domingo, 20 de abril de 2025
sábado, 15 de fevereiro de 2025
Refutação do artigo do pastor Thomas sobre o termo irmãos em Marcos 6, 3
Refutação do artigo do pastor Thomas Lopes: A importância do contexto na interpretação bíblica: uma análise do uso de adelphós em Marcos 6, 3
A Igreja Católica em sua experiência
apologética de dois milênios já afirmou várias vezes que as heresias surgem de
interpretações mal feitas. Textos tirados dos seus contextos. Agora, os
protestantes costumam afirmar o mesmo contra a própria Igreja, o que dá ares de
sabedoria. Todos os apologistas acusam os oponentes de estarem fazendo eisegese e de estarem interpretando um
texto fora do seu respectivo contexto. Portanto, tal coisa não é novidade.
O pastor adventista Thomas Lopes
escreveu um artigo onde analisa o uso do termo adelphos (irmão) no texto evangélico de Marcos 6, 3. O presente
estudo irá lidar com artigo mencionado.
Simplesmente falando, é patente que a
Igreja Católica interpreta a Bíblia usando a mais rigorosa hermenêutica. Cada
texto é lido segundo o contexto imediato e amplo, e dentro de toda a tradição
cristã. Desse modo, a passagem de Marcos 6, 3 é muito conhecida pelos cristãos
católicos. Diga-se de passagem que a interpretação é a mesma em todas as igrejas antigas, católica e igrejas orientais, mesmo as que se separaram da Igreja Católica no Concílio de Calcedônia.
Em primeiro lugar, a Igreja
apostólica conheceu Jesus e os apostólicos. Todos sabiam que Jesus era filho
único de Maria, e que Seus parentes mais próximos, que viviam naquele clã
judaico, chamados de irmãos, não eram filhos de Maria. Certamente os mais próximos conheciam essa realidade. Esse dado apostólico não
foi questão de divergência durante séculos. A primeira vez que a
virgindade de Maria foi atacada de forma importante, se deu no século quarto.
Outros ataques à sua dignidade já haviam sido feitos pelos adversários da
Igreja. Eis que agora até mesmo cristãos adotavam interpretações que negavam
fatos da vida de Jesus e Maria.
Assim,
muitos negavam a ressurreição. Outros negavam a concepção virginal. Agora
passavam a negar a virgindade perpétua. É certo que escritores antigos tentaram interpretar textos referentes a irmãos de Jesus no sentido em que negavam a virgindade de Maria pós-parto. Nesse sentido Tertuliano parece ter-se equivocado, por motivos alheios, embora isso não fosse novidade, já que o prolífico escritor se equivocou outras vezes em outros assuntos doutrinais. Mas ainda assim, Tertuliano não atacou a verdade da virgindade de Maria.
Muitas vezes os intérpretes protestantes usam um literalismo que foge da literalidade católica, causando muitas leituras errôneas e heresias perniciosas. Ler um texto bíblico literalmente é aceitar o que o mesmo diz em palavras simples e naturais. Não se trata de escolher termos na frase, mas seguir o sentido inteiro da sentença. Muitas vezes os protestantes usam de literalismo, fazendo que um termo mude o sentido da frase.
Assim fazem teólogos do calvinismo e do dispensacionalismo. Leem
literalmente palavras em frases causando erro no próprio contexto imediato, por
frisarem demasiadamente um sentido ligado a certo termo.
É
assim que os dispensacionalistas leem Apocalipse 4, onde São João é chamado a
ir ao céu, e interpretam a passagem como significando o “arrebatamento” da
Igreja, embora o texto e o contexto geral não indique essa leitura. E ainda, ignoram o fato do
contexto bíblico amplo negar tal doutrina.
Também quando em Efésios 3, 5 é afirmado que a inclusão dos gentios não foi revelada nos tempos antigos como foi no Novo Testamento. O texto afirma: como agora, ou seja, como foi revelada agora na nova aliança.
O dispensacionalismo entende que a doutrina não foi revelada antes, de modo algum, mas somente agora, embora os textos no Antigo Testamento tenham diversas vezes tratado dessa doutrina, onde judeus e gentios adorariam a Deus como mesmo Povo.
E assim outras interpretações literalistas
que não leem a passagem literalmente, mas apegam-se a uma ou outra
característica de termos, e não entendem o que a passagem ensina. Dessa forma, a
questão do contexto deve ser bem entendida.
A
interpretação de que Marcos 6, 3 não pode se referir a irmãos biológicos de
Jesus porque 1 Coríntios 15, 6 usa o termo como irmãos na fé não é base para a
doutrina católica. Não se trata de um argumento importante. Talvez tenha sido usado por
apologistas católicos, mas tal argumento não faz parte do principal em toda a questão. De
fato, palavras podem ter diferentes sentidos a depender do contexto.
No
contexto imediato do texto de Marcos 6, 3 os contemporâneos e conterrâneos de
Jesus, os habitantes de Nazaré, não creem nEle e mencionam Sua origem natural. Literalmente o texto
afirma que Jesus é o Carpinteiro, o Filho de Maria, e irmão de Tiago, de José,
de Judas e de Simão, e que possuem irmãs.
Em
Mateus 13, 55 temos que Jesus é o Filho do carpinteiro, que Maria é Sua mãe, e
Seus irmãos são Tiago, José, Simão e Judas.
Literalmente, sem pensar no contexto bíblico geral, o texto está afirmando que Jesus é Filho de José e Maria e tem vários irmãos. No contexto maior, não nos parágrafos próximos, mas tendo a doutrina bíblica geral, sabemos que a filiação de Jesus em relação a José não é natural. Apenas em relação a Maria. Jesus é filho biológico somente da virgem Maria.
Assim, o texto
precisou de algo mais, de outras passagens bíblicas, para ser entendido. O
mesmo deve ser feito com relação aos irmãos e irmãs. Serão eles filhos de Maria
e de José? Ou somente de José de um casamento anterior? Devemos pensar nessa
questão.
No contexto histórico e cultural o termo irmão, como usado entre os judeus, significava outros graus de parentesco também. Portanto, a leitura do termo em si não indica que eles são filhos de Maria. Essa é a primeira constatação que deve ser feita.
Ainda, os evangelistas escreviam em grego e ao citarem as palavras ditas pelo povo de Nazaré, traduziam como foram pronunciados os termos. E com certeza eles usaram a palavra irmãos.
Assim, empregando o termo irmão, que foi dito em aramaico, certamente,
os evangelista traduziram para o grego adelphoi.
Essa interpretação está conforme o contexto imediato, geral, e
histórico-cultural, segundo a sociedade judaica.
E
quanto ao contexto teológico-bíblico, é certo que Maria era virgem quando
concebeu Jesus. É certo também que permaneceu virgem durante toda a sua
gestação. E quanto ao futuro, após o nascimento de Jesus, a Escritura não traz qualquer
indício de que isso tenha mudando, já que as expressões usadas para especular
tal fato estão no contexto histórico-cultural da época e muitas vezes são
entendidos de forma literal, pelos protestantes, causando erro, e são lidos segundo a cultura de outra época,
resultando em um anacronismo.
Assim, para compreender o fato de que Maria não teve outros filhos é certo que a interpretação está conforme a mais rigorosa exegese. A intenção daquele povo ao citar a família de Jesus era frisar sua humanidade. Queriam negar sua origem celestial.
É certo que não sabiam que
Maria gerou Jesus pelo poder do Espírito Santo. Ainda, ao citar irmãos e irmãs
de Jesus, o fato permanece, pois a linguagem é comum a outros graus de
parentesco. Desse modo, o texto irmãos está se referindo a relações
consanguíneas, mas o sentido que traz é o de parentes. Jesus tinha irmãos provenientes do mesmo clã judaico, mas não filhos de Maria. A Bíblia sugere que Maria não teve outros filhos, sendo
comprovado pela correta exegese, e esclarecido pela tradição.
O
pastor cita o Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early
Christian Literature (Bauer et al., 2000, p. 17), onde afirma que adelphos
significa também primo. Portanto, o que foi posto acima está correto e admitido
pelo autor do artigo nesse pormenor.
A
afirmação de Wayne Grudem é mais ampla. No entanto, não refuta a questão do
sentido de Marcos 6, 3, pois ali não há uso figurado, mas o uso normal do termo
previsto na cultura judaica. O contexto mostra que o termo é usado para significar laços de sangue. E como o termo pode significar irmãos e primos, é preciso esclarecer qual o sentido do termo naquela passagem. É certíssimo que não se
trata de sentido figurado. E é certíssimo também de que se tratam de parentes próximos.
Entretanto, há boas evidências de que Jesus é filho único. Ele é chamado de “O”
carpinteiro, sugerindo ser um carpinteiro bastante famoso na região, a exemplo
de São José. De fato, São Mateus afirma que Ele é o filho do carpinteiro,
usando o artigo definido no original grego nesses exemplos. Jesus é o
carpinteiro, o filho do carpinteiro, o filho de Maria. Tais especificidades
mostram que a leitura natural é de que Jesus é filho único de Maria. Não se
trata de um argumento isolado, mas lido em contexto fica claro o sentido de que esssa expressão favorece o fato de que Jesus é filho único.
Afirmar
que o mais provável é que o termo irmãos signifique em Marcos 6, 3 “irmãos
biológicos” não é suficiente. É biológico no sentido de parentesco familiar. Não no sentido de nascido da mesma mãe. Assim também como não o é afirmar que José é pai
biológico de Jesus lendo apenas esse versículo. Certamente o leitor entendeu: o texto afirma que Jesus é filho de José, mas sabemos que essa filiação é adotiva. Jesus tem irmãos, mas sabemos que esses não são filhos de Maria. O texto necessita de outras
passagens para tornar certa a interpretação.
O
termo não é usado em Marcos 6, 3 como irmãos espirituais. Isso é pacífico na doutrina
católica.
