A visão pessimista do ser humano, da natureza humana, e a consciência da maldade humana, são coisas que Lutero aprendeu enquanto era católico. Ser pecador é uma realidade que o cristão católico tem sempre diante de si, em sua consciência e em sua constante confissão: sou pecador Senhor, tende piedade de mim. Perdão, Senhor. Perdoai-nos, Senhor. Perdoai-nos as nossas ofensas. É a oração constante da Igreja.
A
visão pessimista do ser humano e a verdade da graça estão sempre diante de nós.
Talvez o sentido do perdão, como concebeu Lutero, enquanto era padre, foi
equivocado, em certa extensão. De acordo com Tiago Cavaco, o perdão a ser
alcançado pelo homem, segundo o ensino católico, é feito através das boas obras
que compensem a más. Mas isso é uma coisa que não se encontra na Teologia
Católica. Se tal é o conceito de Lutero, e se essa análise do pastor batista
estiver correta acerca do reformador, e se essa é a forma e concepção de perdão
que o pastor imagina ser ensinado pela Igreja, tal ponto deveria ser um dos
principais a serem estudados, para desfazer tal equívoco.
O
homem não pode por suas próprias forças deixar de pecar. Não pode oferecer
obras que comprem o perdão, ou que compensem suas faltas. Então, o que fazer?
Lutero pensou ter lido na Bíblia que o justo viverá somente da fé. O que isso
significou para ele? Que somente a fé salva, e que a necessidade de santificação
não teria a ver com salvação, embora fosse ligado a ela. Tal concepção parece a
doutrina bíblica, mas não é. De fato, a Bíblia ensina que sem santidade ninguém
verá a Deus, ensinando a obrigação de santificação durante da vida. O salvo
viverá da fé, e das obras, mas não somente da fé. Eis a questão. A separação da
justificação da santificação, ao invés de lançar os olhos para Cristo, tem o
resultado de enfraquecer no homem a busca pela santidade.
Alguém
dirá que quanto mais se sente livre em Cristo, quanto mais sente que suas obras
não podem salvar, mas se lançam a praticar boas obras em resposta à salvação
recebida. No entanto, isso não acontece. Basta ver o quão é difícil para o
Protestantismo gerar santos como o catolicismo. E sabemos que o Catolicismo
ensina que todas as nossas obras são dons de Deus. Mas, o sentido de pecado e
de graça é tão poderoso, que os santos sabendo serem livres para amar,
entregam-se tanto à graça, que não têm como suas nenhuma das boas obras,
concebendo tudo como pura graça divina. O que Lutero intencionou fazer, os
santos católicos heroicamente conseguem, não eles, mas a graça de Deus neles,
parafraseando São Paulo.
E
o próprio Lutero viveu a amargura do pecado, nos seus dramas íntimos. Isso não
é restrito à sua vida de jovem, nem de membro da ordem de Santo Agostinho, nem
como monge ordenado sacerdote, mas principalmente após sua saída da Igreja,
quando viveu a doutrina da justificação pela fé somente. Foram anos difíceis
para o reformador. Não encontrava paz na alma. Lutero via no povo menos
espírito piedoso, confessando que sob o Catolicismo o povo era mais preocupado
em praticar boas obras.
A
vida de Jesus, nosso maior modelo, é cheio de exemplos de exercícios
espirituais. Quantas vezes nosso Senhor afastava-se dos afazeres diários, da
companhia dos outros, para orar a sós, na montanha, em lugar reservado. Era
viver o sagrado, extraordinariamente, e não somente o profano.
Lutero
confessa às vezes, por sua vez, não ter tempo para orar. Sua vida diária, que
na sua teologia deveria ser a vida cristã em sua essência, sem necessidade do
extraordinário, onde o comum é tudo, trazia-lhes esses momentos de sofrimento,
em que via-se caído em suas fraquezas. Ao contrário, a vida dos santos
mostra-os santificando cada momento, e vivendo a oração de forma profunda. Há
momentos em que o extraordinário deve estar presente. Justificação e
santificação são dois lados da mesma moeda. Inseparáveis.
A
justificação do pecador que crê em Cristo é para Lutero algo situacional, como
que mudança de lugar, e não mudança no interior da pessoa justificada. Assim, o
pecador é declarado justo, e não o é em si, mas justo por imputação, tendo a
justiça de Cristo sendo considerada no lugar da sua. No processo de
santificação a pessoa iniciaria o processo para ser realmente santo.
No
Catolicismo, tanto a linguagem jurídica quando a real transformação são
ensinadas. O pecador é declarado justo no tribunal, e a justiça de Cristo é
derramada no interior do pecador, que inicia, pelo impulso da graça, como justo
e santo, o processo da própria justiça e santificação.
