A doutrina dos sacramentos é importante para todo cristão católico. É necessária uma nova evangelização, uma nova catequese, uma nova instrução cristã católica, pois é extremamente comum encontrar católicos que não conhecem a doutrina da Igreja. E os sacramentos são parte fundamental da vida cristã, começando a serem recebidos na maioria das vezes na tenra infância, com o santo batismo cristão.
Por outro lado, um protestante convertido à fé católica encontrará diversos pontos de semelhança na doutrina sacramental, os quais poderão servir-lhe de suporte para o entendimento e fé do que ainda falta para completa-la. Isso poderá ser mais ou menos, de acordo com a proveniência denominacional do convertido. Um luterano terá maiores semelhanças com um católico do que aquelas que existem entre um batista e um católico.
Então, o sacramento é um sinal exterior e material da graça de Deus. Essa conceituação provém da definição antiga, que explica os sacramentos como veículos da graça divina. É uma definição com base bíblica.
Por outro lado, a doutrina reformada tem nos sacramentos um suporte para a fé, um selo da aliança, por terem sido instituídos por Deus. Dessa forma, eles não possuiriam qualquer efeito em si mesmos, mas apenas aquele que o Espírito Santo efetuar no coração do crente através da fé.
Por meio dos sacramentos o Senhor selaria as Suas promessas em nossas consciências, sustentaria a nossa fé, enquanto que nós daríamos a Ele o nosso testemunho da graça que recebemos. Assim, a palavra de Deus é um meio e os sacramentos constituem outros para o fortalecimento da fé. Eles são sinais materiais porque nós somos também materiais.
A Palavra de Deus produz a fé, os sacramentos a confirmam e o Espírito Santo opera nos corações para que isso ocorra. Os sacramentos aumentam a fé, que já é salvífica no coração, mas que sempre exige aperfeiçoamentos.
Tudo isso é verdadeiro, mas ainda incompleto. De fato, há a presença de um erro que introduz certo desequilíbrio e pode afetar o correto entendimento do que segue. Trata-se na desconsideração da força do Espírito Santo na própria ação sacramental.
Calvino atacou fortemente a compreensão católica dos sacramentos, afirmando que são feitos frequentemente sob a tirania do papa, não livre de grande profanação do mistério, pois pensam suficiente o sacerdote pronunciar a fórmula da consagração, enquanto o povo, sem entendimento, assiste estupidamente.
É de grande validade instruir o povo cristão sobre o mistério dos sacramentos, o sentido de cada um deles, para que não profanem a verdade ali ensinada. Não é certo, porém, destruir a própria doutrina sacramental para efetuar essas reformas. Por isso, por meio de alguns retoques radicais, Calvino alterou a doutrina dos sacramentos.
Na doutrina reformada a pregação é imprescindível. De fato, esse caráter é próprio do Cristianismo, e, portanto, é parte integrante da fé católica. Contudo, o fato da Reforma enfatizar a fé levou a pregação a assumir um status tão alto que tudo mais na liturgia passou para outros planos. Sabemos que é exigida a pregação para produção da fé. Também, sabemos que o uso dos sacramentos está de acordo com a nossa natureza material, pois não somos puros espíritos, mas seres dotados de espírito e matéria.
Assim, os sacramentos são como colunas para a fé. É irracional dizer que os sacramentos não são manifestações da graça divina porque os ímpios recebem por eles maior condenação. Pelo mesmo raciocínio o evangelho não será manifestação da graça de Deus, porque é negado pelos que o ouvem, e Cristo é visto por muitos e recebido por poucos, afirma Calvino. Então, volta a enfatizar a fé, e ensina que somente quem recebe com fé tem a eficácia anunciada no sacramento.
Calvino afirma que Deus nos treina pela Sua palavra, confirma pelos sacramentos e ilumina pelo Espírito Santo. Tudo isso é verdade. Afirma que Ef 4, 13 não é crer perfeitamente, mas abraçar a Cristo sinceramente, não ser enchido, mas ter ardente afeição. Explica assim respondendo pela passagem do eunuco At 8, 37. De fato, nem a Palavra, nem os sacramentos, fariam nada se não fosse a iluminação do Espírito Santo no coração do pecador. Isso é o que afirma com acerto Calvino.