Quanto
às irmãs, o texto fala de todas as irmãs, indicando um número grande de
pessoas. Não parece falar de duas ou três apenas, como observava São Jerônimo.
Assim, é mais um indicativo de que se trata de parentes próximos de Jesus. São
sinais no texto que favorecem a leitura de que se trata de parentes próximos.
O contexto
imediato usa o termo irmãos. E isso não requer que sejam filhos de Maria. Isso é um fato. Da
mesma forma não requer que Jesus seja filho biológico de José. Isso já foi
explicado acima.
Assim,
a leitura natural de que irmãos se referem a parentes de Jesus é certa. Não é
provável que sejam filhos de Maria.
A
tradição apostólica fornece a base para o fato certo de que Maria não teve
outros filhos. Assim, quando houve negação dessa realidade surgiram controvérsias
sérias, e a defesa da virgindade de Maria mostrou-se ser uma realidade passada
pela tradição dos apóstolos. Desse modo, a Bíblia não tem nada que contrarie
essa doutrina.
Há
artigos no blog que deixam clara a questão relativa aos irmãos de Jesus, com
sólida argumentação bíblica.
Se
Tiago era primo do Senhor (chamado na língua aramaica/hebraica de irmão do Senhor, e
traduzido assim na tradição, mesmo por todos os que creem na virgindade de Maria),
isso é fato suficiente para mostrar sua notoriedade na Igreja primitiva. Ser parente de Jesus explica essa situação. Ele
era apóstolo, do grupo dos doze, sempre citado para identificar sua mãe, que
era também chamada Maria.
A
leitura natural do texto não exige que os irmãos de Jesus sejam filhos de
Maria. Os leitores do grego antigo nunca afirmaram isso. O termo literalmente
também comporta o sentido de primo. Esses são três fatos, e contra fatos não há argumentos. Então, não há necessidade alguma de mudança
de termo, mas apenas o estudo para o entendimento da exata relação de
parentesco que o mesmo indica em Marcos 6, 3.
Essa
argumentação de que negar que Jesus teve irmãos biológicos pode levar a um afastamento da leitura natural do texto bíblico, com base na leitura
do termo irmãos, contradiz o que foi dito, pois exige que o mesmo seja entendido
em único sentido, o de filhos de mesma mãe. É uma argumentação errônea. O termo irmãos permite outra leitura, como provado.
A
interpretação de Marcos 6, 3 onde irmãos são parentes/primos é a mais antiga. Não se
trata de reinterpretação. Mesmo os cristãos orientais falantes do grego sempre
creram na virgindade perpétua de Maria.
A análise linguística prova que Jesus foi filho único de Maria. Também a
tradição mais antiga.
A
interpretação mais nova, pós-reforma, apresenta problemas enormes, em todas as esferas mencionadas, e é
facilmente refutada, como já mostrado no presente estudo. Aliás, os reformadores protestantes
criam na virgindade perpétua.
Conclusão
A
interpretação católica é pautada nos mais rigorosos princípios hermenêuticos.
A
interpretação de Marcos 6, 3 onde “irmãos” significa “primos” está conforme o contexto bíblico geral.
O
léxico grego prova que o termo literalmente pode significar irmão ou primo,
sendo ambos os significados biológicos.
A
exegese não se subordina à tradição teológica. Os mais antigos documentos que
tratam do tema mostram que Jesus é filho único de Maria. Santo Epifânio, que
fala do assunto expressamente, afirma que pensar o contrário é uma blasfêmia.
É
absurdo supor que os intérpretes de todos os tempos na Igreja não souberam entender
o sentido exato de irmãos em Marcos 6, 3.
Para
identificar os chamados irmãos de Jesus é feita uma exegese cuidadosa, e o
resultado confirma a tradição. Portanto, a leitura protestante moderna nega
fatos e desobedece princípios hermenêuticos, como mostrado no estudo.
O texto de Marcos 6, 3 lido em seu contexto histórico demonstra que o termo irmãos também significa primos. O contexto literário também comprova essa realidade. O contexto teológico mostra que a virgindade de Maria é a forma mais natural para provar a origem divina de Jesus. Assim, chegamos à intenção original dos autores inspirados.
Que
o leitor cresça no conhecimento de Jesus Cristo e da Sua Palavra.
Gledson
Meireles.
sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025
Refutação do artigo do pastor Thomas sobre o purgatório
Refutação do artigo do pastor adventista Thomas:
Orígenes
e a Influência do Platonismo na Doutrina do Purgatório: Uma Análise da Eisegese
Filosófica na Patrística
É verdade que a doutrina toda
desenvolvida, em sua definição final, não aparece explicitamente na Bíblia. Mas está implicitamente. E
quando o cristão estuda a Escritura com profundidade essa doutrina se torna
clara para ele. Não espere o leitor encontrar qualquer doutrina explicitamente
na Escritura. Um adventista não encontra a doutrina do juízo pré-advento na
Escritura desenvolvida explicitamente, mas crê que essa está na Bíblia. Então,
é preciso cautela no estudo.
Não foram as interpretações
alegóricas e especulativas que fizeram os teólogos para tentar justificar o
purgatório. Os meios de explicação da doutrina não são o mesmo que a própria doutrina.
Essa está na Bíblia, e nem sempre as formas de expor uma doutrina são corretas
em todos os teólogos. Há escritores que cometeram enganos e foram inexatos em
suas exposições. Nem por isso a doutrina que defendiam estava errada, mas
apenas os meios que usaram para expor a mesma não eram os melhores.
Como já vimos, foram Tertuliano (160-240),
São Cipriano (210-258) e São Clemente de Alexandria (150-215) os grandes
autores que expuseram as bases da doutrina do purgatório na antiguidade.
Orígenes (182-254) também expôs a doutrina. Assim, é patente que a mesma não
foi invenção de Orígenes nem influência pagã, mas uma doutrina cristã exposta
na linguagem do grande teólogo do terceiro século. Orígenes não foi canonizado,
sua doutrina apresenta erros em vários aspectos, mas quanto ao purgatório ele
está de acordo com a Bíblia e a Tradição, como se pode perceber.
Não é possível afirmar que Orígenes
cria na purificação das almas e somente depois é que tentou explicar sua visão
através da passagem de 1 Cor 3, 11-15. Outros escritores cristãos explicam a
passagem da mesma forma, expondo a mesma doutrina. Desse modo, São Cipriano explica o
purgatório de forma cristã, não tendo sua linguagem nada que pudesse supor um
empréstimo pagão para a exposição, e muito menos para o próprio tema em
questão.
Teólogos profundos como Joseph
Ratzinger mostram que a doutrina do purgatório é eminentemente bíblica. Os que
se apegam à tal “influência” do paganismo estão equivocados e supõem a tese por
meio da linguagem que encontram em muitos escritores antigos, como se os mesmos
estivessem expondo uma doutrina de outra fonte que não a Bíblia. No entanto, os
padres da Igreja sempre partem da exposição do texto revelado e não tentam ensinar
doutrinas filosóficas.
Se Orígenes foi mais sistemático na
doutrina do purgatório, isso não desfaz o que foi exposto acima. A opinião e
Alister McGraph é incorreta. Os autores antigos não moldavam as discussões pelo
pensamento platônico nem reinterpretavam a estrutura pagã em contexto cristão
como se o elemento em questão fosse alheio à Bíblia. É justamente o contrário: eles expunham a doutrina bíblica muitas vezes em linguagem platônica.
Philip Schaf afirma que os padres da
Igreja foram influenciados pelo platonismo e outras filosofias. No entanto, uma
acurada pesquisa demonstra que os padres estavam explicando a Escritura e
muitas vezes usavam moldes de pensamento da cultura do seu tempo.
Lendo a Bíblia, se o adventista não crê na alma
imortal, deverá crer que no Dia do Juízo os ressuscitados salvos passarão por
essa prova, que o texto de 1 Cor 3, 11-15 alude. Então, alguns passagem ilesos
e outros não. Esses perderão o galardão sofrendo detrimento. É algo que ocorre
após morte e ressurreição nesse caso. Assim, é preciso perceber que a morte não
pôs toda a questão em ordem, já que no juízo muitos dos salvos têm suas obras “queimadas”.
É preciso entender bem o que isso significa.
O que foi explicado acima, e provado
em outro texto a partir da citação de Joseph Ratzinger, também está na citação
que o pastor Thomas faz de J. N. D. Kelly. O mesmo afirma que: 1º - A oração
pelos mortos e 2º - a purificação post-mortem eram crenças dos judeus. Primeiro
ponto provado.
Ele afirma que o “desenvolvimento
teológico” é que foi influenciado “por categorias platônicas”. Isso significa que
a forma de expor o conceito usou meios filosóficos. Isso não quer dizer que o conceito
tenha vindo do platonismo, pois não veio, já que a Bíblia afirma a mesma
realidade. Ainda: os autores citados concordam que essas duas crenças possuem “raízes
judaicas”. Crendo ou não o adventista nessa afirmação, é um fato de que os
estudiosos o afirmam. Dessa forma, tendo uma passagem bíblica que não é bem
entendida entre os protestantes e as afirmações dos grandes teólogos e
estudiosos sobre o tema provando que a origem judaica, está refutado o
argumento do pastor Thomas.
Do contrário, o mesmo deve provar
que a crença na possibilidade de auxiliar os mortos e da purificação não é
encontrada entre os judeus. Deve provar também que os eruditos, como Ratzinger
e J.N.D. Kelly afirmam que a origem da doutrina é pagã. Como visto, está
refutado.
Como já mostra nos Estudo sobre o
purgatório, publicado no blog, a doutrina é bíblica. Há refutação de todas as
objeções.
Os protestantes devem repensar sua ideia de que "obras" são queimadas, o que torna essas obras algo literal que passa pelo fogo literal. É o erro que cometem ao ler a Escritura nessa passagem.
