sábado, 13 de dezembro de 2025

Para melhor entender adoração e veneração

Vamos começar com o Catecismo da Igreja Católica para debater o tema.

Citando o Diálogo com Trifão, de São Justino, temos que “Não pomos as nossas esperanças em algum outro – pois outro não existe – mas no mesmo que vós, o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó”. O mesmo podemos hoje afirmar, que o nosso Senhor, de Abraão, de Isaque, de Jacó, de São Pedro, de São Paulo, de Santo Agostinho, de Santo Antônio, e etc., é Aquele em que pomos nossas esperanças.

Aqui temos a veneração aos santos de Deus e a adoração a Deus. E o Catecismo (n. 2096) afirma que adorar a Deus é, em resumo aqui, reconhecê-Lo como Deus, Criador, Salvador, Senhor, Mestre.

Qual a diferença prática funcional de latria para hiperdulia? Honra e veneração a Maria e a Deus? Há intercessão, concessão de louvor, honra, graça, oração, aceitação no coração, prostração, tratamento de instrumento de redenção. Qual a diferença? Segundo o pastor, não existe diferença.

A resposta ortodoxa e católica de que a adoração envolve sacrifício não é aceita pelo pastor. Vejamos se o pastor de fato refuta a resposta católica.

O que é idolatria, dulia, hiperdulia, adoração? O pastor trata de diferença FUNCIONAL. Esse é o tema. Para ele, não há diferença e isso é o importante.

Latria: sacrifícios a Deus. Idolatria, sacrifícios a ídolos.

O ponto fundamental que o pastor quer provar é que na Bíblia inteira não haveria a relação exclusiva entre adoração e sacrifício, mas a adoração está atrelada também a vários outros elementos que são comuns na veneração católico-romana.

Adoração no sentido interior. Isso é prioritário. E antes de tudo uma subserviência interior. Percebe-se aqui que o pastor aqui usa até a linguagem e teologia católica para ensinar essa verdade: a adoração é uma disposição do coração. Não é comum um pastor usar essa linguagem ao falar de adoração, como vemos entre os padres. Portanto, o pastor Yago aprendeu bem esse ponto. Ele cita Ezequiel 14.

Como a adoração é dependente de sacrifícios, se ela é interna? Nesse ponto o pastor erra. Ele não entende a doutrina católica em geral, e desliza em mais um ponto fundamental. Para o catolicismo a adoração é antes de tudo uma disposição do coração, a adoração em espírito. A adoração não depende do sacrifício para existir, mas funciona atrelada ao verdadeiro sacrifício. Assim, não há novidade alguma para a fé católica essa resposta do pastor relativa a essa questão específica.

Depois o pastor oferece um exemplo de adoração, que é erguer interiormente algo ou alguém mais alto do que deveria. Certamente ele pode estar pensando que o católico ergue Maria dentro do seu coração mais alto do que deveria, de forma exagerada, tornando-a mais alta que Deus, ou em pé de igualdade com Deus, constituindo idolatria. Isso não existe e ninguém poderia em sã consciência afirmar que os cristãos católicos fazem isso em seus corações.

Mais adiante, o apologista mostra exemplo de dulia aplicado a dinheiro, como está em Mateus 6. O que ele quer provar com isso? Que a veneração também está atrelada ao conceito de adoração, e isso poderia refutar a fé católica, pois o termo fala de idolatria interior. Os demais exemplos são todos usados na fé cristã católica para mostrar que a adoração é fundamentalmente interior, e não depende de nada exterior. Portanto, o pastor está dando uma aula de catequese católica sem perceber.

O desejo exagerado e desordenado é a explicação pelo pastor como idolatria. É importante notar novamente a linguagem católica que o pastor usa para ensinar essa doutrina. É algo que parece mostrar as boas influências da fé católica que o pastor tem em seus estudos.

Na parte II o pastor aprofunda a questão. A adoração envolve sacrifícios mas não está restrita a isso. A expressão corporal, a ida ao templo e até uma festa podem ser adoração.

Depois, afirma que quando o referente muda o entendimento do ato muda. Isso é magnífico. É totalmente o que a doutrina católica ensina, e que normalmente os pastores protestantes, e mesmo apologistas, não costumam perceber.

O ponto básico parece ser o seguinte: não é necessário um sacrifício para haver adoração, mas basta a prostração. A prostração de um servo diante do senhor humano é um reconhecimento de autoridade, mas diante de Deus, por exemplo, já é adoração. Ponto positivo, pois é justamente o entendimento católico sobre o fato.

Aqui mostra-se que na prática a adoração e a veneração podem ser iguais, mas há uma diferença no sentido interior do ato, que é uma diferença invisível. É a doutrina católica.

E como as palavras adoração, prostração, serviço, são usadas na Bíblia? A idolatria e a adoração se expressavam de modo muito mais amplo. Assim, a atitude de adoração não depende da oferta de sacrifício: pode ser prostração, o ato de curvar-se, beijo. O beijo pode ser expressão de adoração. O pastor está tentando provar que o ato em si não depende da existência de sacrifícios, de uma liturgia sacrificial, para serem adoração, mas sim de uma disposição interior. Isso está correto. E qual a novidade aqui? O pastor entendeu bem o que é adoração, e soube diferenciar o que se passa no interior e do que é feito exteriormente, de modo que pode haver o mesmo ato, como prostrar-se, com diferentes sentidos.

Seu objetivo foi mostrar que o sacrifício não é necessário para haver adoração, mas ele refuta muito do entendimento protestante que diz que a própria prostração, por exemplo, em contexto religioso e espiritual, seria adoração. Ou seja, um ato externo em relação a uma imagem seria adoração pelo próprio ato, sem consideração ao que se passa no espírito do fiel. Isso já está claro, e até aqui o pastor não apresentou nenhuma dificuldade para a fé católica.

Um observador que olhasse um israelita prostrado diante de Deus notaria a semelhança com um adorador de outro deus, “mas havia uma notável diferença”, afirma o pastor. Então ele está pronto para entender que para um cristão católico ajoelhar-se diante de uma imagem pode não ser adoração, mesmo que o ato seja semelhante.

Ele diz que o israelita não se prostrava diante de imagens, o que era proibido pela lei, ainda que existissem imagens na religião dos judeus, como os querubins e etc. Então, aparece o outro erro do pastor. Ele afirma que se o objeto ligado ao culto passa a ser tratado como objeto de veneração, há condenação de idolatria, citando o caso da serpente de bronze em 2 Rs 18. Isso já está explicado em artigo neste blog, para quem tiver interesse em estudar.

A existência de imagens é uma coisa, prestar às imagens honra religiosa, é outra coisa, afirma o pastor.

Aqui ele parte para outra questão: antes já entendeu que o culto de adoração é acima de tudo interno, e transparece nos atos. Se alguém prostra-se diante de um superior humano, seria honra, se a prostração é diante de Deus, seria adoração. Mas, nesse ponto específico o pastor ainda não entende que há imagens que podem ser cultuadas com gestos de veneração. É um obstáculo que o pastor Yago ainda possui no entendimento do tema:

Atos iguais podem ter sentidos diferentes segundo a disposição interior.

Imagens religiosas podem existir no culto a Deus, como aquelas no templo no Antigo Testamento.

Agora, a ideia de que as mesmas podiam ser honradas com atos externos, com a disposição correta de honra a objetos rituais, isso não pode ser negado.

Para quem deseja estudar, há muitos artigos no blog sobre o tema. Em resumo, vemos que na Bíblia quando se diz que o adorador prostrou-se diante de Deus para adorar, ele está prostrado diante da arca, que é um objeto. Portanto, está refutado o que o pastor afirmou sobre o caso específico das imagens. O restante o pastor está correto e em conformidade com a doutrina católica.

A adoração se manifesta de várias formas, uma delas é o sacrífico. Muito bem, mas a fé católica ensina isso. Continuemos.

O ministério do sacerdócio levita se estendia em ajudar ao povo, por exemplo. O serviço ao povo é uma forma de adoração a Deus. Ou seja, o pastor mais uma vez, sem perceber, concorda com a fé católica de que o serviço a outro redunda em adoração a Deus. Assim, a veneração a Maria, por ser a mãe de Jesus, é em última instância adoração a Deus.

A citação de David Peterson ajuda a entender melhor o que a explicação do pastor tem em conformidade com a doutrina católica.

1º é a atitude do coração que realmente importa.

2º adoração como expressão de reverência ou grata submissão.

 

A interpretação do autor sobre o tabernáculo, a arca e o templo:

O ritual associado a essas instituições servia para reconhecer o poder e a presença de Deus.

Aqui podemos lembrar que os gestos ligados ao tabernáculo, à arca e ao templo, que eram materiais, eram imagens, servem para adorar a Deus, que é invisível. É uma forma de utilizar o que o pastor está afirmando, partindo da citação que faz, e estabelecer esse ponto de contato com a fé católica.

Na parte III que trata sobre o que adoração no Novo Testamento sem a presença de sacrifício. O caso de Cornélio em Atos 10, 26.