No entanto, partindo desse princípio, verdadeiro, ele parte logicamente para uma área que nega a eficácia do sacramento. Ele fala do aumento e confirmação da fé, não que o sacramento tenha eficácia secreta nele, mas porque Deus instituiu ele para isso – só pelo Espírito, com energia que penetra o coração – entre o Espírito e os sacramentos, a energia é o Espírito e o ministério é o sacramento.
Como dissociar essa verdade da doutrina católica? Impossível, pois essa é a pura doutrina católica, mesmo na frase que nega eficácia secreta no sacramento, pois a Igreja ensina que o mesmo não é em si algo que age para causar a graça, mas é algo criado por Deus para comunicar a Sua graça, de forma que tornou-se por isso um meio para esse fim, o que depende exclusivamente do poder de Deus. Com isso, temos entrado mais profundamente que Calvino pensou no mistério dos sacramentos. Ao invés de negar a sua eficácia secreta a confirmamos. Não pela matéria, ou por um ato de vontade humana, mas pela instituição divina.
Calvino foi contrário à doutrina de que os sacramentos justificam e conferem a graça, desde que não interponha obstáculo do pecado mortal. O sacramento seria separado da realidade pela indignidade do participante, comenta o reformador, de forma que não resta mais que uma vazia e inútil figura.
Para ele o sacramento não sofre perda alguma por causa do pecado mortal, porque o próprio sacramento não teria intrinsecamente nenhum valor espiritual à parte. Assim, se um pecador sem fé recebe um sacramento, não seria por isso abençoado, nem o sacramento teria qualquer prejuízo, por não ter em si coisa alguma. Essas são conclusões da doutrina reformada.
Temos, com isso, que os sacramentos somente possuem a validade como sinais da fé, e o participante aprende da Palavra, alcança sua significação pela fé na Palavra, de modo que o símbolo em si, em sua qualidade material, é destituído de qualquer graça, sendo um mero sinal vazio e inútil. A fé conferiria todo o sentido do sacramento. Por isso a importância de crer, de aprender corretamente, de conhecer a realidade que se celebra.
Não se pode objetar contra esse fato, a não ser a negação da eficácia dos sacramentos. De fato, na doutrina bíblica, o sacramento é um ato de Deus, trazendo a graça, mediante a fé, mas possuindo em si a virtude do poder de Deus no ato realizado. Assim, o participante do sacramente deve ter a fé, como imprescindível em quem tem a capacidade de exercer esse dom, ou não interpor qualquer obstáculo, visto que o sacramento contém a graça de Deus, proveniente da paixão de Cristo, mas somente aplicará seus efeitos naquele que receber com fé, e sem barreiras espirituais, que são os pecados mortais não arrependidos. Para Calvino, pelo contrário, o sacramento é apenas sinal que alimenta e confirma a fé nas promessas de Deus, e não possui graça alguma.
Vemos assim, que o cristão católico não pode crer como o cristão reformado nesse particular. E não o pode porque isso é um erro, o que ficará patente na continuação do estudo.
Então, como poderia o sacramento auxiliar a fé, pela ação invisível do Santo Espírito, que move os corações para a adesão da fé ao sinal do sacramento, se essa mesma ação não for realizada pela graça proveniente do próprio Espírito? Se o sinal é necessário como instrumento e meio para a ação do Espírito, despertando a fé para a operação do próprio Espírito, é porque o próprio sacramento é instituição sagrada de Jesus Cristo, que opera com o Espírito Santo nele, e não constitui mero sinal sem a divina graça. Calvino não entendeu esse pormenor.
Seus efeitos, ainda que necessitem da fé (o que está correto) não podem valer se o pecado o prevenir. Esses são efeitos espirituais reais, que não dependem do realizador (do bispo, do padre, do diácono, etc.) e nem do participante (de quem recebe o sacramento), para que não se retire nada do poder soberano de Deus. Com efeito, a ação divina no sacramento é efetuada apesar da descrença e do pecado, mas os efeitos salvíficos não poderão ser comunicados por esses impedimentos. Eles marcam o pecador, mas não conferem a salvação quando não há fé ou há impedimento.