Assim, o texto de 1 Coríntios 3,
11-15 contem elementos certos para a formulação do purgatório:
- o texto traz uma
metáfora obras matérias de diversas qualidades indicam as obras praticadas
sobre o fundamento que é Jesus Cristo.
- todos os que
constroem sobre Jesus são salvos.
- os salvos praticam
obras.
- essas obras podem
ser de qualidade (ouro, prata, pedras preciosas). Essa linguagem é metafórica e
espiritual. São as boas obras.
- também as obras
podem ser de má qualidade: madeira, feno, palha. Diante de Deus o que não passa
é por ser pecaminoso. Essas obras que não passam no fogo, mas são destruídas
são pecados.
- há a imagem de um
fogo que testará as obras.
- as obras não
existem em si mesmas, mas são aquilo que foi praticado pelo fiel.
- o fogo que
purifica as boas obras e destrói as obras imperfeitas, que são pecados, é uma imagem da purificação do salvo.
- Então, o salvo que
teve obras destruídas sofre no juízo. Essa conclusão é bíblica e há maiores
implicações para a formulação da doutrina do purgatório.
Gledson Meireles.
terça-feira, 11 de fevereiro de 2025
O purgatório e a citação de Joseph Ratzinger
A
doutrina do purgatório chegou à sua forma definitiva nos concílios da Idade
Média. A doutrina é histórica, tem lugar importante na Igreja cristã, e é um
ponto importante na “problemática ecumênica”. Isso tem a ver com a Igreja do
Ocidente e da do Oriente.
Foi
algo já atacado nos tempos medievais e na Reforma Protestante. Mas não da mesma
forma. Os cristãos ortodoxos criam mais apropriadamente na realidade do
purgatório. Os cristãos protestantes rechaçaram a doutrina. Isso mostra que a
doutrina protestante é uma novidade.
É
interessante o que o eminente teólogo Ratzinger afirma: nos textos oficiais não
se encontra a expressão fogo purificador. Pode-se dizer disso, que o fogo é uma
imagem bíblica, que levou à ideia do fogo purificar. E também o purgatório como
lugar não aparece nas afirmações conciliares. No entanto, como observa
Ratzinger, isso está suposto na expressão in
purgatório.
Oficialmente
a Igreja é contrária à sutilidade, à mera curiosidade e à superstição. Assim,
deve-se ao máximo expor a doutrina em sua simplicidade bíblica. E essa é
bastante resumida.
Ratzinger
mostra que as primeiras raízes do purgatório estão “no âmbito do judaísmo
primitivo”.
Os
judeus se relacionam com outras ideias sobre o além e com a religiosidade greco-romana,
mas a doutrina do purgatório não tem essas ideias provenientes dessas fontes.
São elementos comuns dos judeus que se relacionam com outras culturas.
Eram
fluidos os elementos do judaísmo e do cristianismo, formando uma mesma
tradição. Os caminhos do Oriente e do Ocidente foram diversos. Mas a tradição é
a mesma.
Tertuliano
falou do purgatório. E quando tornou-se montanista, escreveu sobre o mesmo
interpretando Mt 5, 26. Assim, mostra que esse texto é entendido
tradicionalmente como tratando do purgatório.
O
cárcere é uma palavra grega usada no sentido também de hades. Em sua doutrina rigorista (de Tertuliano) o purgatório seria
então para todos.
São
Cipriano explicou a ideia do purgatório sem a ênfase rigorista de Tertuliano, e
de modo cristão. O desenvolvimento ulterior da doutrina do purgatório no
Ocidente se deu sem relação com a antiga filosofia, mas apenas com a fé popular
e antiga fé cristã.
Com
São Clemente de Alexandria ocorre algo distinto totalmente, enquanto disputava
com a gnose e com a tradição filosófica grega.
A
diferença entre oriente e ocidente é apenas de desenvolvimento, onde o Ocidente
seguiu desenvolvendo até definir a doutrina, enquanto que no Oriente a mesma se
encontra em São João Crisóstomo sem maiores explicações.
A
oração pelos mortos é um dado da tradição judaico-cristã. Os santos julgam. A
intercessão é um aspecto desse julgar. Talvez mesmo o texto de Eclesiástico 7,
33 fale do purgatório.
O
dado fundamental do purgatório jamais foi negado na Igreja, tanto no Ocidente
como no Oriente. Somente se duvidou dele na Reforma Protestante. Podemos e
devemos orar pelos mortos. A forma e os fundamentos da doutrina ocidental estão
enraizados em uma tradição mais antiga e em motivos centrais da fé. Isso foi
mostrado pelo cardeal Ratzinger na obra Escatologia.
Para
responder ao pastor adventista Thomas:
1) Joseph
Ratzinger representa o Catolicismo.
A
citação que o pastor apresenta diz o seguinte:
a
imagem do fogo em 1 Cor 3, 15 “foi interpretada” pelos padres da Igreja, ou
seja, essa imagem é expressa como entendida por eles, “em parte”, à luz das
concepções filosóficas especialmente no platonismo e no estoicismo. Eles usaram
meios filosóficos para falar da ideia bíblico do purgatório.
2) Ele
não afirma que a doutrina vem do paganismo, mas que seu desenvolvimento teve
influências no que tange à apresentação da doutrina, na interpretação à luz do
platonismo e do estoicismo “em parte”, usando de termos, ideias, palavras,
comparações, etc., que havia naqueles campos, mas “em parte” também e mais
profundamente, pois é o fundamento, “em parte” na Bíblia. Assim, ele não afirma
que a doutrina veio do paganismo. Pelo contrário, quem lê sua obra vê
claramente o que foi exposto acima. E, afinal, é claro que Ratzinger afirma que
a doutrina é bíblica, pois vem da tradição judaica e cristã.
A
Bíblia tem o fundamento para o purgatório. A elaboração foi em 1439. A doutrina
do purgatório se entende a partir da cristologia.
A
citação da obra de Ratzinger não favorece em nada a doutrina protestante.
Em
primeiro lugar, é necessário entender a doutrina da imortalidade da alma.
Somente depois entender a profundidade da doutrina do purgatório.
Desse
modo, o argumento do pastor não procede.
Gledson Meireles.
terça-feira, 4 de fevereiro de 2025
Livro: OS BATISTAS E O RESGATE DA TRADIÇÃO CRISTÃ, comentário do capítulo 2
Comentário do:
Capítulo 2
BATISTAS, SOLA SCRIPTURA E O LUGAR DA TRADIÇÃO CRISTÃ
O
teólogo Rhyne P. Putman apresenta o conceito de tradição que deve ser seguido e
crido pelos batistas. É conhecido o pavor que os batistas sempre tiveram, de
forma geral, ao conceito de tradição, apelando reiteradas vezes à Escritura de
modo a rejeitar todas as demais autoridades. O biblicismo ingênio denunciado
por Kevin Vanhoozer é o mesmo que Nuda
Scriptura adotado por muitos estudiosos. É o que mostra Rhyne.
E
essa atitude batista tem levado muitos a adotar esse erro maior que flui do
princípio protestante que virtualmente se desprende do Sola Scriptura, levando à negação radical da Tradição. De fato, os
erros também veem principalmente dos teólogos protestantes. Não se trata
somente da massa comum dos crentes.
O
autor cita Alexander Campbell (1788-1866), clérigo irlandês, que se opôs
frontalmente aos credos e confissões, aderindo o que está afirmando
explicitamente na Bíblia. Esse clérigo foi batista por dezessete anos, de
1813-1830, afirma Rhyne, liderando um dos maiores cismas da história batista.
Trata-se de um problema no interior da tradição batista. E essa atitude de
Campbell comprova a crítica acima.
Muitos
apelam à Bíblia com o intuito de mostrarem-se mais fieis à mensagem cristã,
mas, como afirmam David Dockery e Timothy George, algumas vezes a afirmação
“nenhum credo além da Bíblia” significa “nem credos nem Bíblia”.
De
fato, essa constatação dos autores protestantes concorda com a crítica católica
fundamentada na verdade, pois nesse contexto o intérprete está impondo sua
própria opinião ao afirmar a sua interpretação como correta e unicamente
baseada na Sagrada Escritura contra igreja, credos, confissões, concílios.
As
influências dos batistas moderados e libertários são sinais daquilo que a
tradição protestante tem em si e que os batistas, como uma ala mais radical da
Reforma, absorvem o conceito mais contundentemente. O equívoco do princípio
protestante Sola Scriptura gera esses
desvios nas denominações protestantes.
Comentário sobre a Natureza da
Tradição
Rhyne
faz indicações oportunas e bem colocadas da influência do Iluminismo, na
teologia protestante, e é algo que o leitor deve considerar. Friedrich
Schleiermacher, pai da teologia moderna no Protestantismo, e o batista Walter
Rauschendubsch (1861-1918) rejeitaram a tradição. Schleiermacher foi um
filósofo protestante liberal.
A
afirmação de Rhyne de que “A tradição pode ser falível” é bastante complicada.
É o máximo que a teologia protestante consegue alcançar nesse quesito. De fato,
para que a tradição seja norma e ao
mesmo tempo possa ser falível, há um problema em germe que aqui e ali germina
seus erros.
O
autor afirma que o completo ceticismo a todas as formas de tradição é
insustentável. Isso mostra que há uma tradição que não merece esse completo
ceticismo. O autor certamente não tenha afirmado isso. Mas há uma tradição que
deve ser abordada com maior reverência. Trata-se da Tradição Apostólica.
O
autor mostra que a tradição é a própria fé cristã e a própria Escritura. Essa
afirmação é bastante católica, mas pode assustar os protestantes. Assim, Rhyne
explica: “Pode parecer estranho, ou até
mesmo perturbador, chamar a Escritura de “tradição”, ....”. É óbvio que
essa consideração é feita em determinado contexto, para fins de maior
conhecimento da questão estudada. Mais uma vez, como sempre, ao aprofundar no entendimento
da Palavra de Deus encontramos a verdade cristã católica.
