O pastor Granconato afirmou que Santo Agostinho e Santo Irineu são seus santos padroeiros. Como entender essa afirmação do pastor e como tirar lições para o sentido da nossa devoção aos santos?
quarta-feira, 30 de dezembro de 2020
quarta-feira, 9 de dezembro de 2020
Livro sobre o Catolicismo: comentário - parte 1
Notas sobre o livro:
NOGUEIRA, Rafael. O Catolicismo Romano e a Bíblia. São
João del Rei-MG, 2012.
Introdução
O autor é ex-católico que logo na juventude ouviu uma mensagem que o afastou da Igreja. Afirma que serve a Deus “em uma Igreja Evangélica”, e seu livro tem objetivo de dar oportunidade para os católicos escolherem no que querem crer.
Sua vontade foi
de produzir um livro apologético para uso dos protestantes e também para
leitura dos católicos, e acredita que o Espírito Santo o auxiliou em sua
tarefa, o que mostra sua sinceridade. Nas páginas que seguem abaixo serão
estudados os argumentos do autor e mostradas as verdades da doutrina católica.
Certamente, o que o
autor afirma é uma verdade: difícil é tomar decisões e fazer escolhas. Imagine
o próprio autor lendo as seguintes páginas e revendo sua base de fé e
encontrando pelo menos um argumento que o deixe sem resposta, e que se torne
ocasião para procurar responde-lo, e que dessa forma prepare sua entrada na
santa Igreja Católica? É uma possiblidade. Muito difícil, porém. Para aqueles
que não querem pensar e refletir, isso é um obstáculo quase intransponível.
Humanamente falando não se pode esperar muito, mas o Espírito Santo sopra onde
quer.
Entrar pela porta
estreita para trilhar o caminho de Jesus (cf. Mt 7, 13-14) na Igreja Católica é
a mais espetacular decisão. Não é fácil, certamente, porque exige carregar a
cruz e seguir Jesus de uma forma singular: na Igreja que guarda o depósito da
fé. Isso será mostrado no estudo a seguir.
Para os que lerem o
breve estudo do livro O Catolicismo
Romano e a Bíblia terão oportunidade de examinar os dois lados e
certificar-se se está na fé (cf. 2 Cor 13, 5).
De fato, não é apenas
uma leitura da Bíblia e de achados cruciais da doutrina salvação que irão
decidir o futuro do leitor. Isso é fundamental, mas claramente todos concordam
que haverá mudança de parecer e de vida para acomodar-se ao Evangelho. E cada
um está certo de que não pode estar em qualquer religião e qualquer igreja.
Muito menos permanecer na irreligião. Por isso, a atitude após conhecer a
verdade mostra os frutos de arrependimento.
O leitor será capaz de
perceber que a doutrina da Igreja Católica é a doutrina de Jesus, é a própria luz
para o nosso caminho (cf. Sl 119, 105).
O autor afirma que
confrontou a doutrina da Igreja Católica com a Bíblia de forma simples e
humilde, e que o uso dos textos bíblicos feito pelos católicos está errado. O
leitor terá oportunidade de verificar isso, de forma bastante resumida, mas que
o Senhor Jesus queira que seja o suficiente para suscitar o desejo de continuar
o estudo da Palavra de Deus.
Capítulo
1: A Sagrada Tradição
A Igreja Católica não
ensina que a é permitido propor novas doutrinas, nem que a revelação continua,
mas que com a morte do último apóstolo a revelação oficial de Deus foi
encerrada e não há mais doutrinas a serem reveladas. Esse ponto é o primeiro
que se deve ter em mente, e para quem leu o livro que está sendo analisado aqui
verá que ele afirma que a Igreja ensina que tem autoridade de propor novas
doutrinas, o que não é correto.
O que a Igreja Católica
faz é estudar a Escrituras e tradição apostólica e definir as verdades já
reveladas, em tempos que exigem isso, esclarecendo-as. Isso todas as outras
igrejas protestantes também o fazem, de alguma forma, pois sempre estão
trazendo novas luzes no entendimento de certas verdades. Um exemplo disso é a
interpretação feita pelo dispensacionalismo. Algo recente.
Outra divisão é aquela
de erros e heresias, onde os erros doutrinais não teriam a gravidade de afetar
a salvação, o contrário das heresias. Também recente. Essas coisas não fariam
da palavra de homens uma autoridade acima da Palavra de Deus?
Onde está na Bíblia a
doutrina do dispensacionalismo que divide a Palavra de Deus aplicando versos
bíblicos a Israel e à Igreja como sendo de diferentes dispensações? Onde está
escrito que o batismo deve ser feito apenas a partir de certa idade, e que é um
testemunho público de conversão? Não são esses entendimentos da tradição
protestante? Pense nisso.
Esses entendimentos e
interpretações existentes no interior do Protestantismo mostram que todas as
igrejas estão de certo modo propondo novas interpretações da Bíblia para os
fieis, e que essas formulações têm influências na vida espiritual de salvação
daqueles que creem nelas.
Uma correção: os
sucessores dos apóstolos não são somente os papas, mas todos os bispos. Isso
não significa que todos são apóstolos, mas que levam historicamente e
doutrinariamente a mesma mensagem que Jesus e os apóstolos ensinaram.
Para o protestante a
tradição está agora escrita na Bíblia e não existe mais outra fonte. Por isso,
o que lê em 1 Cor 11, 2 e 2 Ts 2, 15 é entendido por “tradição” como o que já
foi escrito. No entanto, toda a revelação suficiente para a salvação está na
Bíblia, e o que foi deixando na tradição é uma luz interpretativa das
Escrituras, mostrando que o que foi ensinado desde o início permanece hoje. A
Bíblia não pode ficar à mercê da interpretação humana, e por isso a tradição
mostra como ela foi entendida desde os primeiros dias. As heresias que surgem
são facilmente detectadas quando se faz um estudo da fé cristã desde os dias
apostólicos. Veja como a Igreja que Jesus fundou ensina o evangelho em todos os
séculos. Pense nisso.
A verdade está completa
e ao alcance de todos, mas os bispos devem zelar pelo rebanho (cf. Atos 20,
28). Aí está a necessidade do magistério.
Esclarecendo um
mal-entendido. O caso do celibato não se trata de nova revelação. Não é uma
doutrina recente, mas uma disciplina antiga da Igreja. O autor aponta a data de
1074 como instituição do celibato e pergunta por que não foi aplicado antes?
Será que isso surgiu como revelação de doutrina nova em 1074? A resposta
simples é não.
A verdade é
fundamental, e está na Bíblia, desde o tempo de Jesus. O que a Igreja faz é
fazer normas disciplinares que contemplem o ensino do evangelho. E para isso a
Igreja tem autoridade, porque faz essas normas baseadas na verdade.
Dessa forma, como Jesus
e os apóstolos foram celibatários, e existe o dom do celibato, principalmente
para os que ocupam-se com as coisas do Senhor, como revelado nas Escrituras, a
Igreja desde o início tem com grande afeição esse estado de vida, e a tradição
mostra que a tendência foi de sempre optar pelo clero celibatário.
A Igreja tem autoridade
para adotar certas disciplinas, como essa que tem respaldo nas Escrituras e
ajuda a melhor servir a Jesus, como fez e aconselhou, inspirado pelo Espírito
Santo, o apóstolo São Paulo.
Sobre
o carisma da verdade
Será que as igrejas
protestantes reconhecem que a Igreja Católica possui a verdade do evangelho da
mesma forma que elas? Se a resposta for sim, não há porque continuar a análise.
Se a resposta for não,
então isso afirma que as igrejas protestantes possuem a verdade. Afirma que só
essas igrejas estão cumprindo a missão de zeladoras da verdade cristã. Por
isso, não podem afirmar que o Catolicismo é exclusivista.
Quanto à afirmação de
que a revelação tem caráter gradativo. Essa afirmação é feita por estudiosos
protestantes que estão interpretando documentos católicos, e não pelos próprios
documentos católicos, pois a Igreja afirma que a revelação foi fechada com o
Apocalipse, o último livro da Bíblia.
Mas, afirmam isso
citando o seguinte trecho do documento Dei Verbum: “Com efeito, progride a
percepção tanto das coisas como das palavras transmitidas, [...] com a sucessão
do episcopado, receberam o carisma da verdade. Isto é, a Igreja, no decurso dos
séculos, tende contìnuamente para a plenitude da verdade divina, até que nela
se realizem as palavras de Deus.” (Concílio Vaticano II, Dei Verbum, parágrafo
8)
Vamos estudar esse
parágrafo, fazer uma exegese dele, e depois voltar à interpretação acima e
comparar, vendo se ela está correta ou não.
O documento Dei Verbum, no parágrafo 8, inicia
ensinando que a “pregação apostólica” é expressa especialmente na Bíblia. Isso
mostra que a verdade que os apóstolos ensinavam oralmente foi escrita! Isso
mesmo, foi expressa na Bíblia de modo especial, porque está ali registrada por
inspiração do Espírito Santo.
Então, afirma que tudo
o que os apóstolos ensinaram contribui para o crescimento da fé do povo de
Deus, e que a Igreja continua na sua doutrina, vida e culto a ensinar o que
acredita. Muitas coisas que são tidas na liturgia e nos costumes, por exemplo,
são de origem apostólica. Não foram escritas na Bíblia, mas praticadas desde o
princípio, e foram assim consideradas. Os escritos patrísticos mostram, por
exemplo, que o batismo perdoa os pecados, e que as crianças eram batizadas.
Isso é um fato. Também é fato o reconhecimento de que isso é de origem
apostólica. Portanto, a tradição de batizar os bebês, uma prática que foi
deixada por correntes que interpretam diferente o texto bíblico.
Depois, o texto do
documento Dei Verbum explica que a
tradição apostólica progride. Como entender? É só continuar a ler o documento,
que mostra que se trata da progressão da percepção dos crentes, através da
contemplação e estudos, por exemplo, dentre mais outras coisas. A plenitude da
verdade divina tem a ver com a compreensão da Igreja, e não com o progresso da
revelação. Tudo está revelado, mas a Igreja vai crescendo no conhecimento.
Alguém nega isso?
Como entender então o
dispensacionalismo ensinado por tantos grupos, que não era assim ensinado
século atrás? A própria doutrina da salvação pela fé recebeu tantos enfoques e
cresceu tanto em entendimento que não é possível que os primeiros cristãos
tivessem noção dessa verdade como tem um teólogo protestante, fazendo distinção
entre justificação – forense e santificação, por exemplo.
Então, ensina a
Constituição Dogmática Dei Verbum que
pela tradição conhecemos os livros sagrados, a Bíblia. De fato, para esse
conhecimento perfeito foi necessário muito tempo. Não há como negar. E
continuar: “e a própria Sagrada Escritura entende-se nela mais
profundamente”.
Ou seja, a Bíblia é mais entendida enquanto a Igreja caminha na história.
Assim, quando se diz
que “introduz os crentes na verdade plena” não se fala de outra
revelação, de nova doutrina, mas na maior compreensão de passagens bíblicas.
Muitas coisas podem ser
ditas. Por exemplo, há os que creem que os dons do Espírito Santo como foram
revelados em Pentecostes continua na Igreja, enquanto outros, usando a Bíblia,
afirmam que não. Isso porque seguem tradições diferentes. Se o texto bíblico
fosse totalmente claro, não teriam dúvidas. Mas, afirmam que essas coisas não
afetam a salvação, mas que as diferenças com o catolicismo afetam! Quem separou
as doutrinas que podem ser divergidas, que são erros e não afetam a salvação ou
que são heresias e que afetam a salvação? Foram intérpretes, pois a Bíblia não
possui tal lista.
Em quem você crê, na
Bíblia e na tradição apostólica que mostra o que é importante e o que não é, ou
em tradições recentes que interpretam a Bíblia da outra forma como
exemplificado acima? Isso serve para mostrar que devemos seguir a Bíblia em sua
imutável verdade.
Os cristãos em geral
interpretando a Bíblia não possuem a infalibilidade. Assim, caem em muitos
erros. Dessa forma, devemos ter maior certeza, como Jesus quer que tenhamos.
Respondendo aos
argumentos. O número 1 não é forte, já que o cânon judaico, historicamente
comprovado, foi fechado em fins do século 1.
O argumento 2 também
não conclui nada, já que para alguém que não crê nas Escrituras, qualquer que
seja o livro, encontrará “argumentos” contra supostas lendas, erros e etc.
O argumento 3, de que o
anjo mentiu, isso não está conscrito nos parâmetros bíblicos, que não tem a
passagem como mentira. De fato, o anjo revela sua identidade depois. Homens de
Deus também mentiram, embora não tenham pecado por isso, como Abraão, que
mentiu sobre Sara, temendo a morte. Ver as circunstâncias e como fato é tratado
pela Escritura. Os demais argumentos são respondidos em bons sites apologéticos
(ver: apologistas católicos).