A prostração diante do anjo no Apocalipse foi vista como adoração. Mas e o que foi dito e explicado acima: a prostração pode ser sinal de uma disposição interior diferente e não ser adoração. Assim, está estabelecido que o ato de prostrar-se pode ser adoração ou veneração (honra).

Segundo, as imagens sagradas no templo, por exemplo, podem ser tratadas com rituais associados a elas, mas que servem para o culto de Deus. Outro conceito legítimo.

Caso se argumente que o ato de prostrar-se diante do anjo é adoração, então a afirmação contradiz tudo o que foi dito anteriormente. O ato em si não pode provar nada.

Adoração como sacrifício de louvor. Correto.

Nada que possa contradizer a fé católica.

Ao final, o pastor usa o exemplo de cantar para a esposa, no contexto conjugal, e introduz linguagem de culto, usando palavras que são relacionadas a Deus para uma criatura, o que já seria idolatria.

O problema é que de fato não se devem confundir os contextos. Também deve-se ver que na antiguidade, desde o Antigo Testamento, a linguagem utilizada pelo povo fiel para expressar honra, reverência no sentido cultural e adoração espiritual é muitas vezes a mesma, pois a linguagem também é uma forma externa do culto interior, o que pode mudar segundo a disposição do coração, o que refuta o pastor totalmente. Assim, um elogio profundo a alguém e um louvor a Deus com palavras semelhantes não significa idolatria, pois o fiel sabe o significado do seu ato em seu coração.

1º Há adoração sem sacrifício real, como diz o pastor.

2º Se os louvores, ofertas e serviços aos santos forem adoração e não veneração, então o pastor contradiz tudo o que explicou acima, pois as palavras estariam sendo maiores que a disposição interior. Portanto, não faz sentido. Há um lugar para a honra aos santos servos de Deus, e um lugar à adoração a Deus, que são totalmente diferentes.

3º Não há um culto de veneração separado como se fosse semelhante ao de adoração, mas todos os cultos ou atos de veneração feitos aos santos estão no contexto do culto único de adoração dado a Deus.

Parece que o pastor continua com a mesma ideia  errônea de que os atos de veneração e adoração são iguais, e que a "prática" é que seria a prova, e portanto são a mesma coisa, contradizendo o que disse em todo o vídeo, como analisado acima, ou seja, de que a disposição do coração é que faz a verdadeira adoração. Se a abstração, a doutrina, a disposição interna valem, são elas que dão sentido à prática. Se é a prática, então tudo o que o pastor disse não está valendo. Onde está então a refutação à doutrina católica? Não existe.

Os erros de interpretação mostrados ao longo do artigo levaram a essa conclusão errada do apologista protestante.

Para quem quiser aprofundar-se no tema, leia mais artigo no blog sobre adoração e veneração.

Gledson Meireles.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

O debate de Lucas Gesta e Ariel Lazari

 

No debate sobre Tradição Apostólica e Sola Scriptura, o protestante Lucas Gesta veio com várias novidades. Primeiro, o grupo de apóstolos em Jerusalém não seriam os 12, mas um grupo distinto. Segundo, “o concílio” de Antioquia ensinava uma coisa que não estava em conformidade com o Evangelho. Terceiro, o Concílio de Jerusalém, em Atos 15, ensinou coisas que foram contraditas por São Paulo. Pasmem. Como prova ele que os apóstolos não foram para o concílio de Jerusalém? Qual é a prova de que houve concílio de Jerusalém que ensinava algo contrário ao que o evangelho ensina? Qual a prova de que o apóstolo São Paulo contradisse o ensino do Concílio de Jerusalém? A resposta seria o texto que o mesmo citou, mas isso faria a Bíblia se contradizer. Por isso, essas coisas não estão na Bíblia. Um texto bíblico não contradiz outro. E é isso o que o professor historiador Lucas Gesta dá a entender.

Ele cita João 14,26 e, por exemplo, Gálatas 1, para justificar a autoridade dos protestantes de interpretar a Bíblia. O primeiro texto dá autoridade à Igreja Católica e o segundo fala da autoridade de Paulo que recebeu diretamente o evangelho de Jesus e o mesmo era apóstolo em comunhão com os demais. Nada que justifique uma autoridade que não esteja em conformidade com a Igreja.

Até o minuto 49 o que o Ariel ensinou é resumidamente que: aquilo que está na prática da Igreja Católica em sua liturgia, o que é testemunhado em todo o mundo, na unidade essencial litúrgica, prova que há algo que foi deixado pelos apóstolos, uma tradição apostólica que está mantida na Igreja, não ensinada diretamente e explicitamente na Bíblia, não contradizendo a mesma, e mostrando a verdade daquilo que a mesma Bíblia ensina, mostrando que certos ensinos são apostólicos e apenas tacitamente presente no texto bíblico.

No minuto 50 o Lucas mostra não entender a infalibilidade papel em uma resposta rápida que dá ao Ariel durante sua explicação. O Ariel refuta radicalmente o Lucas.

O Lucas afirma que o Concílio de Jerusalém foi uma reunião sinagogal e as decisões que tomaram não valeram para as igrejas paulinas, para as igrejas cristãs no geral. Parece uma confusão aqui. Primeiro, os cristãos apóstolos e anciãos não eram judeus apenas, mas cristãos convertidos. Assim, nesse tempo a Igreja já estava bastante separada da sinagoga e do templo do Judaísmo oficial que combatia contra os cristãos.

Segundo, as decisões do Concílio, sendo bíblicas, obriga a todos os cristãos que existem. São Paulo não permitiu comer carne sacrificada, que seria ir contra o que ele mesmo com os demais decidiram no Concílio de Jerusalém por autoridade do Espírito Santo. Dessa forma, a fala do Lucas está bastante incorreta e introduz a ideia errada de contradição nas Escrituras, e por isso é uma interpretação equivocada.

São Pedro não ensinou que os judeus deviam sentar separados dos gentios à mesma, diz o Ariel. Mas o que ele fez ensinou, diz o Lucas. No entanto, o Ariel mostrou que um erro de atitude pode ser cometido pelo papa. Assim, São Pedro, ao agir de forma a entender que estava negando sentar-se à mesma com os gentios fez com que muitos agissem assim também. Então, a autoridade do papa diz muito, fazendo mesmo as outras autoridades segui-lo.

Portanto, o papa pode errar em sua conduta. São Pedro errou ali e foi corrigido por São Paulo. Assim, ele voltou atrás em sua atitude, pois na sua pregação havia ensinado que não há separação entre judeus e gregos, o que disse claramente em Jerusalém. Portanto, a posição do Ariel está correta e refuta o mal entendimento do Lucas. O mesmo mostrou-se bastante calmo e preparado. Às vezes empolgou-se e ultrapassou o tempo de fala.

O Concílio decidiu coisas que a Igreja não seguiu? Estranho. O Lucas deveria mostrar onde está escrito que as Igrejas “paulinas” não deveriam obedecer ao Concílio de Jerusalém.

O Lucas entende a missa, a renovação do Sacrifício de Cristo, como a crucificação de Jesus novamente. Erro rudimentar.

Afirma que a doutrina de Karl Barth está na Igreja Católica a partir do Concílio Vaticano II. É uma afirmação. Não prova.

Afirma que Pedro não foi papa mas presbítero e cita 35 antipapas que havia na Igreja. Ele prova sem querer a historicidade do papado na idade antiga.

Depois, o Lucas comenta que Apolo recebeu imposição de mãos de uma mulher, ao que logo é respondido por Ariel: aqui não está escrito que ele recebeu imposição de mãos! Realmente o Lucas foi refutado novamente.

Então o Lucas afirma que aqueles que receberam o batismo de João não eram cristãos ainda e estavam sendo convertidos por São Paulo. É uma interpretação, já que o texto não diz que aquele grupo cria em João Batista como messias como messias. O texto chama do grupo de "discípulos", mas os mesmos não tinham a fé completa, pois não conheciam o Espírito Santo. Ao que parece a melhor interpretação é a do Ariel, e o Lucas foi novamente refutado.

De fato, a Bíblia ensina que Apolo conhecia Jesus: ensinava com precisão a respeito de Jesus (Atos 18, 25). Ensinava a respeito de Cristo, mas não conhecia senão o batismo de João. Ele não foi ensinado por São Paulo sobre Jesus, mas sobre o Espírito Santo.

O Lucas afirma que o Espírito Santo não é recebido de homens. Isso ele diz contra a sucessão apostólica. Foi provado que a imposição de mãos era o meio de ordenar as autoridades. Mas o Lucas, ainda que não apresentasse nenhum texto contrário, não aceitou a sucessão apostólica.

Afirma que a imposição de mãos é para dons e não para autoridade. Outra interpretação estranha. De fato, o texto bíblico afirma da imposição de mãos a Timóteo para autoridade sobre as igrejas e não sobre a recepção apenas de dons. É o que diz o contexto.


Gledson Meireles.





domingo, 16 de novembro de 2025

Mater populi fidelis: o título mariano de Corredentora

O sentido do título Corredentora dado à virgem Maria

A nota Mater Populi fidelis, do Dicastério para a Doutrina da Fé, trata sobre alguns títulos marianos, e tem causado debates entre os católicos e recebido enorme atenção dos protestantes.