E
ao citar um exemplo da tradição, temos um problema imperceptível entre os
protestantes, e por isso é necessário apontá-lo. O autor afirma que a tradição
preserva a memória corporativa de Israel e da Igreja, e que “a própria formação
do cânon” pelo qual a Igreja “reconheceu os sessenta e sei livros da Bíblica
como Escritura”, foi um desenvolvimento pós-bíblico da tradição.
O
problema central nessa afirmação é que a Igreja reconheceu 73 livros e não 66
livros. É correto que a tradição preserva a memória corporativa, que a formação
do cânon, que foi liderada pelo Espírito Santo, foi obra da tradição. Todo o
processo ocorreu na Igreja e não fora dela.
Assim,
sendo a tradição uma forma de preservação da memória cristã, o cânon um
reconhecimento da Igreja em tempos pós-bíblicos, a Igreja “sob a liderança do
Espírito Santo”, realizando essa tarefa, resulta que a tradição não pode errar.
Em
outras palavras: o cânon é a lista dos livros inspirados. Esses livros foram
escritos sob a inspiração do Espírito Santo no tempo dos apóstolos, pelos
apóstolos e outros colaboradores cristãos que receberam a inspiração divina.
Desse modo, sendo o processo de reconhecimento exato de quais são os livros
canônicos da Bíblia levado a cabo sob a liderança do Espírito Santo, a Igreja
não pode errar. Trata-se de um dado da tradição, que é o número de livros
bíblicos escritos no tempo apostólico, sendo definido para a Igreja, em tempos
posteriores, como conhecimento da tradição. Portanto, essa afirmação é certa e
infalível. E, ainda, sendo a competência da Igreja a definição de todos os
livros inspirados, do Antigo Testamento e do Novo Testamento, tem-se que o
cânon é uma decisão infalível, integrante da Tradição Apostólica. Essa
constatação é bíblica, teológica e histórica. O protestante não pode
fundamentar o cânon de 66 livros pela Bíblia, pela teologia e pela história,
como feito acima. E, portanto, esse é o momento de decisão para o estudioso da
fé cristã, que é reconhecer a inspiração de todos os 73 livros da Bíblia.
E
continuando, afirma que a Escritura contém e transmite a tradição. E nesse
ponto, o autor incumbe-se de explicar que os escritores bíblicos não apenas
usam a tradição para opôr-se a ela, mas também para descrever a recepção do
próprio ensino cristão. Assim, o que é comum na apologética batista, que é a
citação de textos como Mt 15, -19 e Mt 7, 1-13 para negar a tradição, o autor
mostra os textos citados pelos cristãos católicos para defender a tradição
apostólica, como 2 Tm 1, 13-14; 2 Ts 2, 15 e 1 Cor 11, 2. É um avanço no estudo
teológico e para a maior unidade cristã.
Como
falando da tradição há algo que o autor escreve e que é desconhecido pelos
protestantes em geral, ou seja, que as tradições são escritas na Palavra de
Deus e a tradição é a única forma de acesso ao passado. Obviamente, essas
palavras são entendidas pelos eruditos protestantes como sendo a tradição tudo
o que foi escrito na Bíblia, mas pelo contexto geral do assunto podemos ver que
a tradição contém algo mais do que isso, pois a mesma não identifica-se
totalmente com o texto bíblico, mas contem mais informações, como o cânon
bíblico já mencionado.
E,
por fim, afirma o autor, a tradição cristã envolve a interpretação e a
aplicação da Bíblia. Essa é a mesma doutrina da Igreja Católica, e pode ser
lida na constituição Dei Verbum.
E
quanto à linguagem para explicar a doutrina, a explicação do autor deixa clara
a fidelidade da Igreja na formulação dos credos.
Temos
até aqui a autoridade da tradição, como norma para os cristãos, a sua
fundamentação bíblica, a autenticidade dos credos antigos, reconhecidos pelos
protestantes batistas conservadores.
Há
ainda que entender a tradição como infalível, como mostrado acima, e contendo
informações que servem para o conhecimentob bíblico, como o próprio cânon, algo
que virtualmente já está esboçado na apresentação do autor protestante, mas
precisa de certas correções.
Os
protestantes afirmam que há duas versões para o entendimento da Tradição na
Igreja Católica. Segundo Heiko Oberman, a Tradição I seria apenas uma tradição
interpretativa, e seria tacitamente ensinada pelos padres da Igreja. A Tradição
II seria a tradição como uma fonte ao lado da Bíblia, e essa seria o ensino de
São Basílio (330-379).
Rhyne
reconhece que São Vicente de Lérins ensinava a suficiência material da Bíblia e
a necessidade da interpretação infalível da Igreja. E isso é verdadeiro, pois
reflete o ensino de São Vicente. Também afirma que o Catecismo da Igreja Católilca
parece ensinar a mesma posição, onde Tradição e Escritura seriam duas fontes de
doutrina.
A
posição protestante é que as demais fontes como tradição, razão, cultura ou
experiência são ferramentas pálidas em comparação com a autoridade infalível das
Escrituras.
Diante
disso, é preciso afirmar a posição católica para que o protestante possa
avançar em sua reflexão. Os católicos não creem que haja alguém inspirado para
ensinar a verdade da revelação divina. Não há um grupo de cristãos inspirados,
mas há um magistério, formado por cristãos, em que repousa a promessa de Cristo
para ensinar toda a verdade, e nesse sentido podem ensinar a verdade, sem serem
individualmente infalíveis. O estudo, a pesquisa, a reflexão teologia, os
debates, etc., fazem parte dos concílios, e a ação do Espírito Santo garante a
verdade salvífica. Portanto, não se trata de ensinar algo que não seja em favor
da salvação, mas apenas questões salvíficas. Assim, são assuntos de fé e moral.
Nesse
caso, a tradição é conhecida e a autoridade do magistério não pode ser pálida,
mas deve refletir a afirmação bíblica de que a Igreja é coluna e sustentáculo
da verdade (1 Tm 3, 15). A nossa fé está em Jesus Cristo, Autor da fé, segundo
as Escrituras.
O
capítulo 3 da carta a Timóteo começa com a menção do dom do sacerdócio
episcopal. Trata daqueles que aspiram ao episcopado. São Paulo afirma que é uma
função sublime. E continua a mostrar
as características do bispo: ser irrepreensível, pois ensinará a outros. Ser
casado uma só vez, ou seja, não pode ter sido casado antes, como um viúvo que
casou novamente. Não se trata aqui de uma norma para o casamento dos bispos,
pois o próprio apóstolo são Paulo não era casado. Também deve ser sóbrio,
prudente, regrado no seu proceder, hospitaleiro, capaz de ensinar.
Caso
seja casado, como eram muitos bispos no início da Igreja, devem ser castos
também, ou seja, honrosos, dignos. Também não devem ser recém convertidos.
O
texto continua a falar dos diáconos. E o verso 15 é uma afirmação geral, que
mostra a natureza da Igreja, a qual Timóteo deve saber como portar-se: a Igreja
é do Deus vivo, e a coluna e sustentáculo da verdade. Sendo coluna e
sustentáculo em essência, não pode ser pálida, não pode falhar de modo geral e
na expressão da fé para o ensino de todos.
A
Escritura fala da Igreja em 1 Timóteo 3, 15. Agora, na segunda carta, em 2 Tm
3, 16-17, temos que a Escritura agora fala de si mesma: “Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para
repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se
torna perfeito, capacitado para toda boa obra”.
Temos
a afirmação direta de que toda a Escritura é inspirada por Deus. Ela é útil
para o ensino, para a correção, para a formação na justiça de Deus. Por meio
dela, ou seja, por seu ensino crido e praticado, o homem de Deus é aperfeiçoado
e se torna capaz para toda boa obra.
Antes,
porém, São Paulo apresenta o seu exemplo de ensino e vida a São Timóteo, no
versículo 10: “Tu, pelo contrário, te
aplicas a seguir-me de perto na minha doutrina, no meu modo de vida, nos meus
planos, na minha fé, na minha paciência, na minha caridade, na minha
constância.”
Desse
modo, temos mais uma vez a autoridade da Bíblia, falando de si mesma, e da
Igreja, a qual conserva a Palavra de Deus. As afirmações são categóricas: a
Igreja do Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade. E: Toda a Escritura é
inspirada por Deus.
Para
formular essa doutrina, temos que a Igreja ensina e deve ensinar a Palavra de
Deus que está na Sagrada Escritura. E a Escritura não coloca condicional
nenhum, mas garante que isso ocorre.
Em
Efésios 4, 11-15 a Bíblia ensina que a Igreja possui autoridade que Deus
institui para “o aperfeiçoamento dos cristãos”. É isso o mesmo que é dito sobre
a utilidade da Escritura. Tornar o homem perfeito. A Igreja é constituída para
esse aperfeiçoamento. Portanto, a Igreja ensina o que está na Escritura, ou
seja, a Igreja ensina o verdadeiro sentido da Escritura.
A
Bíblia é útil para corrigir. Isso inclui a correção dos erros doutrinais e dos
pecados (2 Tm 2, 16). E a Igreja tem essa tarefa, pois ensina para a unidade da
fé (Ef 4, 14). Como pela Escritura o homem é capacitado para toda boa obra.
Essa função é realizada pela Igreja, que por meio de Cristo, para a plena
edificação na caridade. Se é plena, não fala coisa alguma. Toda boa obra e
plena edificação na caridade. Portanto, Bíblia e Igreja. E também a Tradição
Apostólica.
Os
versos 15-16 afirmam: Mas, pela prática
sincera da caridade, cresçamos em todos os sentidos, naquele que é a Cabeça,
Cristo. É por ele que todo o corpo – coordenado e unido por conexões que estão
ao seu dispor, trabalhando cada um conforme a atividade que lhe é própria –
efetua esse crescimento, visando à sua plena edificação na caridade.
