domingo, 25 de setembro de 2022

Livro: A lenda da imortalidade da alma, a respeito de Dn 12, 13

Quando o salmista estaria com o Senhor?

No Antigo Testamento é certo que os mortos não iam ao céu. Portanto, a refutação que o autor faz dessa doutrina é eficaz contra a doutrina protestante, mas não toca a doutrina católica. De fato, a fé católica ensina que os mortos ficavam no sheol, na mansão dos mortos.

Por isso, não há quem desejasse a morte no Antigo Testamento. Assim, quando se lembra que São Paulo desejava morrer e estar com Cristo, isso é mais uma prova de que os mortos de fato encontram-se com Deus a partir da morte e ressurreição de Cristo, e que se fosse diferente os mortos do Antigo Testamento poderiam usar a noção de que não havia existência no estado intermediário.

A esperança da ressureição para os salvos do Antigo Testamento e a promessa da ressureição, a garantia da ressureição em Cristo, não explicaria totalmente esse desejo que o salvo do NT possui que faltava ao do AT.

Para o holismo isso seria porque os antigos não tinham certeza de que ressuscitariam, mas os do NT teriam a certeza absoluta. No entanto, textos como Daniel 12, 13 são prova contra essa interpretação, já que ali se encontra a promessa da ressurreição, o que já serviria igualmente de consolo, quando se olha para o período intermediário.

Ainda, a condição da morte no holismo é de inexistência. Não há tanto o que temer. É verdadeira a explicação sobre a frase “preciosa é a morte dos santos”, já que a morte no AT é vista de forma bastante negativa.

No entanto, a explicação mortalista não parece ser superior à explicação imortalista. Para o holismo em ambos os casos haveria inexistência na morte. Então, a partir de Cristo a certeza da ressureição tornaria as coisas diferentes pela mudança de perspectiva somente, onde o salvo não olharia para a condição da morte, mas para a ressureição. Mas isso não é o que vem à tona, claramente, quando se lê a Bíblia.

Agora, para o imortalismo, onde os salvos estavam nas sombras da morte no AT, e agora estão na glória do céu, é bastante compreensível que os salvos do NT considerem a morte de forma bastante diferente.

Essa é uma das grandes dificuldades para o mortalismo. A explicação mortalista é mais fraca. Isso é mais um indício de que a doutrina possui fragilidades importantes.

Em termos simples, na mente mortalista, o salvo do Antigo Testamento não queria morrer por conceber a morte como inexistência. Enquanto isso, o salvo do Novo Testamento igualmente conceberia a morte como inexistência, mas sabendo com certeza que iria ressuscitar, então aceitaria a morte com alegria, pois saberia que estaria com Cristo.

Essa explicação torna a questão muito complicada, pois ensina que realmente a dúvida que os salvos do Antigo Testamento tinham quanto à ressurreição era tão grande que os faria preferir estar vivos, pois doutra forma na verdade não possuíam esperança. Está vendo que a dúvida nesse sentido destruiu a esperança?

Além de fraco esse raciocínio, ele contradiz Dn 12, 13 citado no livro, pois nessa passagem está certo e claro que o profeta irá ressuscitar: “você se levantará para receber a herança que lhe cabe”. Como dizer que ele não tinha certeza da ressureição?  Será que não cria na promessa feita?

Isso ajuda a entender bastante esse caso. Os judeus não tinham uma ideia clara da vida pós-morte, nem da ressurreição, nos tempos mais antigos. Mas, a revelação progressiva trouxe esse dado, mas ainda não tão claro, se compararmos com o que há na revelação depois de Cristo. Pelo que foi explicado no livro mortalista, isso é algo compreensível, porém, a posição imortalista é superior.

Dessa forma, afirmar que houve apenas mudança de foco em relação ao estado dos mortos, parece não ser tão razoável, é pouco plausível. É mais fácil entender, de forma natural, que houve diferença no estado dos mortos.

Quando no AT os mortos iam para o sheol, no NT todos já podem entrar no céu. Essa explicação é muito mais razoável, e explica o desejo do apóstolo São Paulo de partir e estar com Cristo, o que é muito melhor, ou seja, melhor do que estar vivo na terra, onde a vida do cristão já é Cristo. Como estar melhor na morte se a morte fosse inexistência? Esse texto de Fl 1, 23 é imbatível para provar a imortalidade da alma. Ele é estudado à parte, analisando cada argumento do livro em relação a essa passagem, vale a pena conferir.

Gledson Meireles.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Livro: A lenda da imortalidade da alma - Lidando com um dos maiores argumentos do livro: 1 Cor 15,32

Lidando com um dos maiores argumentos do livro A lenda da imortalidade da alma.

BANZOLI, Lucas. A Lenda da Imortalidade da Alma. Curitiba: Clube de Autores, 2022.

 

O que aconteceria se não houvesse a ressurreição?

Se para o autor mortalista o versículo preferido é 1 Cor 15,32, o meu versículo predileto contra a doutrina mortalista é Fl 1, 23, o desejo de partir e estar com Cristo, que o apóstolo São Paulo expressou de forma clara.

Ainda que o mortalismo tente uma resposta bem estruturada, de que o apóstolo estava cansado, e sabia que uma vez morto o tempo não existe e seria como se encontrasse com Jesus ‘imediatamente’, ainda que se passassem milhares de anos, ou seja, que de fato não se encontraria com Jesus, e sabia disso, a não ser na ressurreição, essa resposta, naturalmente, não está conforme as noções que a Bíblia apresenta de forma simples no contexto, sobre o assunto, que é a partida na morte para estar com o Senhor Jesus enquanto os cristãos filipenses ainda permaneceriam na terra.

É praticamente o verso bíblico mais forte contra a doutrina mortalista, em conjunto com tantas e tantas outras passagens. E, por isso, não pode ser refutado pela doutrina geral bíblica sobre a imortalidade da alma, nem pelo contexto imediato, que é bastante límpido, nem pela carta inteira ao Filipenses, que mostra que o apóstolo desejava a ressurreição, mas que naquele momento referia-se a estar logo com Cristo quando morresse.

Outro fato é que o texto de 1 Cor 15, 32 pode ser entendido da forma imortalista. Então, se Fl 1, 23 é irrefutável, e 1 Cor 15, 32 admite a leitura imortalista, fica complicado para os aniquilacionistas refutarem mais esse argumento.

Se a vida da alma é incompleta, não comparável à vida física neste mundo, e se não houvesse nenhuma redenção, a alma estaria perdida em pecado e na escuridão, de forma a ter uma existência sem força vital, como que vegetativa, por assim dizer, ainda que a comparação seja ruim, mas que explica que não há ninguém que deseje uma ‘vida’ dessa em preferência à vida na terra. Assim, o texto encaixa-se também perfeitamente.

A razão para que o apóstolo Paulo use essa argumentação é que não existe noção de vida eterna sem a ressureição, e não que a alma não exista. Isso não "necessariamente" implica que não há noção de imortalidade da alma no argumento, e que o apóstolo não acreditasse que a alma sobrevive à morte.

A alma continua existindo, mas conforme explicado acima, se Cristo não ressuscitou todos continuam nos pecados, e tanto os vivos quanto os mortos estão perdidos, e, portanto, ou não existe mais nada além da morte, caindo em um materialismo completo, ou a vida da alma será envolta em trevas. Em toda essa argumentação, nos dois cenários, se não houver ressurreição faz sentido a argumentação paulina.

Assim, todos poderiam aproveitar o momento presente porque não haveria mais vida, nem como a que já existe aqui, nem muito menos como a que se espera na ressureição.

Dessa forma, o argumento de forma alguma não despreza estar com Deus em espírito, já que esse estar não é para sempre em espírito, mas é fundamentado na esperança da ressurreição, ou seja, ansiosamente na ressurreição dos mortos, e na argumentação paulina esse estar com Cristo não existiria se Cristo não houvesse feito a obra de redenção, e não houvesse ressuscitado. Não se deve introduzir esse ponto para argumentar, já que não existe. Talvez seja difícil entender, mais isso ficará mais claro na exposição abaixo.

