quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Livro: Muito antes de Lutero - refutação: O recebimento da justiça de Cristo

Refutação: O recebimento da justiça de Cristo

 

As citações em que se vêem os padres da Igreja falando do recebimento da justiça de Cristo pelos crentes, citadas por Busenitz, seriam um prenúncio da doutrina dos Reformadores.

Um exemplo, talvez o mais evidente, segundo o autor reformado, seria da Epístola a Diogneto, na qual ele escreve que: “Pois o que mais conseguiria cobrir nossos pecados exceto sua justiça”, falando da “doce permuta”, onde a “perversidade de muitos fosse oculta em um único justo, e a justiça de um justificasse muitos transgressores”.

Essas palavras estariam “em plena concordância com a visão clássica da Reforma”, mas também estão em total conformidade com a perspectiva Católica ensinada no Concílio de Trento.

E não podia ser diferente, pois a doutrina de Trento é a mesma doutrina da Sagrada Escritura e testemunhada pelos padres da Igreja.

Mas, há um ponto em que devemos nos deter mais. O autor protestante não diz que essa doutrina escrita por esse autor do século segundo é igual à dos reformadores, mas que os “pais prenunciam a doutrina” dos reformadores sobre a justiça imputada de Cristo. Assim, o que Diogneto escreveu está em total concordância com o Concílio de Trento, mas, talvez, apenas seria exemplo do preparo para o desenvolvimento da doutrina dos reformadores.

Jordan Cooper, por sua vez, explica a passagem de Diogneto como se fosse idêntica a dos Reformadores, onde a justiça de Cristo é colocada sobre o pecado mas não infundida, causando transformação interior. Para Cooper, isso seria coerente com a afirmação do autor Diogneto, onde fala da justiça alheia.

Contudo, diferentemente da doutrina dos reformadores, é um fato que Diogneto não escreve que o pecado é apenas coberto sem deixar de existir. Não diz que a justificação é apenas a não imputação do pecado e imputação da justiça. Diz sim, que a perversidade de muitos fica oculta no único justo e a Sua justiça justifica muitos transgressores. Essa linguagem é linguagem católica.

Isso se entende de forma realista, pois o que para Deus é oculto não existe. Se os pecados ficam ocultos para Deus na justificação do pecador, é porque eles são perdoados, destruídos, e a justiça de Cristo cobre o seu lugar, limpando a alma pecadora.

A Bíblia afirma: “Ora, sabemos que o juízo de Deus contra aqueles que fazem tais coisas corresponde à verdade” (Romanos 2, 2). Deus não pode imputar a justiça de Cristo sem que ela seja dada ao pecador, e não imputar o pecado se o mesmo continua no pecador. A imputação da justiça inclui sua infusão na justificação e a não imputação significa ao mesmo tempo o perdão e a destruição do pecado.

Imputar a justiça e não transferi-la realmente ao justificado e não imputar o pecado que está no pecador é mentira. Por outro lado, o juízo de Deus corresponde à verdade. Quando Deus justifica o ímpio, o ímpio é declarado justo, pois, recebe a justiça de Cristo.

Um ponto importante é que o Concílio de Trento não ensina que a justiça do pecador possa justificar. Por isso, o pecador não pode vangloriar-se, pois não é sua própria justiça a base da justificação. Esse ponto é mantido na doutrina dos reformadores protestantes.

Agora com citação de São Basílio (300-379), no século quarto, Busenitz fala da justificação não pela própria justiça, mas o pecador é justificado unicamente pela fé em Cristo.

Obviamente, como diz Michael Haykin, São Basílio se opõe fundamentalmente à noção de que o homem possa salvar-se a si mesmo por meio das boas obras. E afirma que esse texto de São Basílio era um dos citados pelos reformadores para provar que a doutrina reformada não era nova.

Vamos notando aqui como é comprovada a doutrina por meio da patrística. O autor Nathan Busenitz citou a Carta a Diogneto, do século II, e agora cita São Basílio do século IV.

Vemos que isso é o que faz a Igreja Católica. Por exemplo, para corroborar a doutrina da imaculada conceição, que é combatida pelos protestantes, a Igreja cita fontes do século II, III, IV e assim por diante, de modo a formar um corpo de textos para reforçar o argumento.

A próxima citação é de São João Crisóstomo (347-407), do quarto século e início do quinto século. Ele afirma que o propósito da morte de Cristo foi fazer o bem em nós...a fim de nos tornar justos. Os pecados não foram somente abolidos na cruz mas a justiça de Cristo foi concedida, diz São João Crisóstomo.´

Ainda, Cristo se fez pecador para tornar justos os pecadores. Obviamente não se trata de tornar-se pecador ontologicamente, mas ser vítima do pecado, sem pecado, inocentemente, para que os pecadores, de fato, se tornem realmente justos.

