terça-feira, 26 de abril de 2022

Leandro Quadros: sobre a ressurreição de Moisés, uma palavra sobre o livro

Comentário respondendo, de forma geral, ao livro Porque você deve crer na ressurreição de Moisés, escrito pelo pastor adventista Leandro Quadros. O livro conta com textos do pastor adventista Sérgio Monteiro, que é teólogo e pesquisador, e de Marcos Alves, apologista adventista.

Já escrevi aqui no blog sobre a ressurreição de Moisés, afirmando que não é possível ensiná-la a partir da Bíblia, e que é uma doutrina que tem muito menos fundamento que a assunção de Maria, doutrina criticada pelo Protestantismo em geral. E não crida nem mesmo pelos adventistas.

Mas é preciso afirmar uma coisa: se Moisés ressuscitou, isso é menos problemático para a Igreja Católica, que ensina a imortalidade da alma, e que se esse for o fato não há necessidade de mexer na doutrina católica, do que para o adventismo, que torna necessária a ressurreição de Moisés, uma vez que ele apareceu a Jesus no dia da transfiguração.

O autor afirma que irá refutar argumentos infundados usados contra a ressurreição de Moisés.

 

Capítulo 1

 

No pressuposto 1, a discussão é feita em torno da mencionada disputa entre Miguel e Satanás pelo corpo de Moisés, e afirma que Deus já o havia sepultado. Então, para o adventismo essa disputa ocorre após o sepultamento de Moisés.

Para o argumento católico, podemos dizer, foi Miguel quem sepultou Moisés, por ordem de Deus. Esse episódio, portanto, refere-se ao dia do sepultamento e não que o arcanjo veio para ressuscitá-lo.

De fato, por que Deus sepultaria Moisés e logo mandaria um anjo para ressuscitá-lo? Não tinha ninguém mais ali. Nem depois alguém mais viu o túmulo do profeta.

Por que, então, não transladá-lo diretamente para o céu? Certamente, porque a morte de Moisés era uma punição por ter pecado, e por isso não entraria na terra prometida.

Mas, e por qual motivo logo em seguida ele entraria no céu? Não entrou na terra onde corre leite e mel, o que já é uma punição, mas recebe, logo mais, um prêmio maior, o cumprimento das profecias referentes à terra prometida, entrando no próprio céu. Isso já mostra a incoerência desse pensamento. É pelo menos uma dificuldade.

Isso não é um argumento baseado no tempo decorrido entre a morte e a suposta ressurreição, já que Lázaro ficou quatro dias no sepulcro e depois foi ressuscitado por Jesus, e o próprio Senhor permaneceu três dias no túmulo para depois ressuscitar vitoriosamente.

O que se está colocando aqui é o motivo de Deus ter anunciado a Moisés que ele ali morreria, e depois tê-lo sepultado, ocultando o lugar do seu túmulo, para depois ou quase imediatamente ou após alguns dias, talvez, certamente menos que quatro dias, mandar um anjo para ressuscitar o profeta.

O próprio fato da ressurreição de Moisés é uma inferência, uma dedução, já que se pode normalmente crer que Miguel tenha discutido com Satanás no dia do sepultamento e não que o arcanjo foi enviado para que ressuscitasse Moisés.

Ainda, é muito estranho, repetindo o argumento, que Deus tenha punido Moisés não permitindo que entrasse na terra prometida, mas logo em seguida o levasse para o céu. É algo para refletir, pois não é um argumento muito forte, apenas um indício de que há algum erro no pensamento a respeito da ressurreição de Moisés.

No pressuposto 2 é perguntado se o autor bíblico concebia a existência de uma alma sem o corpo. A resposta é positiva.

Mas o autor, citando em nota até mesmo autor católico, afirma que a Bíblia não ensina ser possível viver fora do corpo.

Então, afirma que há evidências bíblicas e extrabíblicas para a ressureição de Moisés. As passagens bíblicas não falam do tema, e não necessariamente levam ao entendimento de que Moisés ressuscitou.

O pressuposto 1 diria que a luta pelo corpo de Moisés é por causa da sua ressurreição, e o pressuposto 2 ensinaria que é impossível encontrar na Bíblia e separação de corpo e alma, onde a alma permaneceria consciente. Por isso, todas as “evidências” da ressurreição de Moisés devem ser aceitas.

Mas é possível entender que a disputa ocorreu no dia em que o arcanjo Miguel enterrou Moisés, e é provado na Bíblia que a alma separa-se do corpo na morte e permanece em lugar espiritual, no sheol.

 


Capítulo 2

 

Deus teria antecipado a ressurreição de Moisés? E por que você, caro cristão adventista, não crê que Deus antecipou a glorificação da virgem Maria, a mãe do Senhor Jesus, e que ela não dorme no pó da terra, mas está no céu agora? Por que você não crê nisso?

É verdade que a maioria dos protestantes não creem na ressurreição de Moisés, e nem na assunção de Maria. Mas, para os adventistas, é um questionamento válido.