De fato, a ressurreição é um modo de resumir a obra de Cristo para a salvação, o que mostra que se Ele não ressuscitou, não venceu a morte, não fez obra alguma anterior e todos ‘continuam’ em seus pecados. Essa parte do versículo é a mais importante para entender a questão, e o livro não fez a devida argumentação levando em conta esse pormenor.

Portanto, o argumento não nega que a alma já esteja no céu, uma vez que Cristo ressuscitou. A questão não é essa e não entra diretamente em toda a cena. O argumento é contra um materialismo crasso, talvez, que estava na mente daqueles cristãos coríntios, o que é algo estranho, já que como cristãos usufruiriam da obra de Cristo se pensassem apenas na vida terrena? Ou contra qualquer noção que negue o fato da ressurreição, já que essa está no plano completo de salvação realizado por Deus.

A vida eterna conforme toda a Bíblia não é prevista sem a ressureição e os salvos não são feitos para passar a eternidade sem o corpo. Por isso, tal noção não existe e o argumento contrário feito sobre ela deixa de ter valor. Se o autor quiser argumentar o mesmo com base em 1 Cor 15, 32, que tire tal noção da sua argumentação.

Note que o problema que São Paulo coloca é que se Cristo não ressuscitou todos continuam em seus pecados. Dessa forma, não só a vida futura deixa de existir, a vida plena, em abundância, mas a presente vida também já está envolta de condenação.

Por isso o argumento é forte. Ele é explicado das duas formas: se há materialismo, pode haver hedonismo já que não há mais nada a ser esperado. Mas, de forma idêntica, se a vida da alma é fraca e sombria, ou seja, o estado dos que morrem sem esperança alguma da salvação e da vida eterna é de trevas e limitações, na melhor das hipóteses, o hedonismo continua sendo válido na argumentação. Portanto, isso refuta o argumento do mortalismo empregado aqui, em sua argumentação que pretende ter força além do que tem.

Em nenhum lugar a doutrina bíblica e católica afirma que a vida eterna está condicionada à existência da alma, mas à ressurreição. E a doutrina católica é bem estruturada, conseguindo resolver os impasses que, por exemplo, a doutrina protestante não consegue.

Ninguém foi feito para viver eternamente sem ressuscitar, como os gregos antigos acreditavam, e outras doutrinas, certamente, até os dias de hoje propõem.

A ressurreição não é mostrada como a única forma de estar com o Senhor. O salvo já está com o Senhor, já vive no céu, sentado e reinando com Cristo. Também isso já foi mostrado em Fl 1, 23, onde Paulo quer ir estar com Cristo antes dos cristãos filipenses, já que pensava que logo iria morrer. Isso mostra que não se referia à ressurreição naquele momento, mas à morte. E, como na morte a única forma de estar com Cristo é continuar a existir em espírito, está provada a imortalidade da alma.

A argumentação bíblica de 1 Cor 15, 29-32 para provar a ressureição é bastante profunda. Havia quem pensava em auxiliar os mortos batizando-se em favor deles. Se os mortos não existem, não usufruiriam nada do batismo, somente no dia da ressureição, quando seriam recriados. Então esse batismo serviria para aquele dia, não se sabe como.

Mas, se os mortos existem, o batismo em favor deles já os preparava perdoando pecados e faltas que os colocava em má situação diante de Deus e garantiria sua feliz ressureição. E isso faz sentido.

E se os mortos não ressuscitam? O batismo seria inútil, sim. Se os mortos continuam em pecados não teriam a ressurreição para a vida, mas para a condenação. De fato, é nesse cenário que se deve pensar tudo isso, já que todos serão ressuscitados, bons e maus, e isso está previsto. Portanto, o batismo pelos mortos tem de ter algo que auxilie os mortos, e não apenas que garanta a rever os mortos no dia da ressurreição. Além do mais, o argumento do batismo em favor dos mortos é ligado à fé na ressurreição.

Sem a ressureição pode ser entendido o materialismo, nada mais após a morte, ou pode, também, como explicado, ser entendido que a condição seria de extrema penúria e condenação, e não de salvação e felicidade, o que mostra que a ressurreição de Cristo torna-se totalmente necessária.

Em qualquer desses dois cenários o batismo pelos mortos seria inútil, pois não haveria ressurreição e nem salvação.

Todo o argumento do mortalismo com base em 1 Cor 15, 32 é que se não há ressurreição não há vida e existência após a morte e tudo o mais deve ser vivido enquanto há tempo.

De forma simples, essa é uma interpretação natural é totalmente plausível e possível, compreensível e irrefutável. Não é porém a única, como vivos, já que ainda que a fé na imortalidade da alma exista, se for retirada a salvação, e colocada uma existência post mortem tão frágil como visto antes, o argumento a favor da ressureição torna-se forte.

De fato, não se considera os cristãos salvos esperando em Cristo no céu para argumentar aqui, mas a simples inexistência da ressureição e a vida sem esperança de salvação, onde todos estão com seus pecados.

Se no contexto fosse colocada a fé cristã da alma no céu em glória e felicidade à espera da ressureição, realmente a argumentação não faria sentido. Mas, tal coisa não acontece em toda a passagem, onde a comparação é sobre a esperança da salvação, fundamentada na ressureição de Cristo, e a falta dela. Assim, não se deve colocar a vida eterna já usufruída pelos santos na equação aqui.

Em 1 Cor 15, 16-19, já aludido na resposta acima, mostra que se Cristo não ressuscitou todos estão perdidos, tanto os vivos como os mortos.

Se Cristo não ressuscitou os mortos em Cristo estão perdidos, referindo-se aos cristãos, os que dormiram em Cristo. Isso é peculiar, já que a argumentação se dá em referência a quem morreu com a fé em Cristo. Se Cristo não ressuscitou, tudo o que foi explicado antes é possível.

Se os mortos não existissem, não estariam perdidos, mas apenas não voltariam a existir mais, e portanto nada mais sentiriam. Se os salvos antes de Cristo não existissem, não teriam esperança em Cristo, pois não existiriam quando Cristo veio à terra. Os mortos estariam destruídos, mas isso não traria mais qualquer mal a eles, já que não existiriam.

Para a doutrina da imortalidade da alma é possível que os mortos tenham a esperança em Cristo, porque Jesus desceu ao mundo dos mortos e foi visto por todos os salvos, que certamente ficaram mais fortes na esperança da ressurreição.

A argumentação citada do Dr. Bacchiocchi já está refutada, visto que na equação não se introduz almas salvas em Cristo, sem a esperança da ressurreição: “Paulo dificilmente teria dito que os santos adormecidos teriam perecido sem a garantia da ressurreição de Cristo se cresse que suas almas eram imortais e já estavam a desfrutar das bênçãos paradisíacas.” 

Isso significa que sem Cristo ainda que as almas sejam imortais não há como desfrutar das bênçãos paradisíacas. O contexto liga a ressurreição com a obra da salvação, onde se Cristo não ressuscitou os pecadores continuam em seus pecados. Nunca diria que sem a ressureição, que, como já explicado, está atrelada à doutrina da salvação, os santos poderiam permanecer desincorporados, e felizes, por toda eternidade. Está portanto refutada a argumentação.

Se o raciocínio é contra a doutrina materialista, havia crentes materialistas com esperança apenas para esta vida. Se a argumentação visa refutar falsa doutrina da vida póstuma sem a ressureição, onde os cristãos criam poderem usufruir da vida eterna em Cristo em suas almas imortais, São Paulo está afirmando que não é isso que é a doutrina cristã, pois se Cristo não ressuscitou é vã a fé de todos e todos estão perdidos. Não havia possibilidade de estar feliz em Cristo, já que a ressurreição pressupõe a salvação, e serve tanto para a mudança de estado de vivos e mortos.

Nada mudaria no cenário imaginado na argumentação do livro: sem a ressurreição os salvos viveram bem no além!.

Mas isso não entra na equação, está refutado, e bem exposto acima.

E a questão: “Como os imortalistas respondem a um argumento tão forte?” O que o autor faz refutando a explicação de João Calvino certamente não poderá fazer ao tentar refutar o que foi escrito acima.