Na internet há inúmeros vídeos e comentários sobre o tema. Há os que dizem que a Igreja mudou a interpretação, e que Maria não é mais corredentora. Outros sugerem que a interpretação não foi radical, mas que a Igreja Católica deu passos em direção à Reforma Protestante. Ou seja, essas duas opiniões afirmam que houve mudança essencial na doutrina.

O que diz a doutrina de que Maria é corredentora? Embora não seja um dogma, muito foi escrito a respeito do tema. É fé da Igreja a corredenção de Maria. E o documento do Dicastério o afirma no parágrafo 5: “A participação de Maria na obra salvadora de Cristo está atestada nas Escrituras...”.

Parece que poucos leram essa parte que tem o subtítulo de “A cooperação de Maria na obra da Salvação”.

Aos que dizem que a doutrina mudou, está aí a própria documento afirmando que não. Maria possui um papel na redenção, ela participa, como sempre ensinou a doutrina católica, como está nas Escrituras Sagradas.

No entanto, a Igreja está tratando do “título” de Corredentora e seu significado. Como se dá essa participação. É um título que tenta expressar a doutrina de sempre, mas que foi usado no século XV até o século XVIII, conforme o documento. Por isso, não é o título a própria doutrina, mas uma forma de expressá-la. E, pelo que se diz, o título não foi usado desde o início, mas foi uma expressão utilizada no século XVI para tratar do assunto que já existe.

É justa a preocupação da Igreja a respeito dos mal-entendidos que o título pode causar? A resposta é sim. Basta ver os vídeos que o tema inspira e notar que muitos não entendem a doutrina. Muitos católicos e, obviamente, os protestantes, estão entendendo a questão.

É óbvio que para o protestante Maria “não” tem cooperação nenhuma na obra da redenção. Mas a questão é debatida no orbe católico.

Claro também que Maria não é salvadora, não é redentora, não é corredentora, portanto, ela não pode salvar a ninguém, nem a si própria, pois o único meio capaz de salvar é Jesus Cristo por seu sangue derramado na cruz. Essa é doutrina católica.

E agora, qual é então essa participação de Maria na redenção? Por que os títulos de redentora e corredentora foram usados? Que papel teve Maria na redenção, que fez muitos darem o título a ela de redentora ou de corredentora? Esse é o ponto básico.

Assim, é de se esperar que as explicações não ultrapassem o dogma de que Cristo é o único Salvador. Tudo mais deve ser exposto por uma linguagem que não cause problemas o máximo possível.

Todos temos união com Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Mas a doutrina católica mostra a união de Maria com Deus de forma especial, pois ela foi criada para ser o meio do Filho de Deus tornar-Se Homem. Esse é ponto básico.

A relação de Maria com Seu Filho Jesus é espiritualmente usada por Deus no mistério da salvação da humanidade. Após ser salva, Maria entra no plano da salvação associada a Jesus. Assim, como ela, e depois dela, todos os salvos.

Toda a função de Maria no mistério de Deus é ser cooperadora de Deus. É o que afirma o padre Júlio Maria, no livro Por que amo Maria?. É uma forma de desenvolver uma secundária na doutrina: “Jesus é Redentor”.

Se Maria coopera em tudo com Ele, ela é corredentora. No entanto, esse título deve ser explicado para não contradizer a verdade de que Jesus é o Único Redentor.

Essa verdade vem por muitas afirmações bíblicas e patrísticas: Santo Agostinho afirma que por Maria veio a salvação. É óbvio que há um sentido para essa afirmação, e não é o de que Maria é a salvadora, mas de que por meio dela nasceu Aquele que é o Salvador. É uma forma de considerar a importância de Maria na salvação.

A doutrina bíblica de que a queda veio por um homem e por uma mulher leva a entender o mesmo da salvação. As devidas proporções devem ser mantidas. Este é o cerne da doutrina, de origem bíblica.

“Só Jesus é nosso Redentor”, afirma o padre. É interessante notar como ficam perplexos os protestantes quando vêem os padres na internet comentando a doutrina mostrando que é fé cristã católica que Jesus é o único Salvador.

Eles não compreendem como pode então haver corredentora. De fato, o nome não expressa exatamente a doutrina. Por isso, o Dicastério acerta em dizer que o título é inoportuno.

Outra explicação do padre Júlio: “As preces e os méritos de Maria Santíssima são de ordem essencialmente inferior às de Jesus”. Portanto, são de outra ordem. Só Jesus possui preces e méritos de Redenção. Os de Maria são de criatura e associados a Cristo por vontade de Deus.

E, por isso, Maria tem preces e méritos essencialmente diferentes dos demais santos, ainda que todos os santos tenham preces e méritos também. É uma forma de mostrar o papel de Maria como mãe de Jesus e associada a todo o mistério da Sua vida. Apenas isso.

Então, o título de corredentora é explicado como de “associada ao Senhor”. Parece bastante claro agora.

Vamos assim tornar tão claro como o sol ao meio dia, no verão e o céu sem nuvens, para não ficar nenhuma dúvida quanto à expressão.

Deus associa criaturas à Sua obra. Deus ilumina o mundo. E como Deus faz isso? Através das estrelas, do sol e de todo foco de luz. Poderíamos afirmar que o sol não ilumina, mas é Deus que ilumina? Seria um contrassenso.  É claro que Deus é a fonte de toda a luz, mas criou um astro para iluminar a terra, e o astro serve o criador para isso.

E Deus usa também os anjos para iluminar os outros. É o ministério angélico. Quem ilumina? Deus. Mas podemos afirmar que os santos e os anjos podem iluminar o mundo. Estão associados a Deus nesse ministério.

Assim, na obra de salvação Deus associou a virgem Maria. Seguindo os exemplos percebemos o alcance da doutrina.

“O mundo inteiro é chamado a cooperar nessa obra”, afirma o padre Júlio. E nesse âmbito fala da cooperação excelente de Maria que foi chamada por isso de “corredentora”.

Assim, se alguém disser que na lógica de Maria ser corredentora nesse sentido todo nós o somos, de certa forma está correto, guardando as devida proporções, pois se fala da pessoa de Maria em união mais próxima de Cristo, pois foi a Sua mãe, ocupando o primeiro lugar entre os santos.

Todos os santos são nesse sentido “corredentores” por seus trabalhos no Reino de Deus, por seus sacrifícios, por suas preces. Maria o é em grau máximo, pois é a primeira crente em Cristo. Esse é o entendimento cristão católico. Ela não foi a causa da sua própria salvação e nem a causa da salvação de ninguém mais. No entanto, após ser salva foi associada no ministério de salvação por Cristo Senhor, onde a Igreja, em conjunto, também exerce esse múnus salvífico. Vê-se assim a que o título se refere.

Em outras palavras, Jesus agora utiliza dos santos remidos para santificar e salvar, para distribuir Sua graça uns aos outros. E Maria, sendo Sua mãe, é unida desde o início na obra da salvação do Senhor Jesus Cristo, é ela á primeira, a mais importante nessa “corredenção”.

Nada pode ser acrescentado ao infinito. A redenção de Cristo tem valor total e infinito. Portanto, a contribuição de Maria é apenas na aplicação dos méritos de Cristo, que em grau maior ou menor participam todos os santos.

A comparação com Eva é também essencial. Eva pecou, mas seu pecado pessoal não teria infectado a humanidade se Adão não pecasse. Assim, efetivamente o pecado de Adão foi o responsável pela queda geral da humanidade. A corredenção de Maria não poderia efetivar nada se não fosse a redenção de Cristo. Maria não poderia ter sofrido por ela e por alguém mais. E ainda assim, a redenção de Cristo, sozinho, salvou a todos, mesmo Maria, e somente a partir daí, já salva e santificada, pode associar-se a Jesus para cooperar na salvação das almas.

Essa é a doutrina católica. O dicastério entende um problema apenas em relação ao título, preservando a doutrina.

A Igreja nunca ensinou que Maria participou da redenção acrescentando algo, pois é impossível, mas ela recebeu na redenção operada por Cristo, a partir da obra da salvação, a capacidade de associar-se a Ele. Assim, com ela toda a Igreja.

Gledson Meireles.

sábado, 1 de novembro de 2025

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Refutação do artigo do pastor Thomas sobre o termo irmãos em Marcos 6, 3

 Refutação do artigo do pastor Thomas Lopes: A importância do contexto na interpretação bíblica: uma análise do uso de adelphós em Marcos 6, 3

            A Igreja Católica em sua experiência apologética de dois milênios já afirmou várias vezes que as heresias surgem de interpretações mal feitas. Textos tirados dos seus contextos. Agora, os protestantes costumam afirmar o mesmo contra a própria Igreja, o que dá ares de sabedoria. Todos os apologistas acusam os oponentes de estarem fazendo eisegese e de estarem interpretando um texto fora do seu respectivo contexto. Portanto, tal coisa não é novidade.