Em
nenhum momento o cristão interpreta a Bíblia fora da comunhão da tradição e
autoridade da Igreja.
A
respeito da suficiência formal, isso não é possível em relação a toda a
doutrina da Escritura, mas apenas ao que é mais simples: Jesus é o salvador, e
é preciso crer nele e obedecê-lo para ser salvo. Eis um exemplo.
Igreja
não tem autoridade para estabelecer novas doutrinas, mas para explicitar o que
já está na Bíblia e na tradição. Assim, a Igreja não pode instituir novos
artigos de fé contra a fé antiga. A crítica de Lutero estava correta. O
problema é entender que a doutrina da Igreja Católica não institui novos
artigos de fé.
Quanto
à atitude de Lutero ao criticar pontos doutrinais do concílio de Niceia, é
preciso saber que isso era feito por Lutero ao ler todas os escritos patrísticos
e concílios, a até mesmo livros inspirados. Desse modo, parece certo afirmar
que Lutero desrespeitou a Palavra de Deus quanto fez essas distinções do que é
evangelho e do que não serve para nada, como fez nos textos conciliares, e
certamente na própria epístola de São Tiago, a qual chamou de epístola de
palha. De fato, em São Tiago há afirmações contundentes que atingem a doutrina
de Lutero na base.
O
autor reconhece a autoridade da Igreja. Cita John Smith (1570-1612) como o
primeiro batista geral. John Smith de fato, deve-se reconhecer, é considerado
como fundador da Igreja Batista.
Os
batistas procuram fundamentar suas doutrinas com recursos da tradição, embora
reconheçam que não tem os elementos da tradição como infalíveis. Assim, Thomas
Grantham (1634-1692) é citado como defensor da fé batista ante a Igreja
Anglicana.
É
certo fazer recortes que reforçam determinada doutrina, usando citações da tradição
para a defesa de determinado ponto de vista. Todos os grupos cristãos fazem
isso, de alguma forma, mesmo os mais radicais, aqueles que apelam à Escritura
sozinha para fundamentar suas doutrinas.
No
entanto, deve-se reconhecer que as fontes citadas da patrística possuem no seu
tom geral a mesma doutrina católica, e não apenas uma ideia que parece
transparecer em determinado texto e favorecer certa interpretação.
Por
exemplo, para defender a doutrina da justificação em termos forense não é fácil
para um protestante, e isso é reconhecido pelos maiores estudiosos do assunto
no Protestantismo. De fato, os santos padres não falam da doutrina como a mesma
é entendida no Protestantismo, porque a Bíblia também não ensina a doutrina.
Outro
exemplo é santo Agostinho, que pode ter certas expressões não adotadas
oficialmente na Igreja Católica, mas o teor geral da sua obra é cristão
católico, e por isso o mesmo é um doutor da Igreja. Sua eclesiologia, por
exemplo, é contrária à doutrina calvinista. Assim também quando ensina os
sacramentos. Sua doutrina da predestinação, embora tenha sido aceita quase
totalmente pelos calvinistas, possui pontos de discordância, por isso o doutor
da graça permanece fiel à fé católica.
Entre
os batistas a tradição tem sido esquecida formalmente, ainda que os teólogos
mais cônscios acreditem na importância da tradição em certo sentido. Assim,
Rhyne fala da “Amnésia e suspeição” em relação à tradição. Ele reconhece que o
leitor da Bíblia a lê pelas lentes da tradição.
Como
os batistas se colocam intelectualmente nesse problema todos entre a tensão que
há no Protestantismo entre tradição e Bíblia e de forma especial essa recusa prática
da tradição no meio batista? O entendimento é que há a Tradição, com T
maiúsculo, como ensinam os teólogos católicos, referindo-se à Tradição
Apostólica, e as tradições com t minúsculo, que são próprios de cada tempo e
lugar, cultura e costumes singulares de uma tradição eclesiástica local, por
exemplo. Mas os batistas consideram-se como um grupo que possui uma tradição
teologia distintiva, com t minúsculo, que se une à tradição mais ampla e comum
da antiguidade. Sendo assim, a teologia batista se firma e pode nutrir seus
adeptos de modo a estarem psicologicamente seguros de manterem a ortodoxia da
fé cristã. Contudo, há um limite para essa opinião, já que ao desenvolver o princípio
é certo que os batistas possuem um problema a ser resolvido.
A
tradição batista, assim como a tradição protestante, se firma também na
tradição antiga da Igreja, dos primeiros séculos, aceitando a autoridade dos
concílios, de certo modo, até o quinto século. Mas, como adeptos do sola Scriptura há um elemento que sempre
causa ruptura, pois crendo na Bíblia como única fonte de revelação infalível,
não creem na tradição como contendo a Palavra de Deus infalível e não confiam
no magistério em suas promulgações infalíveis. Se o sentido da Palavra é
explicado pela Igreja e essa pode sempre estar errada, a fé está batista sobre
a areia movediça.
A
Igreja Católica Apostólica Romana não é um exemplo de tradição com t minúsculo
no meio de muitas outras tradições, mas é aquela Igreja que mantém a Tradição
com T maiúsculo e comporta em si muitas tradições com t minúsculo. Essa
Tradição mais ampla deve ser crida e confessada por todos os cristãos.
A
posição de E. Y. Mullins (1860-1928) dá espaço a rupturas entre os batistas, e
essas deveriam ser aceitas. Ele afirma a posição batista de nunca permitir que
outros credos fossem impostos sobre si. “Se um grupo de homens conhecidos como
batistas..” se veem como certos em pontos doutrinais que negam doutrinas da
igreja que frequentam, não deveriam ser incomodados e esses poderiam “se unir a
outro grupo que concorde com eles”. Essa liberdade de deixar o grupo e se unir
a outro todos possuem em todas as denominações. No entanto, como o modelo
apostólico sempre foi o de corrigir na fé, alguém que na Igreja Católica se oponha
a algum ensino será advertido e caso não se submeta será declarado herege, como
faz todo o Novo Testamento.
O
autor concorda que a Igreja deve explicar a Bíblia, e cita Neemias 8, 8, como
sempre é feito na teologia e apologética católica. Esse avanço no entendimento
da tradição e do magistério é benéfico a todos os protestantes. Esse ponto se
aproxima da verdade católica. Verdades que os batistas não viam no texto
bíblico, e eram desafiados pelos apologistas católicos a partir dos mesmos, são
agora apresentados como importantes: os levitas explicaram ao povo o sentido da
Palavra lida, o eunuco etíope precisou de explicação da Escritura. E deve-se
notar que se tratou de tema importante na Escritura, que tinha a ver com o
próprio Senhor Jesus, e “Pedro reconheceu o desafio de entender as cartas de
Paulo”. Esse é um grande avanço na teologia dos batistas.
Cabe
perceber que se o magistério for sempre falível então sempre haverá
possibilidade de ruptura que nasce dessa brecha na teologia batista, ainda que
se tenha o cuidado de não negligenciar ou ignorar a tradição. O exemplo da
autoridade derivativa da tradição permite mais uma reflexão, pois como a luz do
sol que se reflete na lua, deve fazer pensar de outro modo: a luz da lua é
necessária na escuridão da noite, como diz o autor, mas é preciso também
entender que essa luz que é “refletida” não é outra que a do mesmo Sol
infalível que é Deus em Sua Palavra na Bíblia, e sendo ela um reflexo na luz
não pode ser senão crida com total reverência. Assim, a Tradição é Palavra de Deus.
É
verdade que a única fonte escrita inspirada é a Bíblia. A Tradição precisa ser interpretada.
Mas tal interpretação vem pela Igreja que a Bíblia ensina ser a coluna da verdade.
Isso deve ser crido por todos os cristãos. O leitor batista deverá estar pronto
para crer nesse desdobramento do ensino bíblico.
O
leitor protestante deve-se questionar como a Igreja Católica possui esses
arrazoados tão corretos, se para a Reforma essa Igreja teria se desviado do
evangelho.
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025
Livro: A história não contada de Pedro - refutação do capítulo 19
Capítulo 19
A primazia do bispo romano através dos séculos
Nessa parte o livro tenta provar que
Pedro não tem sucessores. Tenta-se provar que “os bispos romanos não exerciam
um primado universal sobre todos os demais bispos da Igreja” (p. 213). Há mesmo
um sinal de que haverá livro próprio para tratar da questão. Então, o foco
atual é a pessoa do apóstolo.
O Dr. Samuele Bacchiocchi, estudando a
história do papado, aprendeu que: “O processo (da supremacia do papado) começou
já no segundo século quando a primazia do bispo de Roma foi amplamente
reconhecida e aceita.” (Samuele Bacchiocchi, The Role of EGW´s writings in
Biblical Interpretation, p. 12).
Obviamente isso já é encontrado nas
páginas da Bíblia, e é realidade no primeiro século. A Bíblia encarrega-se de
mostrar a realidade para o primeiro século. Por sua vez, a história é clara já
no segundo século.
É preciso lembrar, porém, que a
história do desenvolvimento do poder do papa em nível temporal mostra que houve
bastante mudanças. São Pedro não tinha a mesma autoridade temporal de um papa
da Idade Média. Mas, ele possuía a mesma prerrogativa do primado, a mesma
autoridade evangélica na Igreja. É o princípio da doutrina.
Também, é necessário entender que nem
todos possuíam uma visão clara do papel do papa naqueles dias de São Pedro como
a Igreja possui nos dias atuais, especialmente após o concílio Vaticano I.
Mas, o Dr. Bacchiocchi, que devotou
grande parte de seus estudos sobre esse assunto particular, e divergiu mesmo de
Ellen White que colocava o estabelecimento do papado em 538, no século sexto,
portanto, é digno de nota frisar, que ele reconheceu tamanha evidência história
“já no segundo século”. Ellen White viu no sexto século. Outros vêem no quinto,
outros ainda somente no oitavo. Há os que admitem apenas no século onze, e as
divergências são infinitas.