De fato, a ressureição é o argumento central da passagem, não porque não existe alma imortal, mas porque se os mortos não ressuscitam, como foi ensinada no evangelho, tudo é vão e a condenação já está presente nos vivos, e quanto aos mortos nada mais há para esperar, muito menos vida de felicidade em estado desincorporado, já que somente em Deus há salvação, paz, felicidade. Para quem entende tudo isso, as demais passagens bíblicas que implicam a imortalidade da alma, que são irrefutáveis, toram-se mais e mais claras a respeito desse assunto.

Gledson Meireles.

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Livro: A lenda da imortalidade da alma, sobre Hb 12, 23

A igreja dos primogênitos e os espíritos dos justos aperfeiçoados

A questão dos espíritos dos justos aperfeiçoados é muito importante no contexto de estudo sobre a imortalidade da alma.

É curioso que essa passagem diz que nos aproximamos da cidade santa, dos anjos, de Deus, dos espíritos dos justos, de Cristo, e do sangue da aspersão, e o mortalismo exija a leitura de que somente os espíritos dos justos não pode ser de forma alguma suas almas. É claro que o sangue da aspersão é o sangue de Cristo, e aproximar-se dele é uma forma figurada de linguagem, pelo sangue o valor que é o próprio Senhor Jesus Cristo.

Mas, e quanto aos espíritos dos justos, que são citados entre o Monte Sião, os primogênitos, os anjos, Deus e Cristo e seu sangue? Para o mortalismo essa é uma dificuldade imensa. Para o imortalismo, é algo natural de ser entendido. Não é, portanto, dificuldade alguma para a doutrina da imortalidade da alma.

Para o mortalismo, não há ninguém no céu como alma imortal. Não existiria espírito dos mortos. A possibilidade para isso seria apenas a ressurreição.

Mas, de fato, o texto fala de espíritos dos justos que foram aperfeiçoados. Isso não parece tratar do sopro de vida dos justos que foram a perfeiçoados, no sentido de se aproximar do fôlego dos justos, nem que o próprio fôlego tenha sido aperfeiçoado, como se fosse espiritualmente proveitoso aperfeiçoar a respiração dos justos. Nada disso. Trata-se do espírito ou alma imortal dos justos que chegaram ao céu.

De forma geral seria o mesmo que dizer que a Igreja se aproxima dos justos mesmos, mas isso pode levar a uma leitura mais técnica, aproveitando essa linguagem, que explica a realidade, pois os justos mencionados estão mortos, e somente seus espíritos estão com Deus. Essa é a leitura mais comum.

A palavra espírito pode, também, ter outros sentidos, como em 1 Cor 16, 18, também como sinônimo de alma, mas no sentido de pessoa, do eu: “trouxeram alívio ao meu espírito” significa “trouxeram alívio a mim”. O mesmo que: “trouxeram alívio à minha alma”. Aqui o uso é diverso do que está em Hb 12, 23, já que se lido dessa forma a Igreja estaria se aproximando dos santos vivos que chegaram à perfeição, algo que não é compatível com nenhuma teologia protestante, diga-se de passagem.

Diferente também é o texto de 1 Cor 14, 32, onde o espírito dos profetas sendo submisso aos profetas não teria sentido se lido como fôlego de vida, ou como o próprio profeta. Então, trata-se ali da inspiração e mensagem que veio ao profeta, ou à energia inspiradora, que não deve tomar conta do profeta, mas ser submisso a ele.

Até mesmo no próprio capítulo 14 de 1 Coríntios a palavra espírito é usada com diferente sentido nos versos 14 e 15: ”Porque, se eu orar em língua desconhecida, o meu espírito ora bem, mas o meu entendimento fica sem fruto”, tratando certamente do mais profundo do ser, o espírito, no interior da personalidade humana, mais profundo mesmo que o pensamento. No mesmo sentido se diz que esse lugar é o coração, o espírito, o inconsciente, talvez.

Nisso fica claro que espírito não é apenas referência anjos ou demônios, ou respiração, fôlego, sopro de vida, mas também sinônimo de alma espiritual imortal.

Então, afirmar que a palavra espírito não é usada para mortos, mas apenas para os vivos, não é uma conclusão bíblica. O conceito de espírito assim é biblicamente apresentado. Reparemos que a própria explicação do livro implica em que o termo espírito em Hebreus 12, 23 refere-se a mortos: “Chegar “aos espíritos dos justos aperfeiçoados” não é fazer um tour celestial e encontrar por ali as almas dos que já partiram, mas chegar à mesma condição espiritual dos heróis da fé a respeito dos quais ele discorreu no capítulo anterior – ou seja, chegar à estatura de varão perfeito (Ef 4:13).

O texto deveria ser entendido como “chegar à condição espiritual dos justos” ou “chegar à estatura de perfeição dos justos”, algo assim. Não há o que objetar ao conceito, mas à implicação, ou à base argumentativa feita pelo mortalismo aqui.

Obviamente a leitura católica dessa passagem é que aproximar-se dos espíritos dos justos é feita também já aqui na terra de forma espiritual, onde a Igreja se aproxima no da Igreja no céu, a Igreja triunfante, dos que já morreram e chegaram à perfeição. Nos aproximamos deles, nesse espírito que caminha para a perfeição da graça.

A interpretação acima mostra que “chegar à mesma condição espiritual dos heróis da fé”, “à estatura de varão perfeito”, ou seja, daqueles que foram citados em Hebreus 11, como o próprio livro reconhece, “a respeito dos quais ele discorreu no capítulo anterior”, significa, sem sombra de dúvida, de que os espíritos dos justos são os justos mortos.

Realmente significa alcançar aquilo que é remetido pelo conceito. De fato. Mas, ainda precisamos mostrar um pouco no que tange ao tema da imortalidade da alma.

Se chegar aos espíritos dos justos é apenas alcançar o aperfeiçoamento dos santos, sem implicar algo que mostre a existência da alma imortal, isso vai ficar mais claro. Do contrário, a tentativa de explicação mortalista se mostra fraca.

O texto afirma que a Igreja, ou seja, os santos da terra, chegou, espiritualmente:

1 “ao monte Sião...”

2 “aos milhares de anjos”

3 “à igreja dos primogênitos”

4 “a Deus”

5 “aos espíritos dos justos aperfeiçoados”

6 “a Jesus”

7 “ao sangue aspergido”

A figura de linguagem estaria evidente em: ao sangue aspergido, porque nos aproximamos do sangue de Jesus, que é o mesmo que dizer do próprio Jesus, desse valor que é da Sua própria Pessoa, e não teria sentido se não estivesse próximo da própria Pessoa que verteu o sangue em nosso favor.

Assim também é dito que nos achegamos à Igreja dos primogênitos, e não aos nomes dos primogênitos, embora isso fosse possível de ser assim apresentado, sem mudar o sentido.

Então, afirmar que nos aproximados dos espíritos, equivale a reconhecer que existe o espírito dos justos mortos, esse outro sentido, mas não apenas o conceito, o valor, que é o aperfeiçoamento em si, mas à proximidade espiritual dos justos que nos dão o exemplo da perfeição que alcançaram e rumo a qual a Igreja caminha. Nos aproximamos deles como modelos.

Quando se diz: o meu espírito, significa “eu”. Estejais com o meu espírito é o mesmo que dizer: Estejais comigo. Assim, aproximar-se dos espíritos dos justos é o mesmo que aproximar-se deles. Se eles não existissem, como ensina o mortalismo, o texto não teria o sentido forte que possui, perderia algo, ao que parece.

Para o mortalismo há necessidade de explicar bem o texto de forma a afastar o sentido mais natural dele ou sua implicação mais lógica.

Nos aproximamos do valor dos justos, da perfeição dos justos, da estatura dos justos. Então, não seria possível entender que nos aproximamos dos justos que são perfeitos como nossos modelos? Então, nos aproximamos dos seus espíritos.

 De certa forma há realmente, deve-se reconhecer, a noção de que existe alma imortal nessa passagem, e mais uma vez a tentativa de explicação, pela prosopopeia, pela metáfora, e etc., que é proveitoso entender, e de fato conduz ao sentido do texto, não refuta a ideia de que o texto corrobora, indica, fala pelo menos indiretamente da ideia de alma imortal.