            O pastor adventista Thomas Lopes escreveu um artigo onde analisa o uso do termo adelphos (irmão) no texto evangélico de Marcos 6, 3. O presente estudo irá lidar com artigo mencionado.

            Simplesmente falando, é patente que a Igreja Católica interpreta a Bíblia usando a mais rigorosa hermenêutica. Cada texto é lido segundo o contexto imediato e amplo, e dentro de toda a tradição cristã. Desse modo, a passagem de Marcos 6, 3 é muito conhecida pelos cristãos católicos. Diga-se de passagem que a interpretação é a mesma em todas as igrejas antigas, católica e igrejas orientais, mesmo as que se separaram da Igreja Católica no Concílio de Calcedônia.

            Em primeiro lugar, a Igreja apostólica conheceu Jesus e os apostólicos. Todos sabiam que Jesus era filho único de Maria, e que Seus parentes mais próximos, que viviam naquele clã judaico, chamados de irmãos, não eram filhos de Maria. Certamente os mais próximos conheciam essa realidade. Esse dado apostólico não foi questão de divergência durante séculos. A primeira vez que a virgindade de Maria foi atacada de forma importante, se deu no século quarto. Outros ataques à sua dignidade já haviam sido feitos pelos adversários da Igreja. Eis que agora até mesmo cristãos adotavam interpretações que negavam fatos da vida de Jesus e Maria.

Assim, muitos negavam a ressurreição. Outros negavam a concepção virginal. Agora passavam a negar a virgindade perpétua. É certo que escritores antigos tentaram interpretar textos referentes a irmãos de Jesus no sentido em que negavam a virgindade de Maria pós-parto. Nesse sentido Tertuliano parece ter-se equivocado, por motivos alheios, embora isso não fosse novidade, já que o prolífico escritor se equivocou outras vezes em outros assuntos doutrinais. Mas ainda assim, Tertuliano não atacou a verdade da virgindade de Maria.

Muitas vezes os intérpretes protestantes usam um literalismo que foge da literalidade católica, causando muitas leituras errôneas e heresias perniciosas.  Ler um texto bíblico literalmente é aceitar o que o mesmo diz em palavras simples e naturais. Não se trata de escolher termos na frase, mas seguir o sentido inteiro da sentença. Muitas vezes os protestantes usam de literalismo, fazendo que um termo mude o sentido da frase.

Assim fazem teólogos do calvinismo e do dispensacionalismo. Leem literalmente palavras em frases causando erro no próprio contexto imediato, por frisarem demasiadamente um sentido ligado a certo termo.

É assim que os dispensacionalistas leem Apocalipse 4, onde São João é chamado a ir ao céu, e interpretam a passagem como significando o “arrebatamento” da Igreja, embora o texto e o contexto geral não indique essa leitura. E ainda, ignoram o fato do contexto bíblico amplo negar tal doutrina.

Também quando em Efésios 3, 5 é afirmado que a inclusão dos gentios não foi revelada nos tempos antigos como foi no Novo Testamento. O texto afirma: como agora, ou seja, como foi revelada agora na nova aliança.

O dispensacionalismo entende que a doutrina não foi revelada antes, de modo algum, mas somente agora, embora os textos no Antigo Testamento tenham diversas vezes tratado dessa doutrina, onde judeus e gentios adorariam a Deus como mesmo Povo.

E assim outras interpretações literalistas que não leem a passagem literalmente, mas apegam-se a uma ou outra característica de termos, e não entendem o que a passagem ensina. Dessa forma, a questão do contexto deve ser bem entendida.

A interpretação de que Marcos 6, 3 não pode se referir a irmãos biológicos de Jesus porque 1 Coríntios 15, 6 usa o termo como irmãos na fé não é base para a doutrina católica. Não se trata de um argumento importante. Talvez tenha sido usado por apologistas católicos, mas tal argumento não faz parte do principal em toda a questão. De fato, palavras podem ter diferentes sentidos a depender do contexto.

No contexto imediato do texto de Marcos 6, 3 os contemporâneos e conterrâneos de Jesus, os habitantes de Nazaré, não creem nEle e mencionam Sua origem natural. Literalmente o texto afirma que Jesus é o Carpinteiro, o Filho de Maria, e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão, e que possuem irmãs.

Em Mateus 13, 55 temos que Jesus é o Filho do carpinteiro, que Maria é Sua mãe, e Seus irmãos são Tiago, José, Simão e Judas.

Literalmente, sem pensar no contexto bíblico geral, o texto está afirmando que Jesus é Filho de José e Maria e tem vários irmãos. No contexto maior, não nos parágrafos próximos, mas tendo a doutrina bíblica geral, sabemos que a filiação de Jesus em relação a José não é natural. Apenas em relação a Maria. Jesus é filho biológico somente da virgem Maria.

Assim, o texto precisou de algo mais, de outras passagens bíblicas, para ser entendido. O mesmo deve ser feito com relação aos irmãos e irmãs. Serão eles filhos de Maria e de José? Ou somente de José de um casamento anterior? Devemos pensar nessa questão.

No contexto histórico e cultural o termo irmão, como usado entre os judeus, significava outros graus de parentesco também. Portanto, a leitura do termo em si não indica que eles são filhos de Maria. Essa é a primeira constatação que deve ser feita.

Ainda, os evangelistas escreviam em grego e ao citarem as palavras ditas pelo povo de Nazaré, traduziam como foram pronunciados os termos. E com certeza eles usaram a palavra irmãos.

Assim, empregando o termo irmão, que foi dito em aramaico, certamente, os evangelista traduziram para o grego adelphoi. Essa interpretação está conforme o contexto imediato, geral, e histórico-cultural, segundo a sociedade judaica.

E quanto ao contexto teológico-bíblico, é certo que Maria era virgem quando concebeu Jesus. É certo também que permaneceu virgem durante toda a sua gestação. E quanto ao futuro, após o nascimento de Jesus, a Escritura não traz qualquer indício de que isso tenha mudando, já que as expressões usadas para especular tal fato estão no contexto histórico-cultural da época e muitas vezes são entendidos de forma literal, pelos protestantes,  causando erro, e são lidos segundo a cultura de outra época, resultando em um anacronismo.

Assim, para compreender o fato de que Maria não teve outros filhos é certo que a interpretação está conforme a mais rigorosa exegese. A intenção daquele povo ao citar a família de Jesus era frisar sua humanidade. Queriam negar sua origem celestial.

É certo que não sabiam que Maria gerou Jesus pelo poder do Espírito Santo. Ainda, ao citar irmãos e irmãs de Jesus, o fato permanece, pois a linguagem é comum a outros graus de parentesco. Desse modo, o texto irmãos está se referindo a relações consanguíneas, mas o sentido que traz é o de parentes. Jesus tinha irmãos provenientes do mesmo clã judaico, mas não filhos de Maria. A Bíblia sugere que Maria não teve outros filhos, sendo comprovado pela correta exegese, e esclarecido pela tradição.

O pastor cita o Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature (Bauer et al., 2000, p. 17), onde afirma que adelphos significa também primo. Portanto, o que foi posto acima está correto e admitido pelo autor do artigo nesse pormenor.

A afirmação de Wayne Grudem é mais ampla. No entanto, não refuta a questão do sentido de Marcos 6, 3, pois ali não há uso figurado, mas o uso normal do termo previsto na cultura judaica. O contexto mostra que o termo é usado para significar laços de sangue. E como o termo pode significar irmãos e primos, é preciso esclarecer qual o sentido do termo naquela passagem. É certíssimo que não se trata de sentido figurado. E é certíssimo também de que se tratam de parentes próximos.

Entretanto, há boas evidências de que Jesus é filho único. Ele é chamado de “O” carpinteiro, sugerindo ser um carpinteiro bastante famoso na região, a exemplo de São José. De fato, São Mateus afirma que Ele é o filho do carpinteiro, usando o artigo definido no original grego nesses exemplos. Jesus é o carpinteiro, o filho do carpinteiro, o filho de Maria. Tais especificidades mostram que a leitura natural é de que Jesus é filho único de Maria. Não se trata de um argumento isolado, mas lido em contexto fica claro o sentido de que esssa expressão favorece o fato de que Jesus é filho único.

Afirmar que o mais provável é que o termo irmãos signifique em Marcos 6, 3 “irmãos biológicos” não é suficiente. É biológico no sentido de parentesco familiar. Não no sentido de nascido da mesma mãe. Assim também como não o é afirmar que José é pai biológico de Jesus lendo apenas esse versículo. Certamente o leitor entendeu: o texto afirma que Jesus é filho de José, mas sabemos que essa filiação é adotiva. Jesus tem irmãos, mas sabemos que esses não são filhos de Maria. O texto necessita de outras passagens para tornar certa a interpretação.

O termo não é usado em Marcos 6, 3 como irmãos espirituais. Isso é pacífico na doutrina católica.

Quanto às irmãs, o texto fala de todas as irmãs, indicando um número grande de pessoas. Não parece falar de duas ou três apenas, como observava São Jerônimo. Assim, é mais um indicativo de que se trata de parentes próximos de Jesus. São sinais no texto que favorecem a leitura de que se trata de parentes próximos.