A tradição é o único
meio para conhecer o cânon. Como julgar a tradição de ter inserido livros
apócrifos quando se adota a tradição para defender um cânon mais restrito?
A respeito da
intepretação da Bíblia, é sabido que não há lugar no Protestantismo para
interpretar a Bíblia contra o sentido dos cinco solas, por exemplo. Não há como
um protestante interpretar a Bíblia e ser aceito se ele vier a ensinar
doutrinas que contrariam o Protestantismo histórico.
A Bíblia em si não
depende de nada para se manter, pois é a Palavra de Deus. Para a entendermos
bem é que a tradição e o magistério funcionam. Assim, a tradição e o magistério
protestante estão sempre explicando as Escrituras para os fieis.
Capítulo
2: Sobre o papado
A pedra da Igreja é
Cristo. O papa é a pedra em um sentido diferente, e ele não tem pessoalmente o
dom da infalibilidade em tudo o que diz. Também não é um apóstolo, nem é
inspirado como os apóstolos foram para escrever a Bíblia. Então, a questão do
papado é bem diferente do que muitos pensam.
Quanto à intepretação
do texto de Mateus 16, 18, ele é bem claro quanto a tratar-se da Pedro. Não há
como negar. Por isso, as refutações breves dos argumentos: Jesus não disse
“sobre ti edificarei a minha Igreja” porque Ele estava dando um novo nome da
Simão, e esse nome era Pedro, que na língua falada por Jesus é Kepha, o mesmo que pedra. Jesus
pronunciou duas vezes a mesma palavras: Tu é Kepha e sobre esta Kepha... O
grego traduz Petros e Petra, inspirado pelo Espírito Santo, sem introduzir
qualquer novidade, apenas modificando Petros para adequar-se à regras
gramaticais para nomes em grego, que terminam em regra por as, es, is, os, us.
E o termo Petros tem o mesmo sentido de petra
em muitos contextos. O termo kephas
não está no texto grego porque é uma palavra aramaica, mas está na passagem,
porque é o original que Jesus utilizou, que por isso foi algumas vezes
transliterado para o grego como Cefas, como está em outros livros do Novo
Testamento. Jesus falou em aramaico,
e somente depois o evangelho foi escrito em grego
trazendo os termos petros e petra para traduzir kephas. Esse argumento é irrefutável.
Jesus é a Pedra em
sentido diverso, mais profundo, fundamental, absoluto. Pedro é pedra como chefe
da Igreja em seu aspecto ministerial.
O contexto imediato
mostra Jesus referindo-Se somente a Pedro, e não a pequena ou grade pedra, já
que Ele falava aramaico e somente um termo foi usado no idioma original. Já no
grego também tudo se refere a Pedro naquelas palavras de Jesus.
Pode haver duas pedras?
Sim, se forem em contextos diferentes. Assim, os apóstolos são o fundamento da
Igreja em Ef 2, 20, ao mesmo tempo que Jesus é o fundamento da Igreja em 1 Cor
3, 11, e Pedro é o fundamento da Igreja em Mt 16, 18. São contextos diferentes.
Na interpretação do
livro, Pedro seria pedra no sentido de representar os demais cristãos. Isso de
alguma forma mantem o fato de que Pedro é pedra, pois contra fato não há
argumento. No entanto, o contexto mostra que Jesus chamou Simão de Pedro para
edificar Sua Igreja, e não apenas para fazê-lo primeira pedra ou pedra de
representação. Tudo isso pode ser entendido a partir do fundamento pedra, que
na passagem de Mateus 16, 18 é Pedro.
As chaves do reino são
símbolo de autoridade espiritual para governar a Igreja como chefe visível.
Pedro, em primeiro, depois o colégio apostólico junto dele. Não se trata de
chaves literais para admitir ou expulsar, mas para bem governar a igreja.
O autor reconhece que o
Papa não pode fazer doutrina e impor à Igreja. Correto. Reclama, porém, que o
poder do papa não pode ser questionado. Claro, pois Jesus afirma que Pedro é o
pastor das ovelhas e carneiros, o que mais poderia ser esperado dos cristãos
obedientes a Cristo? Se o papa não impõe novidade, ele tem poder na verdade. E
assim, deve ser obedecido. Não pode ser obedecido se ensina algo contrário ao
que Jesus ensinou. O poder vem de Cristo, mas é exercido pelo colégio
apostólico com Pedro, ou seja, os bispos em união como papa.
O papa não pode ensinar
nada que não seja bíblico e que tenha respaldo na tradição. Os cristãos nunca
foram permitidos escolher o que crer, pois isso é ser herege. Então, analisar
tudo e ficar com o que é bom tem a ver com revelações particulares, profecias
particulares, e não com a doutrina bíblica pregada pelos apóstolos. Assim, os
bereanos de Atos 17, 11 não eram cristãos ainda quando examinavam as
Escrituras, mas judeus que ouviam a pregação a respeito de Cristo. Quando
converteram-se criam tudo o que os apóstolos pregavam, com obediência.
A infalibilidade da
Igreja é entendida como a promessa de Cristo de que as portas do inferno não
prevalecerão contra ela. O erro e a heresia são do inferno, e por isso não pode
entrar na Igreja Católica e ser estabelecido por ela para todos crerem. Assim,
a Igreja é infalível porque está ancorada em Jesus Cristo.
Agora, uma resposta
rápida às questões finais do capítulo: o Catolicismo segue o original bíblico
para fundamentar a doutrina do primado de Pedro; o apóstolo Pedro inegavelmente
tinha primazia entre os apóstolos; o papa tem poder sobre a Igreja como
ministro, incumbido dessa missão por Jesus, na pessoa de Pedro; as indulgências
não foram consideradas pecado, mas o abuso das indulgências, a venda delas, é
que foi pecado grave; a Igreja é infalível, por promessa de Cristo, os
apóstolos eram infalíveis, para escrever e pregar o evangelho. Não eram
impecáveis, o que é outra questão; o poder das chaves é autoridade de governo
espiritual na Igreja.
Capítulo
3: Sobre a Igreja
Se o reino de Deus
está, hoje, dentro de nós, identificando os cristãos já se tem acesso onde está
o reino. Jesus afirmou que esse reino não é temporal, mas espiritual.
Não se pode afirmar que
a Igreja seja apenas um sistema, mas que é uma sociedade, pois se trata de
pessoas. Isso mesmo. No entanto, há um corpo de verdades que essa sociedade
tem, e que deve ser guardada. Quando se fala de Igreja Católica há uma
sociedade que professa uma fé, e essa deve ser crida, preservada e anunciada.
Por isso, é inócuo
afirmar que não é membro de sistemas, instituições, mas da Igreja viva de
Cristo, pois todos temos um credo para professar, regras para viver, e etc.,
que fazem parte dessa vida cristã.
Por isso, fazer parte
do corpo espiritual de Cristo é ser Igreja viva, visível, operante, que vive o
evangelho, os mandamentos de Deus e o testemunho de Jesus, nesta dispensação
final da Igreja de Jesus.
A Igreja é aquela que
se submete à Palavra de Deus. Correto, pois sabemos que a única Igreja foi
fundada por Jesus Cristo.
Por que não há uma
Igreja de placa, física, visível? A resposta está simplesmente porque a Igreja
é única, e sendo assim não há necessidade de placa etc. Nomes servem para
identificar, entre iguais, mas a Igreja não recebeu um nome próprio porque é
única. Ela tem notas, como a universalidade (católica), santidade (doutrina
santa pelo fundador Santo), apostolicidade (pela pregação dos apóstolos) e
unidade (unida na mesma fé). As notas são mais eficazes que os nomes. Fazer
parte da Igreja de Cristo já é estar na religião de Cristo, no cristianismo
histórico, no sistema religioso cristão, na instituição Igreja, etc.
Por isso, quando Jesus
deixou a Igreja, que deve aprender do Seu evangelho, ser batizada, orar sem
cessar, reunir-se em Seu Nome, celebrar a Ceia do Senhor, obedecer os
mandamentos, zelar pelo próximo, cuidando dos órfãos e viúvas, viver em
comunhão, esperar a consumação do reino, e etc., já estava mostrando o que era
a Igreja: uma sociedade espiritual. Basta entender a pequena semente de mostarda
se tornando grande árvore. Aí está o sistema religioso Jesus Cristo. É muito
simples.
Capítulo
4: Sobre a oração aos santos
Os protestantes não
oram aos santos. Caso entendido. No entanto, o que entendem sobre isso? O livro
tem a afirmação de que os mortos deixam de fazer parte do corpo de Cristo, mas
não da Igreja. O que é problemático é que a expressão corpo de Cristo não quer
dizer algo temporal, físico, natural, mas algo sobrenatural, e que significa a
Igreja. Então, a afirmação está errada.
Falando de Jeremias 15,
1 e Ap 6, 9, afirma, desse último texto,
que os ali referidos não são santos, mas os que chegaram da grande tribulação.
Na verdade, o autor esqueceu que todos os cristãos são santos, e de modo
especial os que morreram por Cristo. Então, o texto fala de santos.
De forma breve pode-se
afirmar que a intercessão dos santos no AT não pode ser igual à do Novo porque
os santos estavam no sheol, e não no
céu, como estão agora. A morte tinha um destino diferente, por isso o
Apocalipse afirma que felizes os que de agora em diante morrem no Senhor. Outra
coisa, se não aparece os apóstolos orando aos santos que já haviam falecido no
Novo Testamento não é prova contrária, é apenas um silêncio, e do silêncio não
se pode formular uma lei. Outros fundamentos na Bíblia mostram a intercessão
dos santos.
Para que mais
intercessores? Essa pergunta é como se a ajuda dos santos do céu fosse
supérfluo. Os santos não são ídolos, mas servos do Deus Altíssimo.
A ideia de que o corpo
de Cristo é apenas para os cristãos na terra não tem respaldo bíblico. Da mesma
forma a Igreja é chamada de noiva de Cristo, e no Apocalipse a noiva que subiu
ao céu desce à terra transformada. Essas imagens e metáforas para se referir à
Igreja são válidas, esteja a Igreja na terra ou no céu. Parece que esse
argumento usado no livro não é bíblico.
Pelo que foi visto até o momento, o autor ignora muitas coisas da doutrina bíblica, e por isso não as compreende.
Gledson Meireles.
segunda-feira, 7 de dezembro de 2020
A virgem Maria: mais comentários
Outro
comentário a respeito do livro O papado e
o dogma de Maria.
Parte
1:
O pastor afirma que o culto a Maria é uma desonra, uma ocasião de pecado, e que
foi introduzido na Igreja depois que levas de pessoas não-convertidas entraram
no cristianismo. Em primeiro lugar, o culto a Maria é reconhecer sua grandeza
como mãe de Cristo, serva de Deus, modelo para a Igreja, que tem-na, a exemplo
de Cristo, como mãe. Então, o culto a Maria só pode honrá-la. Ainda, com o
Edito de Milão não houve conversão em massa, mas as mudanças que ocorreram
foram aos poucos facilitando as conversões, mas não há qualquer alusão de que a
mariologia como a conhecemos hoje tenha sido gerada pelos motivos acima.
A respeito do título
mãe de Deus como relacionado à frase inspirada e bíblica de mãe do meu Senhor,
tudo está muito claro quando se tem em conta que o Senhor ao qual Isabel tinha
em mente era o Deus de Israel, e que o Espírito Santo referiu-Se ao Filho do
Altíssimo, sendo também da mesma natureza do Pai. É por isso que sendo o Filho
o mesmo Deus, Maria é de certa forma Sua mãe. E qual forma é essa? A da
natureza, que é o meio da humanidade de Maria em relação a Cristo. Ela não é
mãe da natureza de Cristo, mas mãe da Pessoa de Cristo segundo a natureza
humana.
A ideia de que Maria
ser mãe de Deus implica em que ela precedeu a Deus não é doutrina cristã
católica. O autor parece não conhecer isso.
A doutrina da imaculada
conceição está de acordo com a Escritura pois ensina que Maria é filha de Adão,
e foi preservada do pecado, o que é o mesmo que salvação, e essa salvação foi
efetuada pelo sangue de Jesus Cristo. A explicação de que Jesus é semente da
mulher por si só não explica o motivo dEle não ter sido gerado com pecado
original. Por isso, a Igreja foi tomando consciência de que Deus agiu na pessoa
de Maria purificando-a totalmente para afastar qualquer pecado da mãe do
Senhor. Ela foi salva por Deus (cf. Lucas 1, 47).