Gledson Meireles.

domingo, 28 de agosto de 2022

Livro: A lenda da imortalidade da alma, estudo sobre os rephaim, capítulo 6

 Os rephaim ou as “sombras” no Sheol

Será que rephaim seria apenas o cadáver? Seria apenas uma forma poética de falar dos mortos? Há algum texto que liquida a questão de que a palavra possa ser empregada no sentido de alma imortal ou espírito? Pois bem. É um termo que substancia um bom argumento bíblico sobre a imortalidade da alma, e que dificilmente pode ser entendido como o faz o mortalismo.

Então, como diz o autor do livro, esse seria o único argumento usado por teólogos “mais sérios”, um argumento não utilizado comumente na apologética. Esses teólogos da mais fina cultura, os melhores, que trariam o seu mais forte argumento contra o mortalismo, seriam os que apresentam tais textos para provar sua doutrina de “sono da alma”, a chamada psicopaniquia.

Para começar, deve-se dizer que, então, esses não são os teólogos mais corretos, não têm essa prerrogativa de portadores dos melhores argumentos do imortalismo, e não são os que estão na nata da pesquisa teológica acadêmica por não poderem chegar a mais do que perto de um “sono” para a alma nas páginas do Antigo Testamento.

Essa visão posta em circulação a partir de Lutero, se bem que nem esse fosse coerente quanto a isso, tem sido mais difundida no século dezenove em diante, por teólogos de renome no Protestantismo, e por denominações importantes como a Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Os textos onde o termo rephaim aparece são: Jó 26:5; Sl 88:10; Pv 2:18, 9:18, 21:16; Is 14:9, 26:14, 19. A ideia de “sombras” como existência fraca no sheol é combatida nesse tópico do livro.

Se os rafaim, ou rephaim, tremem debaixo da terra, não se pensa apenas nos corpos dos mortos, ainda que seja algo metafórico isso possibilita pensar em algo mais “debaixo” da terra. Será mesmo que os rephaim são apenas uma forma de falar dos cadáveres? Ou são de fato uma forma de referir-se ao que sobrou do ser na morte, o que equivale à noção de alma imortal?

O túmulo e o abismo são paralelos. Não será o túmulo lugar da destruição do corpo e o abismo da destruição, ou perdição, das almas? De fato, abbadon é no Apocalipse o nome do Anjo do Abismo, de cujo fosso saíam espíritos que afligiam os seres humanos. A ideia é de um lugar espiritual. Assim é que em Provérbios 9, 18 os rafaim estão no fundo do sheol. Será isso somente o fundo do túmulo? Parece mais para ser lido como profundezas desse lugar espiritual.

Em Provérbios 21, 16 fala-se da assembleia dos rephaim. Pode-se aqui entender de alguma forma, em linguagem poética, dos mortos na sepultura, mas é mais provável das almas no sheol.

A ideia de que a sombra seria uma réplica do eu, ou que não seria corpo ou alma, não seria mais a pessoa, podendo ser uma sombra que permanece no lugar da personalidade que deixou de existir, como explicado nas citações do livro, é algo importante para o estudo da questão. Ela é uma noção que aponta para a imortalidade da alma, e não o contrário.

Ao afirmar que a pessoa não existe, que a personalidade acabou, que uma existência permaneceu em lugar sombrio, isso é existência de algo da pessoa, e não inexistência. Dessa forma, essas explicações de eruditos mantem contato com a imortalidade da alma, e não com a sua inexistência.

Dessa forma, o que esses teólogos protestantes propõem podem chegar a um “sono” da alma e não da inexistência dela, uma ideia que corrobora a fé na imortalidade da alma.

Portanto, de forma geral percebe-se que a mortalidade da alma não é a doutrina da maioria dos protestantes e nem é a que predomina no meio acadêmico.

Contudo, deve-se dizer que a ideia de que as sombras não possuem força, vida, etc., e que dormem, não é o mesmo que dizer que podem ser ativadas apenas na ressurreição, se se tem o caso do profeta Samuel, que sobe do mundo dos mortos, afirmando que estava antes em repouso, sendo perturbado pelo chamado da necromante. Dessa forma, a sombra de Samuel podia agir de alguma forma, o que é idêntico ao conceito de alma.

Desse modo, a alma permanece em estado de trevas, sem atividade, no silêncio, sem a comunicação, como afirma o teólogo Ratzinger, mas não sem qualquer possibilidade de ação. Não há sono, muito menos inexistência.

Havia portanto permanência da personalidade, da consciência, da existência, na espera em Deus, pelo dia da salvação em Cristo. Isso explica o caso do desejo de Jacó de descer ao sheol, da aparição de Samuel, dos reis mortos no sheol em Is 14, da pregação aos espíritos em prisão, etc. Tudo faz sentido.

Por isso, não há nem o sono da alma, nem sua morte e existência, mas uma existência imperfeita no sentido ontológico. Por isso a morte é de fato um castigo. Na inexistência não haveria como sentir a morte, ela seria algo neutro.

A ideia do sofrimento da morte para os salvos não é comparada ao inferno, mas à própria natureza de castigo da morte, que é perder sua vitalidade como plano original de Deus, e a vida na terra.

No entanto, na doutrina católica há felicidade para as almas dos santos do Antigo Testamento, felicidade essa que permitiu a espera do Messias e ainda almeja a ressurreição dos mortos. Entende-se assim o aguilhão da morte. Esse problema não é encontrado na teologia católica, mas nas explicações protestantes.

A morte dos justos é acompanhada da felicidade na sua espera em Deus. No entanto, o estado de morte não é almejado pelos vivos. No mortalismo isso não faz sentido pelo fato de que a morte é inexistência, e uma vez morto o salvo apenas notaria que tudo mudou de uma hora para outra, quando ressuscitasse, não sentindo nada da morte. Desse modo, para a doutrina mortalista a morte não é logicamente nada de trevas e sombras.

Quando Deus diz que o salvo descansaria, isso é verdade (cf. Dn 12, 13). Lembra-se Samuel afirmou estar em repouso, descansando? E ele pôde ouvir o chamado e aparecer na terra.

Assim, há de fato o repouso, e haverá de fato a ressurreição. Naquela cena Samuel está morto, é portanto um rephaim. Para o mortalismo o repouso dos justos e injustos é igual em todos os sentidos, e não apenas no sentido físico metafórico, onde os corpos são desfeitos.

E ainda que os textos que se refiram aos mortos como sombras, como rephaim, sejam poéticos, eles identificam algo que existe. Da mesma forma que o sopro é uma metáfora para o curto período da vida, ele remete à ideia de vida, que existe. A sombra traduz o que é a alma na morte, algo que existe e não apenas uma figura de linguagem. Ela é linguagem simbólica que explica uma realidade em termos poéticos da mesma forma que o sopro explica a vida como acima descrito.

A vida em si não é um sopro. A alma em si não é uma sombra. Para ficar mais claro, perceba que a vida é comparada a um sopro no Salmo 144, 4 para falar da sua rápida duração. Um sopro pode durar milésimos de segundos. A vida é poeticamente comparada a um sopro sem se tornar literalmente um sopro.

A sombra é usada para falar da alma não no sentido literal que a alma é agora uma sombra, mas para falar de sua dependência física, como a sombra depende do corpo para formar-se ao impedir parcialmente a passagem integral da luz. Poeticamente sombra, dessa forma, não significa que a alma não existe, mas pelo contrário, assim como o sopro não é negação da vida, a sombra na linguagem poética não nega a alma.

Quando os mortalistas interpretam o sopro como comparado à vida, onde o sopro deixa de existir, e a vida física também, essa comparação não destrói o ser, mas a vida do ser na terra. É uma comparação bastante apropriada.

As sombras comparadas às almas também servem para mostrar que os mortos não são mais como os vivos, já que perderam o corpo e a vida total que foi dada por Deus. Sua existência está envolvida pelo estado da morte, que é salário do pecado e que será vencida na ressurreição.

O próprio texto de Isaías 14, 9-10 usa o termo rephaim para tratar dos mortos, afirmando que os mesmo existem.

O verso 11 explicaria toda a passagem significando apenas a morte física e o corpo do rei? De fato não é isso exigido, já que ir ao sheol é repetido na passagem, onde também se fala da putrefação do corpo, mas no v. 20 o rei é mostrado como nunca se reunindo aos mortos na sepultura. Se ele desce ao sheol no verso 15, não entra na sepultura no verso 20. É portanto mais claro que o corpo ficou sobre vermes na terra e a alma no sheol, no mais profundo do abismo. De fato, sheol e mais profundo abismo são paralelos em Isaías 14, 15.