O contexto imediato usa o termo irmãos. E isso não requer que sejam filhos de Maria.  Isso é um fato. Da mesma forma não requer que Jesus seja filho biológico de José. Isso já foi explicado acima.

Assim, a leitura natural de que irmãos se referem a parentes de Jesus é certa. Não é provável que sejam filhos de Maria.

A tradição apostólica fornece a base para o fato certo de que Maria não teve outros filhos. Assim, quando houve negação dessa realidade surgiram controvérsias sérias, e a defesa da virgindade de Maria mostrou-se ser uma realidade passada pela tradição dos apóstolos. Desse modo, a Bíblia não tem nada que contrarie essa doutrina.

Há artigos no blog que deixam clara a questão relativa aos irmãos de Jesus, com sólida argumentação bíblica.

Se Tiago era primo do Senhor (chamado na língua aramaica/hebraica de irmão do Senhor, e traduzido assim na tradição, mesmo por todos os que creem na virgindade de Maria), isso é fato suficiente para mostrar sua notoriedade na Igreja primitiva. Ser parente de Jesus explica essa situação. Ele era apóstolo, do grupo dos doze, sempre citado para identificar sua mãe, que era também chamada Maria.

A leitura natural do texto não exige que os irmãos de Jesus sejam filhos de Maria. Os leitores do grego antigo nunca afirmaram isso. O termo literalmente também comporta o sentido de primo. Esses são três fatos, e contra fatos não há argumentos. Então, não há necessidade alguma de mudança de termo, mas apenas o estudo para o entendimento da exata relação de parentesco que o mesmo indica em Marcos 6, 3.

Essa argumentação de que negar que Jesus teve irmãos biológicos pode levar a um afastamento da leitura natural do texto bíblico, com base na leitura do termo irmãos, contradiz o que foi dito, pois exige que o mesmo seja entendido em único sentido, o de filhos de mesma mãe. É uma argumentação errônea. O termo irmãos permite outra leitura, como provado.

A interpretação de Marcos 6, 3 onde irmãos são parentes/primos é a mais antiga. Não se trata de reinterpretação. Mesmo os cristãos orientais falantes do grego sempre creram na virgindade perpétua de Maria.  A análise linguística prova que Jesus foi filho único de Maria. Também a tradição mais antiga.

A interpretação mais nova, pós-reforma, apresenta problemas enormes, em todas as esferas mencionadas, e é facilmente refutada, como já mostrado no presente estudo. Aliás, os reformadores protestantes criam na virgindade perpétua.


Conclusão


A interpretação católica é pautada nos mais rigorosos princípios hermenêuticos.

A interpretação de Marcos 6, 3 onde “irmãos” significa “primos” está conforme o contexto bíblico geral.

O léxico grego prova que o termo literalmente pode significar irmão ou primo, sendo ambos os significados biológicos.

A exegese não se subordina à tradição teológica. Os mais antigos documentos que tratam do tema mostram que Jesus é filho único de Maria. Santo Epifânio, que fala do assunto expressamente, afirma que pensar o contrário é uma blasfêmia.

É absurdo supor que os intérpretes de todos os tempos na Igreja não souberam entender o sentido exato de irmãos em Marcos 6, 3.

Para identificar os chamados irmãos de Jesus é feita uma exegese cuidadosa, e o resultado confirma a tradição. Portanto, a leitura protestante moderna nega fatos e desobedece princípios hermenêuticos, como mostrado no estudo.

O texto de Marcos 6, 3 lido em seu contexto histórico demonstra que o termo irmãos também significa primos. O contexto literário também comprova essa realidade. O contexto teológico mostra que a virgindade de Maria é a forma mais natural para provar a origem divina de Jesus. Assim, chegamos à intenção original dos autores inspirados.

Que o leitor cresça no conhecimento de Jesus Cristo e da Sua Palavra.

Gledson Meireles.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Refutação do artigo do pastor Thomas sobre o purgatório

 Refutação do artigo do pastor adventista Thomas:

Orígenes e a Influência do Platonismo na Doutrina do Purgatório: Uma Análise da Eisegese Filosófica na Patrística

            É verdade que a doutrina toda desenvolvida, em sua definição final, não aparece explicitamente na Bíblia. Mas está implicitamente. E quando o cristão estuda a Escritura com profundidade essa doutrina se torna clara para ele. Não espere o leitor encontrar qualquer doutrina explicitamente na Escritura. Um adventista não encontra a doutrina do juízo pré-advento na Escritura desenvolvida explicitamente, mas crê que essa está na Bíblia. Então, é preciso cautela no estudo.

            Não foram as interpretações alegóricas e especulativas que fizeram os teólogos para tentar justificar o purgatório. Os meios de explicação da doutrina não são o mesmo que a própria doutrina. Essa está na Bíblia, e nem sempre as formas de expor uma doutrina são corretas em todos os teólogos. Há escritores que cometeram enganos e foram inexatos em suas exposições. Nem por isso a doutrina que defendiam estava errada, mas apenas os meios que usaram para expor a mesma não eram os melhores.

            Como já vimos, foram Tertuliano (160-240), São Cipriano (210-258) e São Clemente de Alexandria (150-215) os grandes autores que expuseram as bases da doutrina do purgatório na antiguidade. Orígenes (182-254) também expôs a doutrina. Assim, é patente que a mesma não foi invenção de Orígenes nem influência pagã, mas uma doutrina cristã exposta na linguagem do grande teólogo do terceiro século. Orígenes não foi canonizado, sua doutrina apresenta erros em vários aspectos, mas quanto ao purgatório ele está de acordo com a Bíblia e a Tradição, como se pode perceber.

            Não é possível afirmar que Orígenes cria na purificação das almas e somente depois é que tentou explicar sua visão através da passagem de 1 Cor 3, 11-15. Outros escritores cristãos explicam a passagem da mesma forma, expondo a mesma doutrina. Desse modo, São Cipriano explica o purgatório de forma cristã, não tendo sua linguagem nada que pudesse supor um empréstimo pagão para a exposição, e muito menos para o próprio tema em questão.

            Teólogos profundos como Joseph Ratzinger mostram que a doutrina do purgatório é eminentemente bíblica. Os que se apegam à tal “influência” do paganismo estão equivocados e supõem a tese por meio da linguagem que encontram em muitos escritores antigos, como se os mesmos estivessem expondo uma doutrina de outra fonte que não a Bíblia. No entanto, os padres da Igreja sempre partem da exposição do texto revelado e não tentam ensinar doutrinas filosóficas.

            Se Orígenes foi mais sistemático na doutrina do purgatório, isso não desfaz o que foi exposto acima. A opinião e Alister McGraph é incorreta. Os autores antigos não moldavam as discussões pelo pensamento platônico nem reinterpretavam a estrutura pagã em contexto cristão como se o elemento em questão fosse alheio à Bíblia. É justamente o contrário: eles expunham a doutrina bíblica muitas vezes em linguagem platônica.

            Philip Schaf afirma que os padres da Igreja foram influenciados pelo platonismo e outras filosofias. No entanto, uma acurada pesquisa demonstra que os padres estavam explicando a Escritura e muitas vezes usavam moldes de pensamento da cultura do seu tempo.

              Lendo a Bíblia, se o adventista não crê na alma imortal, deverá crer que no Dia do Juízo os ressuscitados salvos passarão por essa prova, que o texto de 1 Cor 3, 11-15 alude. Então, alguns passagem ilesos e outros não. Esses perderão o galardão sofrendo detrimento. É algo que ocorre após morte e ressurreição nesse caso. Assim, é preciso perceber que a morte não pôs toda a questão em ordem, já que no juízo muitos dos salvos têm suas obras “queimadas”. É preciso entender bem o que isso significa.

            O que foi explicado acima, e provado em outro texto a partir da citação de Joseph Ratzinger, também está na citação que o pastor Thomas faz de J. N. D. Kelly. O mesmo afirma que: 1º - A oração pelos mortos e 2º - a purificação post-mortem eram crenças dos judeus. Primeiro ponto provado.

            Ele afirma que o “desenvolvimento teológico” é que foi influenciado “por categorias platônicas”. Isso significa que a forma de expor o conceito usou meios filosóficos. Isso não quer dizer que o conceito tenha vindo do platonismo, pois não veio, já que a Bíblia afirma a mesma realidade. Ainda: os autores citados concordam que essas duas crenças possuem “raízes judaicas”. Crendo ou não o adventista nessa afirmação, é um fato de que os estudiosos o afirmam. Dessa forma, tendo uma passagem bíblica que não é bem entendida entre os protestantes e as afirmações dos grandes teólogos e estudiosos sobre o tema provando que a origem judaica, está refutado o argumento do pastor Thomas.

            Do contrário, o mesmo deve provar que a crença na possibilidade de auxiliar os mortos e da purificação não é encontrada entre os judeus. Deve provar também que os eruditos, como Ratzinger e J.N.D. Kelly afirmam que a origem da doutrina é pagã. Como visto, está refutado.

