que, de certa forma, seria o mesmo que admitir a morte do que está lutando através da santa lei de Deus.

Assim, o ser humano tem em si duas leis, uma de Deus e outra do pecado, em diferentes aspectos do ser. Mas ao dizer que a lei dos membros luta contra a lei da mente, se os membros que estão completamente entregues ao mal fossem o homem inteiro, onde um aspecto do homem estaria deleitando-se em Deus, com a Sua lei gravada na mente, com o bem de Deus em si, não concordaria com a afirmação de que há o bem na mente: “Homem infeliz que sou! Quem me livrará deste corpo que me acarreta a morte?” (Rm 7,2 4).

 

Como ficar livre de si mesmo? O apóstolo poderia apenas estar pedindo a transformação total do ser, mas o contexto afirma que é no corpo, na carne, nos membros, que está a concupiscência, a outra lei, a lei do pecado que luta contra a lei do espírito. Ao dizer que o corpo é que será redimido no último dia, que é o que será livrado do homem, que é aquilo que está sendo subjugado por aquele que está vivo para Deus, a Bíblia está afirmando a dualidade, o que é separável nas duas parte na morte, da alma e do corpo.

Por isso, Jesus disse que o espírito está pronto, mas a carne é fraca (Mateus 26, 41). Se a morte é para o mortalismo o aniquilamento do ser inteiro, essa parte preparada não recebe nenhuma serventia para os mortos, pois não seria parte separável, e seria aniquilada até o dia da redenção da outra parte, que indicaria todo o ser, a saber, da carne.

Para manter a morte em sua força total o mortalismo afirma que ela deve atingir todo o ser, e interpreta essa situação como inexistência de corpo e alma. Mas isso já entra em conflito com o que foi apresentado. Dessa forma, há separação corpo e alma na morte, e, portanto, a alma não é um termo que indica apenas algo material.

Gledson Meireles.