Os rephaim são os mortos em condição deplorável. De fato. Mas o mortalismo lê isso de modo materialista, já que o corpo está em condição deplorável, e que o ser não mais existe. Mas para o imortalismo, onde os rephaim indicam as almas dos mortos, estes “vivem” em condição deplorável, experimentam a morte, embora saibamos que ainda assim estão nas mãos de Deus, e esperam a vida que há de vir.

E quando o termo rephaim é paralelo a cadáver (muth), isso não é totalmente claro de que o mesmo exclui a noção de alma. Isso pode ser dito também de Isaías 26, 19. “a terra dará luz aos seus mortos (sombras-rephaim)”.

Os rephaim, para os mortalistas, seriam os mortos, os corpos, os cadáveres que estão no pó da terra. Na leitura imortalista eles são as almas dos mortos no sheol. Há mais elementos para a compreensão imortalista.

Dentro do escopo imortalista a compreensão sobre os rephaim como almas imortais cabe perfeitamente. Mesmo no texto de Prov 26, 19, onde o que brota da terra são os rephaim, que poderiam ser apenas alusão aos corpos dos mortos ressuscitando, não é exigência de que seja assim. E há passagens que provam que essa suposição, de que rephaim não se refere ao cadáver que jaz no pó da terra.

De fato, a noção de que os mortos estão no sheol, que é a região subterrânea, não metafórica, nem literal no sentido material, como se pudesse chegar a ela cavando o chão, mas espiritual, ficando como que no fundo do abismo, é compreensível, e praticamente irrefutável, na passagem de 1 Sm 28, 13, onde o profeta Samuel aparece: “E a mulher respondeu a Saul: “Vejo um deus que sobe da terra”.

Ainda que se tratasse de um espírito demoníaco passando-se por Samuel, a fé daquele povo, do povo de Deus, era de que os mortos podiam ser invocados e responder, e que subiriam da terra, não os corpos, porque não ressuscitariam para comunicar-se, mas as almas imortais. Portanto, ainda no cenário de que o espírito que apareceu poderia não ter sido Samuel, toda a cena diz que foi realmente o profeta, e tudo o que diz está conforme a fé judaica sobre o estado dos mortos no sheol, com todos os elementos que explicam o que se entendia por rephaim, mostrando que rephaim é a própria alma imortal em outra linguagem.

O termo aparece em verso onde pode-se ter a ideia de paralelismo com mortos e com corpo, mas isso não é plenamente fora de dúvida. As explicações foram bastante interessantes, mas não põem fim no problema. O que foi mostrado aqui, refuta toda a argumentação mortalista sobre o tema, que passa sobre a sua significação e emprego poético e sobre o paralelismo com mortos e cadáver. Foi algo louvável, o estudo do autor do livro, mas não é uma refutação à interpretação imortalista.

Gledson Meireles.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Mais um estudo do livro A lenda da imortalidade da alma

Estudo do tópico do livro A lenda da imortalidade da alma:

Paulo era imortalista por ser fariseu?

São Paulo era fariseu, e os fariseus criam em espíritos, e na imortalidade da alma, ao que tudo indica, e na ressurreição. Certamente, São Paulo cria em tudo isso. Mas, será que após se tornar cristão tenha deixado algo do farisaísmo? É ridículo pensar que São Paulo podia não conservar as crenças farisaicas?

De fato não. Jesus mostra ter aprovado a doutrina ensinada pelos fariseus. Quando fala dos fariseus, afirmar que o que ensinam pode ser praticado, mas não o que fazem, condenando sua conduta. Dessa forma, é plausível pensar que se os fariseus criam na imortalidade da alma, isso estava correto, São Paulo creu nessa verdade desde sempre e naturalmente conservou essa verdade após ter encontrado Jesus e se convertido ao evangelho.

Quando São Paulo afirma que foi julgado por crer na ressurreição, e o texto não cita a imortalidade da alma e os espíritos, como parte das doutrinas que ele conservou, isso não significa que não cresse em todas essas coisas, mas porque o assunto em questão era apenas a ressurreição dos mortos. O próprio texto é prova disso, já que mostra que o motivo da discussão era a ressureição, e ainda assim cita a crença nos anjos e espíritos como parte da fé farisaica.

De fato, os saduceus não fizeram qualquer objeção à imortalidade da alma quando discutiram com Jesus, mas atacaram a ressurreição, embora não cressem nem em uma realidade nem na outra.

Simplesmente isso já expõe o motivo de não ser a imortalidade da alma citada no contexto, e não a suposição de que o apóstolo São Paulo não cria na doutrina. Então, apenas a falta de menção de uma doutrina nessa discussão não é prova de que a mesma não era crida, sendo isso argumento do silêncio. Mas, coloquemos isso em outras palavras.

Será que são Paulo não cria em alma, em anjos e em espíritos? Basta ver em tantas outras passagens que sim, ele cria na imortalidade da alma e em espíritos. Se a não menção de que Paulo cria em espíritos como os fariseus fosse prova de que o mesmo não mais cria nisso, não haveria lugar algum na Bíblia que pelo menos indicasse que ele cresse na existência de espíritos.

A própria explicação do livro mostra que o argumento não pode ser usado para dizer que São Paulo não cria mais em espíritos. Não havendo nada na fé na imortalidade da alma e nos espíritos que esteja em divergência com a fé cristã, é fato que São Paulo cria nessas doutrinas que os fariseus também acreditavam.

Quando São Paulo tratou do modo como pensava a salvação quando era fariseu, ao mencionar o zelo dos fariseus, diz que tal zelo era pouco esclarecido, o que mostra que o erro de interpretação dos fariseus era feito por pura ignorância e não má fé.

O que Flávio Josefo escreve sobre a crença dos fariseus não precisa ser aceito se contradiz o texto bíblico. Assim, na a opinião de que os fariseus não criam na ressurreição de todos, não era esse o ensino de São Paulo, que obviamente, como reconhece o autor, afirmou a ressurreição de justos e injustos.

As imprecisões de Josefo quanto às crenças mostra que os argumentos, de fato, devem ser bem formulados quando se tem fundamento seus escritos. Se ele não cria na imortalidade da alma, ao afirmar que os fariseus criam nessa doutrina, é bastante importante tomar essa informação como mais confiável, visto que certamente teve fontes que mostraram a fé farisaica que conflitava com a sua. É um ponto a considerar.

Assim, quando a Bíblia afirma alguns dados da fé farisaica que diferiam dos saduceus, e mostra que São Paulo era fariseu, é bastante provável que o mesmo continuou crendo naquelas doutrinas citadas.

A fé cristã não se baseia em Josefo ou no que os fariseus supostamente tenham adotado durante o tempo, mas naquilo que a Palavra de Deus testemunha.

Jesus condenou as tradições humanas que os fariseus estavam praticando, e muito das suas atitudes, mas afirma que estavam na cátedra de Moisés e que ensinavam corretamente a doutrina, que devia ser observada (cf. Mateus 23).

Assim, é totalmente provável que os fariseus criam na imortalidade da alma, assim como criam nos espíritos. São Paulo cria em espíritos, ainda que isso não foi citado na passagem que trata da discussão sobre a ressurreição. Então, a falta de menção não prova que o mesmo não cria nas doutrinas não citadas. Portanto, o argumento é falho.

Gledson Meireles.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Parte 2, continuação do estudo do cap. 4 do livro A lenda da imortalidade da alma

Um espírito não tem carne nem ossos 

A explicação para esse verso é uma das mais interessantes, do ponto de vista mortalista, visto que o mesmo é um dos baluartes da doutrina da imortalidade da alma. De fato, os discípulos criam em espíritos, em fantasmas, que apareciam em forma humana, com corpo semelhante, embora não tinham carne e ossos. Por isso, a fé dos discípulos é um fato a respeito desse tema, e a concordância de Jesus sobre isso é também patente.

Jesus entendeu que o conceito que traziam em mente não era de espírito como energia, fôlego de vida, etc., mas como espírito humano, em forma humana, aparecendo aos vivos, como também poderia ser no caso de anjos em forma humana.