            Como já mostra nos Estudo sobre o purgatório, publicado no blog, a doutrina é bíblica. Há refutação de todas as objeções.

Os protestantes devem repensar sua ideia de que "obras" são queimadas, o que torna essas obras algo literal que passa pelo fogo literal. É o erro que cometem ao ler a Escritura nessa passagem.

            Assim, o texto de 1 Coríntios 3, 11-15 contem elementos certos para a formulação do purgatório:

- o texto traz uma metáfora obras matérias de diversas qualidades indicam as obras praticadas sobre o fundamento que é Jesus Cristo.

- todos os que constroem sobre Jesus são salvos.

- os salvos praticam obras.

- essas obras podem ser de qualidade (ouro, prata, pedras preciosas). Essa linguagem é metafórica e espiritual. São as boas obras.

- também as obras podem ser de má qualidade: madeira, feno, palha. Diante de Deus o que não passa é por ser pecaminoso. Essas obras que não passam no fogo, mas são destruídas são pecados.

- há a imagem de um fogo que testará as obras.

- as obras não existem em si mesmas, mas são aquilo que foi praticado pelo fiel.

- o fogo que purifica as boas obras e destrói as obras imperfeitas, que são pecados, é uma imagem da purificação do salvo.

- Então, o salvo que teve obras destruídas sofre no juízo. Essa conclusão é bíblica e há maiores implicações para a formulação da doutrina do purgatório.

Gledson Meireles.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

O purgatório e a citação de Joseph Ratzinger

 

A doutrina do purgatório chegou à sua forma definitiva nos concílios da Idade Média. A doutrina é histórica, tem lugar importante na Igreja cristã, e é um ponto importante na “problemática ecumênica”. Isso tem a ver com a Igreja do Ocidente e da do Oriente.

Foi algo já atacado nos tempos medievais e na Reforma Protestante. Mas não da mesma forma. Os cristãos ortodoxos criam mais apropriadamente na realidade do purgatório. Os cristãos protestantes rechaçaram a doutrina. Isso mostra que a doutrina protestante é uma novidade.

É interessante o que o eminente teólogo Ratzinger afirma: nos textos oficiais não se encontra a expressão fogo purificador. Pode-se dizer disso, que o fogo é uma imagem bíblica, que levou à ideia do fogo purificar. E também o purgatório como lugar não aparece nas afirmações conciliares. No entanto, como observa Ratzinger, isso está suposto na expressão in purgatório.

Oficialmente a Igreja é contrária à sutilidade, à mera curiosidade e à superstição. Assim, deve-se ao máximo expor a doutrina em sua simplicidade bíblica. E essa é bastante resumida.

Ratzinger mostra que as primeiras raízes do purgatório estão “no âmbito do judaísmo primitivo”.

Os judeus se relacionam com outras ideias sobre o além e com a religiosidade greco-romana, mas a doutrina do purgatório não tem essas ideias provenientes dessas fontes. São elementos comuns dos judeus que se relacionam com outras culturas.

Eram fluidos os elementos do judaísmo e do cristianismo, formando uma mesma tradição. Os caminhos do Oriente e do Ocidente foram diversos. Mas a tradição é a mesma.

Tertuliano falou do purgatório. E quando tornou-se montanista, escreveu sobre o mesmo interpretando Mt 5, 26. Assim, mostra que esse texto é entendido tradicionalmente como tratando do purgatório.

O cárcere é uma palavra grega usada no sentido também de hades. Em sua doutrina rigorista (de Tertuliano) o purgatório seria então para todos.

São Cipriano explicou a ideia do purgatório sem a ênfase rigorista de Tertuliano, e de modo cristão. O desenvolvimento ulterior da doutrina do purgatório no Ocidente se deu sem relação com a antiga filosofia, mas apenas com a fé popular e antiga fé cristã.

Com São Clemente de Alexandria ocorre algo distinto totalmente, enquanto disputava com a gnose e com a tradição filosófica grega.

A diferença entre oriente e ocidente é apenas de desenvolvimento, onde o Ocidente seguiu desenvolvendo até definir a doutrina, enquanto que no Oriente a mesma se encontra em São João Crisóstomo sem maiores explicações.

A oração pelos mortos é um dado da tradição judaico-cristã. Os santos julgam. A intercessão é um aspecto desse julgar. Talvez mesmo o texto de Eclesiástico 7, 33 fale do purgatório.

O dado fundamental do purgatório jamais foi negado na Igreja, tanto no Ocidente como no Oriente. Somente se duvidou dele na Reforma Protestante. Podemos e devemos orar pelos mortos. A forma e os fundamentos da doutrina ocidental estão enraizados em uma tradição mais antiga e em motivos centrais da fé. Isso foi mostrado pelo cardeal Ratzinger na obra Escatologia.

Para responder ao pastor adventista Thomas:

1) Joseph Ratzinger representa o Catolicismo.

A citação que o pastor apresenta diz o seguinte:

a imagem do fogo em 1 Cor 3, 15 “foi interpretada” pelos padres da Igreja, ou seja, essa imagem é expressa como entendida por eles, “em parte”, à luz das concepções filosóficas especialmente no platonismo e no estoicismo. Eles usaram meios filosóficos para falar da ideia bíblico do purgatório.

 2) Ele não afirma que a doutrina vem do paganismo, mas que seu desenvolvimento teve influências no que tange à apresentação da doutrina, na interpretação à luz do platonismo e do estoicismo “em parte”, usando de termos, ideias, palavras, comparações, etc., que havia naqueles campos, mas “em parte” também e mais profundamente, pois é o fundamento, “em parte” na Bíblia. Assim, ele não afirma que a doutrina veio do paganismo. Pelo contrário, quem lê sua obra vê claramente o que foi exposto acima. E, afinal, é claro que Ratzinger afirma que a doutrina é bíblica, pois vem da tradição judaica e cristã.

A Bíblia tem o fundamento para o purgatório. A elaboração foi em 1439. A doutrina do purgatório se entende a partir da cristologia.

A citação da obra de Ratzinger não favorece em nada a doutrina protestante.

Em primeiro lugar, é necessário entender a doutrina da imortalidade da alma. Somente depois entender a profundidade da doutrina do purgatório.

Desse modo, o argumento do pastor não procede.

Gledson Meireles.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Livro: OS BATISTAS E O RESGATE DA TRADIÇÃO CRISTÃ, comentário do capítulo 2

Comentário do: 

Capítulo 2

BATISTAS, SOLA SCRIPTURA E O LUGAR DA TRADIÇÃO CRISTÃ

 

O teólogo Rhyne P. Putman apresenta o conceito de tradição que deve ser seguido e crido pelos batistas. É conhecido o pavor que os batistas sempre tiveram, de forma geral, ao conceito de tradição, apelando reiteradas vezes à Escritura de modo a rejeitar todas as demais autoridades. O biblicismo ingênio denunciado por Kevin Vanhoozer é o mesmo que Nuda Scriptura adotado por muitos estudiosos. É o que mostra Rhyne.

E essa atitude batista tem levado muitos a adotar esse erro maior que flui do princípio protestante que virtualmente se desprende do Sola Scriptura, levando à negação radical da Tradição. De fato, os erros também veem principalmente dos teólogos protestantes. Não se trata somente da massa comum dos crentes.

O autor cita Alexander Campbell (1788-1866), clérigo irlandês, que se opôs frontalmente aos credos e confissões, aderindo o que está afirmando explicitamente na Bíblia. Esse clérigo foi batista por dezessete anos, de 1813-1830, afirma Rhyne, liderando um dos maiores cismas da história batista. Trata-se de um problema no interior da tradição batista. E essa atitude de Campbell comprova a crítica acima.

Muitos apelam à Bíblia com o intuito de mostrarem-se mais fieis à mensagem cristã, mas, como afirmam David Dockery e Timothy George, algumas vezes a afirmação “nenhum credo além da Bíblia” significa “nem credos nem Bíblia”.

De fato, essa constatação dos autores protestantes concorda com a crítica católica fundamentada na verdade, pois nesse contexto o intérprete está impondo sua própria opinião ao afirmar a sua interpretação como correta e unicamente baseada na Sagrada Escritura contra igreja, credos, confissões, concílios.

As influências dos batistas moderados e libertários são sinais daquilo que a tradição protestante tem em si e que os batistas, como uma ala mais radical da Reforma, absorvem o conceito mais contundentemente. O equívoco do princípio protestante Sola Scriptura gera esses desvios nas denominações protestantes.

 

Comentário sobre a Natureza da Tradição

Rhyne faz indicações oportunas e bem colocadas da influência do Iluminismo, na teologia protestante, e é algo que o leitor deve considerar. Friedrich Schleiermacher, pai da teologia moderna no Protestantismo, e o batista Walter Rauschendubsch (1861-1918) rejeitaram a tradição. Schleiermacher foi um filósofo protestante liberal.

A afirmação de Rhyne de que “A tradição pode ser falível” é bastante complicada. É o máximo que a teologia protestante consegue alcançar nesse quesito. De fato, para que a tradição seja norma e ao mesmo tempo possa ser falível, há um problema em germe que aqui e ali germina seus erros.