Diz o pastor que os
apóstolos não oraram a Maira e nem falaram de Maria. Esse “silêncio” seria uma
reprovação ao culto mariano. Mas, pelo contrário, quando há silêncio significa
que o assunto em questão era pacífico e não o contrário. Muitas doutrinas que
não mereceram atenção são aquelas das quais não havia dúvida alguma. Isso
porque a maior parte do Novo Testamento foi escrita para tratar de questões
controvérsias.
Interessante que para
falar contra a virgindade perpétua de Maria, o pastor usa 1 Coríntios 7, 5,
como se não ter relacionamento conjugal fosse “desobediência” a um mandamento
divino, quando o texto não diz isso, pois é dito que os casais devem ter
momentos de privação do direito conjugal para oração, e não devem ficar assim
por muito tempo porque ficariam à mercê das tentações do Demônio, e não porque
Deus havia ordenado que devessem voltar a unir-se.
Também, primogênito não
significa um entre outros, mas o primeiro gerado, somente isso. Caso seja filho
único, continua sendo primogênito.
Por isso, afirmar que
“há provas” na Escritura de filhos de Maria não é correto.
Outra questão é que a
palavra usada para primo é anepsios,
e que isso provaria que os irmãos de Jesus não eram primos, é uma questão
inócua. Isso já foi discutido em outro artigo, que prova que Maria não teve
outros filhos.
A respeito do dogma da
assunção, deve-se entender toda a questão sobre a imaculada conceição e suas
implicações, as referências bíblicas a respeito de Maria, e as afirmações
históricas. Maria foi elevada ao céu.
Parte
2:
A primeira observação que o pastor faz da anunciação do anjo Gabriel à virgem
Maria (cf. Lucas 1, 28) é que a escolha de Maria teve origem na graça de Deus e
não em mérito dela. Essa observação não deve causar nenhuma estranheza para o
católico, já que tudo o que a Igreja Católica ensina é justamente que Deus é a
fonte de todo o bem e de toda graça, e portanto a virgem Maria foi escolhida
por Deus, preparada por Ele, para ser a mãe do Salvador, e não que ela tenha
tido mérito para oferecer a Deus para isso. Aliás, o mérito que ela tinha era
efeito da graça, que Deus concedeu para fazê-la participante do mistério da
redenção, como mãe do Redentor.
Depois, o reverendo
chama a atenção de que a ênfase do anjo estava na criança, em Jesus, e não
Maria. Essa constatação é tipicamente protestante, e tem como objetivo mostrar
ao católico, especialmente, que a Bíblia não oferece base para venerar Maria, e
que esse é o ensino bíblico. Não há o que objetar de forma especial sobre isso,
já que a mensagem do anjo era a encarnação de Jesus, e nada mais natural que a
ênfase seja Jesus em toda a passagem. No entanto, o que a Igreja também
observa, e todos os santos doutores falaram disso, é que Maria é chamada por um
nome diferente, que é traduzida do latim como cheia de graça, ou como
agraciada, como preferem as traduções protestantes e mais modernas, a partir do
texto grego.
Isso mostra que esse
nome revela uma característica da virgem Maria, mostrando sua singular bênção,
recebendo já de início a plenitude da graça. O anjo a saudou, como não havia
feito em outras aparições. Por causa de Cristo veneração Maria.
Falando sobre Lucas 1,
38 o pastor lembra que Maria escolheu o título de serva, que não quis ser uma
sócia de Deus, nem igual a Deus, mas Sua serva. Para o católico tais palavras
não trazem nenhuma novidade, pois cremos que Maria é a serva de Deus por
excelência, de serviu o Senhor de modo tão sublime que na Igreja é a primeira
cristã, a primeira criatura modelo de fé para os irmãos de Cristo. É ainda a
mãe da Igreja, que é espiritualmente o corpo de Jesus.
Por fim, entre outras
coisas que não estão em contraste com a doutrina católica, o pastor observa que
Maria não é bendita acima das mulheres, mas entre as mulheres. Ele quer dizer
com isso que Maria não é diferente das demais mulheres de todo o mundo.
Mas, observe que a
Bíblia afirma que Maria é bendita e que Jesus é bendito, e ninguém dirá que por
isso Jesus é tão bem-aventurado com todos os homens e não acima de todos os
homens! Portanto, antes de expressar opiniões, é preciso ponderar conforme o
texto sagrado. Maria é bem-aventurada entre as mulheres, de forma especial e
singular, o que a faz ser honrada entre todas as mulheres com maior honra,
porque é mãe do bem-aventurado Filho do Altíssimo.
Como segunda razão o
pastor afirma que na passagem a ênfase é toda sobre Jesus e não sobre Maria,
que Isabel destaca o Filho e não a mãe, que João Batista estremeceu por causa
de Jesus e não por causa de Maria, e que o personagem principal do encontro é
Jesus e não Maria.
Contudo, para o leitor
atento das Escrituras, a passagem mostra que Isabel honrou Maria logo que ficou
cheia do Espírito Santo, e mostra que João Batista estremeceu em seu ventre
assim que a saudação de Maria foi ouvida. O protestante dificilmente honraria
Maria dessa forma, raramente chega a tal ponto. Talvez a teologia protestante
previne desse nível de honra que a Bíblia apresenta sobre Maria. Ao invés de
trata-la com igual, Isabel a honra como maior. O leitor não deve deixar
despercebido que a saudação da virgem foi ocasião para que o Espírito Santo
santificasse o precursor e sua mãe Isabel.
No final dessa seção,
para enfatizar algo mais católico nas observações do reverendo, é preciso notar
que ele escreveu que Maria é campeã entre as mulheres, o que indicar sua maior
estatura na graça, embora não seja isso que o pastor tenha querido passar. Ele
transparece o desejo de mostrar que o protestante honra Maria, embora pelo que
foi expresso acima, essa honra ainda é equiparada àquela que a Escritura
oferece à mãe do Senhor.
Continuando, temos que
em Lucas 1,48 a virgem Maria proclama, inspirada por Deus, que ela será
lembrada em todas as gerações. Certamente, essa lembrança é feita pelos
cristãos. No que se refere à teologia protestante mais moderna, pouco lugar tem
sido dado à lembrança de Maria, o que se reflete nos cultos, nas pregações, nos
livros, nas conversas, e na vida de cristãos protestantes, que lembram de falar
de Maria quando pregam para algum católico, lembrando ao católico que ela é uma
mulher “qualquer”, (ou como o reverendo escreve eu seu livro “era apenas umas
mulher”), pecadora e salva por Deus, que teve filhos além de Jesus, que dorme
no pó da terra, que não tem poder, e etc. Essa é a visão popular criada no
Protestantismo para combater o culto de veneração à virgem Maria. Por essa via,
não se cumpre a profecia de Lucas 1, 48.
Esse cumprimento está na
Igreja Católica, onde a virgem Maria é lembrada sempre com os maiores louvores,
por um só motivo: ser a mãe Jesus.
Na frase do pastor:
“Seguir a orientação de Maria é de fato obedecer a Jesus” ele está seguindo,
sem o saber, o espírito da verdadeira Mariologia. O que falta é crer na
virgindade perpétua, imaculada conceição, assunção aos céus, e intercessão dos
santos. Fazendo isso de forma cristã, como ensina a santa Igreja, está honrando
a Maria biblicamente.
A respeito de Lucas 11,
27, onde as relações físicas são menores que as espirituais, deve-se responder
que certamente ninguém creu com tanta clareza em Jesus como Maria, e por isso
ela é a primeira crente. Portanto, é inevitável que, ao crer que Jesus é o
Filho de Deus alguém naturalmente venha a venerar Maria.
Maria era já repleta do Espírito Santo desde sua concepção, com maior ênfase na encarnação de Jesus, e foi mais agraciada com dons do Espírito no dia de pentecostes. Sua vida foi sempre cheia do Espírito Santo, ao contrário dos demais discípulos, que foram santificados depois. E, ainda, deve-se lembrar que Maria não teve outros filhos.
Gledson Meireles.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2020
A mulher de Apocalipse 12 e algumas doutrinas da fé cristã
A interpretação comum tem sido explicar a mulher como imagem da Igreja. Isso, porém, não exclui a imagem de Maria, pois, como já explicado em outro artigo, a virgem Maria pode ser vista como símbolo e toda a Igreja nessa passagem, já que ela deu à luz o Filho que irá reger todas as nações. Por isso, é muito contra o texto negar isso.
Há uma interpretação protestante que afirma ser Israel a mulher dessa passagem. A Igreja não exclui outros significados, podendo interpretar esse símbolo como Eva, Israel, a Jerusalém Celeste, a Sinagoga espiritual, a Igreja, Maria.
Isso porque os sinais do Apocalipse podem ter mais de um sentido, como está em Ap 17, 9-10, onde as sete cabeças da fera são "sete montanhas" e também "sete reis".
Certamente, porém, a primeira interpretação, a mais natural, leva a Maria, pois ela é a mãe do Messias.
Os símbolos do dragão, da mulher, do filho, estão todos ligados a indivíduos. O dragão é Satanás, a mulher é Maria, o filho é Jesus. Muito simples. Mas, há quem afirme, por exemplo, que o dragão é Satanás, a mulher é Israel e o filho é Jesus, ficando apenas o símbolo da mulher como algo coletivo, o que desequilibra essa intepretação, já que os outros símbolos são individuais. Por isso, é melhor partir do literal para o espiritual, que é a correta interpretação, e que está conforme os dados bíblicos, oferecendo sentidos muito claros desses sinais.
Pode-se notar também
que a mulher no céu remete à assunção de Maria. As vestes de sol, a coroa de
estrelas, a lua debaixo dos pés, as asas da proteção, tudo lembra a graça de Deus que envolve a virgem
Maria, indicando a imaculada conceição, que exclui todo pecado, e a assunção ao
céu, depois de sofrer por amor de Cristo na terra.
Outra doutrina que pode ser lembrada, sem muito esforço, é que a mulher tem descendentes, como está no versículo 17. De fato, os filhos da mulher são os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus, mostrando que a mulher é sua mãe. Assim, temos que Maria é mãe da Igreja.
Gledson Meireles.
quarta-feira, 25 de novembro de 2020
Crítica de R. K. McGregor Wright à doutrina do livre-arbítrio
Estudo do livro
A
Soberania Banida – Redenção para a Cultura Pós-Moderna – de R. K. Mc Gregor Wright
– Editora Cultura Cristã – 1ª ed. 1998. Capítulo
2.
A
crítica de McGregor Wright à teoria do livre-arbítrio
McGregor Wright lembra
que é de suma importância definir os termos e não introduzir mudanças de
sentido durante o tratamento do assunto antes de iniciar um debate.
De fato, isso é
essencial, e muitas vezes optamos por usar de outros conceitos através de
termos já conhecidos, o que pode causar problema e ser alvo de críticas dos
eruditos. Além disso, o objetivo da discussão, que é esclarecer o assunto, fica
prejudicado.
O autor afirma que as
ideias principais da teologia protestante reformada devem ser demonstravelmente derivadas da
Bíblia. Trata-se da intepretação da Bíblia feita pela ala reformada oficial e
principal do Protestantismo.
No capítulo 2 o autor
trata da doutrina do livre-arbítrio, e a chama de incoerente. Como exigiu no
início, ele apresenta as definições dos termos, e afirma que “Pelo termo
livre-arbítrio eu quero dizer a crença de que a vontade humana tem um poder de
escolha com a mesma facilidade entre alternativas.”
O teólogo critica W.
Shedd, influente autor calvinista, como propondo um calvinismo inconsistente,
quando negando a indeterminação da vontade ensina algo que praticamente é
idêntico ao livre-arbítrio ensinado pelos arminianos.
De fato, para o
reformado o livre-arbítrio significa a capacidade invencível para fazer
escolhas, sempre com a mesma eficácia, entre as alternativas, mesmo diante de
influências, pois o livre-arbítrio pode escolher vencendo os fatores e
prescindir deles.
Isso é o que o
reformado entende sobre o livre-arbítrio. Então, afirma que para a teologia
reformada o livre-arbítrio é apenas a função de desejar ou escolher, é a
capacidade de fazer escolhas. No entanto, as escolhas são sempre determinadas,
pois são sempre causadas, e não há possibilidade de qualquer evento finito
ocorrer por acaso.
Nega-se que o
livre-arbítrio seja auto-determinante ou autônomo, não causado por condições
prévias, mas que uma vez que há condições causais anteriores isso é o mesmo que
determinações, ou seja, se o livre-arbítrio funciona induzido, levado ou por
lago, então ele é determinado por isso, e não há possiblidade de nada na
criação ter autonomia e agir sem determinação prévia.
Pelas suas palavras,
Wright entende que a mente apresenta elementos ao livre-arbítrio e ele pode
sempre escolher, de forma neutra, apesar de quaisquer influências. Dessa forma,
o livre-arbítrio não sendo causado deverá ser espontâneo, e assim não poderá
agir e formar caráter.