Quando Jesus disse que o espírito não tem carne e ossos isso implica na fé na imortalidade da alma. Não é a prova cabal, pois poderiam, de fato, pensar em anjos maus em forma humana. Mas há a implicação, a possibilidade de que pensassem também serem almas.

Realmente, o espírito humano que não tem carne e ossos no conceito mortalista é a respiração, o sopro de vida, o que não faz sentido aparecer para alguém, pois não tem existência fora do corpo, não tem forma, não sobrevive à morte corporal. Mas, o que Jesus disse tem a ver com o espírito que tem toda a aparência humana, personalidade e consciência, não tendo matéria.

Os discípulos tiveram medo por não saberem que era Jesus. Eles não teriam se apavorado, talvez, se soubessem ser Jesus, ou o espírito de Jesus. Mas pensaram tratar-se de um fantasma, em forma de alguém de não conheciam.. Isso explica o medo.

A explicação de que os demônios não podem materializar-se ficou sem maiores provas. De fato, os demônios são anjos caídos, anjos maus, sem a graça divina, expulsos do céu, e por que não poderiam materializar-se? Foi uma afirmação gratuita.

A afirmação “uma vez que seria estupidamente fácil distinguir um fantasma sem corpo de um ser físico”, assume que o holismo está provado e que todos ao verem um espírito teriam certeza de tratar-se de um. Contudo a própria passagem vai contra essa asserção, já que Jesus explica e prova aos discípulos que era Ele, e que estava ressuscitado, e não em espírito.

Afirmar que nenhuma vez os seres humanos são chamados de espíritos é algo que traz problemas. Em primeiro lugar, se os espíritos malignos são “espíritos” os anjos também o são, como o próprio Deus, e isso é possível entender pela exegese.

Outra confirmação é que se Samuel é chamado espírito, “um deus”, isso não prova que seja demônio, mas se trata de pura teoria que pretende ler a passagem nesse sentido para salvaguardar a “mortalidade” da alma. É altamente provável que se tratou de Samuel mesmo.

Em Hebreus 12, 9 Deus é chamado de Pai dos espíritos, em contraste com nossos pais segundo a carne. Se temos espírito, e se Deus é pai do nosso espírito, não o é da energia vital, mas de nós mesmos, quando a personalidade nessa passagem está no termo espíritos. Então, por esse ângulo somos espírito.

Afirmar que os discípulos mesmo se cressem em alma imortal não creriam em aparições de “gente morta” parece outra afirmação sem fundamento.

A explicação de que a crença judaica concebia a aparição de demônios em forma humana, o que explica o medo dos discípulos, é plausível. Não pode, porém, descartar toda a possibilidade de que os mortos também pudessem aparecer.

Assim é que na parábola do rico e Lázaro é possível que se pense que Lázaro pudesse ‘aparecer’ à família do rico.

Gledson Meireles

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Continuando estudo do cap. 4, livro A lenda da imortalidade da alma

O espírito que volta para Deus

É digno de nota que as traduções católicas de Eclesiastes 3, 19 e 12, 7 não demonstram intenção de distinguir fôlego e espírito, que são a mesma palavra em hebraico, para preservar qualquer “concepção dualista de espírito”, como o autor interpretou ser o caso nas várias traduções pesquisadas. As traduções católicas conservaram as palavras alento e sopro, por exemplo.

Quais são os problemas lógicos, exegéticos e teológicos da interpretação imortalista de Ecl 12, 7? Vejamos se eles resistem à prova. Será mesmo que não há alma imortal, se se provar que o espírito que volta a Deus é o fôlego de vida? Você crê nisso? Pois, bem, continue a leitura a julgue os argumentos, e formule sua opinião a parte do confronto dos dois lados.

De fato, o que volta para Deus é o espírito, no sentido de energia vital, fôlego de vida, que será dado novamente na ressureição. Isso mostra que Deus tem o ser humano em consideração para dar a vida novamente, o que não é dito de outros seres, como os animais.

Dessa forma, o que está escrito em Ecl 3, 19 parece respondido em Ecl 12, 7, onde o espírito dos animais desce à terra e não retorna a Deus porque eles não serão ressuscitados, enquanto que o espírito que anima os seres humanos volta a Deus, pois os seres humanos serão ressuscitados. Nessa passagem o espírito não é a alma imortal, pois no Antigo Testamentos as almas descem ao Sheol (cf. Sl 88, 3; 86, 13; 89, 43, como citado no livro). Por essa distinção o mortalismo já é refutado uma vez.

E quanto à comparação de Gn 2, 7 com Ecl 12, 7 podemos ver que o espírito que criou a alma humana e que dá a vida humana na terra é dado na criação e retirado na morte. Isso não tem a ver diretamente com a questão da alma. Antes de existir, o ser humano não tinha logicamente nem corpo nem alma. O que acontece com o corpo na morte é dito e percebido naturalmente, mas não é revelado, nos primeiros capítulos do Gênesis, o que ocorre com a alma, o que se dá com a personalidade, a consciência humana, após a morte, que passa a existir após o pecado.

Muito bem. Se isso se refere a todos os homens, como foi provado acima, a ressurreição é para todos. Isso parece já um antecedente para refutar o aniquilacionismo, já que não é muito lógico trazer à existência seres para castigá-los e torná-los inexistentes outra vez. Outro problema mortalista.

Na doutrina católica fica preservada toda a interpretação. Os salvos no Antigo Testamento não subiam ao céu, à presença de Deus, quando morriam. Portanto, não é possível ler Ecl 12, 7, na doutrina católica, como ir ao céu. Isso é problema para a doutrina protestante reformada, por exemplo, e se há refutação nesse ponto não é para a posição católica. Não é impossível que muitos usem o texto no sentido de que a alma do salvo vai ao céu após a morte, mas está claro que no Antigo Testamento isso não acontecia.

Dessa forma, é por isso que todos os mortos descem ao sheol, entendido como lugar das almas de todos os mortos, e não um lugar metafórico onde todos os mortos estão enterrados. Se os mortos desciam e o espírito subia, deve-se entender que nesse sentido o espírito é o sopro vital.

O texto citado de Gn 37, 35, entendido sempre como a descida da alma ao sheol como lugar espiritual que recebe os mortos, é assim interpretado, pois nesse caso Jacó diz que iria encontrar-se com seu filho, que presumia ter sido devorado por uma fera, e não teve o corpo sepultado. Dessa forma, “as regiões subterrâneas da terra” é espiritual e não uma metáfora onde todos os mortos se encontram.

Quanto ao fôlego de vida em Ecl 3, 19-20, não é igualado ao dos animais, já que levanta-se a dúvida sobre a descida ou a subida do “sopro” de vida. Isso é importante, pois uma vez que o espírito dos animais desce à terra, na extinção do ser, o dos homens sobe a Deus, para que seja ressuscitado. Então, para o ser humano não cessa a existência, mas continua existindo espiritualmente.

O espírito ruach possui vários sentidos, por isso não se pode apegar-se ao mais usado, por exemplo, pois se há outro significado esse também deve ser considerado, ainda mais quando se trata de assunto tão fundamental, quanto à prova da imortalidade da alma.

A pergunta de Jó 14, 10-12 sobre onde está o homem após a morte?, tem a resposta óbvia: Em lugar nenhum. Mas isso se refere ao homem vivo, na terra, que deixou de vivar e voltou ao pó, não participando de nada no mundo. Não tem a ver com o que se dá com a alma.

De fato, o texto se refere ao corpo. O espírito é realmente o fôlego de vida, e não a alma imortal, nessas passagens, como é referido aí. Se trata de outro assunto, que não toca no tema da imortalidade da alma. Diga-se que não é uma passagem que apresenta problemas para a fé na imortalidade da alma.

Se em Jó 34, 14-15 Deus afirma que recolheria o “seu” espírito, o que, segundo o argumento, provaria que “que o espírito não é a nossa essência como pessoa”, então deve-se novamente voltar a Zc 12, 1, onde o texto claramente fala do espírito do homem, criado por Deus. O argumento é reforçado aqui, pois em Jó se trata do fôlego de vida, em Zacarias o assunto é de fato a alma imortal.