Não há nada de mal na comunicação com os mortos em si, mas a proibição bíblica tem a ver com a evocação dos mortos, as práticas de necromancia, etc., próprias das religiões pagãs, que tentavam contato com os mortos para obterem benefícios. Isso já mostra que a fé na imortalidade da alma é antiga e não há exemplo bíblico contra ela. Apenas a proibição de consultar os mortos, não a impossibilidade de que eles existam em suas almas após a morte. Esse seria um argumento radical, que a Bíblia nunca emprega.

A citação de Judas 9 não é muita clara a respeito da disputa que ocorreu. Sabe-se apenas que foi “a respeito” do corpo de Moisés. A obra Assunção de Moisés é pseudoepígrafa, escrita no século I (ou como outro erudito afirma, entre 3 a. C. a 30 d. C), como diz o autor, e, portanto, no Antigo Testamento, certamente, ou possivelmente, ninguém creu que Moisés foi ressuscitado, ou foi uma crença de alguns, e não do judaísmo oficial. Isso teria sido ensinado nessa obra, por essa época, talvez, e não antes. Tal fato já substancia mais um argumento contrário à ressurreição de Moisés.

Se assim o for, realmente a Bíblia é totalmente silenciosa sobre o tema, não falando do fato diretamente nem proporcionando indícios ou provas indiretas. Ainda, o povo judeu não conheceu tal teoria, a não ser a partir do século I depois de Cristo.

Qual o motivo da disputa? A tese adventista afirma que só pode ser a ressurreição. É uma inferência, mas não é tão forte como prova. Diante das dificuldades, ela ainda torna-se mais frágil.

Até o momento, as provas apresentadas de que a disputa deve ter sido a respeito de algo muito superior do que apenas uma briga por um corpo morto, e de que a alma não existe sem o corpo, são coisas que não podem provar a ressurreição de Moisés. Ainda que faça sentido a disputa pela ressurreição de Moisés, a dificuldade permanece, sobre o motivo de Deus ter sepultado o profeta para depois mandar ressuscitá-lo? Por que o sepultamento não pode ter sido feito por Miguel, nessa passagem de Judas 9?

E sobre a imortalidade da alma, essa doutrina é bíblica e pode ser solidamente provada pelas Escrituras Sagradas.

 


Capítulo 3

 

Muitas vezes na Bíblia o que o anjo do Senhor faz equivale a dizer que é feito pelo próprio Deus. Assim, se o anjo Miguel sepultou Moisés, por ordem de Deus, foi Deus Quem sepultou Moisés, nesse sentido bem compreendido. Assim, o Senhor sepultou Moisés. Como foi feito isso? Através do arcanjo Miguel.

Ao tentar explicar João 1, 1-2, afirmando que Deus não teria revelado a assunção de Moises, visto que os israelitas fariam uma imagem dele para o idolatrar não é convincente, mas pressupõe que o fato ocorreu. Já que o fato não é provado, e o texto é lido naturalmente como afirmando que Moisés havia morrido, e não tendo dito nada mais, não há motivo de supor que algo mais tenha ocorrido.

É fato que a revelação é progressiva, assim com a assunção da virgem Maria é encontrada indiretamente na Bíblia e diretamente na tradição, como sendo de origem apostólica, e muitos tentam ofuscar essas verdades.

Mas, quanto à suposta ressurreição de Moisés, ainda que o princípio de revelação progressiva exista, e que se o fato realmente ocorreu não é problemático para quem crê na imortalidade da alma, é preciso reafirmar que não há a menor indicação de que tenha ocorrido, e há também inúmeros problemas que levam a afirmar que não ocorreu. Isso ficará patente em todo o arrazoado apresentado aqui, e que serve resposta ao livro.

Entende-se que São Judas usou parte da obra Assunção de Moisés para mostrar um exemplo de como o arcanjo Miguel comportou-se ao discutir com Satanás. Somente isso. O restante não é objeto direto da citação, não tendo seu sentido revelado. Sabe-se apenas que houve uma disputa entre Miguel e Satanás a respeito do corpo de Moisés. O restante é apenas inferência, é preciso repetir.

É muito boa a contextualização buscada para entender a questão, a citação de estudiosos de documentos como o Talmude Babilônico e Flávio Josefo, contendo indícios de crenças que incluíam até mesmo a ascensão de Moisés sem passar pela morte. Se essas crenças consubstanciam algo relativo ao fato de que Moisés foi ressuscitado, deve o estudioso considerar que o mesmo ocorre com a doutrina da assunção de Maria.

Entretanto, ressalta-se que no caso da assunção da virgem Maria ao céu os fundamentos bíblicos são superiores.

 

Capítulo 4

 

O fato é que o texto bíblico não é claro quanto à ressurreição de Moisés. As fontes extrabíblicas citadas é que dão maior ênfase a isso. Quando passando para o caso da assunção de Maria, as fontes extrabíblicas são claras e os princípios bíblicos são abundantes, em comparação com o que se encontra na defesa da tese sobre Moisés.

A afirmação de que Não há como negar que ele realmente foi ressuscitado é enfática demais, é exagerada.

Ainda, se Moisés ressuscitou, isso não é prova de que a alma não existe. O contrário é que seria problemático para o adventismo, pois se Moisés apareceu sem ressuscitar, então a alma é imortal, e o adventismo deve rever urgentemente sua crença na imortalidade condicional ou mortalidade da alma.