O autor afirma que o completo ceticismo a todas as formas de tradição é insustentável. Isso mostra que há uma tradição que não merece esse completo ceticismo. O autor certamente não tenha afirmado isso. Mas há uma tradição que deve ser abordada com maior reverência. Trata-se da Tradição Apostólica.

O autor mostra que a tradição é a própria fé cristã e a própria Escritura. Essa afirmação é bastante católica, mas pode assustar os protestantes. Assim, Rhyne explica: “Pode parecer estranho, ou até mesmo perturbador, chamar a Escritura de “tradição”, ....”. É óbvio que essa consideração é feita em determinado contexto, para fins de maior conhecimento da questão estudada. Mais uma vez, como sempre, ao aprofundar no entendimento da Palavra de Deus encontramos a verdade cristã católica.

E ao citar um exemplo da tradição, temos um problema imperceptível entre os protestantes, e por isso é necessário apontá-lo. O autor afirma que a tradição preserva a memória corporativa de Israel e da Igreja, e que “a própria formação do cânon” pelo qual a Igreja “reconheceu os sessenta e sei livros da Bíblica como Escritura”, foi um desenvolvimento pós-bíblico da tradição.

O problema central nessa afirmação é que a Igreja reconheceu 73 livros e não 66 livros. É correto que a tradição preserva a memória corporativa, que a formação do cânon, que foi liderada pelo Espírito Santo, foi obra da tradição. Todo o processo ocorreu na Igreja e não fora dela.

Assim, sendo a tradição uma forma de preservação da memória cristã, o cânon um reconhecimento da Igreja em tempos pós-bíblicos, a Igreja “sob a liderança do Espírito Santo”, realizando essa tarefa, resulta que a tradição não pode errar.

Em outras palavras: o cânon é a lista dos livros inspirados. Esses livros foram escritos sob a inspiração do Espírito Santo no tempo dos apóstolos, pelos apóstolos e outros colaboradores cristãos que receberam a inspiração divina. Desse modo, sendo o processo de reconhecimento exato de quais são os livros canônicos da Bíblia levado a cabo sob a liderança do Espírito Santo, a Igreja não pode errar. Trata-se de um dado da tradição, que é o número de livros bíblicos escritos no tempo apostólico, sendo definido para a Igreja, em tempos posteriores, como conhecimento da tradição. Portanto, essa afirmação é certa e infalível. E, ainda, sendo a competência da Igreja a definição de todos os livros inspirados, do Antigo Testamento e do Novo Testamento, tem-se que o cânon é uma decisão infalível, integrante da Tradição Apostólica. Essa constatação é bíblica, teológica e histórica. O protestante não pode fundamentar o cânon de 66 livros pela Bíblia, pela teologia e pela história, como feito acima. E, portanto, esse é o momento de decisão para o estudioso da fé cristã, que é reconhecer a inspiração de todos os 73 livros da Bíblia.

E continuando, afirma que a Escritura contém e transmite a tradição. E nesse ponto, o autor incumbe-se de explicar que os escritores bíblicos não apenas usam a tradição para opôr-se a ela, mas também para descrever a recepção do próprio ensino cristão. Assim, o que é comum na apologética batista, que é a citação de textos como Mt 15, -19 e Mt 7, 1-13 para negar a tradição, o autor mostra os textos citados pelos cristãos católicos para defender a tradição apostólica, como 2 Tm 1, 13-14; 2 Ts 2, 15 e 1 Cor 11, 2. É um avanço no estudo teológico e para a maior unidade cristã.

Como falando da tradição há algo que o autor escreve e que é desconhecido pelos protestantes em geral, ou seja, que as tradições são escritas na Palavra de Deus e a tradição é a única forma de acesso ao passado. Obviamente, essas palavras são entendidas pelos eruditos protestantes como sendo a tradição tudo o que foi escrito na Bíblia, mas pelo contexto geral do assunto podemos ver que a tradição contém algo mais do que isso, pois a mesma não identifica-se totalmente com o texto bíblico, mas contem mais informações, como o cânon bíblico já mencionado.

E, por fim, afirma o autor, a tradição cristã envolve a interpretação e a aplicação da Bíblia. Essa é a mesma doutrina da Igreja Católica, e pode ser lida na constituição Dei Verbum.

E quanto à linguagem para explicar a doutrina, a explicação do autor deixa clara a fidelidade da Igreja na formulação dos credos.

Temos até aqui a autoridade da tradição, como norma para os cristãos, a sua fundamentação bíblica, a autenticidade dos credos antigos, reconhecidos pelos protestantes batistas conservadores.

Há ainda que entender a tradição como infalível, como mostrado acima, e contendo informações que servem para o conhecimentob bíblico, como o próprio cânon, algo que virtualmente já está esboçado na apresentação do autor protestante, mas precisa de certas correções.

Os protestantes afirmam que há duas versões para o entendimento da Tradição na Igreja Católica. Segundo Heiko Oberman, a Tradição I seria apenas uma tradição interpretativa, e seria tacitamente ensinada pelos padres da Igreja. A Tradição II seria a tradição como uma fonte ao lado da Bíblia, e essa seria o ensino de São Basílio (330-379).

Rhyne reconhece que São Vicente de Lérins ensinava a suficiência material da Bíblia e a necessidade da interpretação infalível da Igreja. E isso é verdadeiro, pois reflete o ensino de São Vicente. Também afirma que o Catecismo da Igreja Católilca parece ensinar a mesma posição, onde Tradição e Escritura seriam duas fontes de doutrina.

A posição protestante é que as demais fontes como tradição, razão, cultura ou experiência são ferramentas pálidas em comparação com a autoridade infalível das Escrituras.

Diante disso, é preciso afirmar a posição católica para que o protestante possa avançar em sua reflexão. Os católicos não creem que haja alguém inspirado para ensinar a verdade da revelação divina. Não há um grupo de cristãos inspirados, mas há um magistério, formado por cristãos, em que repousa a promessa de Cristo para ensinar toda a verdade, e nesse sentido podem ensinar a verdade, sem serem individualmente infalíveis. O estudo, a pesquisa, a reflexão teologia, os debates, etc., fazem parte dos concílios, e a ação do Espírito Santo garante a verdade salvífica. Portanto, não se trata de ensinar algo que não seja em favor da salvação, mas apenas questões salvíficas. Assim, são assuntos de fé e moral.

Nesse caso, a tradição é conhecida e a autoridade do magistério não pode ser pálida, mas deve refletir a afirmação bíblica de que a Igreja é coluna e sustentáculo da verdade (1 Tm 3, 15). A nossa fé está em Jesus Cristo, Autor da fé, segundo as Escrituras.

O capítulo 3 da carta a Timóteo começa com a menção do dom do sacerdócio episcopal. Trata daqueles que aspiram ao episcopado. São Paulo afirma que é uma função sublime. E continua a mostrar as características do bispo: ser irrepreensível, pois ensinará a outros. Ser casado uma só vez, ou seja, não pode ter sido casado antes, como um viúvo que casou novamente. Não se trata aqui de uma norma para o casamento dos bispos, pois o próprio apóstolo são Paulo não era casado. Também deve ser sóbrio, prudente, regrado no seu proceder, hospitaleiro, capaz de ensinar.

Caso seja casado, como eram muitos bispos no início da Igreja, devem ser castos também, ou seja, honrosos, dignos. Também não devem ser recém convertidos.

O texto continua a falar dos diáconos. E o verso 15 é uma afirmação geral, que mostra a natureza da Igreja, a qual Timóteo deve saber como portar-se: a Igreja é do Deus vivo, e a coluna e sustentáculo da verdade. Sendo coluna e sustentáculo em essência, não pode ser pálida, não pode falhar de modo geral e na expressão da fé para o ensino de todos.

A Escritura fala da Igreja em 1 Timóteo 3, 15. Agora, na segunda carta, em 2 Tm 3, 16-17, temos que a Escritura agora fala de si mesma: “Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se torna perfeito, capacitado para toda boa obra”.

Temos a afirmação direta de que toda a Escritura é inspirada por Deus. Ela é útil para o ensino, para a correção, para a formação na justiça de Deus. Por meio dela, ou seja, por seu ensino crido e praticado, o homem de Deus é aperfeiçoado e se torna capaz para toda boa obra.

Antes, porém, São Paulo apresenta o seu exemplo de ensino e vida a São Timóteo, no versículo 10: “Tu, pelo contrário, te aplicas a seguir-me de perto na minha doutrina, no meu modo de vida, nos meus planos, na minha fé, na minha paciência, na minha caridade, na minha constância.

Desse modo, temos mais uma vez a autoridade da Bíblia, falando de si mesma, e da Igreja, a qual conserva a Palavra de Deus. As afirmações são categóricas: a Igreja do Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade. E: Toda a Escritura é inspirada por Deus.

Para formular essa doutrina, temos que a Igreja ensina e deve ensinar a Palavra de Deus que está na Sagrada Escritura. E a Escritura não coloca condicional nenhum, mas garante que isso ocorre.