Afirmar que Deus “nos emprestou” não é uma resposta satisfatória diante de tudo o que foi explicado. Ou o leitor mortalista se contenta com a explicação, de que quando se diz do espírito do homem é apenas porque o espírito foi dado por “empréstimo”? Se assim o é, tente responder mais claramente aos argumentos que foram dados aqui é que desmontam tal asserção.

Afirmar que o espírito do ser humano é idêntico ao dos animais só é possível se o termo é entendido como fôlego de vida. Não há o que discutir. Quando se diz que o mesmo é a essência do homem, a questão é outra. Ainda, se em Ecl 12, 7 é dito que o espírito volta a Deus, não se pode afirmar que o texto bíblico esteja afirmando que o espírito dos animais volta a Deus, nesse sentido já esclarecido antes.

Quando se diz que o homem volta ao pó, se diz do corpo. É claro que nem toda a passagem bíblica possui um sentido técnico totalmente desenvolvido de forma que não seja passível de interpretação. O homem que volta ao pó não é a natureza humana inteira, no entender de que a alma também é extinta. Isso já foi esclarecido antes também.

Por que o Salmo 146 afirma que os pensamentos perecem na morte? Porque de fato perecem, e o corpo morto não pensa mais. Isso não tem a ver com a alma. É a alma no corpo que está sendo referida, de modo indireto, já que se trata do homem morto. Os pensamentos, que através do cérebro vêm da alma, cessam na morte. Isso não é atribuir extinção à alma, mas apenas mostrar que planos e pensamentos dos mortos não continuam a existir após a morte em referência a este mundo.

Essa clareza indisputável do texto se refere a isso explicado acima, e não à extinção do espírito, no sentido de alma imortal que “morreria” com o corpo. Então, ainda que a tradução “única” fosse “pensamento”, para evitar o “preconceito teológico”, isso não mudaria a questão.

Então, o espírito produz os pensamentos, na visão holista, e uma vez que o espírito sai e retorna a Deus, como fonte da energia, os pensamentos deixariam de existir, a personalidade cairia na inexistência e o ser não se encontraria mais e lugar algum. Mas, isso é ir longe demais, já que o autor apenas se refere à inexistência da pessoa na terra.

O texto de Estêvão 7, 59-60 onde a entrega do espírito é a entrega da sua vida a Deus, pode também significar a sua entrada no céu após a morte, por outro ângulo, entendendo que a visão que teve do céu já em vida se concretizou na sua partida para lá em espírito. É como afirmar que não teria tanto sentido ter uma visão da realidade celeste e cair na inexistência após isso.

Ele adormeceu na carne, entenda-se, já que não era possível que o espírito dormisse. Por que teria a visão de Jesus se na morte isso não mais importaria? Se ele caindo em inexistência acordaria ressurreto como se a morte não tivesse existido, e aquela visão tivesse acontecido segundos antes da parusia? O mortalismo cria esses problemas.

É mais natural entender que a visão preparou Estêvão para que após morrer fosse recebido no céu. Na verdade, a visão foi um testemunho contra os apedrejadores, mas serviu de consolo ao mártir.

Também, a entrega do espírito de Cristo, identificada como a última respiração, está conforme a doutrina católica, pois Cristo sobe ao céu somente 40 dias após a ressurreição, e não no momento da morte na cruz.

Portanto, não é necessário refutar questões do espírito subindo ao Pai, como a fumaça dos sacrifícios e etc. Está resolvido na doutrina católica.

Muito boa a citação do Eclo 35, 21, como livro histórico apenas, para os protestantes, e inspirado para os católicos. Que Deus ajude que todos os cristãos reconheçam a inspiração desse livro também.

Reconhecendo que o espírito subindo a Deus é a certeza de que Deus não se esquece dos mortos, e que os ressuscitará, está confirmando que o espírito dos animais, nesse sentido, não sobe ao céu, não volta a Deus, mas desce à terra. Ótimo reconhecimento, lembrando novamente Ecl 3, 21.

O problema é que para o holismo o ruach é apenas a energia da vida. No livro do Eclesiastes não significa apenas isso. Ele aponta para algo mais. Por esse motivo, a indagação, a dúvida, a reflexão, sobre se havia diferença entre os espíritos de homens e animais. Caso tudo fosse apenas uma energia, fôlego de vida, isso não parece concordar em tudo com o contexto. Guardando o espírito dos homens, isso mostra que, pelo menos, algo deles permaneceu. É algo que aponta para a imortalidade da alma, assim como aponta para a ressurreição.

Ao invés de Deus ter as personalidades de todos os mortos em Sua memória, como um download de software no Hardware divino, as almas criadas imortais esperam em lugares espirituais. Essa comparação do software, interessante, não explica tanto do holismo, já que o mesmo “software” na visão holista não existe sem o hardware.

Deus preserva as memórias e personalidade comparativamente a um software que é transferido para outro hardware, quando na doutrina holista de fato o software deixa de existir, não sai para lugar nenhum. São problemas para os mortalistas resolverem.

De fato, na doutrina imortalista, os softwares são as almas que estão no céu, no purgatório ou no inferno, transferidas do corpo para um lugar espiritual, “um corpo” celeste, como morada, lugar, espaço, estado, seja como for chamado, com memórias e personalidade, garantidas por Deus, que as criou para existirem mesmo sem o corpo, até que sejam de novo transferidas para o corpo ressurreto.

Gledson Meireles.

domingo, 14 de agosto de 2022

Alguns argumentos do cap. 4, do livro A lenda da Imortalidade da alma

 Introdução

O autor afirma que a alma não tem nada a ver com um ente imaterial que continua consciente após a morte. No entanto, como o leitor pode apreciar em outros artigos sobre o tema, isso não é correto afirmar, e possui problemas fundamentais.

De fato, a alma não é um ente. Ela não é um ser. Ela não é a natureza humana. Enfim, ela não é a pessoa. Ela é parte da natureza humana. É o núcleo, a parte principal, a forma do corpo, aquilo que de mais elevado está no ser humano, mas que sozinha não é suficiente para o ser humano desenvolver-se, e não foi feita à parte do corpo, mas no corpo. Então, continua irrefutável o fato de que após a dissolução corporal a alma sobrevive consciente.

O espírito no homem seria só o fôlego de vida, respectivo da respiração. Mas, sabemos que os espíritos são anjos, e a Bíblia afirma que Deus é Pai dos espíritos, afirmando isso também do espírito do homem. Assim, é bem simplista afirmar que o espírito é apenas fôlego de vida e respiração, pois é mais do que isso também, como está em outras passagens bíblicas.


O espírito é um ente pessoal?

Na doutrina que o livro apresenta, a alma vivente é a pessoa inteira e o espírito é o fôlego que fez a alma vivente. Sendo o espírito a energia, assim que essa se esvair, a alma morre, ou seja, a pessoa morre. Portanto, nesse entender, o espírito está no que chamamos de alma. O problema é explicar que esse espírito é somente fôlego e que não possui a personalidade, o núcleo, a consciência da pessoa.

A alma é o que faz o ser vivo. Ela é então sinônimo de espírito. Mas não em todas as passagens, e por isso o livro não deixa entrever essa realidade. É uma falha que impede aceitar a doutrina da imortalidade da alma. Por isso, deve ser refutada.

Afirmar que não há separação da alma, mas apenas a cessação da existência não é uma afirmação que tem em foco o ensino bíblico geral, pois basta lembrar do fato da ressurreição de um morto feito pelo profeta Elias, onde a alma volta ao corpo, e isso está refutado.

De fato, se há a cessação da alma, e não a separação, a passagem não poderia afirmar que a alma volta ao corpo, mostrando que a mesma separou-se do corpo.

O livro afirma que o espírito é o que garante a vida ao ser humano. Isso é o mesmo que faz parte da definição de alma. A alma faz o ser humano vivo, é a forma da matéria, que define a natureza humana

Mas, continua, afirmando que “não faz sentido falar em “morte” do espírito, assim como não faz sentido dizer que ele é imortal”. Isso porque, como já visto, o espírito seria somente a energia que faz o ser viver. A energia não seria o ser, mas uma força que o faz viver. Faltando energia, o ser cessaria de existir.