Em Daniel 12, 1-2 não se fala de Miguel tendo parte ativa na ressurreição, mas afirma somente que aparecerá Miguel, e depois afirma que muitos serão salvos e também menciona a ressurreição.

 


Apêndices

 

Aqueles que creem dogmaticamente na ressurreição de Moisés não sabem quando o mesmo ressuscitou, quanto tempo passou no sepulcro. Mas, como já dito antes, é curioso o motivo de haver um sepultamento por Deus, o que não é comum, é algo extraordinário que o Senhor sepulte alguém, e mais tarde o Senhor ressuscite Moisés.

As circunstâncias parecem não exigir tal procedimento, já que ninguém estava ali com Moisés. Isso não significa que não pode ter acontecido assim, esse não é o caso. O que se propõe com essa pequena dificuldade é uma abertura para pensar nesse particular, o que já é um elemento que entra na argumentação que indica que Moisés permanece no sepulcro.

A transfiguração de Jesus foi o momento em que Moisés apareceu. Para quem admite a imortalidade da alma, não há qualquer problema. Então, a passagem não exige que outra interpretação seja dada.

Em Romanos 5, 12-14, ao falar da Lei, e afirmar sobre o poderio da morte, o texto afirma que a morte reinou até Moisés, no contexto em que Moisés trouxe a Lei. Até à Lei o mal estava no mundo. Isso significa que antes da Lei o mal não era imputado, a morte reinava, antes da Lei. Isso é algo pacífico. Mas, o adventismo entende aqui algo que pode indicar a ressurreição de Moisés, pois se de Adão até Moisés reinou a morte, a ressurreição teria feito a morte ser derrotada em seu reinado. Embora saibamos que não é esse o contexto, fica o texto como “evidência” para os que acreditam que essa passagem é uma luz sobre o assunto.

E o outro texto é Judas 9, já comentado, que não trata da ressurreição de Moisés, mas que alude a uma obra apócrifa que testemunharia a crença de muitos judeus de que Moisés foi ressuscitado e levado ao céu.

Ao explicar termos, como o tagma, que é um hápax legomen, mostrando que o mesmo pode indicar uma ordem, no sentido de grupo, e não necessariamente se referir ao tempo, já auxilia na compreensão de que a virgem Maria foi ressuscitada antes do dia final e já está no céu, sem que haja qualquer problema bíblica quanto a isso. Jesus foi o primeiro a ressuscitar, depois os que pertencem a Ele por ocasião da Sua vinda. Pelo contexto, não se diz que ninguém pode ressuscitar antes ou depois de Cristo, e, ainda, como explica o termo tagma, pode-se melhor entender a questão. Ainda mais, a virgem Maria foi glorificada após a ressurreição de Cristo, o que é uma objeção a menos, quando comparado ao caso suposto de Moisés.

De fato, se a morte reinou até Moisés e não depois, por causa da ressurreição, então Moisés seria aquele que venceu a morte, ou aquele que Deus usou para vencer a morte, para quebrar o seu reinado. Essa é outra questão que está entre os melhores argumentos, e que podem fortalecê-los.

É pedido apenas que o cristão adventista pense nisso e tente responder satisfatoriamente, ou seja, ao menos pela Bíblia e pela razão.

Moisés pode ter sido ressuscitado e glorificado, pois Enoque e Elias foram ao céu glorificados, antes da cruz. Portanto, essa não é um argumento válido contra a ressurreição de Moisés.

De fato, pelos méritos da cruz a virgem Maria foi perdoada do pecado original. Por isso, após a cruz, ela foi levada ao céu glorificada.

Assim, a ideia de que a cruz é o fundamento para coisas que acontecem antes dela é válida.

O que se diz sobre Moisés é que os argumentos bíblicos são bastante reduzidos em força, e não há na tradição viva da Igreja a crença de que Moisés tenha sido ressuscitado, e nem entre os judeus parece ter sido uma crença geral.

O que o livro não afirma, é preciso trazer aqui, para melhorar o entendimento da questão, e permitir maiores reflexões, diante de tantas dificuldades importantes.

A obra apócrifa “Assumptio Moysis”, segundo a Enciclopédia Judaica, certamente ensinava que Moisés não morreu, mas que foi arrebatado ao céu, como havia sido Elias.

Ainda, havia a crença de que Moisés foi preexistente, como o Messias, e etc. Contra isso, os rabinos ensinaram que nenhum homem subiu ao céu.

A Bíblia afirma que Moisés morreu, foi sepultado por Deus, e ninguém mais soube o lugar onde foi enterrado.

Mais uma vez, temos a autoridade de Ellen White para os adventistas. Embora sendo adeptos do Sola Scriptura, a IASD precisa interpretar a aparição de Moisés em Mateus 17 como sendo de Moisés ressuscitado e glorificado, pois é dogma adventista que a alma morre, o que é endossado pela sra. White. Para melhor compreensão dessa questão, leia os artigos no blog que versam sobre a IASD.


Gledson Meireles.

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