Ao contrário de se ter o sacramento com mero sinal sem ser conferidor da graça diretamente, mas agindo externamente aos sentidos para avivar a fé e ser assim meio da graça como que prescindido do sinal, a Escritura afirma que o sinal possui a graça, o que explica que sua recepção requer as disposições adequadas do coração movido pela graça, para não ser ocasião de profanação espiritual.
Prevenir o homem de atribuir valor mágico ao sacramento ou às palavras do sacramento em detrimento da fé em Cristo o Autor do sacramento, não pode ser feito pelo desvirtuamento e esvaziamento do próprio sacramento à condição única de símbolo.
Deus não teria utilizado meios visíveis para comunicar a Sua graça como se a possibilidade de desvirtuamento desses pela mente pecaminosa do homem fosse algo invencível. Ele instituiu esses meios apesar das muitas formas de desvirtuamento que a imaginação humana pode realizar. É a Palavra de Deus bem compreendida e apreendida pela fé a causa da correção de qualquer tipo de distorção nessa matéria.
Quando santo Agostinho afirma que pode haver santificação sem o sinal visível do sacramento, como também o sinal sem a santificação interna, ele está tratando das muitas vezes em que o sacramento pode ser recebido sem a fé e as devidas disposições, como as que Deus age diretamente no coração de alguns sem que eles ainda tenham tido conhecimento e tenham se aproximado da verdade do Evangelho e dos seus sacramentos.
A doutrina de Calvino difere da doutrina católica por negar a eficácia do poder de Deus no sacramento, e transferir a eficácia apenas à fé que é exercida, ainda que por meio da instrumentalidade do sacramento. O sacramento não teria razão de ser se não estivesse ordinariamente unido à virtude da graça na sua instituição por Cristo.
Enquanto que na doutrina de Calvino a fé do homem, dom de Deus, é que determina o efeito da graça na alma, a doutrina católica tem no sacramento a ação de Cristo que confere o efeito apesar de qualquer coisa, mesmo se a fé estiver ausente ou se o pecado for obstáculo, marcando quem recebe o sacramento, e efetuando segundo a graça ao que o recebe com as devidas disposições, e sendo motivo de perdição para quem o profana. Os frutos do sacramento, então, só podem ser recebidos pela fé, que é dom de Deus, segundo a preparação do coração mediante a graça de Deus. Na doutrina católica o sacramento tem valor intrínseco, posto nele por Cristo, enquanto que para Calvino não.
Calvino explica que Cristo é a matéria ou substância de todos os sacramentos porque é nEle que está a solidez. Concordamos. E somente a pessoa que recebe o sacramento com verdadeira fé tem o seu efeito nela realizado. Mas, Calvino não quer dizer que o sacramento tenha validade apenas através da fé de quem recebe. Ele afirma que o que Deus instituiu continua firme, embora as pessoas variem. Os símbolos continuam com seu poder e sua significância embora não efetuem nada no ímpio.
Com essas palavras Calvino quer salvar o valor do sacramento, na sua condição de símbolo, que não pode ser apenas simbólico sem qualquer significado secreto, nem considerado como uma coisa em si que causa a graça.
Mas, as duas coisas estão prevenidas na doutrina ex opere operato, pois o símbolo continua com todo seu vigor, e o poder que nele age vem de Cristo e aponta para Cristo pela ação do Espírito Santo. Não há necessidade de transformar os sacramentos em simples sinais para evitar outros erros. Não se introduz um erro para corrigir outro.
Por isso, Calvino negou a doutrina de que o sacramento possui a força de Cristo, mas concordou que é um instrumento pelo qual o Espírito Santo age, por meio da fé, o que já é um meio termo que beira à contradição. Nada em si, mas imprescindível para ação do Espírito. Compreensível, mas não insuficiente para mostrar o que de fato é um sacramento.