Obviamente, como protestante, e
adventista, ele não cria na Primazia do Papado, por negar igualmente a teoria
petrina e a sucessão apostólica. Porém, chegou bastante próximo da verdade, e
quase reconheceu a fonte dessa doutrina, a Bíblia. Chegou no segundo século,
bem próximo.
A primeira citação da Epístola aos
Magnésios, de Santo Inácio, mostra a organização hierárquica de bispos,
presbíteros e diáconos. Fala-se do bispo como representante de Deus, “que ocupa
o lugar de Deus”. Até a linguagem é católica em essência.
Mais adiante, o livro tenta lançar um
sentido maléfico nas Palavras dos papas quando referem-se a essa realidade,
quando dizem que estão representando Deus na Terra. É justamente isso que Santo
Inácio mostra que os bispos realizam. E o Catecismo da Igreja, como já provado,
ensina o mesmo, até os dias atuais, sem mudança alguma, de que os bispos são
vigários de Jesus Cristo.
É o que escreve aos Tralianos: “Quando
vos submeteis ao bispo como a Jesus Cristo”. (p. 214) Assim também fala
em relação aos presbíteros e aos diáconos.
Adiante, mostra que a Igreja tem
autoridade para ensinar a Palavra de Deus: “aquele que age sem o bispo,
sem o presbítero e os diáconos, esse não tem consciência pura”.
[ênfases acrescentadas]. Se alguém pensa em ensinar algo que, ao seu livre
exame da Escritura, não estiver de acordo com essa norma objetiva, de unidade
com o bispo, o presbítero, e os diáconos, esse não está na doutrina verdadeira,
e está fora do santuário, como afirma Santo Inácio.
Essas palavras são importantes para
provar que o livre exame inexistia na Igreja antes da Reforma Protestante.
Esses registros são da Igreja na Idade Antiga. Ser submisso ao bispo e ao
presbítero é estar bem com Jesus Cristo! Essa norma é bastante cristã católica.
“Atendei ao bispo, para que Deus vos
atenda.” Com absoluta certeza, nesse caso, não há espaço para heresia. O bispo
deve estar em união com os demais bispos, e presbíteros, e diáconos. Assim, as
autoridades, em comum acordo, na doutrina, impedem que as heresias se imponham.
Note que Santo Inácio inculca a santa obediência nos cristãos. Essa linguagem,
essa doutrina, dificilmente se poderá ler e ouvir no Protestantismo.
Ainda, Santo Inácio escreve:
“submetidos ao bispo e ao presbítero, sejais santificados em
todas as coisas”. Essa submissão do cristão está incluída na sua santificação.
Os textos de Santo Inácio foram
apresentados no livro com outro objetivo, mas usados aqui para lançar um olhar
de perto no que ensinam sobre a autoridade da Igreja. Fez bem em citá-los a
obra analisada.
O fato que o livro aponta é a curiosa
ausência de menção ao papa, quando Santo Inácio cita o bispo, o presbítero, e o
diácono. Assim, conclui o livro que não havia papa! Desse silêncio específico
com relação ao chefe da Igreja, diz-se que esse não existe.
Então, ao frisar na ausência da menção
ao papa na Epístola aos Romanos, escreve: “É claro que não! O fato de Inácio
nem sequer citar o bispo de Roma é somente uma consequência do fato de que tal
bispo não era nem nunca foi superior a todos os demais bispos.” (p. 214)
Pode-se afirmar que, então, o bispo de
Roma ou não existia, ou seria o menor, já que nem foi citado? Não, obviamente.
Contudo, por que a falta de menção, por parte de Santo Inácio? Esse ponto
diferencia a Igreja em Roma das comunidades nas diversas localidades. Se em
todas as outras cartas os bispos são mencionados, e diversas vezes, como afirma
o livro, e na Carta aos Romanos não há tal coisa, deve existir algo diferente
que coloca a Igreja em Roma em destaque.
E a explicação do livro para o fato de
Santo Inácio sempre citar outros bispos e nunca o bispo de Roma é essa: “A
resposta é óbvia: o bispo de Roma não era Sumo Pontífice coisa nenhuma!” (p.
218).
Essa resposta não procede.
Logicamente, poderia indicar que Roma não tinha bispo na época, o que não é
verdade. Há quem conclui assim. Outra conclusão seria que Roma tem o menor dos
bispos, já que nem menção mereceu, algo certamente ainda menos verdadeiro.
Existe quem afirma que a Igreja era
regida pelo corpo de presbíteros. Mas, Santo Inácio também não se refere a tal
grupo de presbíteros! E do silêncio se prova que não havia bispo? Que dizer de
tamanha “prova”? Felizmente o livro não traz esse argumento. Voltando ao caso.
Sendo assim, há destaque para Roma, e o livro perdeu-se em suas elucubrações,
não fornecendo resposta correta.
Quando Santo Inácio escreve que a
Igreja de Roma preside na “região dos romanos”, o livro coloca como “prova” de
que não presidia em outros lugares, ou seja, não tinha governo universal, mas
apenas regional. Deve-se saber que ainda hoje a diocese de Roma preside na
região dos romanos, mas nem por isso deixa de ter presidência universal. Ainda,
o texto está referindo-se ao local da Igreja que preside, isto é, na região dos
romanos. Assim, não se refere à região que a mesma preside, mas à localidade da
mesma. Às outras igrejas se diz: “a Igreja que está em Éfeso”; “a Igreja que
está em Magnésia”; “a santa Igreja que está na Trália”; “a Igreja de Deus o
Pai, e nosso Senhor Jesus Cristo, que está em Filadélfia”; “a Igreja que está
em Esmirna”. Quanto à Igreja de Roma, diz: “a Igreja... que preside na região
dos romanos”. É clara a diferença. Em nenhuma outra igreja é dito que “preside”
em sua região, ou em qualquer outro lugar, somente à Igreja de Roma é isso
referido. A presidência de Roma é evidente [cf. Mark Bonocore].
Sobre os elogios que Santo Inácio
dirige à Igreja de Roma, o livro aponta que o mesmo santo elogiou ainda mais os
efésios. De fato, ele fala da Igreja “grandemente abençoada com a plenitude de
Deus Pai”, predestinada, inabalavelmente unida, feliz etc. [Um ponto digno de
nota, diga-se de passagem, é que Santo Inácio escreve: “reanimados pelo sangue
de Deus”, mostrando a fé na Divindade de Jesus Cristo.]
Voltando ao tema do elogio, não
parecem iguais em sentido os elogios a Roma. Mas, esse caso não dirime a
questão, e pode passar sem um comentário aprofundado. Pode-se apenas indicar
que Roma é dita ser digna de Deus, digna de honra, digna de ser chamada feliz,
digna de louvor, e que porta a Lei de Jesus Cristo, e o Nome do Pai. Veja-se a
diferença. É algo superior que transparece nos elogios. E tudo converge para a
doutrina católica.
Uma análise mais detida revela algumas
verdades. Veja-se que Santo Inácio usa um tom diferente ao escrever aos
romanos, em comparação com suas outras epístolas. Em nenhum lugar urge os
cristãos de Roma a obedecer o bispo, o presbítero e o diácono, como normalmente
faz em outras ocasiões. Pede, no entanto, que orem por ele.
Nessa época, havia três centros
expoentes do Catolicismo: Roma, Antioquia e Alexandria. E a razão disso se dá
por terem sido esses três centros do Cristianismo fundados por São Pedro. Bryan
Cross, em comentário, formidavelmente esclarece, a partir da eclesiologia de
Santo Inácio, que enfoca fortemente a autoridade episcopal, como visto, para a
unidade de fé, que a Pedra visível, a Rocha que é Pedro, é uma conclusão óbvia
nesse cenário. [http://www.calledtocommunion.com/2010/10/st-ignatius-of-antioch-on-the-church/].
Está implícito em seus escritos.
Da afirmação que Santo Inácio acreditava
na fundação da Igreja na Síria, isso é apenas um erro de leitura. Santo Inácio
refere-se ao local onde a profecia a respeito do nome cristão realizou-se:
Antioquia. Não está dizendo que a Igreja foi fundada lá, mas que o nome santo
dos cristãos ali surgiu. Paulo e Pedro estabeleciam as bases da Igreja em
muitos outros lugares, e certamente é a isso que se refere o texto, ao
estabelecimento geral da Igreja, não à sua fundação na Síria.
Na avaliação das citações de São
Clemente, São Policarpo e Santo Ireneu com relação à doutrina do primado de São
Pedro, seguem-se os resultados.
Negando o direito jurisdicional de
Clemente noutra diocese, explica o livro de forma geral: “visto que era muito
comum os bispos daquela época exortarem os de outras comunidades cristãs” (p.
220).
Isso seria como apenas exemplo do costume
antigo de exortação a outras comunidades, não do direito do papa nas igrejas
fora de Roma.
E, de forma categórica, esse ponto é
negado: “Se exortar outras comunidades cristãs fosse sinal de autoridade sobre
elas, então Paulo era papa, porque ele escreveu à Igreja de Roma, e o mesmo
deveria ser concedido igualmente a todos os outros que uma vez fizeram o mesmo
a outras comunidades cristãs que não eram de sua jurisdição.” (p. 220)
No pensar protestante todas as igrejas
eram de certa forma “independentes”, ou mesmo absolutamente “independentes”.
Que valor teria essa independência se outros bispos escreviam-lhes cartas com
exortações? Por que motivos?
Na verdade, ao contrário do que pensam
os apologistas protestantes, as igrejas antigas funcionavam como hoje são as
comunidades locais, constituindo paróquias e formando dioceses, podendo ser
agrupadas em regionais, resultando de todas essas as igrejas nacionais,
chegando às continentais e, enfim, à Igreja católica (universal) unida com a Sé
Apostólica de Roma.