Parece que MacGregor
Wright vê o livre-arbítrio como uma entidade no homem, um poder autônomo que
surge espontaneamente, e por isso não poderia ser controlado por nada, nem pelo
próprio sujeito, nem por Deus. Assim, na sua objeção há que se a vontade é
neutra ela não poderia agir, e se precisa de argumentos, evidências, razões,
emoções para decidir, os próprios argumentos seriam ameaça ao livre-arbítrio, e
não há como ser necessários se ele é neutro. Ainda, ensina que a cooperação não
necessita de livre-arbítrio.
Por fim, pode-se
afirmar que o livre-arbítrio, conforme a definição reformada, de acordo com
Wright, é a capacidade da pessoa de expressar o seu caráter, agindo em harmonia
com os elementos internos, como o intelecto ou mesmo com os hábitos e com as
influências quaisquer que forem que venham a incidir sobre ele. Isso seria um
tipo de liberdade determinada ou previamente causada. Tal é a posição
reformada.
E a responsabilidade?
Para o reformado a responsabilidade não é fundamentada no livre-arbítrio, que
na verdade não existiria, mas em Deus como criador e ponto de referência moral,
em nosso conhecimento e no propósito da glória de Deus. Isso significa que o
homem não seria livre, mas por essas razões continuaria responsável por seus
atos.
Diante disso podemos
responder que, desde as primeiras páginas sagradas aprendemos que o homem e a
mulher foram criados livres. Não há necessidade do termo livre-arbítrio
aparecer, mas o fato mesmo do livre-arbítrio, em passagens bíblicas, para
sabermos do que se trata, pois os fundamentos da doutrina que o texto ensina já
são suficientes para que creiamos.
Assim, em Gênesis 2, 27
foi dito a Adão e Eva sobre a árvore do conhecimento: “mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque no
dia em que dele comeres, morrerás indubitavelmente”.
Isso já supõe que Adão
e Eva possuíam a capacidade de comer do fruto daquela árvore ou não, conforme
quisessem, assim, como podiam compreender que deviam obedecer àquele
mandamento, como também, caso fizessem o contrário, estar conscientes de que
haveria um castigo.
Por isso, o catecismo
explica que a amizade com Deus só pode ser vivida com livre submissão. A prova
está nessa passagem, que exprime a proibição feita ao primeiro casal humano.
Eles eram livres para obedecer o mandamento e não comer o fruto, ou desobedecer
e comê-lo. Não haveria razão para proibir algo a quem não pudesse ter
capacidades para obedecer.
De fato, a doutrina
católica ensina que o livre-arbítrio não significa a capacidade de escolher sem
qualquer influência, o que pode-se escolher qualquer coisa sempre por si mesmo.
Ainda, somos conscientes
dos nossos atos e de como eles são feitos. A mente é a causa, e não se deve
procurar outro lugar. O livre-arbítrio age por motivos, e sempre é atraído ao
que julga ser bom. É verdade que o mal não pode atrair nossa vontade, a não ser
por erro, por juízo errôneo.
Também não significa
que o homem está sempre exercendo o livre-arbítrio com toda a sua força, como
também é verdade que não estamos sempre raciocionado sobre tudo o que vemos e
fazemos, etc. No entanto, somos seres racionais, e do mesmo modo temos o
livre-arbítrio.
Há muitas coisas que
ocorrem espontaneamente, como fruto de hábitos, e são determinados por coisas
anteriores. No entanto, é igualmente verdade que no curso normal do pensamento
na consciência podemos escolher, impedir e iniciar outros pensamentos como atos
verdadeiramente livres.
A escolha do motivo
mais forte não é prova contra o livre-arbítrio, com já estudado aqui, mas é uma
afirmação destituída de sentido, pois apenas significa que escolhemos o que
escolhemos, o que não explica absolutamente nada, mas apenas descreve ato.
Por exemplo, entre um
sorvete de morango e um de chocolate, se alguém escolhe o de chocolate ele
escolheu o de chocolate! Nada mais, realmente.
De fato, a mente pode
propor motivos. Nós podemos propor motivos. Se alguém está para tomar um
sorvete, pois havia decidido tomá-lo, mesmo sabendo que quebraria sua dieta ou
que não faria bem à sua saúde, pode por deliberação pessoal desistir de tomá-lo
ainda que seu apetite estivesse totalmente inclinado a isso. O motivo que sua
razão propôs foi assumido contra o anterior, e não faz sentido afirmar que por
ter esse motivo prevalecido, esse foi o mais forte e, portanto, o
livre-arbítrio não existe, pois é esse mesmo fato que mostra o que é o
livre-arbítrio. Usamos motivos para agir.
Gledson Meireles.
domingo, 15 de novembro de 2020
Autoridade da Bíblia e da Igreja
A autoridade imediata é a Igreja, de onde ouvimos a pregação e obedecemos aos ensinos. A autoridade da Bíblia é aquela que flui através da Igreja e chega a nós, pelos ouvidos, onde a Palavra de Deus gera em nós a fé.
Gledson Meireles.
terça-feira, 10 de novembro de 2020
Capítulo 1 - A depravação total
O que a doutrina reformada ensina sobre a depravação total? O livre-arbítrio foi perdido? A Bíblia ensina isso?
Abaixo está o capítulo, com texto melhorado, sobre a depravação total.
Capítulo 1
A
DEPRAVAÇÃO TOTAL
O teólogo protestante
reformado Michael Horton tenta defender o Calvinismo apelando para o paradoxo, apresentado
como exemplos algumas fundamentais da fé cristã, como a trindade, a divindade e
humanidade de Cristo, a soberania e a responsabilidade humana.
Devemos compreender bem
o que realmente é um paradoxo e o que é uma contradição. Essas duas realidades
não são a mesma coisa, não se trata de sinônimos. Há uma grande diferença. Do
mesmo modo tenhamos em mente o que devemos compreender pelo termo mistério. Ao
longo do estudo essas noções serão melhor elaboradas.
A primeira doutrina
citada é verdadeiramente um mistério. A fé católica ensina que os mistérios são
doutrinas não totalmente compreendidas, o que não significa que são
incompreensíveis, mas que a sua totalidade não é conhecida. Assim, na Trindade,
Deus é um só, mas subsiste em três pessoas, iguais e realmente distintas.
Não são três deuses, e
por isso não se diz que três deuses é um Deus. Se assim fosse, tal afirmação
seria uma contradição, pois três não pode ser um ao mesmo tempo e do mesmo
modo, pela mesma perspectiva e no mesmo sentido. Isso não é possível. Portanto,
não se pode dizer que Deus é um e três ao mesmo tempo, pois isso é absurdo.
A definição ensina que
Deus é Um em sua natureza, na Sua
divindade, e esse único Deus apresenta-se em Três Pessoas, que são as pessoas do Pai, do Filho e do Espírito
Santo. As três Pessoas são um só Deus. Não se diz que três pessoas são uma só!
Nem que três pessoas são três deuses! A primeira seria uma contradição, a
segunda uma heresia. Por isso, em Deus há três Pessoas com a mesma natureza
divina, o que ultrapassa a compreensão humana, mas não a contradiz, não
quebrando nenhuma lei racional.
A divindade e
humanidade de Cristo também podem ser compreendidas em parte, pois Jesus é uma
pessoa que assumiu uma natureza. Isso não quer dizer que Jesus criou um outro
ser humano junto ao Seu ser divino, mas que continuou única pessoa e formou
para si um corpo e alma humanos, de forma que foi homem igual a nós. A
divindade permaneceu e a humanidade foi adicionada. A Divindade do Filho começou
também a ter unido a Seu ser uma pessoa com natureza e todas as características
próprias do ser humano. Nenhum problema com isso. Não há contradição, mas um
sublime mistério.
Agora, tratando da
soberania e da responsabilidade, e não da liberdade, a coisa é outra. A
doutrina reformada afirma que a soberania divina é total e controla
exaustivamente todas as coisas, até os pecados dos homens e mulheres, mas os
homens e mulheres continuam responsáveis pelo que fazem. Não haveria espaço
para o agir humano, principalmente em relação à salvação, no que diz respeito
ao livre-arbítrio.
Por exemplo, Judas
teria sido criado para trair Jesus, sendo a traição algo preordenado,
determinada para ocorrer, e não poderia ser diferente do que estava
determinado. Enquanto isso, Judas permanece responsável. Ele fez o que estava
preordenado e foi culpado pelo que fez, pois o reformado entende que ele traiu
livremente o Senhor. O reformado dirá que isso é um paradoxo, mas inegavelmente
a melhor explicação é que trata-se de uma contradição. Não há como ser
determinado a fazer algo e ser responsável por algo. Assim, essa doutrina não tem
comparação com as doutrinas da trindade e da divindade e humanidade de Jesus.
A trindade não encerra
contradição. Jesus como homem e Deus ao mesmo tempo também não. Mas, o homem sem
livre-arbítrio e determinado pelo decreto divino e ao mesmo tempo responsável
não pode existir. A não ser que afirme-se contra a revelação que a ação de Deus
seja qual for justifica-se por si mesma porque Deus poderia fazer mesmo o que
contrariamente sabemos ser bom que seria assim mesmo bom por definição. Tal
noção não é ensinada pelos reformados, pelas confissões reformadas, mas alguns
chegaram a tal coisa por causa do erro apontado acima.
Mais adiante será feita
a observação quanto ao uso do conceito de responsabilidade, muito preferido
pelos reformados, quando o assunto principal é o de livre-arbítrio. É comum ao
se falar de liberdade o teólogo reformado referir-se ao tema através do conceito
de responsabilidade.
A atividade do fiel na
salvação, e a garantia da salvação como dom seria outro paradoxo. Mas, isso é
também muito bem compreendido, porque tudo o que recebemos é gratuitamente, mas
devemos receber e cooperar, com a graça que está disponível e que pode nos levar
à salvação. Quando se entende, como na teologia reformada, que a atividade do
homem está determinada, e que na salvação ele é passivo totalmente, não se pode
ir logicamente além do que está exposto nas premissas, de que não há liberdade
e não há verdadeiras obras que servem para a salvação. Operai a vossa salvação,
diz a Escritura. Isso não e possível, afirma de alguma forma a teologia
reformada.
É uma afirmação lógica,
mas saibamos que os reformados entendem que a ação do salvo na salvação é
verdadeira e livre, embora determinada. Isso não é concebível, mas é o que os
reformados afirmam juntamente com os católicos.
Também o reino de
Cristo já presente e ainda não inaugurado, são outros exemplos de tensões que o
autor lembra para fazer apresentação da doutrina reformada, como se a mesma
fosse igual ao mistério que essas outras doutrinas citadas demonstram. Veremos
novamente que esse caso não é assim.
Por exemplo, o reino
está espiritualmente já presente, mas não está completo ainda, não foi levado à
sua realização plena. Já foi inaugurado e já funciona, mas terá sua consumação.
Não há nada que seja absurdo e contraditório. Nós entendemos os mistérios. As
contradições nos são contrárias.
Portanto, quando se
nega o livre-arbítrio não se pode afirmar que o homem é responsável, e apenas
afirmar que isso é um mistério, como se essa fosse uma explicação suficiente,
pois de fato essa tensão não pode ser encontrada em nenhuma passagem bíblica e
infringe leis da razão humana.
Aliás, muitas
afirmações que surgem desse cenário são irracionais. Por exemplo, afirmar o
amor de Deus aos que são reprovados, quando ao mesmo tempo afirma que Deus
decretou eternamente a perdição deles. Então, afirma-se que o amor com que Deus
os ama é outro, é um amor diferente, não é salvador.
Mas, o problema é que a
Escritura trata diretamente do amor salvífico de Deus pelos pecadores. Quando
afirma que Deus amou o mundo de tal maneira que entregou o Seu Filho para
salvar o que crê (cf. João 3, 16), o contexto é salvífico. Se o mundo significa
todas as pessoas, há o amor salvífico de Deus disponível para todos. Assim, há
de se entender que a doutrina reformada afirma que Deus não ama todos os
pecadores, mas apenas os eleitos. E a passagem citada é uma das muitas que essa
teologia tente de muitas formas explicar.
O que pensar de um pai
que ordena ao filho certo trabalho que o filho não consegue realizar. Depois o
pai proíbe o filho de fazer o trabalho. No final, o pai castiga o filho por não
ter feito o trabalho e diz que a punição é porque o trabalho que estava na
responsabilidade do filho não foi realizado.
Qualquer pessoa verá a
contradição que está na questão acima. Qualquer um percebe que existe injustiça
aí. Ela é insuficiente para entender o que será tratado nesta obra. Também,
antes de qualquer crítica, trata-se de uma comparação imperfeita, como são
praticamente todas as comparações. Mas, ela está apenas mostrando que é fácil
detectar contradições, como também é fácil saber que essas ideias que estão no
parágrafo acima não podem ser conciliadas, e que o resultado é injusto. Mas,
isso não é tudo.