Uma vez que o sacramento não pode ser algo mágico, como é verdade, também não pode ser apenas simbólico, o que certamente é verdade, mas deve ser um meio pelo qual a graça de Deus chega ao fiel. Calvino cria nisso, de certa forma, aproximando-se da doutrina de que o sacramento age pela ação realizada. Em outro momento parece afastar-se mais desse ponto. Ele chega próximo daquilo que tanto esforçou-se para negar, a doutrina ex opere operato, que ensina que os sacramento valem em virtude da ação realizada, ou seja, que Deus infunde a graça, opera Seu poder, no momento em que o sacramento é realizado com fé como Ele instituiu. Nenhum cristão pode negar isso.
Para tanto, Calvino afirmou um erro de que os sacramentos usados nos tempos do Antigo Testamento são os mesmos em valor àqueles instituídos por Jesus Cristo. Criticou a concepção dos escolásticos faziam diferença entre os sacramentos da antiga lei e os da nova, em consideração a São Paulo que trata os mesmos em iguais termos, em 1 Coríntios 10, 3. Se todos beberam de Cristo por meio dos símbolos antigos, são os novos símbolos de igual serventia para os cristãos.
Calvino afirma que os sacramentos do Antigo Testamento apresentavam aos judeus o verdadeiro sinal de comunhão com Cristo, e assim ensina que são iguais em valor aos sacramentos do Novo Testamento. Não há eficácia na Lei Cerimonial, somente em Cristo, do qual depende a lei. Partindo de um princípio verdadeiro, por sinal, esbarra nele e cai em erro.
Calvino responde à objeção baseada na circuncisão da letra, que coloca o batismo em maior valor, e afirma que mesmo o batismo pode ser sem valor, pois o que conta é a purificação da mente, e o testemunho da boa consciência, como afirmam os apóstolos São Paulo e São Pedro, respectivamente.
Quanto à comparação entre circuncisão e batismo, o batismo seria igual em valor, estando a diferença em que a circuncisão foi ab-rogada, e por isso não é mais para ser praticada. Ainda assim, o reformador reconhece que existe o contraste entre a sombra e a verdade, afirmando que temos a realidade agora. Quanto ao sacramento, porém, os iguala em eficácia. Como vimos, a eficácia é retirada, pois o que vale é a fé.
A passagem mais difícil de ser explicada a partir dessa perspectiva de Calvino, ele mesmo reconhece, é Colossenses 2, 17. Mas, continua o reformador, a diferença entre os sacramentos da antiga lei e do evangelho não está na eficácia, mas no significado.
Pelo contexto de controvérsia, onde São Paulo está respondendo a falsos cristãos, que colocavam sua fé em cerimônias, mostra que as próprias cerimônias são sem valor se não forem recebidas pela fé, pode-se afirmar, o que estaria em favor da interpretação calvinista.
Essa seria a opinião dos santos padres, como de Santo Agostinho, citando para isso uma importante passagem, dentre outras, que é a da Homilia do Evangelho de João, número 26, que compara o poder dos sacramentos afirmando sua semelhança. Afirma que o opus operatum é falso e repugnante aos sacramentos.
Temos então uma comparação geral dos sacramentos do Antigo Testamento e os do Novo, que na opinião de João Calvino possuem diferenças na forma, na aparência, noa dispensação em que são realizados, mas não na natureza.
Os antigos teriam tido sua simbologia mantida até os dias de Cristo, que os aboliu. Os novos teriam outra simbologia e manifestação, sendo iguais na essência. Circuncisão seria nesses termos iguais ao batismo. Ambos não teriam a eficácia espiritual, mas ambos teriam mesmo valor simbólico. Uns antes da vinda do Salvador, indicando sua ausência, outros após a vinda, apontando para Sua presença. Na ausência física Cristo estava espiritualmente presente, assim como hoje. Portanto, para Calvino os sacramentos são simbólicos.
Uma refutação escriturística radical precisa ser feita a essa interpretação. Diante disso, podemos citar igualmente Santo Agostinho como a melhor testemunha dos antigos, como falou Calvino, mostrando que o mesmo ensinou que o batismo, por exemplo, toca o corpo e limpa a alma, mostrando que o sacramento efetua algo espiritual em sua aplicação.