É verdade que cada igreja particular
tem sua autonomia, relativa é claro, pois rege os seus assuntos de acordo com a
realidade local, vivendo em cultura específica, enfrentando problemas diversos
e etc., mas possuem doutrina, moral e culto idêntico à da Igreja em toda a
parte da terra. Assim era a Igreja nos tempos apostólicos, sub-apostólicos,
medievais, modernos e atuais. Una, santa, católica e apostólica.
Em outras palavras, a organização da
Igreja na Bíblia é basicamente católica e não protestante, dividida em
denominações.
Ainda, os exemplos de São Paulo
passando mandamentos não é fato de que era o único apóstolo a fazê-lo, mas
meramente fatos que mostram a autoridade apostólica.
Sobre São Clemente, é óbvio que o
mesmo sendo papa cria na Soberania, na autoridade Suprema de Jesus Cristo na
Igreja. Todos os papas crêem. Apontar esse fato como contra-argumento ao papado
é puerilidade crassa.
Todos os papas sabem que o Supremo
Chefe da Igreja é Jesus Cristo. Isso não invalida o governo visível instituído
e deixado por Cristo.
A citação do Dr. Bacchiocchi sobre a
controvérsia da páscoa mostra bastante claro o poder do papa, no direito de
excomungar outras dioceses, não somente um poder localizado na sua própria
igreja local.
Se os bispos pediram ao papa maior compreensão
e tolerância, ou mesmo o criticaram por sua dura medida em excomungar as
igrejas asiáticas, isso não depõe contra a doutrina do primado, mas a indica.
Mostra apenas que outros não ficaram satisfeitos com a ação papal daquela
forma.
Parece que o assunto do poder do papa
continua sem entendimento no livro. Aliás, é bastante patente isso.
Afirma-se que o papa deveria ter
excomungado todos os bispos que não estivessem de acordo com suas medidas, e
somente assim seria realmente um papa, e não ser um homem que admitisse
repreensões de seus companheiros no episcopado.
Por esse princípio seria como se o
papa pudesse lançar excomunhões a bel-prazer, por motivos mesmo pessoais, e
fosse capaz de evitar até as incompreensões e opiniões contrárias em quaisquer
assuntos, cortando da comunhão eclesiástica aqueles que não pensassem como ele.
Pura fantasia.
O papa não age assim, e nem o pode. As
questões que admitem excomunhão são aquelas que orbitam no domínio doutrinal,
que levam ao cisma, que negam a fé, apostatam, e repulsam à autoridade do
pontífice, causando enorme prejuízo para a unidade da Igreja e à vida
espiritual dos crentes. Não se limitam às questões de cunho privado e de meros
caprichos do ego, como o livro permite compreender.
Desse modo, a seguinte afirmação está
fadada ao fracasso total em sua argumentação: “Essa é a prova mais forte de que o
bispo de Roma estava no mesmo patamar de autoridade de todos os outros bispos,
pois se ele fosse superior aos outros não seria repreendido por eles; ao
contrário, teria a sua decisão aceita, pois seria o primaz, o maior de todos os
bispos, cuja autoridade deveria ser obedecida em qualquer discussão.” (p.
222) Se essa é a prova “mais forte”, então acabaram-se as provas. Todos ao
descanso na sólida doutrina. O papado é a doutrina correta.
Na citação da desavença entre
Policarpo e o bispo de Roma, vê-se a autoridade do papa quando se diz:
“evidentemente por deferência,”, ou em outra tradução: “por respeito”. O papa
cede o direito de consagrar a Policarpo por respeito, não porque não tivesse
autoridade superior à dele, e fosse obrigado por isso.
“Sendo assim, eles comungaram um com o
outro e, na igreja, Aniceto cedeu a Policarpo, sem dúvida por respeito, o ofício de consagrar...” [ênfase
acrescentada] Nota-se que não cedeu por pura submissão ou falta de autoridade,
mas por ter ambos suas razões legítimas, e não intrinsecamente incompatíveis
com a unidade, o papa cede por respeito ao santo irmão e amigo no sacerdócio.
(Eusebio de Cesaréia, História Eclesiástica, Livro 5, XXIV) Assim, o bispo de
Roma não se sujeitou ao de Esmirna, como quis o livro. De fato, conceder o
direito de consagrar, ou seja, de celebrar a eucaristia, em outras palavras, de
celebrar a missa, foi dado pelo papa Aniceto ao bispo Policarpo. É preciso
notar que Policarpo recebeu do papa essa confirmação em seu direito de exercer
o sacerdócio em plena comunhão com a Igreja.
O que ensina a citação da Encíclica
“Como amar o Papa” [Pio X, 18/11/1912] está em contraste com o escrito na
reposta acima. Será, então, que o livro estava correto ao entender que a
vontade e opinião do papa superam todas as opiniões e vontades dos fieis em
toda e qualquer discussão? Na verdade, não se trata disso, mas do princípio do
amor, no qual a pessoa que ama tenta conformar-se com aquela amada. Jesus disse
para amarmos a Ele, o que equivale à obediência. Esse exemplo o papa usa, pois
como representante de Deus na Igreja, como chefe da mesma, é seu dever ensinar
o Evangelho, e estando na verdade deve ter obediência. Esse é o sentido da
alocução feita por São Pio X.
O livro mostra Tertuliano como não
tendo noção da primazia de Roma e acusando o papa de heresia, em Contra Práxeas
1. Para contextualização histórica geral desse tema, é necessário alongar-se um
pouco nesse particular, para compreender as palavras de Tertuliano e sua
ligação com o primado da Sé de Roma.
São Calisto, bispo de Roma, papa de
219 a 224, condena as heresias da época, como bispo dos bispos. Nesse tempo,
Tertuliano havia abraçado a heresia montanista, contrária ao perdão, conferido
pela Igreja Católica, de cristãos que cometeram adultérios e fornicações. Ele
critica o papa Calisto, e em suas críticas é claro o papel do bispo de Roma na
época. Tertuliano usa de sarcasmo e o chama ‘Pontifex Maximus’, comparando-o ao imperador de Roma, e de ‘bispo
dos bispos’, referindo-se ao seu poder sobre toda a Igreja. Refere-se ainda ao
Evangelho, no texto de Mateus 16,18-19 como base para o primado, reconhecido
pelo papa, e negado pelo próprio Tertuliano. [cf. Mark Bonocore: The title Pontifex Maximus] Assim, o
testemunho de Tertuliano é assaz apropriado para compreender a autoridade do
papa, e infeliz por mostrar um homem de sua envergadura negar o primado do papa
e a sucessão apostólica, dando as mãos a um rigorismo heterodoxo.
Fato interessante, também, é que São
Tiago Menor, parente de Jesus, foi sucedido no episcopado de Jerusalém por São
Simão, seu irmão, também primo de Jesus. Isso ocorreu numa reunião de toda a
Igreja, conforme a História Eclesiástica.
São Cipriano, na Epístola 59, n. 14,
refere-se a Roma como a igreja principal, origem do sacerdócio, e que não pode
errar em questões de fé.
No Canon 28 do Concílio de Cartago há
a recomendação de resolver toda questão em sua própria província, proibindo
apelar para outras sedes, numa proibição de apelação a Roma. Esse tempo foi de
controvérsia, e não pode ser usado como inexistência da primazia de Roma, mas,
pelo contrário, de mais um exemplo desse fato.
O caso de São Cipriano na questão
contra o papa Estêvão revela um exemplo em momento de controvérsia. A fé de São
Cipriano, como vista, estava de acordo com o primado, e não contra. O livro
afirma que o fato de São Cipriano reconhecer o bispo de Roma como sucessor de
Pedro seria, por assim dizer, algo semelhante ao natural, pois todas as
dioceses eram vistas como de origem apostólica. Não é bem assim. Que outras
dioceses, exceto Antioquia, Alexandria e Roma, são ditas serem seus bispos
sucessores, não dos apóstolos, mas de Pedro em especial? O livro não provou sua
asserção, e nesse salvatério inútil não logrou o intuito almejado.
Assim, o argumento da sé romana ter
raiz em Pedro não foi para o lixo, mas está de pé, divinamente estabelecido,
pela Bíblia, pela História, e pelo bom senso. Da submissão do cristão ao bispo
local infere-se a submissão ao papa, pois todo bispo deve estar nessa comunhão.
Certamente, esse é o sentido da unidade da Igreja em São Cipriano.
Se são falsas as citações, e todas
manipuladas, como as de que São Cipriano cria que Roma não erra na fé, e que é
a sede da Igreja, que provas o livro apresenta para tal acusação? Para essa
controvérsia o livro aponta artigos do autor, em indicações no rodapé, e afirma:
“tradução mal feita do original (...) [referindo-se
à obra Da Unidade da Igreja] interpolação que é fruto de uma adulteração
vergonhosa no texto de Cipriano [frases
de São Cipriano: “os romanos não podem errar na fé” e “Roma é a matriz e trono
da Igreja Católica”]”.
E, conferindo o artigo citado, há
grande energia contra essas citações de São Cipriano: ““Atrevem-se estes a dirigir-se à cátedra de Pedro, a esta igreja
principal de onde se origina o sacerdócio… esquecidos de que os
romanos não podem errar na fé” (Epist.
59,n.14, Hartel, 683) Essa adulteração é tão vergonhosa que qualquer um que
tenha um mínimo de decência poderia ir conferir na “Epístola 59” de Cipriano e
verá que não existe absolutamente nada que sequer seja parecido com
isso nessa epístola 59 de Cipriano...” [ênfase no original.
Artigo de 4/12/2012]
Realmente, não está na Epístola 59
segundo a edição pesquisada pelo autor. No entanto, esse deveria publicamente,
por justiça, emendar-se dessa acusação de fraude, já que não houve Adulterações católicas nos escritos de
Cipriano, como é o título do artigo, pois, quem tiver a mínima decência
encontrará a citação noutra epístola.