Na
perspectiva de Lutero era como se o pecador, ainda que cometendo pecado,
deveria lançar o olhar para Cristo, e ver que aquele pecado não o leva à
condenação. Na perspectiva bíblica e católica, o que comete pecado deve
arrepender-se, confessar-se, e temer a queda, pois o que semeia na carne só
colhe corrupção, que é condenação (cf. Rm 7 e 8). Não se está negando que
Lutero não tenha ensinado o arrependimento e confissão, mas há o paradoxo que
em Lutero o pecado parece menor em sua ação. Afaga mais o ego essa espécie de pensamento.
Deixa a consciência mais adormecida.
Por
isso, os santos católicos não se desesperam da salvação, e não podem cair na
presunção, por crerem na graça, e crescem esplendorosamente na santidade. Tal
coisa é rara em meio protestante e reformado, onde todos creem ser justos e
santos igualmente, a partir da justificação, e que a santificação não contaria
na salvação! Para o cristão católico ninguém é perfeito, mas devemos buscar a
perfeição, e viver fé ativa, na caridade, em oração e boas obras, temendo e
tremendo diante do Senhor, que nos faz justos e santos, em todo o nosso ser,
corpo alma e espírito (1 Ts 5, 23).
Talvez
seja por isso o pragmatismo protestante. O santo é aquele que age, que faz algo
pelo mundo, que contribui para que algo aconteça, para o bem da sociedade, enquanto
que para o catolicismo o santo faz tudo isso, mas é santo quando heroicamente
vence em si o pecado, com auxílio da graça de Deus e iluminação do Espírito
Santo. É santo o que mortifica suas paixões pecaminosas, que vence o ego
decaído, e frutifica em bons frutos. E somente sobem aos altares os que tem exemplos
de virtudes heróicas que ajudarão os irmãos a trilharem os santos caminhos.
Não
parece exato o que o pastor explica sobre a doutrina da justificação ensinada
pela Igreja Católica. Ele afirma que no batismo são expulsos os hábitos do
pecado, e não sei ao certo onde se baseou para escrever isso. Talvez seja
apenas uma explicação incompleta. Talvez palavras mal colocadas. Seria bom ter
o esclarecimento do autor sobre isso.
Não
é somente santo o que menos pecados comete, e o que se priva dos divertimentos
do mundo. É verdade que o santo comete menos pecados! É verdade que o santo não
se mistura com o mundo! Mas, olhando para o catolicismo, é um exemplo de como
isso funciona na prática. Veja os exemplos de seminaristas que são formados
durante anos nos seminários, e se divertem jogando futebol, ao passo que há
pouco tempo em ambientes mais puritanos e pentecostais jogar futebol e assistir
televisão era abominável!
Então,
outra questão que se deve frisar nessa diferente postura de um católico e um
protestante ao falar da salvação, é que o católico teme a presunção. Assim,
como a Bíblia nos ensina que devemos ter cuidado ao julgar estar de pé, para
não cairmos. Por outro lado, o católico se firma em Deus que é poderoso para
nos salvar.
Obviamente
a salvação não pode depender das obras, e isso a Igreja Católica definiu,
diante das críticas protestantes, claramente no Concílio de Trento. No entanto,
é preciso notar que o homem realmente pratica boas obras, (cf Ef 2, 9-10)
quando é salvo, e que essas são importantes para entrar na glória. É disso que
estamos falando quando o assunto é boas obras.
Se
a cultura atual tem se esquecido do pecado, a fonte dessa desorientação é
outra. Não se trata de encontrar uma doutrina mais doce no catolicismo, por
exemplo. Não há como falar mais sobre essa realidade do que no Catolicismo,
onde todos os dias nos confessamos pecadores e pedimos o perdão de Deus. Isso
está em nossas orações, cânticos e liturgia.
A
maldade está esquecida no mundo. Lutero pode ajudar nesse trabalho de pregação
sobre o tema. Mas a Igreja Católica tem o meio mais eficaz de o fazer, como
sempre tem feito. Os católicos nutrem-se do evangelho reconhecendo-se pecadores
necessitados do perdão.
Os
protestantes podem recuperar o evangelho se lerem o Catecismo católico. A
retomada do estudo da patrística, de santo Agostinho, e mesmo de são Tomás de
Aquino por pastores e teólogos protestantes tem auxiliado nessa aproximação da
verdade sobre vários assuntos.
Por
que será que os descendentes de Lutero perderam muito a consciência do pecado?
E como o autor do livro pôde reconhecer que os cristãos medievais eram mais
humildes, sem tocar na origem desse romantismo que tem crescido no
Protestantismo? Em outras palavras, por que os protestantes são mais
influenciados por essa nova tendência de otimismo que desconsidera o pecado? É
hora oportuna de conhecer melhor a doutrina católica.
Gledson
Meireles.