Durante o longo
percurso da leitura do livro será possível avaliar questões como essas, não
pela inteligência simplesmente, mas a partir da revelação bíblica, daquilo que
a Bíblia realmente ensina. Tenha já em mente a passagem de João 3, 16, citada
acima, e que é emblemática para o que estamos estudando.
A
dignidade da natureza humana
Michael Horton afirma
que a natureza humana é basicamente boa, dotada de livre-arbítrio, beleza,
razão, e excelência moral. Quem conhece o calvinismo em sua sistemática
afirmação da pecaminosidade humana fica surpreso com essa constatação de que a
doutrina reformada afirma que nossa natureza é boa originalmente e em sua
estrutura mais profunda. Em outras palavras, está tratando da natureza humana
como criada por Deus e antes da queda no pecado original.
Isso tornará possível
entendermos o que é a chamada doutrina da depravação total. O que o calvinismo
ensina quando afirma essa radical pecaminosidade que afetou a natureza humana.
Assim, entendendo bem
esse ponto, comparando com a doutrina católica, será uma caminhada longa e
prazerosa na doutrina do evangelho, resolvendo problemas, esclarecendo
dificuldades, afastando erros.
Para o reformado, o
pecado não é a fraqueza da natureza humana, mas o pecado infectou a natureza e
a fez assim.
Interessante o fato da
teologia reformada vir em defesa da natureza humana contra a ideia que poderia
localizar um defeito intrínseco nela. No entanto, se tal erro é de origem
platônica, deve-se afirmar que isso não atinge a fé católica, pois como explica
Santo Tomás, foi o pecado que introduziu a desordem entre as faculdades
humanas, a fraqueza nas suas operações, atingindo de certo modo todas as suas
partes.
Assim, a bondade da
natureza humana na criação é salvaguardada e o pecado original corretamente
ensinado. A crítica reformada não atinge a doutrina católica. Certamente, o
teólogo reformado pensa que isso afeta a doutrina católica, quando na verdade
não.
Ao que parece, todos os
teólogos reformados possuem a ideia de que o pecado original como ensinado na
Igreja Católica afirma que a razão não foi atingida, o que não é verdade. Todas
as partes da natureza humana foram afetadas pelo pecado original, a inteligência,
a vontade e os afetos. Se é com essa afirmação que se diz da depravação total, onde o total fala de
todas as partes, não excluindo nenhuma, então a doutrina católica ensina o
mesmo.
Se por outro lado a
depravação total quiser afirmar que nada no homem, em nenhuma parte, manteve qualquer
resquício de bem, então essa totalidade do pecado é rejeitada, pois não é
bíblica.
Se a razão fosse
totalmente corrompida não haveria possibilidade de ação livre e responsável,
nem mesmo qualquer relação com Deus, e a natureza humana estaria totalmente
destruída. Não é isso, certamente, que os reformados querem ensinar. Portanto,
tanto católicos quanto reformados entendem que a natureza humana não foi
totalmente afetada pelo pecado original, no que concerte à intensidade do poder
do pecado.
Prossigamos com a
apresentação de Michael Horton para ver o que pode estar em contato com a fé
católica e o que não pode ser conciliado.
A ferida mortal não vem
da natureza, mas da queda, afirma o teólogo. Nada há a objetar, pois é
justamente isso que a doutrina católica ensina. Não foi, portanto, a queda
natural, mas a moral. Não foi a natureza fraca que causou o pecado, mas o
pecado fez a natureza fraca, pode-se assim dizer.
Calvino ensina que o
apetite baixo seduz o homem, mas também a impiedade ocupa a mente e o orgulho
penetrou as profundidades do coração.
Quando lemos São Tomás
aprendemos que tanto os apetites arrastam a razão como também o pecado atingiu
todas as partes do homem.
Por isso, pode-se
afirmar, certamente, que o que Calvino descobriu não está em oposição ao já
ensinado por São Tomás.
Então, Calvino rejeita
o dualismo que põe o pecado no corpo e não na alma, que ensina que a alma e não
também o corpo é imagem de Deus. Então, Michael Horton fala da alta visão da
natureza humana que a fé reformada tem. Pode-se afirmar que esse resultado não
é diferente da doutrina católica.
Em Ef 4, 23-24 está
escrito: “Renovai sem cessar o sentimento
da vossa alma, e revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus, em
verdadeira justiça e santidade”.
Parece haver aqui uma
divergência entre o pensamento tomista e o calvinista, pois Santo Tomás ensina
que a imagem de Deus está na alma, enquanto Calvino afirma que está na alma e
no corpo. Mais adiante veremos sobre a imagem de Deus segundo Santo Tomás.
A
imagem de Deus está na alma ou na alma e no corpo?
A doutrina reformada
ensina que a escravidão do homem é ao pecado e não à soberania de Deus. O
coração escolhe o que aprova e deseja. O homem mantem somente pequenos restos
dos dons que Deus deu, suficiente para não deixá-lo sem desculpa.
Certamente, esses
restos que sobram são os mesmos que santo Tomás apontou como os que
permaneceram após a queda, e que não podia deixar de existir a não ser que a
natureza humana fosse totalmente destruída.
Afirma o teólogo
Michael que onde o ensino luterano e reformado diverge do Catolicismo é quanto
à profundidade e extensão da corrupção do pecado original. Em outras palavras,
ao que parece, ele afirma que o catolicismo não ensina que o pecado atingiu
todas as partes do ser humano e que não foi tão profundo quanto foi. Mas, se
isso for o pensamento reformado, já está refutado na seção anterior.
Afirma, ainda, que na
teologia reformada a própria inclinação má incorre em juízo de Deus e não
apenas enfraquece a natureza, mas a aprisiona a pessoa inteira. O
livre-arbítrio não vence isso, nem a cooperação com a graça pode ajudar a curar
a alma, e da condição pecaminosa procedem os pecados, ensina o teólogo.
Nesse ponto há
divergência com a doutrina católica, no que diz respeito à afirmação de que o
livre-arbítrio foi perdido e nem a graça pode cooperar com ele para vencer o
pecado. Essa total inabilidade e incapacidade não pode ser aceita, a não ser
com grandes problemas teológicos, que serão enfrentado no decorrer do estudo.
Afirma também que a
doutrina católica ensina a imputação do pecado a todos, mas nega que a culpa
inclui a inclinação pecaminosa que corrompeu a mente e a vontade de forma a
impossibilitar a cooperação com a graça, pois nada no homem está aberto à
graça. É a negação da cooperação da graça na doutrina reformada.
Esse é um dos momentos
marcantes que mostram as diferenças entre a doutrina católica e a doutrina
reformada quanto aos efeitos do pecado original. Enquanto cremos que o homem
recebe a graça que o auxilia a fazer o bem que agrada a Deus, e que pode cooperar
com a graça, a fé reformada afirma que o homem não tem nenhum aspecto em seu
ser que esteja aberto à graça e não pode fazer nada em relação a Deus mesmo
cooperando com o auxílio da graça. Onde estão as passagens bíblicas que ensinam
isso? Certamente não existem, mas são inferências de passagens bíblicas que
ultrapassam-nas no sentido.
Quando à imagem de Deus
após o pecado, enquanto Lutero ensinou que a essa foi perdida e somente a
redenção pode restaurá-la, Calvino afirmou que essa imagem não foi totalmente
destruída.
Ele fez a distinção de
liberdade como livre da compulsão, do pecado e da miséria. Somos livres da
compulsão, mas não do pecado e da miséria. Não há compulsão externa. Outras
distinções dos calvinistas mais tardios referem-se à habilidade natural, mas
não à habilidade moral em direção a Deus.
Naturalmente o homem
pensa, quer e sente o bem, pois tem suas faculdades, que não foram perdidas. O
homem não consegue sozinho decidir a fazer a vontade de Deus, se não for pela
graça. Com isso, aproxima-se muito da doutrina católica novamente. Pode-se
perceber afastamentos e aproximações da doutrina reformada em relação à
doutrina católica.
Esse é um dado
importante da teologia reformada, pois Calvino distingue a necessidade e a
compulsão, enquanto os teólogos mais tardios fizeram a distinção entre a
habilidade natural contra a habilidade moral.
Quando Santo Tomás fala
do que permanece no homem após a queda, Calvino também admite que algo ficou, mas
é cuidadoso em afirmar que isso não é uma obediência piedosa, mas o sensus divinitatis. Outra distinção, que
ainda é um pouco diferente daquela de Lutero, é a liberdade em relação a Deus e
em relação a outras pessoas.
Enfim, a teologia
reformada ensina que o homem é o autor do pecado. Quanto à determinação de tudo
o que existe e a responsabilidade do homem, Michael afirma que esse paradoxo,
como chama, continuará na glória. Diferentemente, outros teólogos reformados esperam
que na glória isso será compreendido. Acima, já vimos que tal coisa não é
paradoxo, mas contradição, e que na glória compreendemos tudo o que for
necessário, certamente, pois veremos Deus como Ele é.
Ao que parece os
reformados não reclamam da exposição sobre a depravação total feita por Roger
Olson. Ele faz isso objetivamente, e não há o que objetar.
A objeção de que a
imagem de Deus não está somente na mente do homem, com referência a 1 Coríntios
11, 7 e Gênesis 1, 27, e na consideração e que a imagem é relativa à forma, o
que incluiria o corpo, Santo Tomás ensina que como a nossa renovação espiritual
consiste em revestir-se do homem novo, então nossa imagem de Deus está na
mente, conforme Efésios 4, 23-24.
A renovação que é o
revestimento do homem novo está atrelada à imagem de Deus. Na mente está a
imagem de Deus, e nas outras partes do homem há traços de Deus. A imagem de
Deus está no homem e na mulher, pois está na mente, onde não há distinção de
gêneros. Eis a explicação tomista (Summ. Theol. Prima Part, Q. 93, A. 6).
Desse modo, o cristão
católico deve crer na doutrina entregue pelo Senhor aos santos “” (Jd 3). Com
relação ao pecado original, esse assunto foi definido, com grande precisão, no
século dezesseis, quando a Reforma Protestante ensinava algo diverso sobre esse
ponto importante da fé cristã. Neste capítulo, continuaremos a ver o que é o
pecado original e em que sentido afetou a natureza do homem, considerando mais
argumentos.
A doutrina católica
ensina que pelo pecado original Adão perdeu a santidade e a justiça que vinha
de Deus, morreu espiritualmente, ficou sob o império do Demônio, e pela ofensa
de prevaricação sua natureza foi mudada no corpo e na alma para o pior. Esse
pecado é propagado a todo ser humano, pois pecamos em Adão. Todos pecaram (Rm
3, 23). O pecado original causou desordem na natureza, criando a
concupiscência.
A concupiscência é a
inclinação para o pecado, e é na Escritura algumas vezes chamada de pecado, não
porque seja um pecado como falta pessoal presente na natureza, mas porque é nascida
do pecado e leva ao pecado.
No nascido de novo não
há pecado original, apenas concupiscência. A concupiscência não poder ser
confundida com o pecado original. Ela provém do pecado original, é uma
consequência dele, e está sempre na natureza humana decaída. O pecado original,
por sua vez, é perdoado por Jesus Cristo, enquanto a concupiscência permanece.
Pelo pecado original o
livre-arbítrio não foi perdido. Entretanto, o livre-arbítrio foi atenuado,
enfraquecido, e escravizado pelo Maligno. Isso não significa que foi extinto. O
sistema reformado afirma a escravidão da vontade, no sentido de que o
livre-arbítrio é apenas um nome sem significado, como havia ensinado Lutero.
Afirma ainda, que a libertação da vontade a torna livre para obedecer a Deus,
mas não no sentido de que o livre-arbítrio tenha sido elevado a poder
contribuir com a graça.
Também não é verdade
que todas as obras que o homem faz, antes de ser salvo, sejam pecados. O que
Romanos 14, 23 afirma, por exemplo, é que tudo o que não é feito na fé é
pecado, entendo com isso que as obras que são feitas contrárias à fé, sem a fé
e em oposição a ela. Isso não significa que todos os atos dos não justificados
são pecados, mas que todos os atos feitos contra a fé, que não estão de acordo
com a consciência, são pecados.
Quem não discerne o que
está fazendo, peca. Existiu até mesmo a ideia de que as boas obras feitas pelos
justificados são pecados. Essas heresias foram condenadas no Concílio de
Trento.
Caso o leitor ainda
tenha dificuldade com essa noção acima referida, procure nas Escrituras alguma
passagem que afirme que tudo o que o ímpio faz é pecado. Imagine um ímpio
ajudando o próximo e fazendo-lhe o bem necessário para aquele momento. Depois,
pense que nessa ocasião o ímpio está pecando como se tivesse assassinado o
próximo. Não há razão que conceba tal coisa. E mais ainda, não há na Escritura
nenhum texto que ensine essa doutrina.