E São João Crisóstomo especifica a palavra da Escritura, afirmando que São Paulo não escreveu que Jesus se tornou pecador, mas “pecado” para que fôssemos feitos “justiça”.

Cristo que não pecou e não conheceu pecado, Se tornou pecado, no sentido de vítima inocente oferecida em sacrifício, para que o pecador que não operou para a justiça e não conheceu a justiça, tenha a justiça d de Cristo.

E afirma que a justificação não é por obras, pois não se pode encontrar nenhuma mancha, “mas pela graça, caso em que todos os pecados são destruídos”. É claro que se os pecados são destruídos eles deixam de existir. É a mesma doutrina do Concílio de Trento.

Mas Busenitz entende bem a permuta, onde Cristo assume a culpa do pecador e a Sua justiça é dada ao pecador. Deus tratou a Cristo “como uma oferta pelo pecado sobre a cruz”, como explicado acima. E afirma que os crentes não são justos por hábito, e conclui o autor protestante: “mas Deus, por causa de Cristo, os trata como qualitativamente justos (em termos de sua condição perante ele”. Esse ponto está errado.

Como afirmado antes, Deus não trata os pecadores justificados “como qualitativamente justos”, mas infunde a justiça de Cristo para que sejam de fato justos, não com justiça própria, mas com a de Cristo. E a partir daí construam a justiça própria com as boas obras que Deus preparou.

São João Crisóstomo  escreve: “fomos, de uma vez por todas, libertos da punição, e despidos de toda iniquidade, e fomos também renascidos do alto, e ressuscitados, tendo sepultado o velho homem, e fomos redimidos, santificados, levados à adoção, justificados, e feitos irmãos do Filho Unigênito, e herdeiros do mesmo corpo juntamente com ele, e reconhecidos como sua carne, até mesmo como um corpo com a cabeça, fomos unidos a ele!”

Note o leitor que São João Crisóstomo fala da libertação da punição, do perdão, da regeneração, da ressurreição espiritual, da redenção, da santificação, da adoção, da justificação, tudo como sendo o mesmo momento. O mesmo que é ensinado no Concílio de Trento, e diferentemente do que é ensinado pelos Reformadores.

A imensurável justiça de Cristo é a base pela qual Deus declara justo o pecador, conforme 2 Coríntios 5, 21, porque Deus dá ao pecador a justiça de Cristo e não apenas  imputa a justiça como sendo o pecador, como já explicado acima. Assim, o entendimento protestante da imputação apenas é um erro grave.

O Cânon 10 do Concílio de Trento ensina: “Se alguém disser que os homens são justos sem a justiça de Cristo, pela qual Ele mereceu para nós sermos justificados, ou que é por aquela justiça mesma que eles são formalmente justos, que seja anátema.” Então, a justiça humana não pode justificar.

Assim, ensina o Cânon 11: “Se alguém disser que os homens são justificados ou pela imputação somente da justiça de Cristo ou pela remissão dos pecados somente à exclusão da graça e da caridade que é derramada nos seus corações pelo Espírito Santo, e que é inerente neles, ou mesmo que a graça pela qual somos justificados é somente o favor de Deus, que seja anátema”.

Portanto, é preciso que o cristão católico creia que a justificação acontece quando Deus declara justo o pecador, tornando-o justo verdadeiramente, e perdoando seus pecados, ao mesmo tempo em que derramada o amor nos corações perdoados pela ação do Espírito Santo. É como algo forense e transformador no interior do ímpio. limpando o seu pecado e santificando-o.

Assim, o que escreve São João Crisóstomo está de acordo com o Concílio de Trento e tem essa oposição à doutrina dos reformadores.

Continua citando São João Crisóstomo, quando diz que fomos comprados e adornados pelo sangue de Cristo e nos igualamos a anjos e arcanjos. Isso significa o que está acima explicado no Concílio de Trento, que na justificação há também a ação interna do Espírito Santo. De fato, continua São João Crisóstomo, ensinando que os redimidos estão revestidos do próprio Rei.

Não se trata apenas de tirar a capa do pecado e por o manto de Cristo, mas recebê-lo por ter sido declarado justo e tornado justo nessa justiça.