De fato, o que está na Epístola 54,14,
de São Cipriano, assim ensina: “Depois de coisas como essas, ademais, eles ainda ousam – um
falso bispo ter sido consagrado para eles pelos hereges – a sair e levar cartas
dos cismáticos e pessoas profanas ao
trono de Pedro, e à principal igreja de onde a unidade sacerdotal tem sua
fonte, e não considerar que esses foram os romanos cuja fé foi louvada na
pregação do apóstolo, aos quais falta de fé não tem acesso.”
[tradução minha. Site newadvent.org] Os hereges ousavam levar cartas a Roma, e
São Cipriano mostra que os romanos têm a indefectibilidade, em sua Igreja, e o
erro da fé não pode ter lugar entre eles. Importa pouco o que farão dessas
palavras agora, que interpretação ao gosto individual, muitas vezes, será dada,
mas o fato das palavras serem verdadeiras.
O assunto é o cisma, a negação da
autoridade do papa. São Cipriano, então, cita a cátedra de Pedro, o seu TRONO,
fala da origem do sacerdócio em Roma, como fonte de unidade da Igreja inteira,
e refere-se à Igreja de Roma como a ”principal Igreja”. Todos os elementos da
verdadeira doutrina. Mais uma refutação. Graças sejam dadas a Deus por meio de
Jesus Cristo Nosso Senhor.
Se o texto não foi encontrado na Ep
59, o foi na Ep 54, no número 14. Dessa forma, o texto é verdadeiro, não houve
adulteração, nem invenção, nem falsificação. O autor deve suas desculpas.
Recorrer a São Cipriano é de grande
ajuda para a causa protestante, até que as fontes sejam realmente consultadas.
A partir daí, renova-se o desapontamento protestantista.
Em primeiro lugar é preciso saber que
São Cipriano errou, e no momento de controvérsia contra o papa Estêvão perdeu
as rédeas e afastou-se, momentaneamente, daquilo que era próprio da sua fé
pessoal. Afastou demais de sua vigorosa ortodoxia sobre a cátedra papal,
contradiz-se, como nota Harnack.
Não é necessário transcorrer por
outros textos, pois para São Cipriano estar na Igreja significa segurança na
fé, união com Cristo, e unir-se aos hereges equivale à perdição (cf. Da Unidade
da Igreja 6).
Com São
Jerônimo não é diferente: o livro reconhece que o mesmo concede honra ao papa,
mas nega que tenha classificado o papa como superior aos demais, como bispo dos
bispos. E qual é a prova? Vejamos: "Como podemos ter certeza disso? Simplesmente porque Jerônimo
considerava os outros bispos também como “papas”, e vai além e diz ao
bispo de Alexandria que ele era “o mais abençoado papa” da Igreja:
”Jerônimo para o mais abençoado papa Teófilo [Alexandria]”" (p. 230) Pelo que São Jerônimo escreve
entende que o papa, como eram chamados todos os bispos da época, Teófilo teve
importante papel na defesa da fé contra uma heresia, auxiliando mesmo a cidade
de Roma com seus escritos. O santo convida o bispo a escrever mais vezes, a não
hesitar em ajudar os irmãos no Ocidente. Quando escreve que o bispo era
"de uma autoridade tão grande", essas palavras soam como elogio
devido ao fato circunstancial. (Cartas 63 e 88)
Dessas
palavras o livro questiona sobre a primazia do bispo romano, que estaria
ofuscada pela posição do bispo Teófilo, se fosse o caso, sendo que o argumento
tenta refutar o lugar primeiro do papa de Roma.
Quando
pede que uma carta seja enviada a ele e ao bispo de Constantinopla e refere-se
ao consenso universal, o livro conclui que o papa não foi mencionado, e sendo o
consenso universal contrário aos poderes plenos do papa, sua posição estaria
estabelecida. Nada mais errado. O consenso universal da Igreja é ensinado pelo
papa. Não há contraste em ambos os conceitos, mas perfeita unidade. A ideia de
que o papa "teria autoridade para resolver tudo sozinho", segundo
parecer católico, é na verdade um parecer protestante lançado como sendo de
origem católica. É um espantalho.
A citação
da Epístola 146 é usada para colocar Roma fora de cogitação como lugar de
importância central na Igreja no pensar de São Jerônimo. Certamente, o santo
refere-se ao erro do costume ali surgido, e impõe a regra geral da Igreja, sem
por isso negar o lugar de Roma como sede da fé.
Na
verdade, na Epístola 146 São Jerônimo mostra que o episcopado é idêntico em
dignidade onde quer que se encontre, seja em Roma ou em outra diocese. Essa
verdade continua em voga, para os desavisados. Os bispos estão numa mesma
hierarquia, e são no poder da ordem iguais no seu sacerdócio. O papa e outro
bispo de qualquer igreja local da terra estão no mesmo grau de ordem recebida.
O que o papa possui como distinção está no seu poder jurisdicional.
São
Jerônimo ensina que o primado de São Pedro servia para a unidade eclesial, para
afastar ocasiões cismáticas. (Ad. Jov. I, 26) Não será difícil entender, por
essas palavras, a importância da unidade de fé e prática para a Igreja em todos
os seus tempos, e assim ter estabelecida a doutrina da sucessão episcopal.
E sendo
Policarpo o bispo de toda a Ásia, segundo São Jerônimo, então o papa não seria
líder na Ásia. Essa é a lição que o livro ensina.
Mas, se
cada Igreja local tem o seu bispo, que a governa, então o mesmo é chefe daquela
igreja. Significa isso que o papa não tem nenhuma influência sobre ela, e que
não possua o primado? Esse argumento não funcionou, e mais uma vez o livro
deixou essa falha para corrigi-la, se Deus quiser.
Quando
Eusébio fala de Jesus como o único Sumo Sacerdote do universo, conclui o livro
que ele não cria no papel do papa como líder de toda a Igreja. Além disso,
afirma que o título de papa foi ambicionado pelo bispo de Roma, que o tomou dos
demais. Nada histórico, apenas força retórica.
O fato do
papa ter ficado com título exclusivo é realmente um desenvolvimento histórico
compreensível e são, em nada lembrando o que foi dito no livro.
E os
elogios a Antioquia, por São João Crisóstomo, devem ser entendidos não no
sentido de jurisdição, de centro da fé, mas noutro sentido. Aí temos, sim, um
exemplo de preeminência de honra.
As
'provas' que o livro tenta inculcar tornam-se cada vez mais problemáticas, ao
passo que o tempo corre. Em pleno século 6, pelos arrazoados convictos do
livro, não deveria haver papa, pois crê-se que São Gregório Magno, que era
papa, teria rejeitado o título de bispo universal.
Vê-se que
São Gregório cita "as ordenanças evangélicas" e "os decretos dos
cânones", o que impõe uma leitura contextualizada doutrinal e
historicamente. Aquele fato não era conhecido, portanto, não tradicional da
Igreja. Tratava-se somente do uso do título "bispo universal” pelo
patriarca de Constantinopla, como sendo um erro no uso do título em si?
Na
verdade, há um sentido inaudito que o papa reprova. Chama de "nome de
blasfêmia", e que o mesmo tira "a honra de todos os sacerdotes".
(p. 234) Seria o papado tendo tal ataque no século 6, pelo grande papa São
Gregório?
O livro
considera um argumento, talvez apresentado em algum site apologético: "Os católicos afirmam que Gregório
Magno não condenou o título de “papa universal” para si próprio, mas condenou
este título somente quando aplicado a João, bispo de Constantinopla, quando
este queria se tornar o único “bispo dos bispos”. Porém, isso não é verdade" (p. 235).
Então, o
título é sinal do precursor do anticristo, uma condenação para todo aquele que
quiser usar do mesmo. É interessante que o título significa um desprezo aos
outros bispos, negar o caráter de bispo dos outros. (Ep 48)
O que o
papa está reprovando é a ideia de que há apenas um único bispo, e que somente
esse tem o caráter tal que toda a doutrina depende de si, e toda autoridade
está em si, e que os demais bispos na verdade não o são. Se assim fosse, uma
vez caindo esse bispo a Igreja estaria fadada ao fracasso. Portanto, esse título
assim entendido não é católico.
A
afirmação de que a Igreja da época em questão não era "apostólica
romana" como hoje é tão gratuita como aquelas afirmações já batidas aqui.
Seria o
mesmo que afirmar que um menino não é a mesma pessoa quando torna-se adulto, ou
uma semente não é da mesma natureza quando germina e torna-se uma planta, e não
é a mesma quando se torna árvore, ou que uma vila não é a mesma quando chega ao
nível de cidade, etc. A Igreja primitiva cresceu e tornou-se universal.
Tornou-se de fato católica porque era católica já de direito.
Aliás,
voltando ao aludido pensando do papa Gregório Magno, deve-se lembrar que foi
papa, e é santo canonizado na Igreja. Viveu numa época em que a ideia do papado
já estava bastante desenvolvida, e se nos primeiros tempos não havia dúvida,
muito menos naqueles de São Gregório.
A Bíblia
já é patente quanto à doutrina do primado, e a história vai recebendo maiores
luzes conforme debruça-se a Igreja sobre a Palavra de Deus. Seja louvado Nosso
Senhor Jesus Cristo.
Outra
informação invertida é a de que o bispo de Roma tinha a primazia de honra por
ser bispo de uma cidade da importância da capital imperial. Pelo visto, na
História, ocorre o contrário: Roma é preeminente por ter sido sede do apóstolo
que Cristo escolheu como caput de Sua Igreja.
O Cânon
28 de Calcedônia é apresentado com ideia contrária. p. 245
O papado
retamente compreendido, com espírito sincero e orientado pela correta doutrina
é um serviço santo a Deus pelo serviço aos irmãos, e nunca um orgulho.