Alguns podem tentar
incutir essa ideia ao afirmar que sendo mau o coração do ímpio, todas as coisas
que dele fluem só podem ser más. O problema é que tal parecer não tem sua
expressão no sentido acima exposto, pois todos sabem os maus também podem fazer
social, cultural e humanamente boas obras. Não podem ser salvos por essas
obras, nem podem elevar-se para encontrar Deus por si mesmos, e não são capazes
de mudar o próprio coração sem a graça de Deus. Essa doutrina é bíblica, a
outra não.
Se com a afirmação de
que tudo o que o ímpio faz é pecado no sentido de que não tem valor espiritual
diante de Deus, tal afirmação não teria maior repercussão. Mas, quanto a dizer
que tudo o que faz merece o inferno, não há qualquer fundamento escriturístico
para isso.
Dessa forma, a natureza
humana foi radicalmente corrompida, de modo que o homem não pode por suas
próprias forças fazer algo agradável a Deus. A concupiscência corrompeu toda a
natureza humana. É como afirmar que toda a natureza humana está corrompida, mas
não está corrompida completamente.
De fato, podemos compreender as verdades religiosas, saber das verdades da fé. Também
podemos fazer atos moralmente bons.
Da mesma forma, podemos
conhecer a Deus com certeza pela razão. Por isso, não é correto afirmar que a
natureza foi totalmente corrompida. O Catecismo, no parágrafo 405, ensina que a
natureza humana “não é totalmente corrompida”.
Se assim fosse, a
natureza do homem teria uma essência de pecado, e não uma natureza manchada
pelo pecado. Já vimos que o mesmo Calvino vislumbrou isso e concordou que tal
coisa não é o ensino bíblico.
Para a teologia
reformada a razão e o entendimento estão cegos, e os sentimentos pervertidos.
Charles Hodge afirma que Adão foi “inteiramente e absolutamente arruinado”. No
sentido já esclarecido antes, tais afirmações são comportadas na doutrina
católica.
No entanto, a questão
não é fácil de ser resolvida, visto que as explicações católicas são sempre
negadas pelas teologias não católicas. Alguns chegaram a pensar que a Igreja
Católica negasse o pecado original, por afirmar que a concupiscência não
constitui o pecado. Então, o silogismo seria que (1) a concupiscência não é pecado
no homem nascido de novo, e (2) a regeneração não muda a natureza humana. Então,
a concupiscência não é pecado nos não regenerados.
Contudo, o que foi dito
acima desfaz essa confusão, porque a sã doutrina ensina que a concupiscência é
consequência do pecado, e não o próprio pecado. Dessa forma, a (1) concupiscência
não é o pecado em si, mas resultado do pecado original, e (2) o pecado original
é perdoado por Cristo. Então, os regenerados não têm o pecado original (mas
possuem concupiscência). Tudo faz sentido, e está conforme a doutrina bíblica. Pelo
menos uma das dificuldades está resolvida, o que doutro modo seria mostrada
como inconsistência doutrinal.
Voltando às Escrituras,
lemos Romanos 14, 23: “Mas, aquele que
come apesar de suas dúvidas, condena-se, por não se guiar pela convicção. Tudo
o que não procede da convicção é pecado.”
O que não “é de fé” é
pecado, diz a Escritura. Ou seja, seria pecado tudo o que não provem da fé. É
fazer errar aqui, considerando que os que não têm fé cometem pecado em tudo que
fazem, até quando tratam bem seus filhos, por exemplo, porque não possuem fé. É
uma leitura desastrosa. De fato, Jesus fala que os maus não dariam uma pedra
quando os filhos pedem pão (cf. Lucas 11,11).
Isso mostra que os maus
não pecam em tudo, mas fazem o bem. Já está elucidado acima, mas precisamos
sempre voltar a essas exemplificações. E diz nosso Senhor: “Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas
coisas a vossos filhos, quando mais vosso Pai celestial dará o Espírito Santo
aos que lho pedirem.” Os maus fazem o bem, e o bem não é pecado.
Se o bem feito pelo
coração mau não faz do ímpio alguém agradável a Deus, o que é verdade, isso não
significa, porém, que a obra que faz seja sempre pecaminosa, mas que ainda que
em estado de pecado nem tudo o que o ímpio faz é desagradável aos olhos de
Deus.
Outra passagem que
mostra o pecado original, naqueles que já estão no uso da razão e pecam
voluntariamente, é Efésios 2, 1-4. O texto sagrado fala dos mortos em ofensas e
pecados, mostrando que isso é praticado pelos que estão mortos espiritualmente,
vivendo conforme o mundo, nos desejos da carne, seguindo a concupiscência,
sendo, “como os outros, por natureza,
verdadeiros objetos da ira (divina)”.
Essa comparação “como
os outros também”, como está na tradução Almeida Corrigida Fiel, mostra que se
trata dos que praticam o mal, e não dos que estão apenas com o pecado original,
como são os recém-nascidos, que ainda não praticaram o bem e o mal, e por isso
não estão ainda na categoria de objetos da ira, no sentido de que estão a
caminho do inferno antes que estejam aptos a fazer e pensar por si mesmos.
É por isso que a graça
de Deus é ofertada a todos, pois os que por natureza são filhos da ira,
nascendo nesse estado, serão de alguma forma iluminados para poderem responder
ao chamado de Deus.
Ainda
sobre a depravação total
O pecado original é o
pecado cometido por Adão e Eva, e também significa a consequência desse pecado
para o ser humano. É uma “mancha hereditária”, é o estado de pecado que foi
transmitido a todos os descendentes de Adão.
Santo Tomás afirma que
tudo tira sua espécie da sua forma. A espécie do pecado original é tirada da
sua causa. Toda a vontade do homem deve estar sujeita a Deus. A vontade é a
primeira e principal parte da sujeição a Deus, pois é a vontade que leva as
outras partes da alma a submeter-se a Deus. Se a vontade é desviada de Deus,
todas as outras partes ficam desordenadas.
Assim, “A privação da
justiça original” é o elemento formal do pecado original. Toda outra desordem é
o elemento material. Desviar-se para o bem mutável é a concupiscência.
Portanto, a concupiscência é materialmente o pecado original, que é formalmente
a privação da justiça original. O pecado original afeta todas as partes da
alma. Por exemplo, Santo Tomás fala da remoção da sujeição da mente do homem a
Deus como pecado original.
Dessa forma, a justiça
original consiste em que o homem está todo voltado para Deus, na sua vontade em
obedecer a Deus, na sua inteligência em querer conhecer a Deus, e em todas as
suas partes interiores. Uma vez perdida essa justiça original, todas as partes
da alma são desordenadas, a começar pela vontade, passando pela mente e as
paixões, todas sendo desviadas do fim que é Deus.
Portanto, estar sem a
justiça de Deus causa a desordem das paixões humanas, a começar pela principal,
a concupiscência, levando todas as demais. Assim, a concupiscência é também materialmente
o pecado original (ST, Q. 82, art. 2; art. 3, r. 3), o que está conforme a
Sagrada Escritura.
O bem da natureza
consiste nos (a) princípios da constituição da alma, nas propriedades e potências
da alma, (b) homem tem inclinação da natureza para o bem, e (c) a justiça
original.
O pecado diminui o bem
da natureza. No primeiro tópico não há o que mudar com o pecado original, pois
a constituição da alma permanece a mesma.
No terceiro tópico há
uma destruição total, pois o homem perdeu a justiça original. Perdeu a justiça
completamente.
No segundo tópico há
uma diminuição radical, pois a inclinação para o bem foi desordenada.
Essa é em termos gerais
a explicação de Santo Tomás para o efeito do pecado original na diminuição do
bem na natureza do homem.
Ele trata também da
fraqueza, da ignorância, da malícia e da concupiscência. A razão tem em si a
prudência, a vontade tem a justiça, o irascível a fortaleza, o concupiscível a
temperança.
Com a desordem na razão
vem a ignorância, na vontade vem malícia, no irascível vem a fraqueza, no
concupiscível vem a concupiscência (Sum Theol. Q. 85, art. 3).
Esclarecendo
sobre a depravação total
Embora a total inabilidade
da natureza humana seja dita como objeto da ira, inadequada para a graça,
inclinada ao mal, morta em pecados, escrava do pecado, como está no artigo 3 do
Sínodo de Dort, afirma também, no artigo 4, que há certa luz de natureza, mesmo
após a queda. Isso foi também expresso por Michael Horton. Com visto, esse
ensino está igualmente na doutrina católica acima referida.
Então, o homem tem
noções sobre Deus, sobre as coisas naturais, sobre a diferença entre bem e mal,
e possui o desejo para o bem, embora isso não seja suficiente para chegar à
salvação. Porém, a teologia reformada nega o livre-arbítrio, que teria sido
extinto no pecado original.
No entanto, mesmo que
não afirmando que a liberdade do homem seja forçada ou determinada ao bem ou ao
mal, mas que o homem faz o mal livremente, e que na salvação pela graça o homem
é libertado do pecado, mas continua nele a corrupção do pecado, é preciso
entender mais, para conhecer a doutrina reformada ou calvinista. Isso se deve
ao fato de que essas afirmações também estão na doutrina católica, mas possuem
significados diferentes.
Isso pode ser feito
pelo contraste com alguns pontos da doutrina católica. Aliás, é certo afirmar
que os reformados creem que o homem e a mulher são determinados a fazer tudo o
que fazem.
Afirmando esse tipo de
liberdade, o cristão reformado tenta livrar-se da acusação de determinismo
moral e de fatalismo. No entanto, no seu debate com o arminianismo a doutrina
reformada nega a habilidade do homem de recusar a graça. Como visto, nega até mesmo
a cooperação com a graça.
O silogismo arminiano
seria que o homem pode aceitar e recusar a graça. Assim, se ele cooperar será
salvo e se não cooperar será condenado.
Para o reformado,
então, o homem pode afirmar que é mais justo que o seu próximo por ter feito a
coisa certa, e tem algo para gloriar-se.
E como a Sagrada
Escritura afirma que somos salvos gratuitamente pela graça, e ninguém pode
gloriar-se (cf. Ef 2,8-9), o reformado rejeita essa doutrina arminiana.
Por isso, a doutrina
reformada ensina que o homem não pode recusar a graça e que Deus põe a fé no
coração, liberta e inclina o homem para Cristo. Dessa, o homem é eficazmente
salvo, e não pode gloriar-se, pois o ato é somente de Deus. Essa doutrina será
analisada mais adiante.
Antes, porém, pode ser
dito que o eleito, caso quisesse gloriar-se, à moda do que aparece nas críticas
aos arminianos, ele poderia afirmar que foi salvo por pura graça, não teria
nada a oferecer para alcançar a salvação, mas ainda assim jactar-se-ia por ter
sido um dos perdidos que foi eleito, e agora podia para sempre experimentar a
graça de Deus, enquanto outros pecadores iguais a ele não o foram.
Até o momento ficou
claro que a base para a recusa reformada da resposta livre ao chamado salvífico
está na gratuidade da salvação, expressa em Ef 2, e que a aceitação livre seria
algo que serviria para a glória do homem. Tais afirmações serão analisadas mais
detidamente. Mas, podemos já perceber que essa objeção não procede.
A ideia de que o homem
vai a Cristo, livremente, mas deve ser compelido a ele, do contrário não irá, e
que Deus deve atrair, no sentido de arrastar o homem a Cristo, é algo que pode
ser entendido como contra a vontade, embora o calvinismo afirme que Deus muda a
vontade do homem de modo que ele queira ir.
A vontade livre de
coerção seria escrava do pecado. Então, Deus efetivaria algo na vontade. Deus
venceria nos eleitos a resistência à graça. Desse modo, torna-se impossível
resistir à graça finalmente, pois ela sempre vence e é eficaz. O homem pode
resistir, e frequentemente resiste, até que eficazmente é transformado e levado
a Jesus.
Por isso, Charles
Spurgeon afirma que a liberdade é auto-determinada. Ninguém exerce coerção
sobre a vontade do homem, mas ele mesmo faz o que quer fazer. Estando o homem
morto em pecado, sua escolha é sempre contra Deus e a graça divina.
Será que o homem pode
ou não recusar a graça? Poder aceitar livremente constitui fundamento para
gloriar-se? São essas perguntas que devem ser feitas, mas com frequência
reformados não são convencidos pelas respostas: o homem pode recusar a graça, e
o simples gesto de receber um presente não é fundamento de mérito! Ninguém pode
jactar-se de ter sido salvo gratuitamente. E isso faz sentido. Mas, não é só
por isso que a doutrina reformada é refutada.