Mas, a Bíblia mostra que o corpo foi formado do barro, e quando Deus insuflou o espírito criador nas narinas da imagem formada, ela tornou-se um ser vivo, uma alma vivendo, o que mostra que esse espírito soprado é criador, e que ele faz o ser vivo.

Antes havia matéria pura, e após a entrada do sopro de Deus houve um ser humano vivo. Dessa forma, esse sopro criou o ser humano, algo que fez a imagem de argila tornar-se natureza humana completa, com vida, personalidade, corpo de carne e ossos.

Então, esse fôlego criou o homem. O corpo e a alma do homem foram criados por esse fôlego. A matéria que era terra passou a ser corpo humano, e a vida veio desse fôlego. É muito bom compreender essa realidade.

Assim, quando o espírito de Deus é retirado, o corpo volta à corrupção, e a vida se extingue, mas a alma criada, com personalidade, permanece, como núcleo do ser. O espírito criador que garantia a vida, a junção do corpo com a alma, uma vez saído do ser, separa corpo e alma. O corpo volta ao pó, a alma sai e vai para o lugar onde Deus preparou.

Nesse contexto onde o livro fala da morte da alma, mas que não se fala na Bíblia da morte do espírito, é algo curioso. De fato, já sabemos que a morte a alma refere-se à morte da pessoa. Quanto ao espírito, como força criadora, não se pode falar de morte do espírito. De fato, no sentido de alma imortal e de anjo também não se pode falar de morte do espírito.

A alma é o espírito do ser humano, assim também os anjos são espíritos. Nem um nem outro morrem.

Então, como em algumas passagens podemos perceber que o espírito é o mesmo que a alma, em outras há alguma nuance e significado que estão ligados ao contexto, mas que não mudam essa realidade. Somente nesses casos alma e espírito são o mesmo conceito.

Dessa forma, afirmar que alma e espírito são distintos e que não pode sobreviver após a morte não prova o ponto de vista do livro, já que a alma mantem outros sentidos dependendo do contexto, assim como espírito, como já aludido acima, e por isso, somente por isso, já se refuta a afirmação de que esse “holismo” esteja correto.

Portanto, quando se diz que “a alma é um ente pessoal, mas o espírito não”, não se trata de uma afirmação correto. A alma como pessoa é um ente pessoal, mas a alma que volta ao corpo, ou a alma que não pode ser morta com o corpo, já possui um sentido diverso.

Embora não se diga que o espírito vá para o Sheol ou o Hades, na espíritos em prisão, como está na epístola de São Pedro, e que muitos dizem ser anjos, mas que o contexto interior afirmam que se tratam de almas de pessoas.

E o que dizer dessa afirmação?: “Como veremos no capítulo 6, isso se deve justamente ao fato do Sheol/Hades ser a região subterrânea da terra, onde os mortos são enterrados de corpo e alma.

De fato, na Bíblia não há nenhum texto onde se afirme que corpo e alma são enterrados. Alguns podem fazer alusão à pessoa através do termo alma e outros distinguir corpo e alma, onde apenas o corpo vai para o túmulo. Portanto, a afirmação está conforme a explicação do livro, mas não de acordo com a Bíblia.

Outro argumento menciona a falta de conhecimento que os dualistas têm em relação ao holismo, não sabendo que o mesmo não afirma a mortalidade do espírito.

Mas, há um texto problemático para a doutrina apresentada no livro, quanto ao espírito, apesar de não ser o único. Como o mesmo é considerado aqui, vamos aos argumentos.

Se trata de Zacarias 12, 1, que afirma que Deus cria o espírito do homem dentro dele. Até a linguagem está conforme a doutrina católica. Temos a natureza humana, onde o corpo humano é o corpo do homem, o espírito humano é o espírito do homem. No holismo não há de fato isso, pois o espírito é apenas energia.

No entanto, o texto bíblico vem afirmar mais claramente que Deus criou o espírito dentro do homem. O argumento é que o verbo criar pode ser aplicado a tudo, mesmo que não seja algo vivo, animado, mas também a coisas brutas, inanimadas.

Isso desconsidera o teor geral do ensino bíblico onde o espírito do homem é dito conhecer o homem, mostrando que é o próprio homem em sua parte imaterial. O holismo poderia concordar com essa afirmação, mas tem problema em admitir que o espírito nesse texto é “criado” dentro do homem, e sabemos como: o sopro de Deus, neshamah criou esse espírito, chamado mais comumente de ruah na Bíblia, que tem nesse contexto o mesmo sentido de alma, que tem a personalidade humana. Os termos hebraicos neshamah e ruach são usados intercambiavelmente, e o contexto é que estabelece o sentido e não há qualquer necessidade de frisar um sentido técnico para os mesmos.

Isso concorda que o espírito é parte do homem, que está conforme outra passagem onde o espírito conhece o homem, e onde Deus é chamado de Pai dos espíritos, em contexto que afirma que o espírito do homem é consciente e não apenas energia, e por fim onde os espíritos em prisão são de fato almas humanas.

Dessa forma, Deus cria (verbo yatsar) o espírito do homem, que portanto não pode ser a energia do homem, ou somente isso, mas parte do seu ser, quando foi criado, sendo modelado da terra e tendo o espírito criado dentro dele, com sua parte consciente, imaterial. Parece que o holismo não pode refutar isso.


O espírito como o fôlego da vida

Para esse tópico são poucas as considerações que devem ser feitas. Basta pensar que na criação Deus não soprou o fôlego de vida para dentro do homem como energia apenas, como se o fôlego fosse dado ao homem para que vivesse, mas que o fôlego foi o criador do homem, dando tanto a energia para a vida como a própria substância humana, criando o corpo a partir da matéria terrestre e a alma a partir do poder de Deus de criar coisas imateriais.

Dessa forma o fôlego de vida não é a alma, mas cria a alma. Isso é expresso em Zacarias 12, 1, onde o Deus é mostrando como criador do espírito dentro do homem, e não como apenas dando a energia que já existe para dentro do homem. A energia que vem de Deus mantem o homem vivo no sentido de evitar a separação corpo e alma. Então,  neshamah e ruach nas inúmeras passagens tratadas no livro não são de fato a alma. Em Gn 2,7 a neshamah mas cria a alma.

Em Jó 32, 8, citado no livro, o espírito é dito dar entendimento. Esse espírito é tanto neshamah como ruach, e não é apenas energia, mas a própria personalidade do homem, inteligência, razão, intelecto, cognição, pode-se dizer, já que o espírito dá entendimento também, não somente vida, como está em Jó 33, 4. É como afirmar que em cada ser humano o espírito é diferente. É a personalidade humana. Não se diz no contexto nada sobre mortalidade ou imortalidade, mas o sentido está mais próximo ao da vida física na terra, e não tem conotações que permitem entender a essência da alma humana.

O Espírito de Deus me fez, afirma a Sagrada Escritura, corroborando o que foi explicado acima, que esse espírito de Deus é criador, criando o ser humano, e não apenas dando energia vital. É uma diferença bastante sutil.

E, por fim, o livro cita a Concordância de Strong, dando vários significados de neshamah, onde um dele é espírito (do homem). São citados respiração, fôlego de Deus e do homem, tudo o que respira e espírito do homem, mais especificamente para entender que há em certas passagens algo mais específico que indica a presença da alma imortal no ser humano. O contexto é que estabelece o sentido e não apenas o termo ou o seu uso.


O fôlego da vida como a respiração

Quando se entende que o espírito divino criou a alma, muita coisa se torna mais simples. Assim, a respiração no nariz não é a alma no nariz, no sentido de espírito imortal nas narinas. De fato, nisso o livro não tem nada a acrescentar, mas apenas de dar oportunidade de entender melhor o sentido do termo como usado na Bíblia, e como é entendido na cultura hebraica dos tempos bíblicos.

Em Is 2, 22 a neshamah é a vida do homem, o fôlego, a vida física, um sopro nas narinas, que pouco valor tem. É óbvio que o contexto não mostra que esse espírito é a alma, mas apenas a vida na terra. Não obsta nada contra a imortalidade da alma.

Em muitas passagens o espírito dá a respiração, é a respiração, mas não se reduz a isso em todas as vezes que aparece na Bíblia.

Gledson Meireles.