Em Efésios 4, 11-15 a Bíblia ensina que a Igreja possui autoridade que Deus institui para “o aperfeiçoamento dos cristãos”. É isso o mesmo que é dito sobre a utilidade da Escritura. Tornar o homem perfeito. A Igreja é constituída para esse aperfeiçoamento. Portanto, a Igreja ensina o que está na Escritura, ou seja, a Igreja ensina o verdadeiro sentido da Escritura.

A Bíblia é útil para corrigir. Isso inclui a correção dos erros doutrinais e dos pecados (2 Tm 2, 16). E a Igreja tem essa tarefa, pois ensina para a unidade da fé (Ef 4, 14). Como pela Escritura o homem é capacitado para toda boa obra. Essa função é realizada pela Igreja, que por meio de Cristo, para a plena edificação na caridade. Se é plena, não fala coisa alguma. Toda boa obra e plena edificação na caridade. Portanto, Bíblia e Igreja. E também a Tradição Apostólica.

Os versos 15-16 afirmam: Mas, pela prática sincera da caridade, cresçamos em todos os sentidos, naquele que é a Cabeça, Cristo. É por ele que todo o corpo – coordenado e unido por conexões que estão ao seu dispor, trabalhando cada um conforme a atividade que lhe é própria – efetua esse crescimento, visando à sua plena edificação na caridade.

Em nenhum momento o cristão interpreta a Bíblia fora da comunhão da tradição e autoridade da Igreja.

A respeito da suficiência formal, isso não é possível em relação a toda a doutrina da Escritura, mas apenas ao que é mais simples: Jesus é o salvador, e é preciso crer nele e obedecê-lo para ser salvo. Eis um exemplo.

Igreja não tem autoridade para estabelecer novas doutrinas, mas para explicitar o que já está na Bíblia e na tradição. Assim, a Igreja não pode instituir novos artigos de fé contra a fé antiga. A crítica de Lutero estava correta. O problema é entender que a doutrina da Igreja Católica não institui novos artigos de fé.

Quanto à atitude de Lutero ao criticar pontos doutrinais do concílio de Niceia, é preciso saber que isso era feito por Lutero ao ler todas os escritos patrísticos e concílios, a até mesmo livros inspirados. Desse modo, parece certo afirmar que Lutero desrespeitou a Palavra de Deus quanto fez essas distinções do que é evangelho e do que não serve para nada, como fez nos textos conciliares, e certamente na própria epístola de São Tiago, a qual chamou de epístola de palha. De fato, em São Tiago há afirmações contundentes que atingem a doutrina de Lutero na base.

 

O autor reconhece a autoridade da Igreja. Cita John Smith (1570-1612) como o primeiro batista geral. John Smith de fato, deve-se reconhecer, é considerado como fundador da Igreja Batista.

Os batistas procuram fundamentar suas doutrinas com recursos da tradição, embora reconheçam que não tem os elementos da tradição como infalíveis. Assim, Thomas Grantham (1634-1692) é citado como defensor da fé batista ante a Igreja Anglicana.

É certo fazer recortes que reforçam determinada doutrina, usando citações da tradição para a defesa de determinado ponto de vista. Todos os grupos cristãos fazem isso, de alguma forma, mesmo os mais radicais, aqueles que apelam à Escritura sozinha para fundamentar suas doutrinas.

No entanto, deve-se reconhecer que as fontes citadas da patrística possuem no seu tom geral a mesma doutrina católica, e não apenas uma ideia que parece transparecer em determinado texto e favorecer certa interpretação.

Por exemplo, para defender a doutrina da justificação em termos forense não é fácil para um protestante, e isso é reconhecido pelos maiores estudiosos do assunto no Protestantismo. De fato, os santos padres não falam da doutrina como a mesma é entendida no Protestantismo, porque a Bíblia também não ensina a doutrina.

Outro exemplo é santo Agostinho, que pode ter certas expressões não adotadas oficialmente na Igreja Católica, mas o teor geral da sua obra é cristão católico, e por isso o mesmo é um doutor da Igreja. Sua eclesiologia, por exemplo, é contrária à doutrina calvinista. Assim também quando ensina os sacramentos. Sua doutrina da predestinação, embora tenha sido aceita quase totalmente pelos calvinistas, possui pontos de discordância, por isso o doutor da graça permanece fiel à fé católica.

Entre os batistas a tradição tem sido esquecida formalmente, ainda que os teólogos mais cônscios acreditem na importância da tradição em certo sentido. Assim, Rhyne fala da “Amnésia e suspeição” em relação à tradição. Ele reconhece que o leitor da Bíblia a lê pelas lentes da tradição.

Como os batistas se colocam intelectualmente nesse problema todos entre a tensão que há no Protestantismo entre tradição e Bíblia e de forma especial essa recusa prática da tradição no meio batista? O entendimento é que há a Tradição, com T maiúsculo, como ensinam os teólogos católicos, referindo-se à Tradição Apostólica, e as tradições com t minúsculo, que são próprios de cada tempo e lugar, cultura e costumes singulares de uma tradição eclesiástica local, por exemplo. Mas os batistas consideram-se como um grupo que possui uma tradição teologia distintiva, com t minúsculo, que se une à tradição mais ampla e comum da antiguidade. Sendo assim, a teologia batista se firma e pode nutrir seus adeptos de modo a estarem psicologicamente seguros de manterem a ortodoxia da fé cristã. Contudo, há um limite para essa opinião, já que ao desenvolver o princípio é certo que os batistas possuem um problema a ser resolvido.

A tradição batista, assim como a tradição protestante, se firma também na tradição antiga da Igreja, dos primeiros séculos, aceitando a autoridade dos concílios, de certo modo, até o quinto século. Mas, como adeptos do sola Scriptura há um elemento que sempre causa ruptura, pois crendo na Bíblia como única fonte de revelação infalível, não creem na tradição como contendo a Palavra de Deus infalível e não confiam no magistério em suas promulgações infalíveis. Se o sentido da Palavra é explicado pela Igreja e essa pode sempre estar errada, a fé está batista sobre a areia movediça.

A Igreja Católica Apostólica Romana não é um exemplo de tradição com t minúsculo no meio de muitas outras tradições, mas é aquela Igreja que mantém a Tradição com T maiúsculo e comporta em si muitas tradições com t minúsculo. Essa Tradição mais ampla deve ser crida e confessada por todos os cristãos.

A posição de E. Y. Mullins (1860-1928) dá espaço a rupturas entre os batistas, e essas deveriam ser aceitas. Ele afirma a posição batista de nunca permitir que outros credos fossem impostos sobre si. “Se um grupo de homens conhecidos como batistas..” se veem como certos em pontos doutrinais que negam doutrinas da igreja que frequentam, não deveriam ser incomodados e esses poderiam “se unir a outro grupo que concorde com eles”. Essa liberdade de deixar o grupo e se unir a outro todos possuem em todas as denominações. No entanto, como o modelo apostólico sempre foi o de corrigir na fé, alguém que na Igreja Católica se oponha a algum ensino será advertido e caso não se submeta será declarado herege, como faz todo o Novo Testamento.

O autor concorda que a Igreja deve explicar a Bíblia, e cita Neemias 8, 8, como sempre é feito na teologia e apologética católica. Esse avanço no entendimento da tradição e do magistério é benéfico a todos os protestantes. Esse ponto se aproxima da verdade católica. Verdades que os batistas não viam no texto bíblico, e eram desafiados pelos apologistas católicos a partir dos mesmos, são agora apresentados como importantes: os levitas explicaram ao povo o sentido da Palavra lida, o eunuco etíope precisou de explicação da Escritura. E deve-se notar que se tratou de tema importante na Escritura, que tinha a ver com o próprio Senhor Jesus, e “Pedro reconheceu o desafio de entender as cartas de Paulo”. Esse é um grande avanço na teologia dos batistas.

Cabe perceber que se o magistério for sempre falível então sempre haverá possibilidade de ruptura que nasce dessa brecha na teologia batista, ainda que se tenha o cuidado de não negligenciar ou ignorar a tradição. O exemplo da autoridade derivativa da tradição permite mais uma reflexão, pois como a luz do sol que se reflete na lua, deve fazer pensar de outro modo: a luz da lua é necessária na escuridão da noite, como diz o autor, mas é preciso também entender que essa luz que é “refletida” não é outra que a do mesmo Sol infalível que é Deus em Sua Palavra na Bíblia, e sendo ela um reflexo na luz não pode ser senão crida com total reverência. Assim, a Tradição é Palavra de Deus.

É verdade que a única fonte escrita inspirada é a Bíblia. A Tradição precisa ser interpretada. Mas tal interpretação vem pela Igreja que a Bíblia ensina ser a coluna da verdade. Isso deve ser crido por todos os cristãos. O leitor batista deverá estar pronto para crer nesse desdobramento do ensino bíblico.

O leitor protestante deve-se questionar como a Igreja Católica possui esses arrazoados tão corretos, se para a Reforma essa Igreja teria se desviado do evangelho.