O reformado não pode
afirmar que um mendigo estendendo a mão para pegar um prato de comida possa
gloriar-se diante daquele que recusou o alimento. A base da questão está
estabelecida. Doutro modo, deveria aceitar que o eleito poderia cair nessa
jactância.
Pelo contrário, sabemos
que o homem pode agir livremente porque não perdeu o livre-arbítrio. Se ele não
o perdeu, está no dever de responder à graça de Deus, afirmando e aceitando ou
negando e recusando. A graça vivifica, atrai, liberta, capacita o homem para
que responda ao chamado. Essa graça é suficiente, e uma vez que é aceita pode
tornar-se eficaz. Ainda assim, o homem continua livre, cooperando com a graça.
Spurgeon afirma que
antes da conversão somos livres para pecar, e após a conversão somos livres
para pecar e obedecer a Deus. Agora, como pode o ser humano ser livre para
pecar e ser impossibilitado de pecar a ponto de cancelar a relação com Deus?
Como o pecado é
possível após a regeneração, justificação e salvação quando não há
possibilidade de cair da graça? De fato, afirmar que o homem não pode recusar a
graça revela a premissa errada. Então, todo o edifício cai. Portanto, o homem
tem livre-arbítrio.
Se a liberdade de
coerção é a única que o homem possui, segundo Charles Spurgeon, então deve-se
responder com Santo Afonso, que essa liberdade até as bestas possuem. Os
animais fazem o que querem, segundo seus instintos, não sendo levadas a nada
senão sua própria inclinação.
O livre-arbítrio é a
condição de poder fazer e deixar de fazer, fazer qualquer coisa e também o
oposto, o bem ou o mal. Só não pode escolher a Deus se não for auxiliado pela
graça.
Outra verdade que deve
ser bem entendida é que Deus é a causa primeira de tudo o que existe, e o homem
é causa secundária. Assim, o homem pode produzir ações a partir de si mesmo,
pois lhe foi dada por Deus essa liberdade.
No entanto, Deus é
soberano absoluto de todas as coisas, e age em toda ação humana. Isso é
profundo: Deus age em todos os atos humanos, mas não causando os atos humanos.
Ele age no homem quando o homem faz o bem, aperfeiçoando e orientando sua
bondade, que é efeito da graça e obediência.
Mas, quando o homem
peca Deus age usando seu próprio pecado para punir e também para transformar
sua maldade em um bem. As duas ações, a de Deus e a do homem, coexistem. Deu
pode efetuar o bem, não interferindo no livre-arbítrio humano.
No entanto, Deus não
efetua a ação má no homem, pois isso é impossível por causa da Sua santidade.
Nem determina atos morais maus. Ele pode agir no homem enquanto esse faz um ato
mal, sendo responsabilidade única do homem, enquanto a parte de Deus é punir e
fazer do mal um bem.
Desse modo, quando os
irmãos de José venderam-no para os ismaelitas, Deus agiu ao mesmo tempo
orientado aquela maldade para um bem, levando José ao Egito para que
futuramente salvasse seu povo. Deus não foi o determinante da ação de vender
José. Foram os atos livres, partindo dos irmãos de José. Deus agiu ali para
determinar o resultado segundo Seu plano. As ações de Deus são sempre para o
bem.
Quando o Faraó
endureceu o coração, Deus agiu ali também fazendo com que aquele pecado,
endurecendo o coração como punição, pois o Faraó já era um homem de duro
coração, para que servisse para a libertação do povo. E assim aconteceu. Deus
não proibiu a conversão do Faraó, já que esse não queria aceitar a graça. Ele
apenas deferiu o que o Faraó já estava praticando.
Em 2 Timóteo 2, 25-26
está escrito: “É com brandura que deve
corrigir os adversários, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento
e o conhecimento da verdade, e voltem a si, uma vez livres dos laços do
demônio, que os mantém cativos e submetidos aos seus caprichos.”
Primeiro vem a
correção. Depois, esperar que Deus conceda a graça do arrependimento e o
conhecimento da verdade. Então, assim libertado, o homem poderá responder. Tudo
isso supõe o livre-arbítrio (possibilidade de correção) e a graça (esperança em
Deus). É possível também ler essa passagem sob a ótica reformada. A correção é
usada como instrumento da graça de Deus. Assim, o ato soberano da graça liberta
o homem.
Essa leitura reformada concorda
com a doutrina católica de que o homem sozinho, pelas próprias forças, não sai
dos laços e do cativeiro do Maligno. Concorda que o homem responde livremente.
Concorda que uma vez liberto poderá servir a Deus, mas ainda poderá cometer
pecados. Discorda, porém, que poderá perder a graça.
Negando o
livre-arbítrio essa é a consequência: de escravo do Demônio o homem passa a ser
escravo de Deus, não no sentido cristão católico, mas como escravo que não pode,
ainda que pecando gravemente, sair da comunhão com Deus, pois o ato soberano
divino teria determinado essa condição de eleito e salvo para sempre, e
garantiria a conversão, a reabilitação do pecador antes da morte.
Mas, o livre-arbítrio é
expresso em 1 Coríntios 7, 37, afirmando
“sem nenhum constrangimento e com
perfeita liberdade de escolha”, e também em
1 Cor 15, 10. São Paulo fala do “seu” trabalho, e o atribui à “graça”,
mas volta a esclarecer novamente que é “a graça de Deus comigo”. A graça de Deus e o apostólico trabalhando juntos.
Além de falar da ação
humana e da graça, cooperando, sinergisticamente, afirma a possibilidade da
graça ser vã: “a graça que ele me deu não
tem sido inútil”. Essa noção só é possível reconhecendo o livre-arbítrio.
Como ensina Santo Afonso de Ligório, Deus quer que trabalhemos um pouco. No
artigo que trata da eleição incondicional o livre-arbítrio será mais uma vez
comentado.
Da mesma forma, 2
Coríntios 6, 1 exorta a não deixar a graça de Deus em vão, o que só é possível
se o homem pode de alguma forma oferecer resistência à graça e não praticar o
que seus efeitos o inclina a praticar: “Na
qualidade de colaboradores seus, exortamo-vos a que não recebais a graça de
Deus em vão, referindo-se à salvação, com “o tempo favorável” e “o dia
da salvação”, pois “agora, é o dia da
salvação”. O contexto é soteriológico. O mesmo em 1 Coríntios 5, 20 onde a
reconciliação com Deus é pedida ao homem: “Em
nome de Cristo vos rogamos: reconciliai-vos com Deus!”.
Para realçar e provar
ainda mais essa verdade, façamos a exegese de uma passagem do livro de Hebreus,
capítulo 10, onde temos um grande ensinamento sobre o sacerdócio de Cristo, o
sacrifício salvífico, a nova aliança. Nesse ensino todo, há uma verdade que os
cristãos católicos creem e anunciam, e que tem a ver com a salvação e o perigo
de perdê-la pela recusa de continuar seguindo a Cristo, pela deserção da
Igreja, pelo pecado mortal.
Isso está claramente
ensinado nos versículos 26 a 39, um grande contexto sobre essa verdade. “Se
abandonarmos voluntariamente, já não haverá sacrifício para expiar este pecado”.
Eis uma admoestação ao Povo de Deus. Se alguém abandona por sua própria vontade
o convívio com Cristo, já não há fora da Igreja nenhum sacrifício capaz de dar
o perdão dos pecados. A passagem é cristalina ao afirmar que há possibilidade
de sair do convívio com Deus pelo voluntário abandono. É o fiel que pode
decidir isso, e não Deus que o afasta.
Continuando essa
verdade, o versículo 27 fala do “juízo
tremendo e o fogo ardente que há de devorar os rebeldes”. A recusa em
continuar é uma rebeldia. Somente por vontade própria, por um coração rebelde,
o fiel pode negar a graça. Ainda, o autor compara a transgressão da Lei de
Moisés, que era punida com a morte, e afirma que existe pior castigo para quem “calcar aos pés o Filho de Deus”.
Assim, o abandono
voluntário, a rebeldia, o calcar o Filho de Deus, significam a mesma coisa, e o
castigo é pior que a morte. Com essa afirmação sagrada refuta-se a doutrina que
nega o fogo do inferno, afirmando o aniquilamento dos ímpios, pois se o castigo
é pior que a pena de morte, infere-se que esse fogo devorador é um castigo
espiritual tremendo, e não parece ser temporário. Mas não é o lugar de tratar desse
pormenor.
Ainda, o mesmo verso 29
afirma o pecado de “profanar o sangue da aliança, em que foi santificado”. É o
cristão que foi santificado pelo sangue de Cristo e volta atrás. “E ultrajar o
Espírito Santo, autor da graça”. Calcar os pés a Cristo, profanar Seu sangue,
ultrajar o Espírito Santo, é o mesmo pecado mortal. É importante notar que a
Escritura afirma que o sangue “em que foi santificado”, no qual foi
santificado. Trata-se de verdadeiros cristãos que receberam a salvação, o
perdão dos pecados pelo sangue de Jesus, e foram iluminados pelo Espírito
Santo, com a graça que dom de Deus.
A passagem inteira
mostra que o afastamento dessa bênção salvífica é possível. Continuando, o
texto esclarece ainda mais quando diz que “o Senhor julgará o Seu povo”. Não
está falando do mundo, dos ímpios, dos incrédulos, dos infiéis, mas do Seu
povo.
Aqui é refutada a
doutrina dispensacionalista de que há a Igreja e o Povo de Deus, como se fossem
distintos, que seria somente o judaísmo, como já foi refutado em outra parte ao
estudar uma passagem da epístola aos Romanos, pois existe somente um Povo de
Deus.
Também não é correto
afirmar que nesse tempo a salvação será pelas obras, e por isso há
possibilidade de perder a graça salvífica e ser condenado, pois a Escritura
fala somente de uma nova aliança, definitiva, sem qualquer mudança de plano
salvador.
Essas são tentativas de
fugir das implicações do texto, já que ele é claro ao afirmar que é possível
perder a salvação.
O verso 32 diz:
“Lembrai-vos dos dias de outros, logo que fostes iluminados”, o que evidencia a
salvação, e o verso 35 fala da necessidade da perseverança “para fazerdes a
vontade de Deus e alcançardes os bens prometidos”.
Trata-se de bens
eternos, da salvação. Não há lugar para duas leituras, com se fossem oferecidos
bens temporais para um plano, e bens eternos para outro, como quer uma
interpretação dispensacionalista.
Nem significa somente
galardão pelas obras, distinto da salvação. O contexto mostra que é da salvação
que o autor sagrado está falando. E continua, deixando muito claro para o que
deixa a fé, e que perde o agrado de Deus, pois contrasta-se a ruína e a
salvação. Perder o ânimo, desistir, deixar a fé e ir para a ruína, ou manter a
fé para a salvação. Não poderia afirmar que os que caem na ruína estão salvos
como os outros, pois não é uma leitura possível, como quer o
dispensacionalismo.
Também não significa
uma mera aparência de fé, de falsos cristãos, que apostataram aparentemente,
pois nada disso é dito no contexto. A passagem é claramente uma admoestação da
possibilidade de perder a graça da salvação.
O reformado dirá que a
possibilidade apresentada no início é apenas um artifício retórico, e que o “se a abandonarmos voluntariamente” não
pode jamais existir, porque o eleito não abandona nunca, ou se abandona ele
volta e persevera.
Essa interpretação vem
de outra fonte e não do texto sagrado, vem das inferências reformadas de
passagens já comentadas acima, que serão estudadas mais adiante, e contradiz
todo o contexto, que é claro por si, com foi mostrado acima. Não há nada na
passagem que afirme isso, e as intepretações refutadas surgiram certamente, em
parte, para livrar-se desses ensinos claros sobre a apostasia e o pecado
mortal.
Com essa verdade, não
se nega o dom da perseverança final, não se nega a eleição e a predestinação
para a salvação, mas ensina-se que há livre-arbítrio, há possibilidade de cair
da graça e perder a maior das bênçãos, que é a salvação, e, portanto, pode
haver verdadeiros crentes que voltam atrás e negam a fé.
Uma afirmação
calvinista é que a expiação ilimitada leva ao universalismo. Assim, se (1)
Cristo morreu por todos (2) a salvação é eficazmente dada na cruz, então (3)
todos serão salvos. O problema é que a premissa 2 não é correta, pois a
salvação é aplicada no momento em que o homem crê. Algo importante, que Olson
trata no livro Contra o Calvinismo.
O correto é afirmar que
(1) Cristo morreu por todos e (2) a salvação será dada a todo o que crê, então,
todo o que crê será salvo, posto de forma bastante simples.