A doutrina católica tem equilibrado dois pontos que a doutrina reformada separou e pôs em desequilíbrio. O sacramento é ensinado como contendo uma eficácia em si mesmo, como São Paulo mostra em Gálatas 3, 27, uma vez que o cristão é batizado em Cristo ele é revestido de Cristo. Calvino dirá que isso é o efeito da graça e não do sacramento, que é visível, mas vemos claramente que o sacramento é causa desse revestimento, ou o meio pelo qual o revestimento de Cristo foi feito, sendo assim um efeito do sacramento, que é operado pela graça.
A graça não foi dissociada da cerimônia, mas ordinariamente ligada a ela. Assim, mesmo na leitura calvinista deve-se ver que a graça agiu mediante o símbolo. O símbolo ativou a fé recebida, que por sua vez trouxe a iluminação do Espírito Santo e efetuou a salvação.
Ficaria a explicar porque Deus agiria pela imposição de um símbolo sem que o mesmo tivesse qualquer serventia em si naquela conjuntura. Essa ideia foi tratada por Santo Tomás, que a refutou, mostrando que os sacramentos da nova lei não são meros sinais, mas causam a graça. Essa causa deve ser bem entendida.
Deus é a origem da graça, e somente Ele pode causá-la, pois a graça que vem da participação na natureza de Deus, como está em 1 Pedro 2, 4, também vem a graça por meios instrumentais, postos por Deus, que age por meio desses instrumentos. Assim, está ensinado em Contra Fausto 19. Por isso, a Escritura afirma que somos salvos pelo banho da regeneração (cf. Tito 3, 15).
Por esse motivo, os sacramentos da Antiga Aliança não são iguais aos da Nova Aliança em si mesmos, quanto à natureza, à qual não passava de meros símbolos que apontavam para o futuro Salvador. Ao contrário, os sacramentos da Igreja são maiores na sua própria natureza, como instituídos por Cristo. Os sacramentos contêm a graça como símbolo e como causa instrumental.
De fato, Santo Tomás de Aquino tratou da questão se os sacramentos da Antiga Lei conferiam a graça igualmente como os da nova Lei do Evangelho. Isso mostra que havia algo diferente no entendimento dos sacramentos nesses dois períodos entre os objetores. Não existia a ideia de que os sacramentos antigos não tinham a graça como não os têm os sacramentos cristãos, mas que os sacramentos antigos possível a graça da mesma forma que os sacramentos cristãos.
Por isso, a forma da objeção enfrentada por Santo Tomás tomou outra forma nos tempos de Calvino, que utilizou a mesma questão de comparar as duas alianças quanto ao sacramento, mas interpretando os mesmos no contexto da doutrina da salvação pela fé somente.
Enquanto no século treze todos criam na eficácia dos sacramentos, surgia também a objeção de que no Antigo Testamento havia graça nas suas cerimônias. Contudo, no século dezesseis, em meio à mudança de pensamento teológico e com a ênfase na virtude da fé, os sacramentos foram esvaziados do seu poder instrumental para coadunar com a nova estrutura teológica protestante. Em termos essenciais a questão era semelhante à tratada na Suma Teológica, mas com roupagem nova.
A consideração de Santo Tomás é muito oportuna. Os sacramentos do Antigo Testamento não poderiam conferir a graça, pois tal coisa tornaria a paixão de Cristo sem sentido. Lendo Gálatas 2, 21 temos o fundamento para essa doutrina. Se a justiça vem da Lei, Cristo morreu em vão. Por isso, os sacramentos antigos são de fato diferentes dos novos em sua natureza.
Porventura, podemos pensar que os sacramentos conferiam a graça pela fé no Cristo que ainda iria encarnar-Se? Não, porque o sacrifício da cruz não havia sido realizado, e o valor do sacramento não podia ter a graça que substituísse o sacrifício então vindouro. Foi a cruz de Cristo que trouxe a salvação, a não os sacrifícios de cordeiros.
Doutro modo, os sacramentos do Novo Testamento não podiam continuar sem o poder da graça como os antigos, pois a sombra deu lugar à realidade cristã. A frase de Santo Tomás poderia ser totalmente subscrita por Calvino: “Contudo os antigos padres (do AT) foram justificados pela fé na paixão de Cristo, assim como nós o somos” (S. Th. Q. 62, a. 6). Os sacramentos antigos significam o sacrifício da cruz e seus efeitos. Eles são o significado da fé.