A citação de São João Crisóstomo, citada em seguida, corrobora essa leitura: “Aqueles que, por sua fé em Cristo, haviam abandonado o fardo de seus pecados como uma velha capa...”. Se os pecados são abandonados, ficaram para trás, como acontece ao deixar uma velha capa. O homem assim perdoado não está com seus antigos pecados por baixo da capa, mas deixou-os naquela capa velha deixada. O fardo dos pecados é equiparado à capa que é tirada.

Assim, ele fala da “luz da justificação”, que ilumina a alma, e não apenas que cobre o pecado.

Essa linguagem não “está de acordo com a ênfase da Reforma na natureza extrínseca da justiça imputada de Cristo, com a qual o crente é revestido”.

Nathan Busenitz afirma que o corpus patrístico prenuncia distinções importantes da doutrina reformada. Uma dela é a necessidade da justiça extrínseca, a qual vem de Deus. Mas isso é o mesmo que ensina o Concílio de Trento. Não é a justiça própria que justifica, é necessária uma justiça extrínseca. Sem a justiça de Cristo não há justificação, e quem ensinar isso seja anátema, declara o concílio.

A imputação do pecado do crente a Cristo é algo pacífico, pois Jesus se fez pecado por nós, e a imputação da justiça alheia ao crente é também aceitável, contanto que a justiça seja derramada no interior do justificado.

A continuidade que há entre os pais da Igreja e o Concílio de Trento é clara. Quanto às ênfases dos Reformadores, nada é encontrado no corpus patrístico.

E o autor protestante tenta através da investigação histórica uma aproximação entre o entendimento de Santo Agostinho e o dos reformadores, pois entende que está em conformidade.

Em nota há uma citação de São Cirilo de Jerusalém (313-386) que mostra que a justiça que pode ser acumulada por uma vida de boas obras é dada por Cristo instantaneamente. Mas isso corrobora a leitura católica de sempre.

A justiça através das boas obras, na graça de Deus, que pode ser alcançada por muitos anos é recebida gratuitamente e imediatamente na justificação: “Para os justos, foram muitos anos sendo aprazíveis a Deus; mas o que lograram alcançar após muitos anos de bem fazer, esse Jesus agora lhes concede em uma hora apenas. (Homilia sobre a Humildade, 20, 3)”

Dificilmente Lutero escreveria algo assim, pois ensinava que as obras antes da justificação são pecaminosas e mesmo as boas obras na graça não contam em nada para a salvação. Ao passo que São Cirilo fala naturalmente das obras dos justos, alcançadas aos poucos durante a vida, e as compara com a obra imensa concluída por Cristo que pode ser recebida pela fé.

Gledson Meireles.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Livro: Glórias de Maria, Santo Afonso Ligório: o amor de Maria por nós

 

A grandeza do amor de uma mãe. O amor de mãe é um impulso necessário de sua natureza, afirma Santo Afonso. Ele cita Isaías 49, 15.

Depois, citando Eclo 24, 24, ensina que Maria é nossa mãe por amor e não pela carne. “Ela nos ama tão grandemente porque ela ama a Deus tão grandemente”. Essa é a beleza da mariologia. O cristão deve guardar essas palavras com santa devoção. Essa é a razão do seu amor.

O amor de Maria por Deus é o maior. Assim, ninguém nos ama mais do que ela, afirma Santo Afonso. Obviamente não se compara ao amor de Deus por nós. Mas falando das criaturas, a que nos ama mais é a virgem Maria nossa mãe.

Deus nos deu Seu filho único por amor. São Boaventura afirma que Maria nos deu seu filho único por amor. Não se trata nunca de igualar Maria a Deus, nem de colocar seu amor no mesmo patamar do amor de Deus, mas de apresentar seu amor por nós que está imergido no amor de Deus.

A coragem de Maria é superior àquela de Abraão, que a levaria mesmo a sacrificar Jesus por nós. São palavras fortíssimas para engrandecer essas virtudes marianas, mas que estão de acordo com a doutrina bíblica.

Santo Afonso fornece um exemplo de poderosa oração: “Muitos corretamente rezam, Senhor, concede-me as graças que Maria pede por me”, pois os desejos de Maria são melhores que os nossos.

Santo Anselmo pede a Jesus e a Maria a graça para amá-los. Assim, a graça vem de Cristo, por intercessão de Maria. Isso está no mesmo modelo do fato de Caná da Galileia, onde Jesus fez o milagre a pedido de Maria.

Eis os exemplos bíblicos que Santo Afonso procura para mostrar as glória de mãe de Jesus, com tantas citações dos santos e exemplos da tradição.

Gledson Meireles.