Esses raciocínios
mostram como o calvinismo está sempre ajustando os dados bíblicos num sistema
lógico e coerente, como de fato é o modo correto de proceder, de forma que,
quando a crítica ao sistema for feita pelo mesmo meio, ninguém possa alegar que
a razão não seja instrumento capaz de demonstrar um erro que está sendo
ensinado, ainda mais quando feita por meio dos dados da revelação da Bíblia e
com as luzes do Espírito Santo que todos devemos pedir.
O teólogo R. C. Sproul
explica o que é contradição, paradoxo e mistério. Portanto, o calvinismo
entende bem o que é a lei da lógica, o que é contradição aparente e o que é
mistério. Por isso, quando se trata de mostrar qualquer inconsistência na
teologia reformada é esperado que o leitor não ache que são métodos alheios à
doutrina reformada ou que não possa ser aplicados, porque é o que a própria doutrina
aplica, aliás, é o que o ser humano tem para entender tudo o que existe, a
saber, a razão e a fé.
Uma afirmação de
Sproul, de que Deus não deve a salvação a ninguém e que a misericórdia de Deus
é voluntária podem ser julgadas. É verdade que Deus não deve nada a ninguém. É
verdade que a misericórdia de Deus é voluntária. Como isso é aplicado em casos
reais também é esperado que esteja de acordo com o Ser de Deus, com Sua
santidade e Sua justiça. Caso isso não ocorra, a doutrina é falsa. Assim,
terminemos esse exemplo com a questão profunda da predestinação e do
livre-arbítrio, conforme mostrada por Sproul, porém de forma resumidíssima.
O autor afirma que a
soberania de Deus e a liberdade do homem não são contraditórias. E no capítulo
seguinte trata da questão de perto.
Primeiro, a definição
de livre-arbítrio dada é que “é a capacidade de fazer escolhas sem nenhum
preconceito, inclinação ou disposição anteriores”. Pode-se afirmar que autor
julga a questão assim: se o homem faz (1) escolhas sem nenhuma razão e (2) são
totalmente espontâneas, então suas escolhas não têm significado moral.
Sproul vai buscar as
definições dos pensadores cristãos. Começa com Edwards com “a escolha da
mente”, o que não oferece resolução para Sproul, depois “a capacidade de escolher
o que queremos”, o livre-arbítrio sem liberdade de Santo Agostinho. Resume que “é a capacidade de fazer escolhas de
acordo com os nossos desejos”. Esse tema já foi tratado em artigos sobre a
doutrina reformada.
A realidade de
livre-arbítrio é inegável. Todos a podem experimentar e constatar, pois é um
fato evidente. No entanto, há aqueles que preferem usar de outros termos para
falar dessa realidade, como visto antes sob a forma da livre agência. Esses
afirmam que de fato o homem tem a livre escolha, e faz constantemente escolhas
morais sem coerções. No entanto, esses mesmos afirmam que a vontade livre é
determinada, ou seja, que os motivos que se apresentam à vontade sempre estão a
determinar-lhe a escolha. Assim é que Robert Charles Sproul, teólogo calvinista
de renome e grande influência, ensina que a liberdade é determinada. Em outras
palavras, ele ensina que as escolhas que o homem faz são determinadas por seus
desejos, pois, pelos desejos mais fortes, ou as inclinações mais fortes do
momento, é que faria a vontade escolher.
Dessa forma, se o homem
escolhe o que quer, ele é livre, mas se as escolhas são determinadas pelos seus
desejos mais fortes, trata-se de uma liberdade determinada. A vontade neutra é
algo irracional, frisa o teólogo, pois sem motivos não haveria ação. Afirma
também que é algo anti-bíblico. Sproul afirmou que se o livre-arbítrio limita a
soberania, essa ideia torna o homem soberano. Ao invés, afirma que é a
soberania que limita a liberdade do homem.
Por tudo isso, os
reformados estão sempre afirmando que o livre-arbítrio é uma ilusão, algo
perdido, um mero nome, como ensinaram os reformadores do século dezesseis. Essa
doutrina é algo que está sendo preservado com toda a força na tradição
reformada.
A doutrina católica,
por sua vez, prova o livre-arbítrio, mas mostra que aquilo que os deterministas
estão afirmando como razões deterministas têm na verdade outra natureza. Eles
erram ao considerar fatores que limitam ou até destroem, às vezes, o
livre-arbítrio como se esses fossem prova da inexistência do livre-arbítrio.
A liberdade pode ser
condicionada, pode ser perdida em momentos vários, pois há fatores inumeráveis
que influem nela. A inteligência necessita de estado propício para poder
refletir livremente, e há tantos momentos em que isso não pode ser alcançado,
impedindo a liberdade. No entanto, essa existe. O que acontece nesses casos é
algo que a atrapalha, a previne, a impede, a torna impotente. Mas ela existe.
Não são essas circunstâncias algo que provam a inexistência da liberdade, mas,
pelo contrário, mostram a sua realidade, e explicam porque ele está impedida de
ser exercida.
A sensibilidade também
precisa de meios adequados para exercer a liberdade, e pode sofrer com tantas
situações onde essa liberdade é diminuída ou mesmo impedida. No entanto, isso
não é provar que o livre-arbítrio não exista, mas reconhecer que há fatores que
o prejudicam. Casos de grande gravidade e força que se irrompem sobre o homem
neutralizando seu livre-arbítrio são exemplos extremos e não a normalidade da
vida. São vários fatores que influem no exercício do livre-arbítrio, mas nenhum
o destrói por completo, nenhum pode ser apresentado como prova da sua
inexistência. Certamente é isso que faz Robert Sproul. Ele apresenta, em outras
palavras, o exemplo do sorvete e de querer continuar com uma dieta. O que for
maior na hora da decisão é que determinará a escolha. E afirma: “É simples
assim”. Isso é determinismo. Ele negou a liberdade de escolha por colocar o
poder no desejo mais forte para determiná-la. Se tomou o sorvete é porque o seu
desejo maior naquela ocasião foi pelo sorvete. Se não o tomou foi devido ao seu
desejo de ser magro ter sido maior que sua atração pelo sorvete!
Mas, o que isso
demostra é que o homem está fazendo escolhas livres, e que os motivos que
aparecem na sua mente são passíveis de deliberação, e que ele faz escolhas sem
coerções, usando seu livre-arbítrio. Não está provando o determinismo, porque o
desejo mais forte foi atendido, mas está provando a escolha que o homem fez
livremente. Tudo o que for escolhido será dito que foi o desejo mais forte.
Talvez isso seja um petittio principi.
Porém, isso não está de acordo com a realidade. É muito comum que uma escolha
voluntária seja feita contra os desejos, causando sentimento de descontentamento,
sendo feito por motivos de consciência, sem quaisquer outros fatores
determinantes, onde o indivíduo vê-se no uso de sua liberdade para aquela
escolha que, ainda assim, não o agrada.
De fato, o sorvete
poderá ser escolhido uma vez, porque o desejo de tomá-lo venceu, porque foi
escolhido, outra vez porque não houve desejo de tomá-lo por estar indisposto,
ou por qualquer outro motivo. Mas, ainda assim poderia ser tomado mesmo com
indisposição.
Outra vez poderá estar
muito ocupado, e ainda que o sorvete esteja à sua frente ele pode não querer
tomá-lo, por querer continuar com seus afazeres, ou pode tomar o sorvete
enquanto faz os seus afazeres, etc. Em todos os exemplos o motivo não
determinou a escolha, o desejo maior foi o que o homem quis escolher, porque
quis assim, e não o que impôs-se a ele para que a escolha fosse feita. Os
motivos e desejos não impõem as escolhas. É a vontade que, por meio da
deliberação dos motivos, escolhe. É por isso que é possível negar os desejos! É
por isso que os motivos podem ser inúmeros, e as ações indeterminadas! De fato,
o que Sproul mostrou não prova a liberdade determinada. Pelo contrário, prova o
livre-arbítrio. O livre-arbítrio age por motivos, e em circunstâncias normais é
livre para escolher o que mais lhe agrada, ou o que quiser, ainda que não lhe
agrade, ou deixar de escolher.
Na conversão, Deus dá a
graça para habilitar o homem a responder, para poder escolher livremente, e
assim ser justificado. A graça atual vem para preparar o homem para a
justificação, santificação e regeneração.
Continuando, ainda
pode-se usar de mais tempo para esclarecer esse tema tão controverso. Antes de
uma ação, o homem pode deliberar entre diferentes escolhas possíveis, e fazer a
escolha que julgar que deve fazer, ou decidir por uma das que vieram à sua
consciência por qualquer motivo que julgar mais apropriado, de forma que ele
realiza o ato segundo o que for da sua vontade. Faltando isso, ele não foi
livre. Se o motivo o determinou não houve liberdade.
Dessa forma, o fato
somente é determinado quando ocorrido. Assim, ele já não muda mais. Entre uma
escolha ou outra é o sujeito que decide, e não há no objeto apresentado nada
que determine sua escolha, nem seus desejos e inclinações interiores podem
levar ao ato de forma determinante.
Afirmar que o homem
sempre escolhe agir segundo a inclinação mais forte do momento é um petitio principii, como dito acima, pois
é o mesmo que afirmar que a inclinação é a mais forte porque ele a escolheu e a
tornou um ato, pois ele sempre escolhe a inclinação mais forte. O raciocínio
não prova nada. Se ao fazer qualquer escolha livre o homem age sem coerção
interna e externa, e escolhe livremente aquilo que mais o interessou no momento
for um argumento para negação do livre-arbítrio, então tudo isso não passa de
jogo de palavras, já que nada mudou na realidade.
Ainda, mesmo em Deus, o
Senhor absoluto da história, se usado essa argumentação de que Deus escolhe o
que vem à sua inteligência com maior força, necessariamente, então estaria com
isso negando a liberdade de Deus, o que é um absurdo.
Do mesmo modo, com tal
argumento estaria também negando não só o livre-arbítrio em relação à coisas
santas de Deus, à salvação, à união com Deus, mas não haveria livre-arbítrio
para absolutamente nada. O homem seria o escravo mais feliz, pois está sempre
escravizado por suas inclinações, e não vê nada forçando-o a fazer suas
escolhas que, na maioria das vezes, lhe trazem bem-estar. É uma forma de
argumento que volta-se contra tudo o que a teologia reformada propõe quando
fala da resistência à graça.
O homem poderia agir
livremente ao fazer escolhas morais, nas coisas referentes às suas atividades
terrenas, e não poderia responder à graça. Mas, como visto, mesmo às atividades
mais corriqueiras estaria escravizado pelas suas inclinações mais fortes a cada
momento. Por isso, quando a graça tocasse o homem ela apenas apresentaria uma
força maior dentre as demais inclinações que ele tinha então, e por isso ele o
estaria respondendo “livremente” como responde a tudo o que existe, sendo a
única diferença que nesse caso estaria escolhendo o que foi apresentado a ele
por Deus. Seria escravo antes e depois. Da mesma natureza seria a escolha de um
sorvete de morango com a escolha da graça. Essa doutrina não se encontra na
Bíblia Sagrada. A Bíblia mostra o homem como ser racional que se dirige com
motivos, com razões, e justamente nisso consiste o livre-arbítrio.
Na verdade, o apelo da
graça é um motivo apresentado ao pecador para que ele escolha livremente,
podendo de alguma forma rejeitá-lo, fazendo escolhas erradas. O livre-arbítrio
não é confundido com os gostos pessoais. Ninguém é livre para gostar de maçã,
mas há liberdade para comer maçã. Quem gosta de maçã não consegue não gostar,
mas ele pode comê-la ou não, ainda que tenha vontade para isso. Ou pode também
comê-la ou não ainda que sem vontade no momento. Parece que às vezes há
exemplos que identificam liberdade com gostos, o que é algo errôneo.
Ainda, é da experiência
humana que é possível alguém que não goste de maçã passe a gostar depois de
algum tempo comendo maçã. Isso não é garantido, mas existe a possibilidade, o
que prova que os gostos podem mudar. O livre-arbítrio é de outra natureza, e
faz parte do ser racional.
Para mais um exemplo,
animais podem aprender a gostar de alimentos que naturalmente não comeriam.
Cachorros podem beber sucos, refrigerantes, comer doces, frutas, etc., embora
não seja esperado que naturalmente gostem de tais coisas. Para dizer o mínimo,
dificilmente deixarão de gostar de carne. E cachorros não são livres, mas
seguem os seus instintos. A discussão da liberdade não pode estar no campo das
preferências individuais ou da espécie. Por exemplo, o cão não está livre de
gostar de carne, pois é da natureza canina ser carnívoro. No entanto, ele
prefere a carne livremente no sentido de não ser coagido a tal escolha. Isso é
afirmado somente para fins de reflexão, visto que o estudo aqui trata as
objeções a partir da Palavra de Deus, a Bíblia, e raciocina a partir dos dados
inspirados.
Gledson Meireles.