Em outras palavras, o que o reformado pensa dos sacramentos, se ele se restringir à explicação mais antiga e mais rígida de Calvino, faz da natureza dos sacramentos de hoje igual à daqueles antes da cruz, e faz que o modo pelo qual os cristãos são salvos hoje idêntico ao que estava em vigor antes de Cristo, o que é algo não corroborado pela doutrina do Novo Testamento.
Por esse motivo, vemos que os teólogos reformados têm alavancado a discussão nesse ponto de modo a manter as raízes reformadas, mas também involuntariamente a aproximar-se da doutrina católica, como pode ser apreciado na exposição de Wayne Grudem. Vejamos o que esse teólogo tem a apresentar sobre os sacramentos, depois dessa apreciação da exposição de Calvino.
Meios de graça segundo Wayne Grudem
Aludindo à história da discussão sobre os meios de graça na Igreja, ou como pode ser dito doutra forma, os canais da graça que Deus dispôs para a Igreja, o teólogo Wayne Grudem aponta um número de onze meios, dentre vários outros, que Deus usa para abençoar a Igreja.
Critica, assim, a posição de Louis Berkhof, o qual define a pregação da Palavra e os sacramentos do batismo e da ceia como os únicos meios oficiais da graça, por serem realizados pelos ministros, ao que chama de sacerdotalismo, ao modo da Igreja Católica, e valoriza a opinião de Charles Hodge que adiciona a oração como o quarto meio. Então, Wayne aponta a maioria dos meios de graça no número de onze.
O teólogo critica o Catolicismo por tradicionalmente crer que a graça vem somente pela ação do ministério ordenado da Igreja, tendo em vista a função dos sacerdotes. Apresenta a diferença que há entre as posições católica e protestante, não somente na lista de meios de graça, mas no sentido fundamental.
Os católicos estariam ensinando meios de salvação, enquanto que os protestantes apenas os meios de graça, que são bênçãos para a vida cristã. Refere-se também à questão do efeito dos meios de graça, quando na Igreja Católica os sacramentos agem como atos de Deus, e não dependem da fé subjetiva, enquanto que para os protestantes a graça é comunicada apenas nos que possuem fé. Essa diferença certamente já tenha ficado clara quando da apresentação da doutrina reformada feita por João Calvino.
Entretanto, a essa altura pode-se afirmar que Wayne Grudem falha em expor os meios de graça na Igreja Católica restringindo-os aos sete sacramentos que são realizados ordinariamente pelos clérigos e em sua crítica de que a graça estaria sujeita a ser dispensada somente nos atos realizados por meio dos ministros e não por todos os fieis.
Esse entendimento é imperfeito, já que a Igreja considera não somente os sete sacramentos como meios de graça, mas vários outros meios, incluindo, por exemplo, ainda que seja sacramento, o próprio batismo realizado por qualquer pessoa em caso de necessidade, para garantir a graça de Deus a uma pessoa. Isso explode a objeção contra o “sacerdotalismo”.
Além disso, os sacramentais que são assim chamados por serem outros canais da graça que exigem a fé dos fieis, e as bênçãos que todo cristão está habilitado a conferir por meio do sacerdócio comum recebido no batismo. São meios de graça em grande número além dos sacramentos e bênçãos oficiais, que todos os fieis crentes têm à disposição na vida cristã na Igreja.
Os sacramentos por serem instituídos por Jesus constituem atos Seus em favor da Igreja, e transmitem a graça por Sua realização, enquanto que os demais meios que o Espírito Santo utiliza para santificar dependem da fé exercida pelas pessoas que os recebem. Compreende-se assim que os protestantes geralmente reduzem os sacramentos à qualidade de sacramentais. E por não compreenderem essas duas realidades, confundem ambas. E o teólogo batista não conhece essa abrangente doutrina católica que reconhece tantos modos pelos quais o Santo Espírito derrama a graça na Igreja.
Então, continuando a apresentação dos meios de graça, como a pregação da Palavra, afirma que essa não é um meio de graça somente quando proclamada pelo ministro, mas também nos estudos, na leitura de livros sobre a Escritura, na leitura individual da Escritura, e etc., deve-se dizer que todo cristão católico concorda e vive essa dimensão da Palavra como canal da graça, e é exortado a viver, de forma que a Igreja Católica faz da leitura bíblica individual um meio de ganhar indulgência, que é outra forma de receber a graça de Deus. Outro exemplo que faz desmoronar as aludidas críticas.
No batismo o Espírito Santo age por meio desse sacramento para aumentar a fé ou nossa experiência de morte ao pecado e ressurreição. Essa é a doutrina ensinada por Wayne Grudem.
Dessa forma, ainda que o batismo seja ensinado com válido somente por imersão e aplicado somente à pessoa que crê, de forma que é símbolo da regeneração ocorrida, o teólogo crê que o Espírito Santo abençoa o fiel por meio do batismo, dando as graças acima referidas. É digno de nota que o mesmo também reconhece que Romanos 6, 2-5 e Colossenses 2, 12 são textos batismais. É razão de alegrar-se que os protestantes estejam crescendo na fé e reconhecendo que o batismo é mais que um sinal, mas que comporta um meio de graça, de bênçãos do Senhor. É um grande passo.
A posição de Grudem ainda inclui a fé na bênção que acompanha a cerimônia do batismo, exercida de alguma forma, na qual o Espírito Santo opera, certamente, para levar o salvo a perceber seu novo estado diante de Deus. Wayne Grudem ainda faz a tentativa de unir o batismo com a recepção do Espírito Santo, coisas que são separadas na doutrina reformada, de forma a pensar que, quando o batismo “acompanha a profissão de fé inicial de alguém”, há por certo uma “conexão” entre o batismo e o recebimento do Espírito como está em Atos 2,38. É incrível. Grudem supera certas linhas do protestantismo reformado ainda mantendo a ortodoxia protestante, mas não é menos verdadeiro que sua posição aproxima-se da verdade católica. Ele certamente tomou uma nova posição nesse campo.
Obviamente Grudem não alcançou ainda a doutrina verdadeira, mas diante de textos inequívocos, como o de Atos 2, 38, difíceis de serem explicados satisfatoriamente por meio da doutrina reformada, ele expressou uma forma de diminuir o distanciamento da graça entre a conversão e o batismo, de modo a pensar em alguma bênção atrelada à cerimônia batismal ao mesmo tempo em que mantendo a doutrina protestante de que não há graça no “ato do batismo”, o qual entende com algo “mágico”.
A única forma correta e completa da doutrina batismal é reconhecer o poder do Espírito Santo agindo no ato do batismo, não por causa da matéria física utilizada, nem por semelhança à superstição mágica, mas por constituir o sacramento que Jesus instituiu para realizar o novo nascimento, o nascimento do alto pela água e pelo Espírito (cf. João 3, 5). Todas as graças adicionais à regeneração, perdão, justificação e santificação, como a alegria e o entendimento da mudança ocorrida pelo batismo estão todas juntas. O teólogo caminhou mais que outros nesse sentido.
Ele continua a combater a doutrina católica ex opere operato, certamente por não ter bom entendimento dela ainda, mas ensina que não se deve ter o batismo como mero símbolo, e crer que o Espírito Santo age por meio do batismo. Ele diverge de Calvino, e da própria tradição batista, como pode ser percebido aqui. Espera-se que o protestante que estuda essa questão cresça na fé e ultrapasse essa barreira e creia que o santo batismo é um ato de Cristo.
Em relação à ceia do Senhor, o autor também ensina que há bênçãos especiais na sua participação, voltando a ensinar que não é o mesmo que a Igreja Católica ensina, pois inclui a necessidade da fé para que o efeito seja produzido, mas que a Ceia não pode ser entendida como mero símbolo. De fato, esse passo do teólogo também aproxima sua posição da doutrina verdadeira. A doutrina católica também exige a fé para a participação correta da Eucaristia, assim como o arrependimento dos pecados, para que os frutos da graça sejam recebidos, mas insiste biblicamente que a própria cerimônia é meio de graça objetivo. Por esse modo a má participação traz castigos divinos.
Gledson Meireles.